LEI ANTIMANICOMIAL DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A PROIBIÇÃO DA PROTEÇÃO DEFICIENTE

LEI ANTIMANICOMIAL DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A PROIBIÇÃO DA PROTEÇÃO DEFICIENTE

30 de setembro de 2024 Off Por Cognitio Juris

ANTI-MANICOMIAL LAW DIGNITY OF THE HUMAN PERSON AND THE PROHIBITION OF DEFICIENT PROTECTION

Artigo submetido em 15 de agosto de 2024
Artigo aprovado em 21 de agosto de 2024
Artigo publicado em 30 de setembro de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 56 – Setembro de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Caio Fernando Piasson[1]
Lucelaine dos Santos Weiss Wandscheer[2]

RESUMO: Este artigo tem o propósito de verificar as garantias estabelecidas pela Lei 10.216/2001 – Lei Antimanicomial, instituídas para as pessoas acometidas por transtorno mental e que determinam, entre outros fatores, o gradual fechamento dos estabelecimentos manicomiais, se estaria abarcado pelo princípio da dignidade da pessoa humana ou seria em verdade demonstração de proibição da proteção deficiente. Nesse contexto apresentou-se um contexto histórico acerca dos fatos que envolvem os transtornos mentais, com ênfase em três pilares: o paciente, a doença e o estabelecimento de tratamento. Em seguida passou-se a verificar os regramentos apresentados pela Lei Antimanicomial, bem como as peculiaridades envolvendo o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da proibição de proteção deficiente. Assim, com a finalidade de atender tais objetivos, utilizou-se do método indutivo e da pesquisa bibliográfica exploratória para perfazer a presente tarefa. Com isso, constatou-se que no decorrer da história o portador de doença mental foi tratado como mensageiro dos Deuses, depois como alguém que deveria ser segregado da sociedade e apenas no séc. XIX em diante que fora visto como um doente que precisava de tratamento e não de exclusão. Apontou-se que os estabelecimentos empregados demonstravam ser verdadeiras prisões, estando os internos a mercê de tortura e tratamento desumano, fundamentando seu fechamento com base no princípio da dignidade da pessoa humana. Porém, o fechamento total acaba por liberar, também, os pacientes que não possuem condição de viver em sociedade, colocando em risco toda a coletividade. Assim, com base no princípio da proibição da proteção deficiente, deve o Estado não determinar o total fechamento dos manicômios, mais sim fiscalizar seu funcionamento para garantir que tanto seja realizado o tratamento condizente com o princípio da dignidade humana, como garantida a segurança da coletividade.

Palavras-chave: portador de transtornos mentais; manicômio; dignidade da pessoa humana; proibição da proteção deficiente.

ABSTRACT: This article aims to verify the guarantees established by Law 10,216/2001 – Anti-Asylum Law, established for people affected by mental disorders and which determine, among other factors, the gradual closure of asylum establishments, whether it would be covered by the principle of dignity of human person or would actually be a demonstration of the prohibition of deficient protection. In this context, a historical context was presented about the facts surrounding mental disorders, with an emphasis on three pillars: the patient, the disease and the establishment of treatment. Next, the rules presented by the Anti-Asylum Law were verified, as well as the peculiarities involving the principle of human dignity and the principle of prohibition of deficient protection. Thus, in order to meet these objectives, the inductive method and exploratory bibliographic research were used to complete the present task. With this, it was found that throughout history, people with mental illness were treated as messengers of the Gods, then as someone who should be segregated from society and only from the 19th century. XIX onwards that he was seen as a patient who needed treatment and not exclusion. It was pointed out that the establishments employed proved to be true prisons, with inmates being at the mercy of torture and inhumane treatment, justifying their closure based on the principle of human dignity. However, the total closure also ends up releasing patients who are unable to live in society, putting the entire community at risk. Thus, based on the principle of prohibiting deficient protection, the State should not order the total closure of asylums, but rather monitor their operation to ensure that both treatment is carried out in accordance with the principle of human dignity, and the safety of the community is guaranteed.

Keywords: suffering from mental disorders; asylum; dignity of human person; prohibition of deficient protection.

  1. INTRODUÇÃO

A sociedade corresponde a um aglomerado de pessoas cada qual com suas peculiaridades tentando viver em paz e harmonia, sem que nenhuma pessoa interfira ou prejudique as demais.

Sob esse pretexto que antigamente muitas pessoas eram exiladas em estabelecimentos médicos, pois, em decorrência de transtornos mentais a sociedade não sabendo como deveriam cuidar destes, optavam pela exclusão.

Com base nesse ponto que surge o presente trabalho, o qual busca avaliar as decisões que estão sendo tomadas perante o caso em questão para analisar se seriam elas as melhores tanto ao portador de transtornos mentais quanto a sociedade.

A seguir será apresentado as normas instituídas pela Lei n° 10.216/2001, também conhecida como Lei Antimanicomial, para saber seus reais benefícios, tanto aos pacientes, quanto para a sociedade de um modo geral.

Diante disso, apresentar-se-á um contexto histórico acerca da construção e existência dos estabelecimentos médico-psiquiátricos denominados manicômios e hospícios, além do princípio da dignidade da pessoa humana como epicentro do ordenamento jurídico brasileiro.

Em seguida verificar-se-á a determinação do fechamento desses estabelecimentos previsto pela Lei 10.216/2001 frente ao princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da proibição da proteção deficiente.

2 TRATAMENTO HISTÓRICO DA LOUCURA

A lei antimanicomial procura verificar os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais. No entanto, antes de compreender a matéria, faz-se necessário entender o objeto pelo qual se está visando proteger com a referida legislação, isto é, o portador de transtornos mentais.

Barros (2019, p. 17) relembra que no início da história, as manifestações dos distúrbios que afetam o ser humano eram declaradas como provenientes de espíritos, os quais em sua maioria malignos que se manifestavam nos indivíduos, e, esclarece também que:

Esse cenário começou a ser alterado quando, ainda na Grécia Antiga, as doenças passaram a ser encaradas como fenômenos naturais, decorrentes do mau funcionamento do organismo – ainda que as teorias subjacentes ao que era denominado natural hoje nos pareçam carecer de sentido. Um dos principais fatores naturais considerados era o balanço entre os humores (fluidos corporais divididos em bile, bile negra, fleuma e sangue). De acordo com seus níveis e as interações entre si e com o ambiente, estariam sujeitos a desequilíbrios que provocariam reflexos na saúde das pessoas. Embora rudimentares, tais explicações humorais tiveram o mérito de trazer para o plano natural – portanto passível de observação, explicação e intervenção – aquilo que era visto como desígnio dos espíritos, não restando aos homens nada a fazer a não ser rituais clamando por cura.

Nota-se que houve uma mudança na compreensão já que outrora entendia-se que o fator causador de distúrbios era religioso, passando-se a crer que havia algo com o indivíduo, por mais que a solução encontrada ainda padece-se de sentido ao adotar-se a teoria do balanço entre os humores.

Não obstante, ao estabelecer-se que a lei visa proteger o portador de transtornos mentais, observa-se o emprego da expressão transtornos mentais destinadas aos indivíduos que sofre das patologias que afetam a mente, mas nem sempre foi empregado essa terminologia.

Nessa senda, haviam aqueles que passaram a empregar com maior ênfase algumas terminologias, dentre as quais ganhou-se relevo aquela que indicava como “louco” o agente portador de transtorno mental e de “loucura” a doença propriamente dita.

  • O Louco Como Portador de Doença Mental

Como bem demonstrado historicamente o louco adotou diversos papéis. Belmonte (1996, p. 163) rememora que na Grécia o Louco era tratado como um mensageiro dos deuses, um indivíduo dotado de poderes divinos.

Por sua vez, Palomba (2017, p. 7) preconiza que:

O louco criminoso sempre intrigou as mentes humanas. Em tempos imemoriais, a loucura era a própria possessão demoníaca. Vinha o diabo e possuía o indivíduo, energoúmenos (possuído pelo demônio), que praticava o crime. Nessa época, os loucos (criminosos ou não) eram escorraçados para fora das cidades ou embarcados em lúgubres naus para serem abandonados à própria sorte, em terras distantes, às quais ficavam presos não por amarras físicas, mas por cravos existenciais que os pregavam à imensa encruzilhada da incerteza daquele mundo totalmente estranho da terra que lhes não pertencia. Essas embarcações singraram mares até meados do século XVI, quando se iniciou o exorcismo do conceito de diabo como causa de loucura, o que vale dizer, o louco já não era um possuído. Porém, se não um endemoniado, que é então? É, isto sim, um vagabundo, gente da pior espécie, um fora da lei […]

Compreende-se assim a situação vivenciada pelos portadores de doença mental, denominados loucos, sejam eles criminosos ou não, os quais inicialmente eram tratados como pessoas possuídas por demônios e que não deveria permanecer na mesma cidade, sendo expulsos do local. Em seguida diminuiu-se a visão de ser caso de possessão demoníaca, passando a serem considerados como vagabundos, desocupados.

No mesmo período da Revolução Francesa é que se tem notícia da pessoa que posteriormente iria se tornar o pai da psiquiatria científica, qual seja, Phillipe Pinel, médico que inspirado pelos ideais revolucionários de liberdade, igualdade e fraternidade, lemas da Revolução, buscou promover atendimento e tratamento aos doentes mentais (HOTHERSALL, 2019, p. 233/234).

Hothersall (2019, p. 234) esclarece que esse interesse de Pinel aflorou ainda mais com a morte de seu amigo que estava com traços de depressão e morreu em um ataque por lobos ao qual teria, até mesmo, o indivíduo dado causa ao sair perambulando noite a dentro na mata e complementa:

Esse acidente terrível comoveu Pinel profundamente. Por que ele, um médico, fora incapaz de confortar e curar esse pobre homem? Qual foi a causa desse comportamento? O que poderia ter sido feito para interromper esses ataques de loucura? Pinel resolveu aproveitar cada oportunidade para estudar os doentes mentais. Ele consultava especialistas e lia a literatura disponível sobre insanidade. Considerava inútil grande parte das opiniões dos especialistas, mas os trabalhos de Joseph Daquin (1733–1815) repercutiram sobre ele. Daquin acreditava que a loucura era uma doença que devia ser entendida e tratada pelos métodos da ciência natural. Os doentes mentais não eram animais depravados, mas pessoas doentes que precisavam de tratamento. “Olhar para um louco e achar graça”, Daquin disse, “era ser um monstro do ponto de vista moral” […]

Vislumbra-se que Phillipe Pinel tratou de olhar para os indivíduos com problemas mentais de maneira diversa daquela que estava sendo recriada pelas pessoas, até mesmo pela sociedade médica, reconhecendo-os como doentes que necessitavam de tratamento médico e não animais que devem ser excluídos.

Wang, Louzã Neto e Elkis (2007, p. 22) lecionam acerca da evolução histórica que haviam duas maneiras até então de identificação do portador de doença mental, aquela descrita na obra Martelo dos feiticeiros (Malleus maleficarum) que representava um manual de caça às bruxas declarando as pessoas como endemoniadas e que seriam condenadas a fogueira, e aquela que abarcava pessoas específicas, as quais deveriam ser eliminadas ou reclusas.

Em relação a reclusão indicada, tratava-se em suma do internamento em hospitais, como nos Hospitais Gerais construídos na França ou os Workhouses da Inglaterra, os quais, porém, não tinham vocação médica. Tais estabelecimentos eram apenas para exilar as pessoas que não eram bem vindas para a sociedade, obrigando-as a trabalharem fabricando objetos que posteriormente seriam vendidos para permitir o funcionamento dos estabelecimentos com seu lucro (Foucalt, 1975, p. 54/55).

Seguindo na história tem-se no século XIX uma nova guinada na situação acerca dos indivíduos com transtornos mentais, as quais Belmonte (1996, p. 164) assim descreve:

No século XIX, portanto, a loucura adquire um caráter psicológico. A corrente alienista, tendo como principais representantes Pinel na França e Tuke na Inglaterra, acrescenta um novo caráter à exclusão, justificando a necessidade de excluir os loucos para poder conhecer a loucura na tentativa de dominá-la. O psiquiatra emerge com uma função ambígua de tratar o paciente e proteger a sociedade contra esse doente que tenta curar. Os asilos adquirem um novo papel, como espaço de experimentação e cura. Surge nesse instante, na Europa, a doença mental.

Destaca-se, portanto, que o louco passou a ser reconhecido como um doente que necessita de tratamento em busca de uma cura para a loucura, tendo os asilos passados a serem empregados tanto como hospital para o tratamento do louco, como para retira-lo do âmago da sociedade, exilando-o desse convívio, fato que já era realizado anteriormente.

  • A Patologia Denominada Loucura

Em decorrência da apresentação acerca da terminologia “louco” para o portador de doença mental, tem-se ainda que realizar um apanhado acerca do termo “loucura”, o qual era empregado para referir-se a patologia mental que o indivíduo possuía.

Nesse toar, Milani e Valente (2008) explicam que há relatos acerca da “loucura” desde a antiguidade, sendo tratada como uma doença mitológica, sobrenatural, influenciada pelos deuses e demônios da época, decorrente assim da inspiração que a religião e os preceitos sagrados incutiam na população.

Nessa senda, o emprego da terminologia “loucura”, nos dizeres de Wang, Louzã Neto e Elkis (2007, p. 17), deriva de muitos anos atrás, havendo registros de patologias psiquiátrica de 2.000 a.C. em papiros egípcios, os quais reconheciam o útero como um ser autônomo que desloca-se pelo interior da mulher decorrente da falta de funcionamento sexual, causando a chamada histeria.

Por sua vez, Barros e Castellana (2020, p. 3) esclarecem que a Loucura corresponde:

A loucura é, desde sempre, um dos temas que mais mobilizam as pessoas, seja pelo medo, seja pelo fascínio, já que, em suas formas mais graves, os transtornos mentais interferem ­justamente no cerne do que nos faz humanos e nos diferencia dos animais: a razão e o riso. A capacidade racional é abolida em determinadas doenças, ou severamente alterada em outras, enquanto o riso pode ser exagerado ou extinto em algumas das condições psiquiátricas mais comuns. Talvez essa ameaça da perda da condição humana explique a importância do tema, mas, independentemente de suas origens, o fato é que, por serem diferentes, os doentes mentais sempre foram discriminados na sociedade, para bem – recebendo o status de feiticeiros ou protegidos – ou para mal – quando marcados como endemoninhados ou alienados.

Observa-se que a loucura sempre possuiu um interesse das pessoas diante do fato de acabarem até mesmo, a depender do grau e da condição psiquiátrica vivenciada pelo indivíduo, a retirar aquilo que diferencia os humanos dos animais, isto é, a racionalidade e o riso.

Seguindo no estudo da historicidade da terminologia, denota-se que na Idade Média, a explicação acerca dos distúrbios serem decorrentes de um problema natural do indivíduo deixa de existir, retrocedendo a visão mágico-religiosa, defendendo-se a ideia de que quem estava sofrendo deste mal eram “feiticeiras” ou “pessoas possuídas”, ficando marcado o período por perseguições aos enfermos mentais, exorcismos, intolerância e a aplicação da fogueira como método de condenação (Wang, Louzã Neto e Elkis, 2007, p. 21/22).

É de grande valia assim a verificação apresentada por Muchail; Fonseca e Veiga-Neto (2013, p. 15) acerca da loucura durante o decorrer da história, declarando que:

Os três momentos dessa história – o Renascimento ou a loucura como obsessão imaginária, a Idade Clássica ou a loucura como desrazão, a Modernidade ou a loucura como doença mental – produziriam as consciências da loucura (em que a loucura não era sujeito, mas objeto limite), que são tanto consciências de não ser louco quanto maneiras próprias de a razão apreender a loucura, preservando-se dela. Ou seja, modos de delimitação da loucura. (…) O Renascimento assiste ao desaparecimento da experiência trágica da loucura, o que permite que a consciência crítica, ao apagá-la da memória, coloque em seu lugar uma estrutura de exclusão. A Idade Clássica dos séculos XVII e XVIII procede à internação dos loucos, consciência prática que se apoia sobre uma consciência crítica (o louco é apreendido como o outro) e sobre uma consciência analítica (estabelecida pela divisão radical entre os loucos e os seres arrazoados). A Modernidade (séculos XIX e XX) atribui à consciência analítica a tarefa de apresentar a verdade total da loucura, esquecendo a divisão acima referida.

Tenta o autor assim delimitar o estudo da loucura em três épocas bem delineadas, primeiramente como uma etapa trágica de oposição entre loucura e razão, não havendo racionalidade para os atos que eram praticados. Em seguida, a loucura como um mal que gera o dever de internar seus portadores, retirando-os da sociedade. Por fim, a loucura sim como uma doença mental, contrariando aquilo que já teria sido adotado para o caso.

  • Os Estabelecimentos De Contenção Dos Loucos

Após verificar a terminologia amplamente empregada durante os tempos aos portadores de doença mental bem como adotada para designar a patologia sofrida, vem à tona no estudo acerca do tema, a questão envolvendo os estabelecimentos empregados para a contenção desses indivíduos.

As pessoas que eram presas ficavam confinadas em hospitais outrora destinados ao tratamento de pessoas com lepra, os denominados “leprosários”, convivendo no local com portadores de doenças venéreas e outras personas non grata para a sociedade (MILLANI; VALENTE, 2008).

Belmonte (1996, p 163) declara sobre o assunto que:

Em meados do século XVII, a loucura torna-se o mundo da exclusão. Passa a ser vista como o conjunto dos vícios do homem. A relação do homem com o trabalho sofre mudanças; o novo controle social gera a necessidade de disciplinar, moralizar. Os que não conseguem participar dessa produção são os desviantes. Nessa categoria incluem-se os loucos, os pobres, os inválidos e outros que estivessem fora da produção. Para essas pessoas, eram criadas casas que serviam como depositários humanos, na tentativa de controle moral da ociosidade.

Constata-se assim a divisão realizada pela sociedade entre aqueles que produziam algo e quem não fazia parte da linha de produção, também denominados de desviantes. É nessa categoria que se encontravam os loucos, os quais passavam a ser confinados em determinados locais, segregados dos demais, na tentativa de estabelecer-se um controle moral.

Pires e Resende (2016, p. 38) prescrevem que:

O hospício, um misto de hospital, pelo seu aspecto terapêutico, e prisão, pelo seu aspecto corretivo, pode ser comparado a campos de concentração, assim como reforça Arbex. É o local consagrado a ser realizado o tratamento mental e a psiquiatria torna-se especialidade médica. Com as unidades psiquiátricas é reconhecido que estes locais “[…] tornaram-se sinônimo de exclusão e isolamento específico para o louco.” Os sanatórios cumpriam sua função social: o de depositário dos indesejados que a sociedade não tencionava lidar.

Notam-se duras críticas aos estabelecimentos médicos que eram empregados para o encaminhamento dos portadores de doença mental, vez que mesmo que fosse instituído com o propósito de se parecer com se hospitais fossem, muitos os consideravam prisões devido ao objetivo histórico de sua criação, qual seja, exclusão e isolamento do indivíduo frente a sociedade.

O que muito se constatou no decorrer da história envolvendo as instituições para doentes mentais foram as condições atrozes em que os pacientes eram inseridos. Frente a isso, movidos pelo excesso de contingente, “curas desesperadoras e grandiosas” eram prometidas, fazendo surgir a leucotomia pré-frontal ou também conhecida lobotomia[3], cirurgia que garantiu a Moniz, seu criador, o Prêmio Nobel de Medicina em 1949. Não apenas essa, mas também fora empregado como cura o coma induzido; a indução de convulsão, com a qual foi aperfeiçoada vindo a ser empregado eletrochoque para sua realização, criando-se a terapia eletroconvulsiva, além, claro, do emprego de drogas para o tratamento das doenças mentais (Hothersall, 2019, p. 246/248)

Quando se busca verifica o Brasil nesse cenário que envolve o doente mental e os estabelecimentos criados para seu tratamento, não há como olvidar de uma das maiores atrocidades envolvidas com o tema, fato que gerou até mesmo a adoção da expressão “holocausto brasileiro”, localizado em Barbacena – MG.

Essa terminologia foi empregada em virtude de ter sido constatado no Hospital Colônia, o maior hospital psiquiátrico que existiu entre 1903 e 1980, a morte de não menos que 60 (sessenta) mil pessoas. Visando melhor explicar o caso, Miranda, Tortoriello e Abreu (2023), assim comentam:

O hospital mineiro, fundado em 1903, era destinado a pacientes psiquiátricos e muitos vinham a óbito, devido à ausência de assistência médica e à falta de saneamento básico, além dos tratamentos de tortura, como fome, frio e maus tratos físicos e psicológicos. Depois de mortos, os corpos eram vendidos ilegalmente, sem a autorização da família, para faculdades de medicina da época. Entre os anos de 1969 e 1980, foram registradas cerca de 1.853 vendas para 17 faculdades de medicina no Brasil.

Percebe-se que inicialmente o referido estabelecimento médico era destinado a pacientes psiquiátricos que necessitavam de tratamento médico apropriado, mas em decorrência do descaso, muitos vinham a morrer decorrente da falta de assistência, tortura, fome, frio, passando até mesmo a serem tratados como mercadoria, visto serem vendidos para faculdades de medicina seus corpos.

Focault (apud Cotrim Junior e David, 2020) relembra que a situação vivenciada no Hospital Colônia não era exclusividade, vindo a se reproduzir em quase todos os demais estabelecimentos que, igualmente, realizavam o tratamento do “louco”. Complementa declarando que a finalidade era simplesmente a de isolar os indivíduos improdutivos, isto é, aqueles improdutivos por inadaptação ou indesejabilidade no contexto social.

É com base nesse cenário que um movimento social se ergueu, tomando corpo e força em busca de uma Reforma Psiquiátrica no Brasil. Luchmann e Rodrigues (2007, p. 402) descrevem que o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental na década de 70 passaram a promover denúncias ao governo militar sobre tortura, fraude e corrupção no sistema nacional de assistência psiquiátrica, culminando em uma greve que perdurou por 08 (oito) meses em 1979.

Pires e Resende (2016, p. 7) lecionam que o movimento tratou de convocar a comunidade a debater os assuntos envolvendo os portadores de doença mental, tendo como objetivo encontrar novos dispositivos e tecnologias, capazes de reconstruir a psiquiatria e seus procedimentos, ressaltando ainda que:

Em 1988 é promulgada uma nova Constituição Brasileira e, a partir dela, criado um Sistema Único de Saúde. Desse modo, sete estados federativos e Distrito Federal sancionaram leis que previam a gradativa assistência em hospital psiquiátrico de forma a substituir o tratamento em outros serviços e aparatos. Sendo assim, o Ministério da Saúde abarcou a edição de onze portarias que integram o funcionamento e controle dos hospitais psiquiátricos e outros dispositivos de novo tipo.

Verifica-se que com a Constituição Federal de 1988 é que passou-se a trabalhar a ideia de assistência em hospital psiquiátrico, buscando substituir os tratamentos e serviços existentes, tudo sob o controle e fiscalização do Ministério da Saúde, com base nos regramentos descritos no Sistema Único de Saúde.

O término dos embates concluiu-se com a criação e edição da Lei n° 10.216, de 6 de abril de 2001, também conhecida como Lei Antimanicomial ou Lei Paulo Delgado.

  • A LEI N° 10.216, DE 06 DE ABRIL DE 2001 – LEI ANTIMANICOMIAL

A Lei 10.216 de 6 de abril de 2001, apresenta como propósito fundante dispor “… sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental” (Brasil, 2001).

Nesse toar, a norma apresenta já em seu primeiro artigo a impossibilidade de adotar-se qualquer tipo de discriminação para com a pessoa, independentemente dos critérios que possam ser apresentados.

Maestrello (2023, s. p.) preconiza que essa visão decorre do princípio da dignidade da pessoa humana, valor consagrado na Constituição Federal e em textos internacionais, com especial presença na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual prescreve diversos direitos que foram influenciados pelo princípio, dentre eles:

Direito à vida: toda pessoa tem direito à vida e à preservação de sua integridade física e mental;

Direito à liberdade: toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoal, não podendo ser privada de sua liberdade sem justa causa;

Direito à igualdade: todas as pessoas são iguais, não podendo sofrer qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos, grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno etc.;

Toda pessoa tem o direito de não ser submetida à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

Toda pessoa tem o direito de não ser escravizada. (grifos do autor)

Constata-se assim que toda pessoa, bem como o portador de doença mental, é detentora de direitos que devem ser respeitados, sem qualquer tipo de discriminação, seja quanto a raça, cor, sexo, orientação sexual ou gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, entre outros, buscando-se garantir com isso o direito à vida, à liberdade e à igualdade, primordialmente.

De mais a mais, é notável que o princípio da dignidade da pessoa humana figura como norte frente aos direitos do indivíduo com transtornos mentais, tanto que Maestrello (2023, s. p.) ao contrapor o princípio e os direitos destes indivíduos esclarece que:

Tendo como base o princípio da dignidade da pessoa humana, a Lei Paulo Delgado trouxe importantes direitos e garantias destinados às pessoas com transtorno mental, dentre os quais destaca-se:

Garantia do direito à atenção integral em saúde: a lei determina que as pessoas com transtorno mental têm direito ao acesso a serviços de saúde mental de qualidade, consentâneo às suas necessidades, devendo ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental, em detrimento de hospital ou regime asilar;

Respeito à autonomia e liberdade das pessoas com transtorno mental: a lei somente permite a internação involuntária de pessoas com transtorno mental quando autorizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina do Estado onde se localize o estabelecimento e desde que haja solicitação de terceiro. Também prevê que essas pessoas tenham livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;

Proteção contra qualquer forma de abuso e exploração e promoção da reinserção social das pessoas com transtorno mental: a lei impõe que a pessoa com transtorno mental deva ser tratada com humanidade e respeito, sendo protegida contra qualquer forma de abuso e exploração, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade. (grifos do autor)

Assim sendo, torna-se clara a indicação na lei de que as pessoas portadoras de doença mental têm direito ao acesso à serviços de saúde, com prioridade para o tratamento em serviços comunitários, a liberdade da pessoa debilitada que apenas será internada involuntariamente quando autorizada por médico, bem como o tratamento humano, por assim dizer, não permitindo qualquer forma de abuso e exploração.

Observa-se que está interpretação apresentada decorre do conteúdo expresso pela lei, a qual não tratou apenas do estabelecimento de direitos aos portadores de doença mental, mas determinou no art. 3° a responsabilidade do Estado no desenvolvimento de políticas públicas de saúde mental, assistência, entre outras ações as quais deverão realizar a integração da sociedade e da família em unidades ou instituições que prestem assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.

Não apenas isso, mas a lei tratou de explicar no art. 6°, as modalidades de internação possíveis, quais sejam: internação voluntária, involuntária e compulsória.

Como forma voluntária, o paciente deve manifestar seu interesse consentindo no tratamento, indicando de forma escrita tal vontade e permanecendo até sua alta médica ou solicitação para terminar o tratamento.

Por sua vez, a internação involuntária terá sua aplicação quando não é o paciente que solicita, mas sim um terceiro, sendo ele o responsável legal, um familiar ou quando determinado pelo especialista responsável pelo tratamento. Há ainda a obrigatoriedade de ser comunicado ao Ministério Público no prazo de 72 (setenta e duas) horas, tanto o internamento quanto a respectiva alta, sendo que está ocorrerá mediante solicitação escrita, havendo legitimidade para pleiteá-la apenas os mesmos agentes legitimados para requerer o internamento.

Por fim, tem-se a forma compulsória, a qual ocorrerá nos casos previstos em lei, ficando o magistrado competente para sua determinação, responsável por averiguar as condições de segurança do local, tanto para os pacientes, quanto para os demais internos e funcionários.

Selbmann (apud Maestrello, 2023) realiza um paralelo quando está lecionando acerca do internamento compulsório, mais precisamente quanto ao fato de não se tratar de medida de segurança, pois essa é determinada em sentença absolutória imprópria no processo criminal, já aquele, é resultado de uma ação cível.

Cabe ressaltar acerca da legislação em tela que encontra-se ainda contido a obrigatoriedade de que a internação ocorrerá apenas de forma subsidiária, quando os outros meios não forem suficientes, como bem demonstrado no art. 4°, o qual versa:

Art. 4º. A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.

§ 1º. O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio.

§ 2º. O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.

§ 3º É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2º e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2º.

Compreende-se assim que a internação deverá ser a última forma de tratamento a ser aplicada à pessoa portadora de transtornos mentais, devendo-se aplicar os demais recursos no intuito de buscar a reinserção social do paciente, oferecendo-se serviços médicos, de assistência social, psicológicos, entre outros.

Sobre o assunto Pires e Resende (2016, p. 38) prescrevem que:

Com a modificação do modelo hospitalocêntrico a datar da Lei 10.216/01, é formada a rede de atenção à saúde mental, constituída pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Centros de Convivência, Ambulatórios de Saúde Mental e leitos psiquiátricos em Hospitais Gerais. A caracterização principal dessa rede está baseada em ser substancialmente pública, de base municipal e controle social fiscalizador. […] Os CAPS são os equipamentos que visam substituir os hospitais psiquiátricos. Sua estrutura é de base comunitária, objetivando estimular a integração social, familiar, apoiar iniciativas de busca de autonomia, geração de emprego e renda, e fazer a reinserção desse sujeito outrora excluído. Instrumento este que se encontra na contramão das atividades realizadas nos hospitais psiquiátricos. A principal estratégia da Reforma Psiquiátrica é fazer o indivíduo sair da sua situação de intra-muros e, juntamente com sua equipe em Saúde Mental, mudar a lógica da sua vida, construindo seu tratamento em conjunto com médicos, psicólogos e terapeutas.

Nota-se que ao instituir a regra de subsidiariedade para o internamento, a lei deixou o antigo modelo que tinha como epicentro o hospital psiquiátrico, formando uma verdadeira rede de profissionais destinados ao tratamento do portador de transtorno mental, objetivando a integração entre os atores da relação, quais sejam, o paciente, os profissionais de saúde, os familiares e a sociedade como um todo.

Não se pode olvidar, no entanto, que existem pessoas com transtornos mentais severos e que encontram-se em verdadeira dependência institucional, quadro esse que a norma legal trabalha em seu art. 5°, versando que aqueles pacientes que encontram-se a longo tempo hospitalizados terão uma política específica para seu tratamento visando primordialmente sua alta. Esse programa foi instituído pela Lei 10.708, de 31 de julho de 2003 e regulamento pela Portaria de Consolidação n° 5°/GM/MS, de 28 de setembro de 2007, intitulado “De Volta Para Casa”.

Nota-se que o programa visa entregar um valor mensal como benefício, denominado auxílio-reabilitação, ao indivíduo egresso de internações, desde que preencha os requisitos apresentados no art. 3° da referida Portaria, tais como o de ser egresso de internação psiquiátrica, local que permaneceu pelo interregno de 02 (dois) anos ininterruptos, bem como demonstrar a necessidade do auxílio financeiro, entre outros requisitos.

No tocante ao valor de referência, inicialmente ficou estabelecido o montante de R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais), o qual foi majorado pela Portaria n° 1.511, de 24 de julho de 2013, instituindo-se o valor de R$ 412,00 (quatrocentos e doze reais).

De mais a mais, percebe-se que após a entrada em vigor da Lei Antimanicomial foram instituídas outras legislações com o intuito de dar efetividade nas medidas ali descritas, ganhando-se destaque para a Portaria n° 336, de 19 de fevereiro de 2002, que institui o Centro de Atenção Psicossocial – CAPS e a Portaria n° 3.088, de 23 de dezembro de 2011 que estabelece a Rede de Atenção Psicossocial – RAPS.

Percebe-se com o apanhado legal apresentado que o movimento de luta antimanicomial conseguiu incutir nas autoridades públicas a necessidade de evitar a todo custo que ocorra internações dos portadores de transtornos mentais, evitando-se assim que se tenha manicômios ou hospitais com cunho unicamente asilares, isto é, para simplesmente manter o paciente isolado da sociedade.

  • O princípio da Dignidade da Pessoa Humana

O princípio da dignidade da pessoa humana corresponde ao epicentro do ordenamento jurídico, tendo sido elevado a status constitucional diante de sua importância, estando descrito como um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, mais precisamente, no art. 1º, III da Constituição Federal de 1988.

Não obstante, em se tratando do princípio da dignidade da pessoa humana Magalhães (2012, p. 39) leciona que o princípio possui um valor inestimável para a teoria dos direitos humanos, visto que os fundamenta e os justifica, ou seja, o princípio serve como base para a criação de outros direitos e esses direitos criados devem respeito e se justificam perante a busca em atender o princípio da dignidade da pessoa humana.

Não fosse suficiente, Nunes (2019, p. 50) esclarece que: “dignidade da pessoa humana é uma conquista da razão ético-jurídica, fruto da reação à história de atrocidades, que marcou a experiência do homem”

A dignidade humana, portanto, durante o decorrer dos tempos esteve atrelada, ora com o pensamento sociopolítico, ora com a ideia de justiça, passando pela visão religiosa de ser o homem a imagem e semelhança de Deus, chegando-se a ideia jurídica de que a dignidade humana detém prioridade hierárquica sobre as demais normas do ordenamento jurídico, possuindo sua força na justificação de medidas de proteção da pessoa humana (Weyne, 2013, p. 32/94).

Diante disso, visto que o portador de doença mental também é detentor de direitos humanos, encontram-se seus direitos interligados com o princípio da dignidade da pessoa humana.

Nesse diapasão, Bastos (2019, s. p.) esclarece que:

[…] ao refletir sobre a conclusão de um longo ciclo histórico de dissociação de direitos, salientam que a sociedade atual, pautada nas diretrizes dos Direitos Humanos, exigiu uma nova postura em face do paciente psiquiátrico. Na contemporaneidade, o acometido de transtorno mental passou a ser reconhecido como um sujeito de direitos pelos tratados internacionais, pela legislação dos diversos Estados, sendo imperativo um tratamento mais humanizado e fundamentado nos ideais de dignidade e de liberdade, o que se dá depois de um longo processo de luta e violações à integridade, à vida e à liberdade desses pacientes.

Vislumbra-se que a sociedade passou a tratar o portador de transtornos mentais na contemporaneidade como sujeito de direitos, seja pelos movimentos internos ou mesmo com a pressão externa decorrente de tratados internacionais, necessitando um olhar mais humanizado perante tais indivíduos, pautando-se nos ideais da dignidade da pessoa humana.

Não obstante, há de ser relembrando ainda de outro fator que pressionou o Estado Brasileiro externamente, isto é, o caso Damião Ximenes Lopes[4] versus Brasil, decidido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos concluindo em sua condenação, como bem descreve Rosato e Correia (2011, p. 100), tendo a sentença seguinte sido apresentada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos quando analisava o caso:

Pela violação ao direito à integridade pessoal, à vida, à proteção judicial e às garantias judiciais consagradas nos artigos 5, 4, 25 e 8 respectivamente, da Convenção Americana, devido à hospitalização de Damião Ximenes Lopes em condições inumanas e degradantes, às violações de sua integridade pessoal, a seu assassinato; e às violações da obrigação de investigar, o direito a um recurso efetivo e às garantias judiciais relacionadas com a investigação dos fatos. A Comissão concluiu igualmente que em relação à violação de tais artigos o Estado violou igualmente seu dever genérico de respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção Americana a que se refere o artigo 1(1) de dito tratado.

Nota-se que a Comissão concluiu pela condenação do estado brasileiro no referido caso, visto ter violado o direito a integridade pessoal, à vida, à proteção e às garantias judiciais, além de ter investigado o fato, ferindo as garantias judiciais.

Conforme o regramento acerca do julgamento nos crimes perante a Corte Interamericana prescreverem (fato que não será analisado no presente trabalho, apenas mencionado), após a decisão acima exarada, o Estado é intimado para cumprir algumas recomendações, as quais se efetivadas, finalizam o processo, mas caso permaneçam pendentes, segue-se o processo para denúncia junto a Corte propriamente dita.

Ocorre que o Brasil não efetivou as medidas recomendadas, vindo a ser denunciado e a decisão final considerou-o culpado por violações contra a integridade pessoal; à vida; pela demora da Justiça nos processos criminais e cível; que por ser o indivíduo portador de deficiência, o Estado deve não apenas evitar violações, mas estabelecer medidas positivas de proteção. Perante esse fato o Brasil deveria reparar moral e materialmente a família Ximenes, realizando o pagamento de indenização e outras medidas não pecuniárias, bem como deveria identificar os culpados promover programas de formação continuada para todos os profissionais vinculados ao campo de saúde mental (ROSATO; CORREIA, 2011, p. 102).

  • O Princípio da Proibição de Proteção Deficiente

Até o presente momento percebeu-se que a Lei Antimanicomial realizou uma análise benéfica sobre a necessidade de ser o indivíduo com transtornos mentais reinserido na sociedade, pautando-se em seus direitos fundamentais que estavam sendo tolhidos junto aos manicômios e hospitais psiquiátricos.

Com o fim de fundamentar esse posicionamento foram divulgadas as atrocidades que ocorriam naqueles estabelecimentos asilares, pois de médicos pouco poderia ser entendido, colocando uma aversão severa naquele instituto.

Todavia, nada na vida é completamente de uma única forma, visto que existem estabelecimentos médicos psiquiátricos que cumprem a função para a qual foram criados, qual seja, a de fornecer tratamento médico ao paciente portador de transtorno mental.

Outrossim, existem casos também de indivíduos portadores de transtornos mentais que mesmo sob tratamento fora do estabelecimento hospitalar não conseguem ser reinseridos por completo na sociedade, praticando até mesmo crimes e sendo tratados como inimputáveis diante da condição clínica que possuem.

Frente a essa situação que tomou força um movimento de contrarreforma psiquiátrica, tendo Rios (apud Maestrello, 2023, s.p.) apresentado duas das bandeiras defendidas, quais sejam:

Encarceramento de pessoas com transtorno mental: ainda há muitas pessoas com transtorno mental presas em estabelecimento penais no Brasil, inclusive quando não têm condições de responder criminalmente por seus atos. A Contrarreforma Psiquiátrica tem sido acusada de promover o encarceramento dessas pessoas em vez de promover o acesso a tratamentos e serviços de saúde mental humanitários;

Desmonte de serviços de saúde mental: alguns setores têm defendido o desmonte de serviços de saúde mental e a redução de investimentos nessa área, o que pode levar a uma piora na qualidade dos cuidados oferecidos às pessoas com transtorno mental (grifos do autor).

Nota-se que a Contrarreforma estaria buscando manter o “encarceramento” das pessoas portadoras de transtornos mentais, contrariando os meios de tratamento defendido pela Reforma Psiquiátrica, além de defender a redução de investimentos nessa área.

Lisbôa e Bellini (2021, s. p.) apontam os reflexos que a Contrarreforma causaram em âmbito legal, mais precisamente na confecção de normas que tratam do assunto envolvendo o portador de doença mental, declarando que:

Diante de avanços e retrocessos na área da saúde mental, houve acontecimentos entre 2017 e 2018 que formalizaram a contrarreforma psiquiátrica brasileira. Primeiro, foi a Portaria 3.588, de 21 de dezembro de 2017, que introduziu o hospital psiquiátrico como ponto de atenção na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).

[…]

Outra portaria que foi criada e que caracteriza um grande retrocesso na reforma psiquiátrica brasileira é Portaria n° 2.434, de 15 de agosto, de 2018, que “reajusta o valor das diárias de internação hospitalar acima de 90 dias e incentiva as internações nos hospitais psiquiátricos”.

[…]

Ainda em 2018, a Portaria nº 3.659, de 14 de novembro, suspendeu o repasse do recurso financeiro destinado ao incentivo de custeio mensal de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Unidades de Acolhimento (UA) e de Leitos de Saúde Mental em Hospital Geral, integrantes da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), tendo como justificativa ausência de registros de procedimentos nos sistemas de informação do SUS.

Percebe-se que na visão reformista, a reinserção do Hospital psiquiátrico como ponto de atenção na Rede de Atenção Psicossocial constitui um verdadeiro retrocesso, ainda mais com a ampliação dos valores das diárias de internação apresentadas.

Frente a essa discussão o Ministério da Saúde por meio da Nota Técnica 11/2019 declarou:

Todos os Serviços que compõem a RAPS são igualmente importantes e devem ser incentivados e fortalecidos. O Ministério da Saúde não considera mais Serviços como sendo substitutos de outros, não fomentando mais fechamento de unidades de qualquer natureza. A Rede deve ser harmônica e complementar. Assim, não há mais porque se falar em “rede substitutiva”, já que nenhum Serviço substitui outro. O país necessita de mais e diversificados tipos de Serviços para a oferta de tratamento adequado aos pacientes e seus familiares.

Constata-se assim que o Ministério da Saúde declarou que não deveria ser entendido o processo pelo qual estava ocorrendo através dos ditames apresentados pela lei antimanicomial como um substituição de procedimentos que eram adotados para o caso envolvendo o portador de transtorno mental, mas sim a sua ampliação, abarcando outros tipos de serviços para os pacientes e seus familiares, permanecendo como possível ainda os serviços que já eram realizados.

Diante dessa queda de braço entre reformistas e contrarreformistas, um dos últimos atos verificados se deu com a Resolução n° 487, de 15 de fevereiro de 2023, do Conselho Nacional de Justiça, a qual passou a reavaliar as situações envolvendo o processo penal e a execução de medidas de segurança, tendo por base as regras apresentadas pela Lei Antimanicomial, vindo a determinar nos art. 12 e 16 que:

Art. 12. A medida de tratamento ambulatorial será priorizada em detrimento da medida de internação e será acompanhada pela autoridade judicial a partir de fluxos estabelecidos entre o Poder Judiciário e a Raps, com o auxílio da equipe multidisciplinar do juízo, evitando-se a imposição do ônus de comprovação do tratamento à pessoa com transtorno mental ou qualquer forma de deficiência psicossocial.

(…)

Art. 16. No prazo de até 6 (seis) meses, contados a partir da entrada em vigor desta Resolução, a autoridade judicial competente revisará os processos a fim de avaliar a possibilidade de extinção da medida em curso, progressão para tratamento ambulatorial em meio aberto ou transferência para estabelecimento de saúde adequado, nos casos relativos:

I – à execução de medida de segurança que estejam sendo cumpridas em HCTPs, em instituições congêneres ou unidades prisionais;

II – a pessoas que permaneçam nesses estabelecimentos, apesar da extinção da medida ou da existência de ordem de desinternação condicional; e

III – a pessoa com transtorno mental ou deficiência psicossocial que estejam em prisão processual ou cumprimento de pena em unidades prisionais, delegacias de polícia ou estabelecimentos congêneres.

Parágrafo único. Para fins do disposto no caput, o Comitê Estadual Interinstitucional de Monitoramento da Política Antimanicomial previsto no art. 20, VI, e as equipes conectoras ou multidisciplinares qualificadas apoiarão as ações permanentes de desinstitucionalização.

Constata-se assim que deve-se priorizar o tratamento ambulatorial em meio aberto, isto é, aquele em que a pessoa não é mantida em hospitais de custódia ou estabelecimentos congêneres. Além disso, determina-se a reavaliação dos processos em que encontra-se pessoas internadas, medida essa que busca extinguir os manicômios judiciários, devendo todos os indivíduos que estejam sob a condição de medida de segurança ser colocados sob outro tipo de tratamento, em especial o ambulatorial em meio aberto.

Essa decisão causou um alvoroço no Congresso Nacional, havendo diversos congressistas contrários a medida estabelecida. Diante desse fato, no dia 05 de abril de 2024, na Voz do Brasil, foi divulgada a matéria intitulada: “o fechamento de manicômios judiciário será debatido em audiência pública no Senado”, tendo a íntegra da reportagem informado da seguinte maneira o caso:

Repórter: O Conselho Nacional de Justiça prorrogou até agosto o prazo para que Estados e Municípios se adaptem a política antimanicomial.

Bruno Lourenço: Uma resolução do Conselho Nacional de Justiça de fevereiro de 2023 determinou o fechamento até maio deste ano de todos os manicômios judiciários do país. A solução proposta pelo CNJ é que os pacientes dessas instituições, considerados inimputáveis pela legislação, tenham atendimento domiciliar e procurem de forma voluntária a Rede de Atenção Psicossocial ou os hospitais gerais, mas senadores como Hamilton Mourão, do Republicanos do Rio Grande do Sul, diz que essa boa intenção esbarra na realidade.

Hamilton Mourão: essa decisão do CNJ parece ser tomada em Marte, é a decisão “vamos tirar o sofá da sala”. Em vez de melhorar os hospitais psiquiátricos ou fazer uma avaliação daqueles que podem prosseguir com a sua tarefa e aqueles que não tem condição, não, fecha tudo e depois larga o abacaxi na mão da gente.

Bruno Lourenço: o Senador Sérgio Mouro do União Brasil do Paraná, que pediu a audiência pública, afirmou que é preciso buscar uma saída que não traga risco para a sociedade. Deverão ser convidados para a audiência pública, representantes dos conselhos nacionais, de Justiça e do Ministério Público, do Conselho Federal de Medicina, da Associação Brasileira de Psiquiatria, de Secretarias Estaduais de Segurança Pública e do Instituto Nacional de Criminalista.

Repórter: de acordo com o CNJ 16 (dezesseis) Estados já interditaram total ou parcialmente locais de custódia e tratamento psiquiátrico. Ao todo, 2.736 (duas mil, setecentos e trinta e seis) pessoas cumprem medidas de segurança no país.

Conforme o posicionamento apresentado, deve ser melhor avaliada a decisão apresentada pelo Conselho Nacional de Justiça, motivo pelo qual serão realizadas as audiências públicas para discutir o tema.

Cunha (2016, p. 507) declara já ser aplicada as regras da lei antimanicomial quando das decisões dos juízes, visto que a Resolução n° 113, de 20 de abril de 2010 do Conselho Nacional de Justiça já determinava aplicar as políticas antimanicomiais, devendo-se evitar internações de pessoas portadores de doença mental apenas aos casos em que o convívio do doente com seus familiares e a sociedade for perigoso para ambos os lados.

De mais a mais, percebe-se que a discussão apresentada no Congresso Nacional encontra-se pautada não apenas pelo olhar dos reflexos que a medida irá gerar ao portador de transtornos mentais, mas sim quais os reflexos que atingirão a sociedade.

Frente a isso, observa-se que está sendo priorizado o direito da sociedade em detrimento ao do particular, fato que corresponde ao princípio da proibição de proteção deficiente do Estado. Diante disso, buscando explicar o referido princípio, Streck (2004, p. 6) leciona como sendo:

Afinal, a estrutura do princípio da proporcionalidade não aponta apenas para a perspectiva de um garantismo negativo (proteção contra os excessos do Estado), e, sim, também para uma espécie de garantismo positivo, momento em que a preocupação do sistema jurídico será́ com o fato de o Estado não proteger suficientemente determinado direito fundamental, caso no qual se estará em face do que, a partir da doutrina alemã, passou-se a denominar de “proibição de proteção deficiente” (Unter-massverbot).

Vislumbra-se que o princípio da proporcionalidade aponta para a existência de dois subprincípios ou perspectivas para o garantismo, sejam eles: o positivo e o negativo. O garantismo negativo representa a proteção do indivíduo frente aos excessos do Estado, enquanto que o garantismo positivo, esclarece que na busca pela defesa do direito do particular, não acabe por resultar em uma proteção insuficiente do Estado.

Magalhães, Botelho e Amado (2017, s. p.) ao tratarem do princípio preconizam que:

Se por um lado, não se admite o excesso, por outro lado, não se admite que um direito fundamental seja deficientemente protegido, seja mediante a eliminação de figuras típicas, ou pela cominação de penas que ficam aquém da importância exigida pelo bem protegido, seja pela aplicação de institutos que beneficiam indevidamente o agente, entre outras. Ou seja, é quando se encontra, na maior parte das vezes, representada por uma omissão, total ou parcial, do poder público no que tange ao cumprimento de um imperativo de tutela. Portanto, tal vertente tem como objetivo de não permitir que consista em uma deficiência na prestação legislativa, com intuito de proteger os direitos fundamentais dos cidadãos.

Verifica-se assim que o princípio da proibição da proteção deficiente busca vedar a eliminação ou a diminuição de determinados atos ou mecanismos quando busca realizar a defesa de determinado direito.

Contrapondo tal fato ao caso em debate percebe-se a possibilidade de aplicação do referido princípio para evitar que haja a total extinção dos hospitais de custódia e tratamento destinado aos pacientes com transtornos mentais.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término do presente artigo constatou-se que a doença mental tem anos e anos de história, podendo ser verificada frente os três pilares de sua estruturação, quais sejam: o doente, a doença e o estabelecimento para tratamento.

Percebeu-se que tanto a doença como o doente seguiram por três etapas, por assim dizer, iniciando-se com o entendimento de que seria algo divino, passando pela necessidade de extirpar da sociedade o doente e apenas ao final o reconhecimento deste como alguém que precisa de tratamento.

Não obstante, a parte do momento em que houve a segregação, os locais escolhidos foram travestidos de centros para tratamento, mas em sua maioria eram verdadeiras prisões, motivo pelo qual discutia-se a necessidade de extinção desses estabelecimentos.

Porém, como verificado, não se pode apenas extinguir e repassar para o sistema aberto a responsabilidade sobre todos os portadores de transtornos mentais sob pena de causar um risco sem tamanho a sociedade, devendo-se haver um equilíbrio, priorizando a melhora nos estabelecimentos médicos de tratamento dos portadores de transtornos mentais para com isso dar efetividade aos princípios da dignidade da pessoa humana e da proibição de proteção deficiente.

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[1] Graduado em Direito pela Faculdade Educacional de Medianeira – UDC Medianeira. E-mail: caio_fernando9@hotmail.com.

[2] Doutora em Direito pela Universidade de Marília. Doutoranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professora do Centro Universitário Dinâmica das Cataratas (UDC). E-mail: lucelaine.weiss@udc.edu.br.

[3] A lobotomia consistia em fazer orifícios no crânio do doente e com o emprego de um instrumento específico, cortar ou comprimir as fibras nervosas utilizando-se para tanto uma espécie de faca (tomo) que era direcionada para o lobo frontal do cérebro. Os benefícios foram supervalorizados enquanto que os efeitos colaterais de ausência de emoção, movimentos retardados, falta de iniciativa, negativismo e mudez foram minimizados, vindo após estudos dos pacientes a ser declarado que a cirurgia tratou de transformar “um ser humano em um vegetal” (HOTHERSALL, 2019, p. 246).

[4] Este caso é o primeiro caso brasileiro a ser julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA). Damião Ximenes Lopes, brasileiro, tinha 30 anos quando em outubro de 1999 foi internado por sua mãe na única clínica psiquiátrica do município de Sobral, no Ceará. O rapaz apresentava um intenso quadro de sofrimento mental, razão pela qual foi levado por sua mãe, Albertina Viana Lopes, à citada instituição para ter cuidados médicos. A clínica, chamada Casa de Repouso Guararapes, era credenciada ao Sistema Único de Saúde (SUS). Quatro dias depois, sua mãe foi visitá-lo e o porteiro da Casa de Repouso não quis deixá-la entrar. Mesmo frente ao impedimento colocado pelo funcionário, ela conseguiu adentrar na instituição e imediatamente começou a chamar por Damião. […] Diante disso, Albertina procurou ajuda entre os profissionais para que providenciassem cuidados ao seu filho. Desse modo, auxiliares de enfermagem foram dar um banho em Damião, enquanto ela conversava com o único médico que estava na instituição. Sem realizar nenhum tipo de exame, ele receitou alguns remédios a Damião e se retirou da Casa de Repouso. A mãe deixou a instituição consternada e quando chegou a sua casa, situada no município de Varjota, recebeu o recado de que haviam telefonado da Casa de Repouso para falar com ela. Algumas horas depois, conseguiu retornar à instituição, quando então soube que seu filho havia morrido. (Rosato e Correia, 2011, p. 99)