LIBERDADE DE EXPRESSÃO VERSUS FAKE NEWS

LIBERDADE DE EXPRESSÃO VERSUS FAKE NEWS

1 de dezembro de 2023 Off Por Cognitio Juris

FREEDOM OF EXPRESSION VERSUS FAKE NEWS

Artigo submetido em 16 de novembro de 2023
Artigo aprovado em 23 de novembro de 2023
Artigo publicado em 1 de dezembro de 2023

Cognitio Juris
Volume 13 – Número 51 – Dezembro de 2023
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Alfredo Luis Barth [1]
Cleverson Aldrin Marques [2]
Clara Heinzmann [3]

RESUMO: As fake news se apresentam como sites que deliberadamente publicam farsas, propagandas e desinformação que pretendem noticiar como verídicas, utilizando as redes sociais para dirigir o tráfico online e ampliar seu efeito. Assim, a fake news opera no interesse expresso de enganar ou confundir um alvo ou a  audiência como um todo. Nesse sentido, o trabalho analisa os limites à liberdade de expressão sob a ótica do direito brasileiro no contexto da fake news. Para alcançar o objetivo da pesquisa, foram adotados o método dedutivo e a pesquisa de natureza bibliográfica explicativa. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão tem o intuito de garantir as  liberdades básicas aos cidadãos e ao mesmo tempo tem uma preocupação com a ordem pública, pois a liberdade irrestrita pode gerar desordem na sociedade, necessitando esta de leis que possam equilibrar o limite entre as liberdades e as responsabilidades. Deste modo, atualmente, os direitos as liberdades, dentre eles a liberdade de expressão como direito fundamental, se encontram amparadas na Constituição Federal de 1988. Observa-se que apesar da expressão fake news receber um sentido próprio atribuído aos meios digitais, o inciso IV do Art. 5° da Constituição Federal, determina que é livre a manifestação do pensamento, permitindo a liberdade expressão e de pensamento, sendo possível concluir que que existe um contrapeso em relação a liberdade de expressão e de pensamento, formando uma espécie de defesa para os vitimizados por eventuais abusos e inverdades proferidas por meio da fake news.

Palavras-chave: Fake news; Liberdade de expressão; Liberdade de pensamento.

ABSTRACT: Fake news presents itself as websites that deliberately publish hoaxes, advertisements and misinformation that they intend to report as true, using social networks to direct online trafficking and amplify its effect. Thus, fake news operates in the express interest of deceiving or confusing a target or the audience as a whole. In this sense, the work analyzes the limits to freedom of expression from the perspective of Brazilian law in the context of fake news. To achieve the research objective, the deductive method and explanatory bibliographical research were adopted. The Universal Declaration of Human and Citizen Rights aims to guarantee basic freedoms to citizens and at the same time is concerned with public order, as unrestricted freedom can generate disorder in society, requiring laws that can balance the limit between freedoms and responsibilities. Thus, currently, the rights to freedoms, including freedom of expression as a fundamental right, are supported by the Federal Constitution of 1988. It is observed that despite the expression fake news receiving its own meaning attributed to digital media, section IV of Article 5 of the Federal Constitution, determines that the expression of thought is free, allowing freedom of expression and thought, making it possible to conclude that there is a counterbalance in relation to freedom of expression and thought, forming a kind of defense for those victimized by possible abuses and untruths uttered through fake news.

Keywords: Fake news; Freedom of expression; Freedom of thought.  

1. INTRODUÇÃO

A mentira, a falácia, a calúnia, a difamação, os boatos, tudo isso existe desde os primórdios da humanidade, portanto, a propagação de notícias falsas não é algo inédito na história da humanidade, apenas a sua forma de disseminação que tem variado, no contexto das fake news, em razão do avançar de novas tecnologias.

Os meios de comunicação e em especial o advento da internet, computadores e smartphones, e a sua facilidade de aquisição no Brasil proporcionaram uma série de benefícios ao brasileiro, dentre os quais se destacam o fácil e rápido acesso à informação.

 Segundo informa o IBGE, “Internet chega a 90,0% dos domicílios do país em 2021, com alta de 6 pontos percentuais frente a 2019, quando 84,0% dos domicílios tinham acesso à grande rede.”

E ainda, “Em 2021, o celular era o principal dispositivo de acesso à internet em casa, sendo utilizado em 99,5% dos domicílios com acesso à grande rede. Em seguida, vinha a TV, principal dispositivo para acesso à internet em 44,4% dos domicílios, superando, pela primeira vez, o computador (42,2%).”

Estes dados, demonstram bem o escopo e a força que a internet vem atingindo ano após ano, o que por um lado é benéfico em razão do acesso a esse meio ter alcançado a maior parte da população, mas por outro lado, ante a ausência de uma regulação, tem fomentado o debate jurídico à respeito do tema, principalmente com o fenômeno da fake news.

Expressão esta, que está intimamente relacionada a publicações na internet, que possuem aspecto de fato e aparentam credibilidade, as quais divulgadas e repassadas por usuários na rede, possuem a capacidade de influenciar o público.

O termo “fake news”, se popularizou recentemente no vocabulário do brasileiro, a expressão originária do idioma inglês que pode ser traduzida para o português como sendo “notícias falsas”, traz consigo um significado que possuí um sentido próprio, atrelado à internet.

A seguir, algumas definições de fake news, que podem ser encontradas em um artigo publicado pelo professor e jornalista João Paulo Meneses, intitulado “Sobre a necessidade de conceptualizar o fenômeno das fake news”:

Fake news representa informações de várias vertentes que são apresentadas como reais, mas são claramente falsas, fabricadas, ou exageradas ao ponto em que não mais correspondem à realidade; além do mais, a informação opera no interesse expresso de enganar ou confundir um alvo ou audiência imaginada. (Reilly, 2018, citado por Meneses, 2018, p. 49).

Fake news se apresentam como sites que deliberadamente publicam farsas, propagandas e desinformação que se pretende como notícias verídicas, usualmente utilizando redes sociais para dirigir tráfico online e ampliar seu efeito. (Tan e Ang, 2017, citado por Meneses, 2018, p.49).

Fake news são coisas inventadas, magistralmente manipuladas para parecerem notícias jornalísticas críveis, que são facilmente espalhadas online para amplas audiências propensas a acreditar nas ficções e espalhar a verdade. Falsas, normalmente sensacionalistas, informação disseminada com pretensão de simular um noticiário. A publicação online de informações falsas de forma intencional ou sabida. (Klein e Wueller, 2017, citado por Meneses, 2018, p. 49).

Definido o que é fake news, resta buscar entender de onde surgiu esta expressão, assunto que muito tem repercutido no Brasil nos últimos anos e que neste ano de 2023 tem recebido destaque em razão do atual cenário de polarização política.

Primeiramente é preciso recordar que esta expressão foi importada pelo brasileiro, não sendo possível precisar com exatidão o momento exato em que foi introduzida ao vocabulário para expressar a ideia de desinformação nos meios de comunicação e internet.

 O que se pode afirmar é que a expressão se popularizou primeiro no estrangeiro, principalmente através do então Presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, como aponta João Paulo Meneses.

Não sendo completamente evidente, nesta altura, como surgiu a expressão fake news aplicada à realidade digital, é pelo menos claro que foi o presidente dos Estados Unidos Donald Trump quem a vulgarizou a partir de janeiro de 2017 e que foi a partir das eleições presidenciais de 2016 que o fenómeno se banalizou. (Meneses, 2018, p. 39).

Outro fato histórico que contribuiu para o surgimento do termo foi a saída do Reino Unido da União Europeia em 2016, como aponta o artigo “O fenômeno das fake news: definição, combate e contexto” de Marco Antônio Sousa Alves e Emanuella Ribeiro Halfeld Maciel.

(…) à expressão fake news, ganhou fama a partir de 2016 após dois fenômenos de grande repercussão na política internacional, quais sejam, o processo de saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) e a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos da América. (Alves e Maciel, 2020, p. 147).

Dessa forma, se observa que apesar da expressão “fake news” evidentemente já existir anteriormente, recebeu um sentido próprio atribuído aos meios digitais, não sendo possível, contudo, precisar quando seu uso efetivamente começou nesse contexto, apenas se pode afirmar que é recente esta realidade.

2. Fake News e responsabilidade civil dos meios de comunicação

Os meios de comunicação e em especial o jornalismo possuem uma importância vital para a sociedade e também para a democracia, sua pertinência pode ser resumida na transmissão de notícias e informações ao receptor da mensagem.

Para a realização deste trabalho é evidente que deve imperar a livre manifestação de opinião, dessa forma, os meios de comunicação não podem estar sob censura como ocorreu durante o período do Regime Militar 1964-1985, onde havia liberdade jornalística relativa, já que, o rigoroso controle e fiscalização do Estado, não permitia determinadas publicações e transmissões.

A cerca do tema, se pode observar o que Flávio Tartuce explica em seu livro “Responsabilidade Civil”, (TARTUCE, Flávio. 2022, p. 941):

A liberdade de manifestação do pensamento e de informação estava (mal)tratada em nosso País pela Lei n. 5.250/1967, conhecida como Lei de Imprensa, norma que teve todo o seu conteúdo reconhecido como não recepcionado pela Constituição Federal em julgamento do Supremo Tribunal Federal prolatado na ADPF 130, em 2009. Na verdade, essa norma não deveria receber essa denominação, sendo mais adequado o termo “Lei da Censura”.

Pois bem, o art. 1.º dessa lei específica dispunha ser livre a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou ideias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. Todavia, cerceando essa mesma liberdade que era reconhecida pela norma, o § 1.º do mesmo comando preceituava, pecando por grave inconstitucionalidade, que não seria tolerada a propaganda de guerra, de processos de subversão da ordem política e social ou de preconceitos de raça ou classe.

A prática da censura prévia, para atender aos anseios do regime militar ditatorial, era explícita no art. 2.º da Lei de Imprensa, segundo o qual seriam livres a publicação e a circulação, no território nacional, de livros e de jornais e outros periódicos, salvo se tidos como clandestinos ou quando atentassem contra a moral e os bons costumes. O art. 11 da Lei n. 5.250/1967 considerava como clandestino o jornal ou outra publicação periódica não registrada, ou de cujo registro não constem o nome e qualificação do diretor ou redator e do proprietário.

Como mencionado acima, apesar da lei permitir a livre manifestação do pensamento, sua procura, recebimento e difusão, ainda que responsabilizasse eventuais abusos (o que de certa forma está de acordo a Constituição Federal de 1988, vide Art. 5°, incisos V e X da C.F./1988), esta extrapolava os fundamentos constitucionais previstos na atual Carta Magna, (vide Art. 5°, inciso IV e Art. 220°, caput, e §§ 1° e 2°, ambos da C.F./1988).

O mesmo texto de lei que assegurava a liberdade a imprensa, continha ressalvas que admitiam o uso de censura de forma explícita ou implícita, o que era aplicado dependendo do conteúdo a ser publicado.

Este breve relato do passado histórico e jurídico ilustra um cenário político muito especifico na história recente do Brasil, em um contexto de Guerra Fria, contudo, deixando de analisar a questão histórica e ao se deparar e analisar apenas a questão jurídica, se obtém um quadro dantesco que não pode permitir que se repita.

A questão da censura, do que pode ou não ser dito, é uma das formas de controle dos meios de comunicação, que em última instância busca o controle da narrativa dos fatos.

Se, no Regime Militar este foi um dos métodos utilizados para preservar o regime, que sirva hoje como exemplo negativo, mesmo diante de um fenômeno como a fake news, o Brasil é um país que preza pelos direitos humanos, não pode retroceder.

Compreende-se que a fake news acarreta um problema de difícil solução, podendo compará-la a uma doença, nesse caso, não faz sentido matar o paciente para que haja cura, pelo contrário, deve ser tratado para que com vida sobreviva.

Para que haja uma imprensa livre, da mesma forma que não pode haver censura, não pode também os meios de comunicação sofrerem total dependência econômica de um governo, grupo político ou empresarial, evitando-se assim, que possa haver interferência, o que também poderia resultar em um monopólio da verdade.

O comunicador/jornalista também não pode estar atrelado a um grupo político ou ideológico, pois, dessa maneira há a parcialidade no conteúdo da transmissão, a atividade jornalística não pode se comportar como uma assessoria de imprensa com interesses particulares escusos.

A responsabilidade civil visa a manutenção e reparação de danos ilícitos causados por um agente a um terceiro prejudicado. Este ato ilícito gera uma responsabilização de reparar o dano, de forma proporcional, o que pode resultar em indenização ao ofendido.

Se considerarmos responsabilidade civil como René Savatier, citado por Silvio Rodrigues como “a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam” (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 19. ed. 2002. v. 4, p. 6.), temos que a responsabilidade envolve um agente que desenvolve uma conduta, um dano gerado a terceiro e o nexo de causalidade entre ambos. (MUNHOZ ROSSI. 2015, p. 418).

Nas palavras de Silvio de Salvo Venosa em seu livro sobre “Direito Civil – Obrigações e Responsabilidade Civil, vol. 2”, este conceitua que:

Em princípio, toda atividade que acarrete prejuízo gera responsabilidade ou dever de indenizar. Haverá, por vezes, excludentes, que impedem a indenização, como veremos. O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato ou negócio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar. (VENOSA. 2023, p. 358).

Assim, a responsabilidade civil caracteriza-se pelo dever de indenizar, a qual é proveniente da consequência de um ato ilícito que acarrete prejuízos a outrem, ou seja, é posterior ao ato.

No caso dos meios de comunicação, a lei de imprensa tratava do tema da responsabilidade de divulgação das matérias.

Aqui surge um debate jurídico, pois, apesar da referida lei não ter sido recepcionada com decisão na ADPF 130, há uma sumula anterior ao julgado que serve como instrução normativa, sendo esta, a sumula 221 do STJ, a qual prevê que: “São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação.” (SÚMULA 221, Segunda Seção, julgado em 12/05/1999, DJ 26/05/1999, p. 68).

Quanto a aplicação da súmula, pondera Flávio Tartuce que:

(…) como consequência natural da responsabilidade civil indireta – dos empregadores e comitentes pelos atos de seus empregados e prepostos –, o Superior Tribunal de Justiça editou, no ano de 1999, a sua Súmula n. 221 do STJ, segundo o qual são civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação. Como um dos fundamentos normativos para gerar a ementa utilizou-se o art. 49, § 2.º, da Lei de Imprensa, que assim dispunha: “se a violação de direito ou o prejuízo ocorre mediante publicação ou transmissão em jornal, periódico, ou serviço de radiodifusão, ou de agência noticiosa, responde pela reparação do dano a pessoa natural ou jurídica que explora o meio de informação ou divulgação (art. 50)”. (TARTUCE. 2022, p. 967).

Portanto, na aplicação prática, entende-se que o teor da súmula 221 é válido, sendo assim, no polo passivo da ação, podem figurar tanto o comunicador quanto o veículo de comunicação.

Nota-se que a responsabilidade civil no caso dos meios de comunicação pode ser recepcionada a partir da responsabilidade objetiva “A responsabilidade do órgão de imprensa, nesse contexto, deve ser reputada como objetiva, desde que comprovada a culpa do seu empregado ou preposto do veículo (art. 933). (TARTUCE. 2023, p.967).”

Quanto a responsabilidade objetiva, preceitua Carlos Roberto Gonçalves que:

A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de equidade, existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes (ubi emolumentum, ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda). Quem aufere os cômodos (ou lucros) deve suportar os incômodos (ou riscos). (GONÇALVES. 2023, p.20).

Isto significa que, mesmo diante da ausência de culpa, o veículo de informação responde, em razão do risco assumido pela empresa decorrente de suas atividades.

Nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. Ela é de todo prescindível, porque a responsabilidade se funda no risco.

A classificação corrente e tradicional, pois, denomina objetiva a responsabilidade que independe de culpa. Esta pode ou não existir, mas será sempre irrelevante para a configuração do dever de indenizar. Indispensável será a relação de causalidade, entre a ação e o dano, uma vez que, mesmo no caso de responsabilidade objetiva, não se pode responsabilizar quem não tenha dado causa ao evento. Nessa classificação, os casos de culpa presumida são considerados hipóteses de responsabilidade subjetiva, pois se fundam na culpa, ainda que presumida.

Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do risco. Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a ideia de risco, ora encarada como “risco-proveito”, que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em consequência de uma atividade realizada em benefício do responsável (ubi emolumentum, ibi onus); ora mais genericamente como “risco criado”, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo. (GONÇALVES. 2023, p. 25).

Já no caso do autor da matéria, prevalece o entendimento da responsabilidade subjetiva, o que significa que para sua responsabilização deve haver culpa ou dolo no seu ato.

Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves, a responsabilidade subjetiva se caracteriza da seguinte forma: “Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa. (GONÇALVES. 2023, p.25).

Precisamente quanto a atividade do jornalista e sua responsabilidade civil, Flávio Tartucce (2022, p. 969) esclarece que: “a respeito da responsabilidade pessoal do jornalista, não se pode negar que, pelo menos em regra, deve ser reputada como fundada no dolo ou na culpa, geradora da responsabilidade subjetiva, nos termos da regra geral do art. 186 do Código Civil.”

Entendendo pela responsabilidade civil fundada na culpa, pela necessidade de prova de culpa em sentido amplo do jornalista, diante da essencialidade da atividade que ele desempenha, concluiu o STJ: “o jornalista tem um dever de investigar os fatos que deseja publicar. Isso não significa que sua cognição deva ser plena e exauriente à semelhança daquilo que ocorre em juízo. A elaboração de reportagens pode durar horas ou meses, dependendo de sua complexidade, mas não se pode exigir que a mídia só divulgue fatos após ter certeza plena de sua veracidade. Isso se dá, em primeiro lugar, porque os meios de comunicação, como qualquer outro particular, não detêm poderes estatais para empreender tal cognição. Ademais, impor tal exigência à imprensa significaria engessá-la e condená-la à morte. O processo de divulgação de informações satisfaz verdadeiro interesse público, devendo ser célere e eficaz, razão pela qual não se coaduna com rigorismos próprios de um procedimento judicial” (STJ, REsp 984.803/ES, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 26.05.2009, DJe 19.08.2009). (TARTUCE. 2022, p. 969).

Ante o exposto a cerca da responsabilidade civil dos meios de comunicação e de seus agentes, e, visando complementar o tema, alguns julgados:

Responsabilidade civil – publicação de notícias falsas referente a parlamentar – violação ao dever geral de cuidado de informar

“2. O caso dos autos reflete uma aparente colisão de direitos fundamentais, uma vez que tanto a liberdade de imprensa quanto os direitos da personalidade estão tutelados pela Constituição. (…) 3. Destaque-se a relevância ímpar dos princípios relacionados as liberdades de expressão, de imprensa e de comunicação na seara de uma nação democrática, onde prepondera a plena exposição de pensamento em detrimento da prévia censura, o qual, se extrapolado, acarretará na responsabilização civil, penal e/ou administrativa do agente causador do dano. 3.1. A publicação de conteúdo ofensivo à honra e à imagem de quem quer que seja, à toda evidência, não está amparada pelo direito constitucional à liberdade de informação, uma vez que a própria Constituição resguarda, como igualmente fundamentais, os direitos à honra, imagem e a vida privada. 3.2. A jurisprudência do STJ é no sentido de que “a atividade da imprensa deve pautar-se em três pilares, quais sejam: (i) dever de veracidade, (ii) dever de pertinência e (iii) dever geral de cuidado. Se esses deveres não forem observados e disso resultar ofensa a direito da personalidade da pessoa objeto da comunicação, surgirá para o ofendido o direito de ser reparado” (AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.922.721/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 16/2/2022). 3.3. Tais bases mostram-se cada vez mais necessárias em um contexto global onde a incidência de fake news (notícias falsas) vem assumindo lamentável destaque, sendo demasiadamente imprescindível um compromisso de toda a sociedade – em especial de todos os veículos de comunicação – para combatê-las, já que, em situações extremas, a propagação de notícias falsas tem a aptidão de comprometer a própria democracia. 4. Compete a vítima da ofensa ou da informação falsa a faculdade de requerer ou não direito de resposta, não sendo esta conduta condicionante para o exercício de eventual ação de reparação de danos. Inteligência do art. 12, §1º, da Lei 13.188/2015. 5. No caso ora analisado, verificou-se que três das rés veicularam e mantiveram a disposição de seus leitores uma notícia falsa (fake news) referente a suposta participação do autor – Deputado Federal – em crimes previdenciários, quando já era de conhecimento público que o investigado no inquérito policial noticiado era apenas um homônimo já falecido. 5.1. Ao deixar de informar devidamente os seus leitores sobre as circunstâncias do fato noticiado, as empresas em questão praticaram ato ilícito, ensejando o direito do autor de ser reparado pelos danos suportados. 5. A publicação de notícia com conteúdo calunioso ao autor – imputando-lhe a suposta prática de crimes previdenciários -, tem a aptidão de macular a sua imagem, em especial por se tratar de homem público, o qual está no exercício de mandato parlamentar, prejudicando a sua reputação junto ao seu eleitorado.” (Acórdão 1667190, 07053497020208070001, Relatora: GISLENE PINHEIRO, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 1/3/2023, publicado no DJE: 9/3/2023.)

2.1. Responsabilidade Civil na Internet

A Lei do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014) trata-se de uma legislação especifica que prevê a regulação do uso da internet, com o intuito de garantir os direitos dos usuários, trazendo consigo os seguintes princípios:

Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:

I – garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal;

II – proteção da privacidade;

III – proteção dos dados pessoais, na forma da lei;

IV – preservação e garantia da neutralidade de rede;

V – preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas;

VI – responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei;

VII – preservação da natureza participativa da rede;

VIII – liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei.

Denota-se através dos princípios, que a lei tem por finalidade garantir a ordem e trazer mais segurança ao ambiente virtual, contudo, respeitando os direitos a liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento na forma da Constituição Federal de 1988.

Com o advento da já mencionada lei, também surgiu a dúvida sobre a sua forma de aplicação quanto a conteúdos postados antes de ter sido estabelecido a legislação, bem como a partir dela, nesse sentido a jurisprudência tem considerado que:

Diante da ausência de disposição legislativa específica, este STJ havia firme jurisprudência segundo a qual o provedor de aplicação passava a ser solidariamente responsável a partir do momento em que fosse de qualquer forma notificado pelo ofendido. Com o advento da Lei 12.965/2014, o termo inicial da responsabilidade do provedor de aplicação foi postergado no tempo, iniciando-se tão somente após a notificação judicial do provedor de aplicação. A regra a ser utilizada para a resolução de controvérsias deve levar em consideração o momento de ocorrência do ato lesivo ou, em outras palavras, quando foram publicados os conteúdos infringentes: (i) para fatos ocorridos antes da entrada em vigor do Marco Civil da Internet, deve ser obedecida a jurisprudência desta Corte; (ii) após a entrada em vigor da Lei 12.965/2014, o termo inicial da responsabilidade solidária do provedor de aplicação, por força do art. 19 do Marco Civil da Internet, é o momento da notificação judicial que ordena a retirada de determinado conteúdo da internet” (STJ, REsp 1.642.997/RJ, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12.09.2017, DJe 15.09.2017). (citado por TARTUCE. 2022, p. 978).

Neste sentido, no que diz respeito a responsabilidade do provedor de aplicação na internet, a Lei do Marco Civil da Internet traz em seu Artigo 19° que:

Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

Flávio Tartuce tem o entendimento de que a Lei 12.965/2014 adotou uma responsabilidade subjetiva agravada, a qual decorre somente em caso de descumprimento de ordem judicial, o que o ilustre jurista lamenta:

Parece-me que foi adotada pelo malfadado Marco Civil, quanto à responsabilidade civil dos provedores por atos de terceiros, uma responsabilidade subjetiva agravada, somente existente no caso de desobediência de ordem judicial. Lamenta-se os exatos termos do texto legal, que acaba judicializando as contendas quando a tendência é justamente a oposta, de extrajudicialização. Há assim um claro retrocesso decorrente da lei, que claramente protege os provedores da internet, em detrimento dos interesses das vítimas, na contramão das tendências mais atuais da responsabilidade civil. Reitere-se que há pendência de julgamento da constitucionalidade desse comando no Supremo Tribunal Federal, para fins de repercussão geral (Tema 987, no âmbito do RE 1.037.396/SP, relatado pelo Ministro Dias Toffoli). A responsabilização civil, portanto, retirada dos provedores, recai sobre aqueles que fazem as postagens na internet, ou sobre as pessoas que as compartilham (…). Aplicando a responsabilidade subjetiva do provedor de conteúdo, e o conteúdo do Marco Civil da Internet, por todos os recentes arestos superiores, colaciona-se, a respeito de ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de reparação civil por danos morais:

“Recurso especial. Ação de obrigação de fazer com pedido de reparação por danos morais. Conteúdo ofensivo na internet. Responsabilidade subjetiva do provedor. Omissão do acórdão recorrido. Inexistência. Suficiente identificação da URL do conteúdo ofensivo. Indenização por danos morais. Cabimento. Redução do valor da multa pelo descumprimento de ordem judicial. Possibilidade no caso concreto. Recurso especial parcialmente provido. (…). 2. A exigência de indicação precisa da URL tem por finalidade a identificação do conteúdo que se pretende excluir, de modo a assegurar a liberdade de expressão e impedir censura prévia por parte do provedor de aplicações de internet. Todavia, nas hipóteses em que for flagrante a ilegalidade da publicação, com potencial de causar sérios gravames de ordem pessoal, social e profissional à imagem do autor, a atuação dos sujeitos envolvidos no processo (juiz, autor e réu) deve ocorrer de maneira célere, efetiva e colaborativa, mediante a conjunção de esforços que busque atenuar, ao máximo e no menor decurso de tempo, os efeitos danosos do material apontado como infringente. 3. Na espécie, sob essa perspectiva, verifica-se que a indicação das URLs, na petição inicial, assim como a ordem judicial deferida em antecipação dos efeitos da tutela continham elementos suficientes à exclusão do conteúdo difamatório da rede virtual, não havendo se falar, portanto, em retirada indiscriminada, a pretexto de que o seu conteúdo pudesse ser do interesse de terceiros. Diversamente, ficou configurado o descumprimento de determinação expressa, a ensejar a responsabilização da empresa ré por sua conduta omissiva. 4. A responsabilidade subjetiva e solidária do provedor de busca configura-se quando, apesar de devidamente comunicado sobre o ilícito, não atua de forma ágil e diligente para providenciar a exclusão do material contestado ou não adota as providências tecnicamente possíveis para tanto, assim como ocorreu na espécie. 5. O total fixado a título de astreintes somente poderá ser objeto de redução se fixada a multa diária em valor desproporcional e não razoável à própria prestação que ela objetiva compelir o devedor a cumprir; nunca em razão do simples valor integral da dívida, mera decorrência da demora e inércia do próprio devedor. Precedentes. 6. Recurso especial desprovido” (STJ, REsp 1.738.628/SE, 3.ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 19.02.2019, REP, DJe 26.02.2019, DJe 25.02.2019). (citado por TARTUCE. 2022, p. 977).

Mesmo diante do entendimento da responsabilidade civil acima exposto, como demonstra o próprio Flávio Tartuce, há a possibilidade de ocorrerem casos de responsabilidade objetiva nos moldes do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990):

Apesar da clareza da norma emergente e das conclusões constantes do acórdão, julgados posteriores do STJ reconhecem a possibilidade de incidência da responsabilidade objetiva prevista no CDC, notadamente para empresas jornalísticas mantidas na internet. Nesse sentido, vejamos acórdão com conteúdo bem interessante, que acaba por seguir parcialmente a tese a que estou filiado:

“Recurso especial. Direito Civil e do Consumidor. Responsabilidade civil. Internet. Portal de notícias. Relação de consumo. Ofensas postadas por usuários. Ausência de controle por parte da empresa jornalística. Defeito na prestação do serviço. Responsabilidade solidária perante a vítima. Valor da indenização. 1. Controvérsia acerca da responsabilidade civil da empresa detentora de um portal eletrônico por ofensas à honra praticadas por seus usuários mediante mensagens e comentários a uma notícia veiculada. 2. Irresponsabilidade dos provedores de conteúdo, salvo se não providenciarem a exclusão do conteúdo ofensivo, após notificação. Precedentes. 3. Hipótese em que o provedor de conteúdo é empresa jornalística, profissional da área de comunicação, ensejando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. 4. Necessidade de controle efetivo, prévio ou posterior, das postagens divulgadas pelos usuários junto à página em que publicada a notícia. 5. A ausência de controle configura defeito do serviço. 6. Responsabilidade solidária da empresa gestora do portal eletrônico perante a vítima das ofensas. 7. Manutenção do ‘quantum’ indenizatório a título de danos morais por não se mostrar exagerado (Súmula 07/STJ). 8. Recurso especial desprovido” (STJ, REsp 1.352.053/AL, 3.ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 24.03.2015, DJe 30.03.2015). (citado por TARTUCE. 2022, p. 978).

Esta maneira de responsabilização encontra o respaldo do professor Flávio Tartuce, “Penso que esse acórdão representa uma correta e saudável mitigação do que está previsto no Marco Civil da Internet, devendo a tese prevalecer em julgados futuros. (TARTUCE.2022, p. 978)”, sendo que ao comentar o acórdão explica que:

Segue-se, assim e em parte, a divisão defendida por Bruno Miragem, para quem existiram dois regimes de responsabilidade civil com o citado Marco Civil. O primeiro, é relativo aos danos causados por conteúdo tornado disponível pelo próprio provedor, elaborado por pessoas ou profissionais a ele vinculados, presente uma responsabilidade civil que atrai a incidência da responsabilidade objetiva do CDC ou do Código Civil (arts. 927, 932 e 933).Todavia, tratando-se de conteúdo gerado por terceiros com quem não há vínculo direto e apenas divulgado pelo provedor, a responsabilidade civil é considerada subjetiva, diante das normas específicas ora estudadas e dependente de uma notificação judicial prévia. (TARTUCE.2022, p. 978).

E completa trazendo a classificação dos provedores de serviços na internet feita pela Ministra Nancy Andrighi e invocada pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino no julgado:

Acrescente-se que o Relator do decisum seguiu a classificação dos provedores de serviços de internet desenvolvida pela Ministra Nancy Andrighi naquela Corte Superior, a saber: “(i) provedores de backbone (espinha dorsal), que detêm estrutura de rede capaz de processar grandes volumes de informação. São os responsáveis pela conectividade da Internet, oferecendo sua infraestrutura a terceiros, que repassam aos usuários finais acesso à rede; (ii) provedores de acesso, que adquirem a infraestrutura dos provedores backbone e revendem aos usuários finais, possibilitando a estes conexão com a Internet; (iii) provedores de hospedagem, que armazenam dados de terceiros, conferindo-lhes acesso remoto; (iv) provedores de informação, que produzem as informações divulgadas na Internet; e (v) provedores de conteúdo, que disponibilizam na rede as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de informação”. Nos casos dos dois últimos provedores, conclui o aresto pela incidência da responsabilidade objetiva consumerista. E arremata o Ministro Relator: “consigne-se, finalmente, que a matéria poderia também ter sido analisada na perspectiva do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, que estatuiu uma cláusula geral de responsabilidade objetiva pelo risco, chegando-se a solução semelhante a alcançada mediante a utilização do Código de Defesa do Consumidor” (STJ, REsp 1.352.053/AL, 3.ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 24.03.2015, DJe 30.03.2015). (TARTUCE. 2022, p. 978).

Destaca-se que de acordo com o Art. 18 da Lei 12.965/2014 o provedor de conexão à internet, ou seja, aquele é o intermediário entre o usuário e a internet, não poderá ser responsabilizado pelos danos causados por terceiros “O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros”, já que este presta um serviço instrumental, no qual não possuí direito de censurar o usuário.

Abaixo segue em ordem: um julgado do STJ e um do TJDF respectivamente, os quais darão maior norte a respeito de casos envolvendo fake news.

Propagação de “fake news” em rede social – postagens ofensivas – dano moral

“(…) Hipótese nos autos em que o réu postou em seu Twitter uma montagem de uma imagem da autora vestindo uma camiseta preta com os dizeres falsos ‘Jesus Travesti’ e com mensagens ofensivas, chamando-a de ‘anticristo’. Fato inexistente. Falsificação grosseira. Caso que envolve a análise de conflito de bens jurídicos constitucionalmente protegidos: a liberdade de expressão e de pensamento versus a inviolabilidade da honra e da imagem e a consequente indenização pelos danos decorrentes de sua violação. Figuras públicas têm a privacidade relativizada devido à atividade que desempenham e devem ser mais tolerantes às críticas considerando seu grau de exposição social. Estas críticas, quando proferidas a gestores de cargos públicos, devem ser proferidas em face das ideias e condutas do adversário político, sem inverdades ou calúnias. Ainda que autora e réu sejam adversários políticos, críticas, ainda que ácidas e severas, fazem parte da disputa eleitoral e não justificam a intervenção do Poder Judiciário; entretanto, tal liberdade não pode servir de salvaguarda para a disseminação de discursos de ofensa à imagem de uma das partes. A ampla circulação de imagens fraudulentas propulsiona notícias falsas – fake news – com nítido potencial de enganar os cidadãos que as visualizaram e de produzir discursos de ódio. Dever de indenizar configurado. Observando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sopesando a capacidade econômica de ambas as partes e considerando as circunstâncias do caso concreto, a amplitude da ofensa operada por uma pessoa pública em face de outra pessoa pública em período eleitoral, majoro a indenização para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Retratação pública mantida pelo tempo determinado em sentença, ou seja, período mínimo de três meses, eis que o direito de resposta busca inibir os abusos cometidos à liberdade de expressão e garantir ao ofendido que seguidores do ofensor terão acesso à verdade dos fatos.(…) . Na espécie, o recorrente postou em rede social duas mensagens, acompanhadas da falsificação da imagem da autora, com nítido objetivo de ferir a honra de pessoa pública e interferir em processo eleitoral – contexto que, por si só, impõe a fixação da indenização em valor mais elevado, ante a gravidade do ato ilícito.” (AREsp 2027149/RS.)

2.2 Liberdade de expressão no contexto das fakes news e o posicionamento do Supremo Tribunal federal

Ação Direta de Inconstitucionalidade 4451/DF

Aduzindo as manifestações ocorridas nos últimos anos por parte do Supremo Tribunal Federal e de seus Ministros, percebe-se que há uma ligeira e significativa mudança em seus posicionamentos em relação à liberdade de expressão e ao entendimento do conceito e combate as fakes news.

No ano de 2018, o STF através da ADI 4451/DF julgou o trecho da Lei Eleitoral que proibia sátira contra políticos em período eleitoral, sendo confirmada a inconstitucionalidade de tal proibição.

Uma das explanações mais marcantes durante a ADI 4451/DF foi do Ministro e Relator Alexandre de Moraes, afirmando que:

Quem não quer ser criticado, quem não quer satirizado, fique em casa. Não seja candidato, não se ofereça ao público, não se ofereça pra exercer cargos políticos. Essa é uma regra que existe desde que o mundo é mundo. E querer evitar isso por meio de uma ilegítima intervenção estatal na liberdade de expressão é totalmente inconstitucional. (STF. ADI 4451/DF. Rel. Min. Moraes. Julgado em 2018).

Já no início do julgado, o Min. Rel. pontuou pela inconstitucionalidade das normas, prezando pela liberdade de expressão e mencionando a possibilidade de posterior responsabilidade civil e criminal, bem como direito de resposta nos casos em que houvesse o abuso da liberdade de expressão e o ofendido se sentisse prejudicado.

A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é exatamente “o cidadão pode se manifestar como bem entender”, e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado, por meio de censura prévia.

A liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior responsabilidade cível e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do direito de resposta.

No entanto, não há permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão no seu sentido negativo, ou seja, para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto ao público. (STF. ADI 4451/DF. Rel. Min. Moraes. Julgado em 2018, p. 14).

Moraes também entende ser “ilegítima a intervenção do Estado por meio de censura prévia” e que a C.F. não permite a restrição da liberdade de expressão de modo preventivo, limitando o debate político.

Nesse sentido, permitir-se-ia o debate político, não restringindo seu conteúdo antecipadamente, pois pelo contrário, sujeitaria a liberdade de expressão a um enquadramento que poderia ser delimitado, sendo que independente disto, haveria clara inconstitucionalidade.

Portanto, posteriormente ao ilícito, o ofendido deve buscar os meios legais para que possa ser reparado de prejuízos ocorrido em razão do exercício da liberdade de expressão de outrem.

Quanto as fake news, na época do julgamento, Moraes já entendia seus riscos ao processo eleitoral, contudo, considerava que um debate político sem liberdade de opinião não garantiria maior legitimidade:

Embora não se ignorem certos riscos que a comunicação de massa impõe ao processo eleitoral – como o fenômeno das fake news –, revela-se constitucionalmente inidôneo e realisticamente falso assumir que o debate eleitoral, ao perder em liberdade e pluralidade de opiniões, ganharia em lisura ou legitimidade. (STF. ADI 4451/DF. Rel. Min. Moraes. Julgado em 2018, p. 16).

Abaixo o teor inteiro do Acórdão, o qual é compatível com o posicionamento do Relator:

LIBERDADE DE EXPRESSÃO E PLURALISMO DE IDEIAS. VALORES ESTRUTURANTES DO SISTEMA DEMOCRÁTICO. INCONSTITUCIONALIDADE DE DISPOSITIVOS NORMATIVOS QUE ESTABELECEM PREVIA INGERÊNCIA ESTATAL NO DIREITO DE CRITICAR DURANTE O PROCESSO ELEITORAL. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL AS MANIFESTAÇÕES DE OPINIÕES DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E A LIBERDADE DE CRIAÇÃO HUMORISTICA. 1. A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático. 2. A livre discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão, tendo por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva. 3. São inconstitucionais os dispositivos legais que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático. Impossibilidade de restrição, subordinação ou forçosa adequação programática da liberdade de expressão a mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral. 4. Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma Democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das mais variadas opiniões sobre os governantes. 5. O direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias. Ressalte-se que, mesmo as declarações errôneas, estão sob a guarda dessa garantia constitucional. 6. Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade dos incisos II e III (na parte impugnada) do artigo 45 da Lei 9.504/1997, bem como, por arrastamento, dos parágrafos 4º e 5º do referido artigo. (STF. ADI 4451/DF. Inteiro Teor, p. 1).

Do acórdão se extrai a importância que a liberdade de expressão possuí, constituindo-se de um direito fundamental para preservação da democracia, permitindo na sociedade o pluralismo de ideias e ampla participação da sociedade nos debates políticos.

Este direito encontra respaldo constitucional, garantindo inclusive a divulgação de opiniões que possam não ser totalmente verdadeiras, como exposto acima.

3.       Considerações Finais

A liberdade de expressão é um direito fundamental respaldado pela Constituição Federal, fato este que não deve se alterar em função dos novos desafios que possam surgir mesmo décadas se passarem desde sua elaboração, pois trata-se de um pilar para a democracia.

Nesse sentido, trazendo a liberdade de expressão para o debate dentro do contexto da fake news, considerando o explicado por Hobbes, e traçando um paralelismo entre a liberdade e a responsabilidade, se obtém a conclusão de que a liberdade absoluta e sem consequências embora aparentemente atrativa à primeira vista, pode trazer um obstáculo a sociedade como um todo.

Portanto, se no estado de natureza caracterizado pela plena liberdade resulta em um ambiente inseguro onde os mais fracos perecem diante dos mais fortes, poderia se comparar o descrito ao ambiente online e também os meios de comunicação, sendo natural que se houvesse liberdade absoluta nestes meios, a tendência seria a de que os interesses particulares dos mais fortes dominassem de maneira praticamente absoluta em desfavor de toda a sociedade.

Entretanto, ao se observar o cenário atual, analisando-se os meios de comunicação e a internet, pode se notar que não são ambientes totalmente livres de interesses particulares contrários a sociedade, contudo, é evidente que o problema que gira em torno do interesse de um em desfavor do outro não é recente, para isto, basta estudar a história e poderá se verificar por exemplo, que as notícias falsas e sua disseminação não se tratam de uma novidade no mundo, sendo um desafio civilizacional anterior a criação da imprensa e da internet, e que até hoje não foi solucionado.

Apesar disto, este desafio deve ser enfrentado a fim de que a sociedade possa melhorar como um todo, a questão da fake news é de suma importância e a forma de seu combate pode mudar os rumos da sociedade brasileira, seja para seu bem ou para seu mal, por esta razão deve ser estudado sem que políticas ideológicas e interesses particulares possam interferir em uma questão tão complexa e importante.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei do Marco Civil da Internet (Lei n° 12.965/2014). Brasília,23 de abril de 2014. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm Acesso em 11 set. 2023

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[1]Acadêmico do Curso de Direito da Faculdade Educacional de Medianeira – UDC Medianeira.

[2] Doutor em Desenvolvimento Sustentável. Mestre em Direito. Professor do Curso de Direito da Faculdade Educacional de Medianeira – UDC Medianeira.

[3] Doutora em Desenvolvimento Sustentável. Mestre em Direito. Professora do Curso de Direito da Faculdade Educacional de Medianeira – UDC Medianeira.