MEDIAÇÃO PRIVADA – CONCEITO, TÉCNICAS, MODELOS E ASPECTOS RELEVANTES DA LEI 13.140 de 2015 – MARCO LEGAL DA MEDIAÇÃO

MEDIAÇÃO PRIVADA – CONCEITO, TÉCNICAS, MODELOS E ASPECTOS RELEVANTES DA LEI 13.140 de 2015 – MARCO LEGAL DA MEDIAÇÃO

30 de setembro de 2024 Off Por Cognitio Juris

PRIVATE MEDIATION – CONCEPT, TECHNIQUES, MODELS, AND RELEVANT ASPECTS OF LAW 13.140 OF 2015 – THE LEGAL LANDMARK FOR MEDIATION

Artigo submetido em 02 de setembro de 2024
Artigo aprovado em 10 de setembro de 2024
Artigo publicado em 30 de setembro de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 56 – Setembro de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Luciana Sousa Ribeiro[1]

RESUMO: O presente trabalho tem a intenção de discorrer sobre temas relevantes trazidos na Lei 13.140, de 26 de junho de 2015 (Brasil, 2015), que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. A ênfase deste estudo é a mediação privada. No decorrer do texto, serão abordados os princípios que regem a mediação privada, técnicas, modelos e aspectos relevantes desta forma de solução alternativa de conflitos, que necessita principalmente de uma maior visibilidade, confiança das partes e da orientação de seus causídicos para sua plena implementação no ordenamento jurídico pátrio. Este estudo não tem a pretensão de esgotar o tema, apenas tentar contribuir para seu necessário desenvolvimento.

Palavras-chave: Mediação. Métodos Extrajudiciais de Solução de Conflitos. Mediação Privada. Princípios. Técnicas. Autonomia Privada. Procedimento. Processo. Judiciário.

ABSTRACT: The present study aims to discuss relevant topics introduced in Law 13.140, of June 26, 2015 (Brazil, 2015), which governs mediation between private parties as a means of dispute resolution and the amicable settlement of conflicts within the public administration. The focus of this study is on private mediation. Throughout the text, the principles governing private mediation, techniques, models, and relevant aspects of this alternative dispute resolution method will be addressed, emphasizing the need for greater visibility, trust from the parties, and guidance from their legal representatives for its full implementation in the Brazilian legal system. This study does not intend to exhaust the subject but rather to contribute to its necessary development.

Keywords: Mediation. Negociation. Consense. Alternative Methods.

INTRODUÇÃO

Existem meios autônomos e heterônomos de resolução dos conflitos decorrentes das relações humanas. Atualmente dispõe-se de meios extrajudiciais de resolução de conflitos, além daqueles judiciais tradicionais caracterizados especialmente pelo alto custo, desgaste das partes e morosidade. Entre tais alternativas, a mediação se funda na conduta de determinado agente, como terceiro imparcial, sobre os interesses conflitantes das partes envolvidas, tentando alcançar a composição, cujo teor será, no entanto, construído pelos próprios envolvidos.

Este trabalho tem como objetivo geral discutir a mediação privada enquanto meio adequado de resolução de conflitos, especialmente sob o contexto da Lei 13.140, de 26 de junho de 2015.

Fregapani (2017, p. 99) especifica que no problema dos tempos modernos, “deve-se priorizar as formas alternativas de resolução de conflitos, até mesmo como meio de evitar o processo, por serem soluções capazes de resolver diversas controvérsias”, como aquelas de natureza de direito do consumidor, a composição de danos, direito de vizinhança, certos problemas familiares e muitas outras disputas que dizem respeito aos direitos disponíveis e indisponíveis (mas transigíveis), que poderiam encontrar, por meios alternativos, uma solução rápida, mais econômica e pacífica.

Nesse sentido, o autor também explica que os meios adequados de resolução de conflitos:

são os institutos seculares e certamente utilizados desde as primeiras aglomerações sociais da história humana. Esses institutos, que, acolhidos e desenvolvidos pelo direito de praticamente todos os países, são hoje considerados formas efetivas de pacificação social com a incrível característica de ajudar a flexibilizar o exercício da função judiciária, reduzindo consideravelmente a pendência judicial (Fregapani, 2017, p. 99).

Bacellar (2012, p.109) argumenta que “todos os seres humanos têm necessidades a serem satisfeitas e, por isso, terão conflitos com outros seres humanos igualmente motivados a satisfazer sua escala de necessidades”, assim, estamos presenciando uma realidade marcada de conflitos, em diversos contextos, que fazem parte do nosso cotidiano, que podem ser resolvidos por eles próprios, sem a intervenção de terceiros. No entanto, a intervenção é necessária para os outros, mesmo que seja não necessariamente a do Judiciário.

O Conflito é aplicado na linguagem jurídica para indicar oposição, encontro, expectativa, reivindicação. Assim, dá o sentido de um choque de ideias, interesses ou sentimentos, em virtude do qual se forma o choque ou divergência entre fatos, coisas ou pessoas (Burbridge; Burbridge, 2012).

Da mesma forma, Berg (2012) trata o conflito como um estado de ideias, pessoas ou interesses opostos; basicamente existem apenas opiniões e circunstâncias divergentes ou incompatíveis. Quando as ideias colidem, elas colidem nas mais diversas áreas imagináveis. Embora muitas pessoas tratem o conflito de forma negativa, ele deve ser visto como algo natural e necessário para fins de questionamento, para que mudanças e inovações ocorram ao longo do tempo.

Ainda conforme o autor, o conflito é hoje inevitável e sempre evidente. No entanto, entendê-lo e saber gerenciá-lo torna-se fundamental para o sucesso pessoal e profissional. Diante dessas lições, é possível perceber a relevância desse assunto, e como se pode recorrer a formas alternativas e adequadas de resolução de conflitos, evitando o desgaste dos envolvidos, altos custos e lentidão na resolução da controvérsia. No entanto, a sociedade ainda não sabe como lidar com esta situação, por isso é necessário desenvolver ideias e o crescimento das pessoas em torno deste tema. As pessoas muitas vezes têm pensamentos negativos sobre o conflito.

Os indivíduos, por sua natureza, vivem em sociedade, o que os leva a coordenar suas atividades, seus desejos, seus interesses particulares, aproximar-se de seus pares e estabelecer relações para que, ao final, cada um cumpra uma função social.

Dessa forma, o conflito surge quando há posições divergentes, sendo o resultado natural das diferenças entre os seres humanos e da insatisfação de seus desejos, existindo em qualquer relação, mesmo que momentânea, não podendo, no entanto, ser interpretada como algo negativo, pois constitui um importante fator de mudanças sociais, individuais e coletivas (Rocha, 2017).

Uma vez iniciada a disputa, a resolução pode partir dos próprios litigantes, por autoproteção (quando os atores sacrificam parte de seus interesses por concessões mútuas) e por autocomposição (quando uma das partes impõe o sacrifício dos interesses de outros), ou por decisão de terceiro, a chamada heterocomposição, que se dá por meio de arbitragem ou foro (Guerra Filho, 2014).

A excessiva jurisdicionalização dos conflitos, ou seja, a busca do poder-dever de exercer a justiça estatal por órgãos estatais especializados, tem causado o assoberbamento ao se persistir na prática do modelo de conflito, a fim de obter a solução por decisão judicial. É evidente que o judiciário há anos sofre um momento de sobrecarga devido ao excesso de julgamentos, o que obriga a busca de novos mecanismos, mais eficientes em termos de celeridade e eficiência, que permitam que as questões sejam resolvidas em suspensão fora do âmbito da justiça estadual (Beraldo, 2012).

Noutro aspecto, é bastante comum o sentimento de descontentamento de ambas as partes do processo com o provimento jurisdicional, indicando que a solução poderia ter sido implementada com um acordo prévio entre elas, sem a burocracia, os custos e os dissabores emocionais do processo judicial.

Nesse sentido, vale mencionar a elucidativa reflexão de Thaís Schilling Ferraz, sobre a conciliação e a mediação:

A vida forense diária ensina que a melhor sentença não tem maior valor que o mais singelo dos acordos. A jurisdição, enquanto atividade meramente substitutiva, dirime o litígio, do ponto de vista dos seus efeitos jurídicos, mas na imensa maioria das vezes, ao contrário de eliminar o conflito subjetivo entre as partes, o incrementa, gerando maior animosidade e, em grande escala, transferência de responsabilidades pela derrota judicial: a parte vencida dificilmente reconhece que seu direito não era melhor que o da outra, e, não raro, credita ao Poder Judiciário a responsabilidade pelo revés em suas expectativas. O vencido dificilmente é convencido pela sentença e o ressentimento, decorrente do julgamento, fomenta novas lides, em um círculo vicioso. Na conciliação, diferentemente, não existem vencedores nem perdedores. São as partes que constroem a solução para os próprios problemas, tornando-se responsáveis pelos compromissos que assumem, resgatando, tanto quanto possível, a capacidade de relacionamento […].[2]  

A construção de soluções adequadas às reais necessidades e possibilidades dos interessados é muito mais efetiva, uma vez que possibilita que as próprias partes tratem de seus conflitos de maneira autônoma, o que traz maior satisfação a todos os envolvidos. A imposição de uma decisão de um superior hierárquico pode ser substituída por um plano de ação colaborativo entre as partes conflitantes.

Uma decisão judicial pode muitas vezes pôr fim a uma demanda, mas dificilmente põe fim ao conflito de maneira igualmente satisfatória aos atores do processo, ao contrário de um acordo advindo da mediação.

Por outro lado, a necessidade de celeridade da disposição judicial levou à inserção no artigo 5º da CF/88, pelo legislador constituinte, derivado, pela CE nº 45/04, do artigo LXXVIII, garantindo toda a duração razoável do julgamento: “Art. 5º, LXXVIII, CF/88 – a todos, nas esferas judicial e administrativa, é assegurada a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de seu processamento”.

Nesse contexto, diante da “incapacidade” do poder estatal em resolver os litígios jurídicos com celeridade, eficiência e dinamismo judicial, era imperativa a adoção de novas formas de resolução de conflitos, que visassem não apenas “ativar a justiça”, por meio dos órgãos judiciários, mas também para facilitar o acesso a uma ordem jurídica justa (Salomão, 2015).

Não basta alargar o âmbito de pessoas e casos que podem recorrer à jurisdição, é também fundamental melhorar a ordem processual internamente, permitindo-lhe oferecer resultados úteis e satisfatórios a quem busca o processo. O trabalho efetivo de melhoria deve ser pautado pelo trinômio (a qualidade dos serviços judiciários, a tempestividade da proteção oferecida pelo processo e sua efetividade), não basta que o processo produza decisões intrinsecamente justas e bem colocadas, mas tardias ou que não se traduz em resultados práticos desejáveis; proteção judicial efetiva e rápida também é indesejável quando é injusta (Beraldo, 2012).

Além disso, os meios alternativos de resolução de conflitos são técnicas importantes para a pacificação social, pois essa forma de composição não adversarial representa uma proposta promissora para diminuir a crise do judiciário, com a redução de processos, maior celeridade dos que já estão em andamento, permitindo assim um melhor acesso à justiça e uma maior eficiência na prestação da tutela jurisdicional.

De acordo com Fernanda Levy (2013, p. 17):

Enquanto a arbitragem é meio que proporciona às partes uma decisão imposta por um terceiro, baseada assim no paradigma da adjudicação, só que no campo privado, a mediação, conciliação e negociação são instrumentos que propiciam a composição das partes, que constroem, com o auxílio de um terceiro, uma solução que melhor atenda às suas necessidades. Nessa esteira, a mediação, a negociação e a conciliação são institutos mais próximos entre si, gerando inclusive controvérsias acadêmicas e práticas quanto à sua definição. É interessante constatarmos que mesmo entre aqueles que estudam e praticam meios consensuais há controvérsias, o que só confirma o fato de que não há vida sem conflitos, inclusive acadêmicos, e que eles geram avanços e novas descobertas, melhor ainda se pautados no respeito à opinião alheia e nas regras de boa convivência.

Como assinala Francisco José Cahali, incentivada a mediação e a conciliação judiciais “provoca-se também o desenvolvimento destes meios alternativos de solução de conflitos no âmbito privado, pois, em última análise, estar-se-á valorizando a cultura da conciliação, a cultura da pacificação”. (Cahali, 2022, RB-2.4.)

Em termos estatísticos, e segundo relatório mais recente do Justiça em Números de 2022 (ano base 2021) (CNJ, 2022), ao final de 2021 existiam 77,3 milhões de ações judiciais em tramitação, excluídos os 15,3 milhões de processos sobrestados, em arquivo provisório ou aguardando alguma situação futura. Desse modo, desconsiderados tais processos, tem-se que, em andamento, no final do ano de 2021, existiam 62 milhões de ações judiciais.

De acordo com o levantamento do Conselho Nacional de Justiça, o ano de 2017 foi marcado como sendo o primeiro ano da série histórica em que se constatou freio no acervo processual, que vinha crescendo desde 2009 e manteve-se relativamente constante em 2017. Em 2018, pela primeira vez, houve redução no volume de casos pendentes, fato que se repetiu por ainda mais dois anos, em 2019 e 2020, acumulando uma redução de R$ 3,6 milhões entre 2017 e 2020. Em 2021, com a retomada de parte dos serviços presenciais em decorrência da pandemia causada pela covid-19, o acervo retomou a patamares próximos ao verificado em 2019.

Durante o ano de 2021, em todo o Poder Judiciário, ingressaram 27,7 milhões de processos e foram baixados 26,9 milhões. Houve crescimento dos casos novos em 10,4%, com aumento dos casos solucionados em 11,1%. Tanto a demanda pelos serviços de justiça, como o volume de processos baixados foram reduzidos em 2020 em razão do ano pandêmico e, em seguida, em 2021, voltaram a subir. Os números de 2021, contudo, ainda não retornaram aos patamares pré-pandemia, referentes ao ano de 2019. Durante o ano de 2021, foram julgados 27 milhões processos, com aumento de 2,7 milhões de casos (11,3%) em relação a 2020. Registra-se, também, crescimento acumulado de 12,1% da produtividade em 13 anos, mesmo após a retração sofrida em 2020.

A taxa de congestionamento da Justiça Estadual brasileira chega a 74,2%. Em média, a cada grupo de cem mil habitantes, 11.339 ingressaram com uma ação judicial no ano de 2021. Houve aumento em 9,9% no número de casos novos por mil habitantes em 2021, em relação a 2020. Já o índice de conciliação obteve pequeno aumento, passando de 11,0% em 2020 para 11,9% em 2021. O TJSP apresenta índice de conciliação de 8,7%. O primeiro lugar é ocupado pelo TJRJ, que detém o índice de 16,2%.

A mediação e conciliação, como métodos adequados de solução de conflitos, se mostram uma solução efetiva e possível para a melhora deste cenário. Não se pode perder de vista que um alto índice de mediação extrajudicial tem o condão de diminuir as demandas judiciais e isso é uma grande vantagem para a situação judicial brasileira.

A mediação é um método autocompositivo eficaz, normalmente com baixo custo para as partes, e alto índice de satisfação entre os que dela participam. Mostra-se mais indicada e eficaz na resolução de conflitos onde as partes já tiveram ou continuarão a ter relações duradouras, como é o típico caso dos acionistas no âmbito do direito empresarial, ou os ex-cônjuges, vizinhos, herdeiros.

O desenvolvimento desse sempre atual tema, deve-se ao fato de que a solução de controvérsias por meio dos métodos autocompositivos facilita o rápido deslinde do conflito, que em sua maioria, desaguaria no poder judiciário. Pretende-se por esse estudo realizar uma breve revisão legislativa e doutrinária da mediação privada no ordenamento jurídico pátrio. Para tanto, serão trazidos conceitos básicos acerca da mediação privada, seu procedimento, o papel do mediador e os principais temas debatidos na atualidade acerca do tema.

MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA

A presente pesquisa, desenvolvida durante o segundo semestre de 2023, organizou-se em torno da análise da mediação privada, prevista na Lei 13.140, de 26 de junho de 2015, tendo como base teórica a doutrina, a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, o Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o site do Instituto Brasileiro de Direito de Família e o Banco de Teses e Dissertações da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, além dos bancos eletrônicos SciELO, Google Scholar e Cairn.

EVOLUÇÃO DA MEDIAÇÃO

            Para muitos autores, o Programa de Negociação da Universidade de Harvard, de 1983, é considerado como um marco para a mediação, por consistir no primeiro núcleo interdisciplinar de negociação do mundo que realizou estudos científicos acerca do instituto, passando a tratá-la como método de negociação dessa escola.

No Canadá e Europa, a mediação também teve um impulso extraordinário a partir da década de 90.

Em Quebec, no Canadá, segundo assevera Valéria Lagrasta (2019, p. 210), “há um atendimento de pré-mediação obrigatório nos casos de família, onde as partes devem comparecer para uma entrevista, na qual são informadas sobre a mediação e seu procedimento, as obrigações do mediador e dos advogados”. Só após determinado prazo é que as partes devem optar pela tentativa de mediação ou pelo julgamento da causa. Não é permitido o acesso direto ao judiciário sem a mediação prévia.

Na China, a mediação é instância obrigatória de acesso à justiça com as chamadas Comissões Populares de Mediação. Na Europa, o marco do desenvolvimento dos métodos adequados de resolução de controvérsias é a Diretiva da Mediação da União Europeia de 2008, destinada a fornecer diretrizes para mediação em matéria cível e comercial. A norma criou padrões regulamentares mínimos incentivando o instituto, mas deixando a cargo de cada estado membro sua efetiva regulamentação.

No Brasil, a expansão das atividades conciliatórias somente se efetivou novamente em 1984 com a Lei de Pequenas Causas e, posteriormente, com a Lei 9099/95 dos Juizados Especiais, em que se pode perceber uma utilização mais efetiva do instituto.

A Constituição da República de 1988 trouxe questões pertinentes aos métodos autocompositivos. Primeiramente, tentou levar ao juiz de paz novamente o exercício de atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, na forma da lei, nos termos do seu artigo 98, inciso II. Entretanto, até a presente data a matéria não foi objeto de lei ordinária

que a regulamente. A CR trouxe igualmente em seu preâmbulo, a referência à conciliação, ao destacar a busca comprometida pela solução pacífica das controvérsias.

            Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, com o advento da Resolução n. 125, trouxe disposições específicas sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesse no âmbito do Poder Público, regulamentando os serviços que envolvam os métodos adequados de solução de conflitos, especialmente mediação e a conciliação, de forma que a sociedade tenha acesso a ordem jurídica justa. Esta Resolução criou os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, os CEJUSCs, que são ligados aos Tribunais de Justiça, e trabalham com os métodos autocompositivos em geral, além de prestar serviços de cidadania à população que os procuram.

            Em avanço ao implemento das formas extrajudiciais de resolução de conflitos, o Código de Processo Civil (CPC) trouxe previsão no sentido de determinar que os métodos consensuais deverão, sempre que possível e a qualquer tempo, ser estimulados pelos operadores do direito, seja através da conciliação ou por meio da mediação.

O CPC/2015, em seus artigos 165 e seguintes, definiu os deveres do conciliador e mediador, realizando uma comparação de objetivos destes meios ao destacar que enquanto o conciliador deve atuar nos casos em que não houve vínculo anterior entre as partes, o mediador atuará preferencialmente nos casos em que este vínculo estiver presente.

Consignou o CPC que o conciliador poderá atuar mais ativamente sugerindo soluções para a resolução do conflito, ao passo que ao mediador caberá restabelecer uma

comunicação entre os envolvidos para eles mesmo construam uma solução adequada ao

conflito por eles vivido.

No mesmo ano, foi promulgada a Lei da Mediação, Lei 13.140 de 2015, que na esteira do Código Processual Civil Brasileiro, veio dispor sobre o instituto, porém, desta vez, dando maior ênfase à mediação entre particulares como solução de conflitos e à autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Sobre a mediação privada é que se propõe, em seguida, a discorrer.

MEDIAÇÃO PRIVADA – CONCEITO LEGAL E DOUTRINÁRIO

Segundo o parágrafo único do artigo 1º da Lei 13.140/2015, a medição é definida como “a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”

Portanto, pelo estrito conceito legal, a mediação nada mais é do que a facilitação da resolução de um conflito vivido pelas partes através de um terceiro neutro ou imparcial (mediação facilitativa, que se distingue da mediação valorativa, na qual o mediador assume função de oferecer às partes sugestões para a resolução de conflitos).

Para Fernanda Levy:

Com tantas possibilidades e riquezas de abordagens, entende-se a Mediação como um meio consensual e voluntário de prevenção, condução e pacificação de conflitos, conduzido pelo mediador, pessoa que, devidamente capacitada, atua como terceiro imparcial, sem o poder de julgar ou sugerir, acolhendo os mediandos no sentido de propiciar-lhes a oportunidade de comunicação recíproca e eficaz para que eles próprios construam conjuntamente a melhor solução para o conflito  (Levy, 2013, p. 26).

Nas palavras de Lília Maia de Moraes Sales:

A mediação possui vários objetivos, dentre os quais se destacam a solução dos conflitos (boa administração do conflito), a prevenção da má administração de conflitos, a inclusão social (participação efetiva, conscientização de responsabilidades e dos direitos, acesso à justiça) e a paz social. Ressalta-se que, ao se alcançar a comunicação entre as partes, já se pode considerar uma mediação exitosa, tendo em vista que o restabelecimento do diálogo permite, se não no momento imediato, a solução de conflito em momento posterior. Ressalta-se a transformação do conflito a partir do diálogo também como objetivo da mediação, percebendo-se que por meio da mediação de conflitos e, em função de suas especificidades, a solução do problema passa pela ressignificação de interesses e de valores, possibilitando de fato a transformação do conflito (Sales, 2010, p. 5)

Existem dois procedimentos a depender de onde as sessões de mediação se realizam. A mediação pode ser judicial, quando ocorre dentro do poder judiciário e é por ele controlada, ou extrajudicial, quando acontece de forma privada onde as partes, neste caso, podem prevê-la por meio de cláusula contratual, ou escolher sua utilização a qualquer tempo de maneira voluntária e informal.

Trata-se de uma técnica autocompositiva que pode ser empregada em diversas áreas de conflito, inclusive empresarial, administrativas, improbidade. O fomento ao uso dos métodos adequados de resolução de controvérsias faz com que este campo venha a ser cada vez mais utilizado em detrimento das formas impositivas de solução das disputas.

Pode ser objeto da mediação qualquer conflito, ou parte dele, que verse sobre direitos disponíveis ou mesmo direitos indisponíveis, desde que transacionáveis. É o que ocorre com o direito empresarial, bem como direito do consumidor, vizinhança, família, contratual, trabalhista, entre outros. Todavia, é mais utilizada para aqueles conflitos em que há uma relação permanente entre as partes e necessidade de continuidade do relacionamento, para os quais muitas vezes uma solução proferida por meio de sentença judicial não deixará nenhuma das partes plenamente satisfeitas.

É possível observar que a mediação empresarial, que mais tende a adotar a forma privada, em especial, busca reduzir o desgaste comercial, emocional e o custo financeiro que uma disputa judicial poderia trazer para as partes e ainda para a sociedade empresarial.

            Cabe salientar que o acesso à justiça em momento algum é retirado da parte com a cláusula compromissória de mediação, que será melhor explicada adiante, uma vez que ele continuará tendo o acesso jurisdicional caso frustrada a tentativa conciliatória, ou mesmo que ele desista da mediação a qualquer momento.

Ademais, importante frisar que a mediação tem se mostrado extremamente eficiente, com êxito em mais de 80% dos casos, especialmente quando ocorre na fase pré-processual. É uma oportunidade de resolver o conflito diante de menor custo para os envolvidos.

Na mediação, ao oposto do que acontece no processo arbitral, onde o árbitro impõe a decisão a partir de sua análise do caso concreto e com base no direito posto, as partes podem construir a melhor solução que o caso pedir, sem necessariamente se ater a direitos legais claros e com ênfase no trato futuro, sempre preservando as relações entre as partes.

Outra vantagem é que o método da mediação se mostra mais barato e rápido se comparado à arbitragem. Muitas vezes, a situação objeto de conflito é urgente e precisa ser resolvida de forma ágil.

Segundo assevera Fernanda Tartuce (2019, p. 661):

A principal vantagem da mediação seria a composição da resolução do conflito pelos próprios envolvidos, protagonistas do desfecho, o que lhes permite a elaboração dos ajustes condizentes com a realidade das partes e aptos ao cumprimento voluntário, além de reestabelecer uma importante comunicação entre eles.

A mediação, como ferramenta de resolução de conflitos, busca precipuamente o restabelecimento da comunicação, a preservação do relacionamento das partes, prevenção de futuros conflitos evitáveis, a inclusão e a pacificação social. A busca por acordo não deve ser o único objetivo da mediação. Nesse sentido, deve-se destacar a edição do Enunciado 625 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “o sucesso ou insucesso da mediação ou da conciliação não deve ser apurado apenas em função da celebração de acordo”.

PRINCÍPIOS QUE REGEM A MEDIAÇÃO PRIVADA.

O instituto da mediação é informado pelos princípios constantes do artigo 166 do

Código de Processo Civil de 2015 e do artigo 2ª da Lei de Mediação, dentre eles: a independência, imparcialidade do mediador, isonomia entre as partes, oralidade, informalidade, decisão informada, autonomia da vontade das partes, busca do consenso, confidencialidade e boa-fé.

            Fernanda Tartuce (2019, p. 203) afirma que:

 A observância dos princípios da mediação é crucial para que sua prática seja realizada de forma adequada em proveito das pessoas em crise. Jurisdicionados e advogados brasileiros padeceram de muitas mazelas ao longo dos anos por conta de práticas enviesadas que, apesar de denominadas conciliatórias, não respeitavam princípios nem técnicas, revelando uma perversa busca de extinção de processos judiciais a qualquer custo.

            De plano, e entre os mais valiosos princípios norteadores da mediação, vale destacar a autonomia das partes, que assegura o caráter de voluntariedade, de forma que os envolvidos no conflito podem escolher dela participar ou interrompê-la a qualquer tempo. Nas palavras de Fernanda Levy (2013, p. 27), “ainda que algumas legislações e práticas prevejam a mediação obrigatória, a obrigatoriedade se refere à participação de uma sessão informativa sobre mediação e se justifica pela necessidade de ultrapassar a barreira da resistência e desconhecimento acerca do instituto”. Após seu término, as partes optam por participar ou não na mediação. Assim, preserva-se a autonomia de vontade dos envolvidos.

Não se pode conceber a mediação se uma das partes, voluntariamente, não desejar fazer parte do procedimento. A opção dos conflitantes em se submeter à mediação encontra-se positivada no artigo 2º, V, da Lei 13.140/2015. A autonomia da vontade deve ser encarada também sob o prisma da liberdade das partes.

A boa-fé, contida no artigo 422 do Código Civil, acrescenta à esfera privada os deveres laterais da boa-fé objetiva, exigindo-se das partes, no decorrer de todas as etapas da relação, padrões de conduta e comportamento fundados principalmente na lealdade e confiança. Para Vioti (Viotti, 2022), a boa-fé refere-se ao comportamento das partes desde a negociação até o efetivo cumprimento do negócio jurídico, compreendidas como deveres de conduta baseados em dever de correção, de cuidado, de segurança, de informação, de cooperação, de sigilo, de prestar contas, acompanhadas de atitudes cooperativas, honestas, probas e leais.

            Por sua vez, a imparcialidade do mediador encontra-se prevista no art. 2º, V, da Lei 13.140/2015 bem como no art. 166 do Código de Processo Civil, e impõe que o mediador, na posição de terceiro facilitador, se atente para que seus valores e julgamentos pessoais não possam interferir na condução do procedimento. A qualquer tempo, o tratamento ofertado às partes pelo mediador deve ser igual e equidistante (que acaba por adentrar no princípio da igualdade de partes).

Além disso, segundo Levy (2013), qualquer vínculo anterior do mediador com os envolvidos deve ser revelado e a mediação só acontecerá com a aceitação expressa de todos os envolvidos. A confiança na imparcialidade do mediador é condição sine qua non para a validade da mediação.

A independência, nas palavras de Fernanda Levy (2013, p. 28):

Igualmente figura como princípio da mediação, assegurando a todos os seus participantes blindagem contra qualquer imposição alheia ao processo, de quem quer que seja. Em relação às partes, a independência está relacionada à própria autonomia da vontade que deve ser livre de qualquer vício que a contamine. Já em relação ao mediador, esse princípio assume maior relevância quando a mediação ocorre de maneira institucionalizada, por exemplo, em centros de mediação governamentais, de entidades filantrópicas ou em câmaras de mediação. O mediador é senhor do processo de mediação e é livre para se recusar a dela participar, encerrar o processo a qualquer momento, manter o sigilo da mediação e tomar todas as atitudes que julgar convenientes e necessárias para o desenrolar ético da mediação.

Segundo Cahali (2022, p. RB-3.2.):

 O mediador não deve ter qualquer vínculo anterior com uma das partes, e/ou com os valores/ideias ligadas àquela mediação. Para tanto, obriga-se a revelar as circunstâncias que eventualmente colocariam em dúvida essa independência. E assim fará durante todo o procedimento, prestando informações que possam, aos olhos das partes, gerar desconfiança. Entendemos, porém, que, cientes as partes das circunstâncias envolvendo o mediador e as possíveis repercussões, nada impede que o escolham ou aceitem. Neste campo vige o princípio da autonomia da vontade, possibilitando a aceitação da situação em caráter excepcional.

Dessa maneira, cabe ao mediador o dever de revelar as partes qualquer circunstância que possa “suscitar dúvida justificada em relação à sua imparcialidade para mediar o conflito”. Ou seja, em tese, não é qualquer fato que aciona o dever de revelação, mas aquele que se mostra sério e relevante, isto é, aquele que denota (rectius: que é apto a ensejar) dúvida justificada quanto à imparcialidade e independência do mediador. O dever não abrange, assim, fato trivial ou insignificante.

Nesse sentido, por analogia, menciona-se o disposto no artigo 14, §1º da Lei de Arbitragem, segundo o qual há dever de revelação apenas se “o fato que denot[ar] dúvida justificada quanto à sua imparcialidade ou independência [do julgador]”.

Em outros termos, para contaminar o termo final de mediação, além de relevante, o fato não revelado deve se mostrar apto a colocar em dúvida a independência e imparcialidade do mediador. Assim, é plenamente possível que um fato atenda ao requisito menos exigente para acionar o dever de revelação (i.e. denotar dúvida justificada quanto à imparcialidade do mediador), mas não atenda ao requisito mais exigente para contaminar a mediação (i.e. causa a falta de imparcialidade do mediador).

Em tempo, e guardadas as devidas proporções, é aplicável o enunciado 110 da II Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios: “a omissão do árbitro em revelar às partes fato que possa denotar dúvida quanto à sua imparcialidade e independência não significa, por si só, que esse árbitro seja parcial ou lhe falte independência, devendo o juiz avaliar a relevância do fato não revelado para decidir ação anulatória”.

Sobre a competência, é certo que a mediação deve sempre ser conduzida por terceiro devidamente qualificado, ante a complexidade do procedimento, de modo que o mediador somente deve atuar quando devidamente capacitado, atualizado e ciente da importante função que irá desempenhar.

No que toca à confidencialidade, tem-se que todas as informações, documentos, propostas diálogos, enfim, todos os fatos trazidos à mediação estão protegidos pelo sigilo frente a terceiros e aos envolvidos, no caso de encontros privados, salvo previsão expressa em sentido contrário, estabelecida entre os mediandos e o mediador e excepcionalmente frente ao contexto, como por exemplo, em controvérsias que envolvam questões públicas. Assim, o mediador está impedido de testemunhar a respeito do conteúdo da mediação (Levy, 29).

            Sobre o tema, a Lei 13.140/2015 reserva seção específica e detalhada, a partir de seu artigo 30:

Art. 30. Toda e qualquer informação relativa ao procedimento de mediação será confidencial em relação a terceiros, não podendo ser revelada sequer em processo arbitral ou judicial salvo se as partes expressamente decidirem de forma diversa ou quando sua divulgação for exigida por lei ou necessária para cumprimento de acordo obtido pela mediação.

§ 1º. O dever de confidencialidade aplica-se ao mediador, às partes, a seus prepostos, advogados, assessores técnicos e a outras pessoas de sua confiança que tenham, direta ou indiretamente, participado do procedimento de mediação, alcançando:

I – declaração, opinião, sugestão, promessa ou proposta formulada por uma parte à outra na busca de entendimento para o conflito;

II – reconhecimento de fato por qualquer das partes no curso do procedimento de mediação;

III – manifestação de aceitação de proposta de acordo apresentada pelo mediador;

IV – documento preparado unicamente para os fins do procedimento de mediação.

§ 2º. A prova apresentada em desacordo com o disposto neste artigo não será admitida em processo arbitral ou judicial.

§ 3º. Não está abrigada pela regra de confidencialidade a informação relativa à ocorrência de crime de ação pública.

§ 4º. A regra da confidencialidade não afasta o dever de as pessoas discriminadas no caput prestarem informações à administração tributária após o termo final da mediação, aplicando-se aos seus servidores a obrigação de manterem sigilo das informações compartilhadas nos termos do art. 198  da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.

Art. 31. Será confidencial a informação prestada por uma parte em sessão privada, não podendo o mediador revelá-la às demais, exceto se expressamente autorizado. (Brasil, 2015b)

O Enunciado 47 da primeira Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios esclarece que os mediadores e conciliadores devem respeitar os padrões éticos de confidencialidade na mediação e conciliação, não levando aos magistrados dos seus respectivos feitos o conteúdo das sessões, com exceção dos termos de acordo, adesão, desistência e solicitação de encaminhamentos, para fins de ofícios. Sobre o dever de confidencialidade, deve-se destacar ainda o enunciado 208 da mesma Jornada, que prevê que a apresentação de uma proposta de acordo, antes ou durante o litígio, por si só, não pode ser interpretada como reconhecimento do direito da parte contrária nem como indício de plausibilidade do direito por ela alegado.

Por sua vez, o princípio da transparência vem esclarecer que todo o procedimento deverá ser conduzido pelo mediador com idoneidade, sendo todas as informações sobre o processo transmitidas aos mediandos e, se for o caso, aos seus advogados, de maneira clara e objetiva. “Os envolvidos devem estar devidamente informados sobre os limites da mediação, bem como seus procedimentos e objetivos’ (Levy, 2013, p. 29).

O Código de Ética do Fórum Nacional de Mediação, ao tratar do princípio do respeito enfatiza o dever que o mediador tem em “agir, essencialmente, com sensibilidade, solidariedade, cooperação, bom senso e humildade para com os mediandos, levando-se em consideração que são estes os protagonistas do processo”. Essas atitudes são extensivas a todos os envolvidos na mediação, partes, advogados, juízes, promotores e quem mais participar diretamente ou indiretamente da mediação. Assim, devem eles respeitar-se e respeitar a mediação.

            Francisco Cahali (2022, p. RB-3.2) acrescenta ainda o princípio do acolhimento das emoções dos mediandos:

No pressuposto de que o mediador irá mergulhar nas profundezas de um conflito, investigando as relações subjetivas que ensejaram as divergências, importante elemento a ser reconhecido é a emoção dos mediados. As emoções motivam as ações, interferem na razão, transformam sensações, provocam atenção seletiva, e, dentre outros impactos no pensamento, na linguagem, na expressão e na conduta, também influenciam as percepções.

Todo o procedimento da mediação deve ser conduzido com absoluto respeito, pautando-se, sobretudo, no princípio da boa-fé dos participantes, o que significa dizer que aqueles que consentem em submeter seus conflitos ao ritual, devem fazê-lo com honestidade e lealdade, em momento anterior, durante todo o seu desenrolar e mesmo após o término da mediação, e também na fase de cumprimento das obrigações assumidas.

            Não menos importantes, os princípios da informalidade e oralidade devem reger o procedimento, como forma de, não dispensando o procedimento legal e clareza, alcançar os objetivos da mediação de maneira célere, clara e acessível às partes.

TÉCNICAS E MODELOS DA MEDIAÇÃO PRIVADA

            Muszkat (2008) considera que há vários tipos de mediação. São eles: o modelo linear e tradicional de Harvard, o modelo circular narrativo, o modelo transformativo, o modelo interdisciplinar e o modelo integrativo.

            Neste estudo, por limitações técnicas, trataremos apenas dos três principais modelos que vêm sendo mais adotados nos procedimentos de mediação.

            O Projeto da Harvard Law School foi o percursor para os indivíduos que buscavam solucionar seus conflitos pela via do diálogo. Tal modelo foi resultante de uma pesquisa que identificou dois tipos de negociador: o afável, que faz concessões, troca posições, por identificar a outra parte como parceira; e o rígido, que nunca muda de posição, tenta “vencer” disputas, pensa em si e vê a outra parte como um oponente. (Sampaio; Braga Neto, 2014.).

            Relata Milkos (2020), que na década de 1990, os autores William Ury e Roger Fischer lançaram o livro “Como chegar ao sim”, que se tornou best-seller e referência mundial sobre técnicas de negociação baseadas em interesses, deixando posições de lado. Basicamente, o livro realiza uma abordagem em que o foco é “fazer o bolo crescer” para depois reparti-lo entre as partes, permitindo-se alcançar soluções em que ambos os lados saiam ganhando. As pesquisas concluíram que os negociadores mais eficazes são os rígidos, na medida em que eles mantinham o olhar centrado no problema e não nas pessoas. Os pesquisadores também concluíram que o ser humano quase sempre recorre à negociação.

Prosseguem estes autores relatando que esta literatura influenciou a negociação contemporânea, em especial a desenvolvida nas mediações dos dias de hoje, inserindo valiosos conceitos e ideias, tais como a necessidade de se separar as pessoas dos problemas, de se focar nos interesses e não em posições, bem como de se buscar opções que propiciem ganhos mútuos (Miklos, 2020).

            O modelo de Harvard é considerado pragmático, por ser focado apenas na extinção do conflito e não na transformação dos envolvidos no processo de mediação. Nesse método, o trabalho do mediador é o auxílio das partes a encontrar alternativas, assemelhando-se à conciliação.

            Em seguida ao modelo de Harvard, e dentre outros modelos, surgiu o modelo circular narrativo, desenvolvido por Sara Cobb, que se destaca pela influência de outras disciplinas, especialmente a psicologia e a abordagem sistêmica. De acordo com Miklos (2020), essa teoria entende que as narrativas são espaços de interação internos e externos do sujeito para com o mundo. Os conflitos são avaliados a partir das histórias narradas pelo envolvidos, criando no procedimento um espaço para que histórias melhores venham a ser contadas. Através do modelo circular narrativo, “provoca-se nas partes a análise do conflito, identificando as diferentes versões para o mesmo aspecto, daí a ideia de circular, no sentido de gravitar em torno de um ponto, porém com olhares distintos. Cada narração provoca reações e reflexões na outra parte, cujo objetivo é transformar a história conflitiva em uma história colaborativa” (Cahali, 2022, p. RB-3.3)

            Neste método, a incumbência do mediador é “trançar” e desestabilizar as histórias, possibilitando que as partes construam uma nova história alternativa, permitindo-as analisar o conflito de outro ângulo. A principal vantagem do modelo circular narrativo é a sua grande aplicabilidade, uma vez que está centrado tanto nas relações quanto no acordo (Silva, 2016).

Esse modelo contrapõe-se ao de Harvard, na medida em que considera que diversos fatores estão presentes nos conflitos e vão se retroalimentando (característica circular).  Busca, na verdade, a verdadeira transformação dos envolvidos, e não propriamente um acordo.

            Sobre o modelo transformativo, criado por Robert A. Barush Bush, teórico da negociação, e Joseph F. Folger, teórico da comunicação, Miklos (2020) afirma que esta técnica tem como objetivo situar o acordo como uma possibilidade, diferente do modelo harvardiano, que tem o acordo como principal objetivo. Essa escola clássica visa trabalhar os interesses e necessidades das partes e não somente a posição cristalizada do conflito.

            Para esse modelo, tampouco importa o acordo, mas sim a mudança nas pessoas e em suas formas de relacionamento. Deve-se oferecer oportunidades para que os envolvidos trabalhem plenamente seus interesses e necessidades, além do foco no conflito. Visa o refazimento dos laços afetivos, levando, em segundo plano, ao acordo. Tem como características o empoderamento (ou revalorização) permitindo às partes que mobilizem seus recursos, privilegiando o exercício do protagonismo, ao decidir se irão de fato resolver o conflito, e especialmente, de que maneira assim o farão.

            Uma vez adotado o viés transformativo, o mediador tende a se colocar de maneira passiva, utilizando-se predominantemente de técnicas de negociação, para fomentar o diálogo, levando à construção de eventual solução.

            Este modelo tende a albergar o conflito em sua integralidade, de modo que geralmente é tratado por uma comissão interdisciplinar.

            Em relação à postura a ser adotada pelo mediador nas etapas dos procedimentos, existem diferentes e abundantes técnicas que podem levar à maior eficácia, facilitando o diálogo entre os envolvidos e a eventual solução dos conflitos.

            A principal e mais comentada delas consiste na escuta ativa das partes, momento no qual o mediador deve interpretar e compreender a mensagem passada pelos participantes. Essa técnica se mostra fundamental para fomentar o entendimento entre os envolvidos. O ouvinte deve manter o foco no relato da parte, evitando distrações; não pode se deixar influenciar por preconceitos, juízos de valor, entre outras ideias pré-concebidas; deve demonstrar, por meio de linguagem corporal, que está totalmente voltado ao relato do narrador; deve confirmar o conteúdo da fala, repetindo, com suas palavras, o que foi compreendido para o narrador, de modo que todas as intenções estejam devidamente esclarecidas.

            Através da técnica do rapport, palavra que deriva do francês, e significa “criar uma relação”, o mediador intenciona estabelecer uma conexão com o mediando e demais envolvidos no procedimento. Ao adotar essa técnica, o mediador pretende conferir maior segurança e suporte aos envolvidos, através da demonstração de existência de empatia com os conflitos por estes expostos.

            Na audição de propostas implícitas, o mediador busca, através da fala não verbalizada pelas partes, sinais de que haveria soluções aceitáveis ao conflito, que, por dificuldade de expressão do mediando, não são claramente verbalizadas.

            Pela técnica de brainstorming, vinda da área de marketing, o mediador concede plena liberdade às partes para que apresentem ideias para a solução do conflito, sem qualquer compromisso ou julgamento. Ao final, as propostas são analisadas quanto à sua viabilidade, selecionando-se as soluções apresentadas para que possam eventualmente servir de ponto de início para a solução da controvérsia.

            Por meio das sessões individuais (caucus), realizada com todos os envolvidos, o mediador, com o compromisso de não revelar à outra parte o que eventualmente escutar (salvo se expressamente por esta autorizado), dá ao mediando a oportunidade de se manifestar sobre pontos que considera importantes do conflito, de modo a buscar a apresentação de propostas de acordo. Essa técnica é eficaz justamente quando a parte não quer revelar à outra, em sessão conjunta, informações de caráter íntimo, psíquico, financeiros, dentre outras.

            Ao utilizar a técnica da recontextualização (ou paráfrase) o mediador intenciona estimular as partes a perceber o conflito determinado pelo contexto fático através de outra perspectiva. As paráfrases utilizadas podem sintetizar a narrativa ou expor o ponto controvertido despido de emoção ou conteúdo negativo, recolocando-a no contexto de maneira construtiva e positiva.

            Através do resumo, o mediador busca sintetizar os relatos dos envolvidos no procedimento de mediação, tentando abordar os pontos comuns das narrativas, de forma a encontrar um denominador comum entre os temas controversos, valorizando a perspectiva positiva.

            O reforço positivo ou afago pode ser utilizado pelo mediador para ressaltar um comportamento produtivo, eficiente ou positivo da parte ou de seu defensor, buscando estimular a postura colaborativa ao procedimento da mediação.

            A inversão de papéis é técnica que visa estimular a empatia entre as partes para que cada uma dela possa experimentar ou visualizar o conflito sob a perspectiva da outra parte. É mais utilizada na sessão individual, e, no intuito de evitar a possível impressão de parcialidade do mediador, este deve esclarecer ao mediando que a técnica também será utilizada com a outra parte.

            Sobre a famosa técnica da comunicação não-violenta, desenvolvida por Marshall B. Rosenberg, existem inúmeros estudos publicados, e esta almeja contribuir para uma comunicação consciente, estimulando a compaixão. Divide-se em quatro passos, que são a observação, o sentimento, as necessidades e o pedido. Através do uso de tal técnica na mediação, busca-se transformar a comunicação alienante em comunicação consciente. As partes não precisam se reconciliar para chegar a um determinado ponto de convergência que as permita resolver o problema da melhor maneira possível.

            As perguntas formuladas ao longo do procedimento pelo mediador podem auxiliar as partes a enxergar a questão de modo equidistante, formulando para si questionamentos que nunca haviam cogitado.

            A professora Fernanda Tartuce enumera ainda técnicas de adoção de postura bem-humorada e flexível, como forma de aliviar tensões existentes e criar um ambiente favorável ao diálogo.

            Todas essas técnicas, bem como outras existentes, pretendem conduzir ao melhor resultado para as partes, que, guiadas pelos mediadores, se sentem mais confortáveis em construir por si próprias, a resolução do conflito. E mesmo que não alcançado o desejável acordo através do processo de mediação e reflexão sobre a demanda, findo o procedimento, as partes se sentirão mais seguras de suas atitudes e esperanças futuras em relação ao problema enfrentado.     

Como muito bem salientam Sampaio e Braga Neto, “o passado não pode ser alterado, o presente agora é o conflito, o futuro está nas mãos das partes, ou seja, está nas mãos delas, e não do mediador, o poder de construí-lo”. (Sampaio; Braga Neto, 2014. p. 17).

TEMAS RELEVANTES

Nesta seção, apontar-se-á, sem a menor pretensão de esgotamento das questões a serem suscitadas, temas relevantes e em algum ponto, controversos, sobre o Marco Legal da Mediação. Os tópicos merecem ser objeto de aprofundamento em momento oportuno, em função da importância de seu estudo no sentido de contribuir para o aperfeiçoamento do instituto da mediação.

Um dos aspectos controversos sobre a Lei de Mediação evidencia-se logo no primeiro parágrafo artigo 2º, que determina que na hipótese de existência de previsão contratual de cláusula de mediação (convenção ou cláusula de mediação), as partes deverão comparecer à primeira sessão designada.

Muito se discutiu se tal comparecimento não iria de encontro ao princípio da autonomia da vontade e, em última análise, da liberdade de contratar – princípio básico do direito das obrigações.

Antes de responder a tal questionamento, deve ser brevemente esclarecida a existência de diferença entre a cláusula de mediação e o compromisso de mediação, consistente o primeiro em instrumento no qual duas ou mais pessoas juridicamente capazes elegem a mediação como meio consensual adequado para auxiliá-las a encontrar a solução de conflito, que venha a surgir entre elas decorrente do contrato. No último, perante a existência real do conflito, as partes concordam em submetê-lo à mediação.

O primeiro efeito jurídico do compromisso de mediação é justamente o de obrigar as partes a submeter o conflito à mediação. Em âmbito de compromisso de mediação, não há que se falar nas consequências advindas da resistência inicial de uma das partes em participar da mediação, como ocorre na cláusula de mediação. Por outro lado, aqui, as partes já estão diante de um conflito e decidem, de comum acordo, dar início ao procedimento, podendo qualquer delas e a qualquer momento o encerrar, sem a necessidade de explicitar o motivo. Basta a manifestação de vontade em dar por finda a mediação e o compromisso é extinto.

Pode-se afirmar que a cláusula de mediação se reveste de autonomia em relação ao contrato no qual se encontra inserida, de modo que sua invalidade não conduz necessariamente à invalidade automática da cláusula, sob pena de não cumprimento de seu objetivo precípuo, que é conduzir as partes à mediação. A cláusula de mediação deve conter requisitos mínimos para sua efetividade, especialmente aqueles relacionados aos efeitos obrigacionais vinculantes que as partes estão conscientemente assumindo, e, especialmente, as consequências de sua inobservância.

Cahali (2022, p. RB-3.7) esclarece que “reforçando a responsabilidade das partes ao firmarem cláusula de mediação (ou mesmo cláusula escalonada)”, estabelece a lei que:

Art. 23. Se, em previsão contratual de cláusula de mediação, as partes se comprometerem a não iniciar procedimento arbitral ou processo judicial durante certo prazo ou até o implemento de determinada condição, o árbitro ou o juiz suspenderá o curso da arbitragem ou da ação pelo prazo previamente acordado ou até o implemento dessa condição. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica às medidas de urgência em que o acesso ao Poder Judiciário seja necessário para evitar o perecimento de direito. (Brasil, 2015)

Diante desta regra, a cláusula deixa de ser meramente de cortesia, e passa a ter, em certa medida, efeito vinculante às partes. Pela lei, há necessidade de se constar na cláusula o óbice à iniciativa da ação por prazo nela estipulado ou sob determinada condição. Não se chega ao ponto de extinguir a ação, como se faz na arbitragem quando existente convenção (art. 485, VII, do CPC/2015), mas já é uma boa solução impor a sua suspensão do processo.

Prossegue o autor (Cahali, 2022, p. RB-3.7) afirmando que ausente a determinação de suspensão nestes casos, ao julgador (árbitro ou magistrado), é facultado assim proceder, sendo inclusive, conforme o caso, conveniente que o faça em benefício da própria composição, na amplitude da regra contida no art. 3.º, § 3.º, do CPC/2015.

Parte da doutrina entende que uma vez firmada essa cláusula, nem o procedimento arbitral nem o processo judicial podem ser instaurados sem que antes seja tentada a mediação. O parágrafo único do dispositivo ressalva, contudo, as medidas de urgência, ou seja, a possibilidade do acesso livre ao Poder Judiciário, a fim de que seja requerida a tutela provisória de urgência em casos excepcionais.

Sobre a questão, o enunciado 21 da Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios do Conselho da Justiça Federal previu ser facultado ao magistrado, em colaboração com as partes, suspender o processo judicial enquanto é realizada a mediação, conforme o art. 313, II, do Código de Processo Civil, salvo se houver previsão contratual de cláusula de mediação com termo ou condição, situação em que o processo deverá permanecer suspenso pelo prazo previamente acordado ou até o implemento da condição, nos termos do art. 23 da Lei n.13.140/2015.

Noutro aspecto, o enunciado 198 da Jornada prevê que a suspensão do processo arbitral ou judicial para iniciar a mediação, com ou sem previsão de cláusula contratual, deve ser compreendida como uma faculdade dos mediandos.

Ainda, cuidou o enunciado 161 da mesma Jornada que o direito previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República não se esgota no acesso formal ao Poder Judiciário, compreendendo a existência de um sistema organizado e efetivo destinado à garantia de direitos, prevenção de conflitos e resolução pacífica das controvérsias. Dispositivos relacionados: art. 5º, inciso XXXV, da CR/1988; art. 2.1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948; art. 3º, caput e §§ 1º, 2º e 3º, da Lei n. 13.105/2015.

Com ou sem convenção, o artigo 21 da Lei de Mediação prevê:

Art. 21. O convite para iniciar o procedimento de mediação extrajudicial poderá ser feito por qualquer meio de comunicação e deverá estipular o escopo proposto para a negociação, a data e o local da primeira reunião.

Parágrafo único. O convite formulado por uma parte à outra considerar-se-á rejeitado se não for respondido em até trinta dias da data de seu recebimento”. Portanto, veja-se que há flexibilidade legal para, mesmo inexistente prévia convenção entre as partes a respeito de como instaurar a mediação, ela poderá ser provocada pelo convite previsto neste art. 21. (Brasil, 2015)

O marco legal da mediação foi mais além e determinou que as partes devem estabelecer penalidades em caso de não comparecimento da parte à mediação estabelecida em contrato ou que se vinculem a regulamento de instituição de mediação.

Previu, ainda que, na hipótese de o contrato não trazer previsão completa, “o não comparecimento da parte convidada à primeira reunião de mediação acarretará a assunção por parte desta de cinquenta por cento das custas e honorários sucumbenciais caso venha a ser vencedora em procedimento arbitral ou judicial posterior, que envolva o escopo da mediação para a qual foi convidada” (art. 22, § 2º, IV).

Depreende-se, portanto, que o legislador, de fato, priorizou a mediação e a necessidade de a parte a ela se submeter quando assim convencionou em contrato, transformando cláusulas de cortesia em cláusulas vinculantes, cujo cumprimento revela-se obrigatório.

Cabe destacar que a mediação deve ser sempre voluntária, de modo que eventual cláusula compromissória de mediação teria o condão de obrigar os signatários apenas a iniciar o procedimento de mediação, podendo desistir de submeter-se ao procedimento a qualquer tempo.

Assim, a inserção de cláusula de mediação em contrato não teria o condão de ferir o princípio da autonomia da vontade, uma vez que as partes devem apenas comparecer à primeira sessão. Neste encontro caberá ao mediador explicar e apresentar aos presentes a mediação, seu procedimento, princípios, regras e ao que se propõe. A partir de tal ponto, as partes estão livres para seguir ou não. Se após esta sessão, qualquer das partes ou ambas demonstrem seu desinteresse no prosseguimento da mediação, tal decisão deve ser respeitada já que a mediação não pode ser obrigatória.

Existe ainda a possibilidade de previsão contratual da chamada cláusula escalonada, ou seja, a submissão das partes à mediação para, em caso de insucesso, seguir-se para a arbitragem ou processo judicial, surgindo discussão sobre a obrigatoriedade da participação no procedimento de mediação, caso a parte manifeste sua vontade contrária à composição. A questão é muito bem enfrentada pela Professora Fernanda Levy, em obra específica sobre o tema, e citada no decorrer deste estudo.

Noutro ponto, importante observar que a preocupação anteriormente existente relativa à ocorrência da prescrição, no decorrer do procedimento também restou resolvida pela Lei 13.140/2015, quando, em seu art. 17, estabeleceu a suspensão do prazo prescricional no curso do procedimento de mediação.

Interessante ressaltar que o acordo entabulado entre as partes possui força de título executivo extrajudicial, independendo, salvo a previsão contida no artigo 3º, § 2º, de intervenção do Ministério Púbico e homologação pelo Poder Judiciário. O instrumento, de acordo com o enunciado 186 da Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios do Conselho da Justiça Federal, não tem sua validade e eficácia condicionadas ao âmbito de competência do órgão em que foi firmado ou ao domicílio das partes, podendo ainda ser registrado perante cartórios, desde que não envolvam interesses de incapazes (enunciado 191).

Deve ser apontado que a mediação pode versar sobre todo o conflito ou parte dele, (Lei de Mediação, art. 3.º, § 1.º), cingindo-se a controvérsia. O tema foi objeto do Enunciado 576 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.

Atualmente, a possibilidade de mediação em processos que envolvam improbidade administrativa e recuperação judicial encontra-se sedimentada pelos enunciados 618 e 618 da Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios do Conselho da Justiça Federal.

Ao procedimento de mediação aplicam-se as regras relativas à gratuidade de justiça e sua impugnação (enunciado 624 da Jornada).

Ainda se discute se na mediação judicial o magistrado poderia atuar como mediador sem comprometer a sua necessária imparcialidade. Para grande parte da doutrina, a resposta é negativa, vez que a isenção tende a ser comprometida pelo potencial alívio no volume de trabalho que levaria os juízes a impor a composição entre as partes, que podem se sentir verdadeiramente coagidas a acordar, por não saberem ao certo como a recursa ao acordo será interpretado pelo magistrado. Em suma, por vezes, ao terem a mediação conduzida por magistrado, as partes sentem que sua imparcialidade é contaminada.

Ponto interessante para estudo mais aprofundado é o debate sobre a possibilidade de as partes disporem, através de acordo, do direito do advogado sobre os honorários contratuais e de sucumbência, prevalecendo o entendimento por sua vedação, em razão do previsto nos artigos 22; 23; 24, § 4º a 6º do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/1994); art. 85, § 14, CPC e art. 844 do Código Civil. No mesmo sentido, existe julgado do Superior Tribunal de Justiça (Brasil, 2021).

Nesses casos, embora as verbas de sucumbência sejam devidas à parte vencedora em um litígio, os honorários de sucumbência possuem natureza jurídica distinta, sendo considerados direitos do advogado, conforme estabelecido pelo art. 24 do Estatuto da OAB (Lei 8.906/1994). Isso implica que qualquer acordo que vise a renúncia ou alteração destes honorários deve considerar a autonomia deste direito, sendo ineficaz se contrariar os interesses do profissional.

Por fim, o enunciado 213 da Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios do Conselho da Justiça Federal enaltece a mediação, afirmando que essa forma de resolução de conflitos constitui importante instrumento de desenvolvimento econômico e social, sendo recomendada a sua utilização nessa perspectiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É essencial buscar a mudança de cultura para algo menos litigioso, mais consensual, capaz de desafogar o judiciário com questões que podem ser resolvidas no extra ou pré-processual, e de forma que os envolvidos ao construírem a solução do conflito vivenciado se sintam mais satisfeitos e confiantes de continuarem a relação com os outros envolvidos.

Ressalta-se que acordos construídos pelos atores por meio de métodos adequados de solução de conflitos mostram-se mais eficazes e insuscetíveis a eventual execução.

Deve-se sempre ter cautela para que, ao aceitar que a jurisdição não seja exercida exclusivamente por juízes, não sejam sobrepostos os princípios basilares dos institutos, como pode ocorrer em hipóteses de obrigatoriedade de submissão das partes à mediação. Existe de outra banda, o risco de dotar o cidadão, muitas vezes sem o necessário conhecimento de seus deveres e direitos, de um exacerbado sentimento de empoderamento próprio para buscar formas que entende justas de resolver o conflito, à margem da lei, o que nos levaria a um total retrocesso jurídico e social.

Considerando a mediação como método adequado de solução de conflitos de forma consensual, célere e que traz satisfação aos envolvidos, e por todo o exposto no presente artigo, conclui-se que a mediação é técnica que pode ser aplicada aos conflitos de diferentes naturezas de maneira eficaz.

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[1]  Mestranda em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-graduada em Direito Civil, Direito Público e Processual Civil. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Mediadora e Conciliadora Judicial. Assessora Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.  

[2] FERRAZ, Taís Schilling. A conciliação e sua efetividade na solução dos conflitos. Disponível em: www. stf. gov. br/arquivo/cms/conciliar/ConteudoTextual/Conciliacao, 2007. Acesso em: 03 ago. 2023