JURIMETRIA: O PODER TRANSFORMADOR DE DADOS E ESTATÍSTICAS

JURIMETRIA: O PODER TRANSFORMADOR DE DADOS E ESTATÍSTICAS

30 de junho de 2024 Off Por Cognitio Juris

JURIMETRICS: THE TRANSFORMATIVE POWER OF DATA AND STATISTICS

Artigo submetido em 20 de maio de 2024
Artigo aprovado em 29 de maio de 2024
Artigo publicado em 30 de junho de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 55 – Junho de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Giulia Martini Caruso[1]

Resumo: O artigo analisa a evolução das tecnologias de inteligência artificial (IA) no âmbito do Direito. Ele começa com uma breve história das aplicações de IA nesse campo, com destaque para a jurimetria, e como essas tecnologias evoluíram ao longo do tempo. O artigo pretende explorar dois tipos diferentes de jurimetria e incluir exemplos práticos de casos para ilustrar a previsão de resultados legais e o suporte à decisão judicial.

Palavras-chave: Jurimetria; Casos Práticos; Previsão de Resultados

Abstract: The article examines the evolution of artificial intelligence (AI) technologies within the legal field. It begins with a brief history of AI applications in law, particularly jurimetrics, and their evolution over time. The article aims to delve into two different types of jurimetrics and include practical examples of cases for legal outcome prediction and judicial decision support.

Keywords: Jurimetrics; Practical Cases; Outcome prediction

Sumário: 1 Introdução – 2 Jurimetria. – 2.1. Jurimetria baseada em fatos – 2.2. Jurimetria com base em fatores pessoais – 3 Conclusões finais – 4 Referências bibliográficas

  1. Introdução

Nos últimos anos houve uma proliferação acentuada de conflitos e, consequentemente, da judicialização destes. Conforme o Relatório Geral da Justiça do Trabalho, disponibilizado anualmente desde 2003, houve um aumento considerável de ajuizamento de ações trabalhistas até 2017.

Segue abaixo gráfico retirado do Relatório Geral de 2022 da Justiça do Trabalho, o qual demonstra numericamente o aumento do ajuizamento de processos trabalhistas, conforme exposto acima. Vejamos.

A análise do gráfico revela um aumento de cerca de 47% no número de ações ajuizadas entre 2005 e 2015.

Importante ressaltar que em 2017 houve a promulgação da Lei 13.467/2017, também conhecida como Reforma Trabalhista, que implicou na alteração e inclusão de diversos artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”). Essa mudança legislativa contribuiu significativamente para a queda no número de ações ajuizadas no período subsequente.

O aumento da judicialização dos conflitos também é passível de verificação na Justiça Cível, como revelam os dados do Relatório Estatístico do Supremo Tribunal de Justiça (“STJ”). Nos últimos 15 anos, houve um crescimento exponencial na distribuição de processos nessa instância. Em 2005, o STJ recebeu aproximadamente 211 mil processos, enquanto em 2021 esse número aumentou para cerca de 408 mil. Isso se traduz em um incremento de 93,36% ao longo de um período de aproximadamente 16 anos.

Este aumento significativo, implicou, inclusive, na alteração do Código de Processo Civil (“CPC”) em 2015, com atenção especial para lidar com casos repetitivos, resultando na implementação de mecanismos destinados a combater a litigância repetitiva, entre os quais:  (i) a obrigatoriedade dos precedentes (artigos 926 e 927 do CPC), (ii) a possibilidade de rejeição liminar do pedido (artigos 332 do CPC), (iii) o incidente de resolução de demandas repetitivas (artigos 976 e seguintes do CPC) e (iv) os recursos especiais e extraordinários repetitivos (arts. 1.049 e 1.050 do CPC).

A massificação das demandas não apenas resultou em alterações legislativas e na criação de uma categoria específica de litígio, o famigerado contencioso de massa, mas também gerou a necessidade crescente dos clientes em prever os desfechos dos processos. Essa capacidade de previsão tornou-se crucial para o desenvolvimento de políticas de acordo, planejamento financeiro (e.g., provisionamento contábil) e estratégias de defesa.

Neste novo cenário jurídico, onde a tecnologia desempenha um papel fundamental, a informação se tornou um recurso de grande valor. Com o acesso a informações precisas e atualizadas, uma empresa pode reduzir seus gastos com litígios massificados e direcionar esses recursos para outras áreas.

Nesse contexto, a jurimetria emerge como uma das soluções para a tomada de decisões estratégicas. Seguindo a mesma linha de raciocínio, Lúcio Rangel Alves Ortiz afirma em seu artigo “A jurimetria e o direito concursal brasileiro”:

A jurimetria é capaz de mensurar decisões de juizados e tribunais, que pode auxiliar na análise de estratégias para novos casos jurídicos que possam surgir como também conduzir e direcionar a frequência dos fatos em relação às normas, a ser aplicada nos julgamentos, o que também pode configurar o perfil do magistrado, na probabilidade de como decidir cada questão apresentada na Justiça. […] a recuperação dos dados jurídicos para melhor análise nos casos jurisdicionais recuperaria métodos de decisão como analogia e jurisprudência na formulação do ato decisório da magistratura de forma mais atualizada. […] Dessa maneira a ser observada, a jurimetria é uma ferramenta de uso da ciência aplicada que pode auxiliar na avaliação da sociedade no seu todo com seus problemas concretos, que são encaminhados ao judiciário e ela, por si só, pode verificar, empiricamente, melhores caminhos possíveis e apontar alternativas. […]”. (ORTIZ, 2013)

Para atingir o propósito deste estudo, foi adotada uma abordagem qualitativa, incluindo uma análise detalhada de decisões judiciais e doutrina especializada. A metodologia foi dividida em duas fases principais. Primeiramente, foi realizada uma revisão extensa da literatura jurídica, compreendendo artigos acadêmicos, livros e jurisprudência relevante. Em seguida, foram selecionados casos práticos representativos para análise.

Os resultados da pesquisa foram então examinados e interpretados considerando a jurimetria como uma ferramenta do Direito. Além disso, foram exploradas algumas das potenciais aplicações da jurimetria no contexto jurídico, destacando-se um estudo de caso prático da aplicação dessa metodologia.

Essa abordagem possibilitou uma análise aprofundada do tema, fornecendo insights valiosos sobre a utilização da jurimetria como uma ferramenta eficaz para compreender e aprimorar a prática jurídica.

  • JURIMETRIA

Considerando que todo comportamento humano pode ser compreendido como respostas não espontâneas a estímulos internos e externos, mediados pelas propriedades dos sistemas relevantes, é lógico inferir que as decisões e opiniões dos juízes tendem a se repetir ao longo do tempo, estabelecendo padrões de julgamento. Portanto, a análise de “tendências” em um tribunal pode se concentrar no estímulo, no sistema ou nas próprias decisões.

A jurimetria parte do pressuposto de que as decisões usadas como base têm maior probabilidade de permanecerem consistentes ao longo do tempo, formando assim uma expectativa de como um determinado julgador interpretará um conjunto de fatos. Em outras palavras, a jurimetria utiliza dados do passado para identificar tendências de julgamento, as quais possuem uma probabilidade de recorrência.

Vale ressaltar que um juiz é um homo sapiens de toga, razão pela qual ele está sujeito as mesmas forças que condicionam e influenciam os seres humanos e seus comportamentos. Portanto, assim como qualquer pessoa, os juízes nascem, crescem e são influenciados pelo seu meio social.

Destarte, uma eventual alteração no “sistema” que envolve o magistrado, como a morte de um ente querido, poderia implicar em uma mudança na sua forma de decidir. Neste sentido, a jurimetria nunca poderá fornecer uma certeza quanto à tendência de um determinado julgador, mas apenas uma probabilidade.

Embora hoje a jurimetria seja majoritariamente baseada no teor das decisões proferidas no passado, ou seja, desconsideram fatores pessoais dos julgadores, vale ressaltar que esta não é a única vertente existente.

  • JURIMETRIA BASEADA EM FATOS

Karl Pearson, fundador do Departamento de Estatística Aplicada na University College London em 1911, assim aduziu sobre a mentalidade científica do homem moderno:

“A classificação de fatos, o reconhecimento de sua sequência e significância relativa é a função da ciência, e o hábito de formar um julgamento sobre esses fatos imparcialmente, sem sentir pessoal, é característico do que pode ser chamado de mentalidade científica. O método científico de examinar fatos não é peculiar a uma classe de fenômenos e a uma classe de trabalhadores; é aplicável a problemas sociais, assim como a problemas físicos, e devemos cuidadosamente nos guardar de supor que a mentalidade científica é uma peculiaridade do cientista profissional”. (PEARSON, 1892. apud LOEVINGER, 1961)

Neste mesmo sentido foi a posição do jurista americano Oliver Wendell Holmes que, em 1920, entendia que ao estudar racionalmente a lei, o homem do direito tradicional pode ser o homem do presente, mas o homem do futuro é o homem das estatísticas e o mestre da economia[2].

Entretanto, não obstante a visão futurista de Holmes, foi apenas no século XX que os modelos probabilísticos e inferências estatísticas foram aplicados, em especial na economia. Inclusive hoje parte dos maiores desafios a serem enfrentados pelos governos democráticos envolvem estatística, como por exemplo aperfeiçoar os indicadores sociais dentro de uma sociedade.

Como Marcelo Guedes Nunes[3] bem pontou “a estatística é o caminho para a cidadania e para a inclusão na vida política moderna”.

A origem da jurimetria dentro do Direito possui conexão com a corrente acadêmica do realismo jurídico, que pretende analisar o direito como um fato cotidiano e concreto integrado à realidade social. Por esta razão os adeptos desta corrente entendiam ser essencial um estudo das decisões dos Tribunais e as interações com diversos fatores sociais. De forma que a partir da segunda metade do século XX, havia a intenção de adotar metodologia empírica nos processos de investigação, que trouxe consigo a utilização de modelos estatísticos.

Lee Loevinger cunhou o termo “jurimetria” em seu artigo “Jurimetris: the next step forward” de 1949, onde dá o próximo passo dentro do caminho aberto pelo realismo jurídico. Em seus artigos Loevinger menciona o armazenamento de dados dos tribunais americanos e a possibilidade de catalogação das decisões, bem como buscas por palavras-chaves, ou seja, a fusão entre a jurimetria e os avanços tecnológicos.

Loevinger reconheceu a importância da matemática e da estatística para estudar os fenômenos sociais, bem como para observar a probabilidade de determinada realidade ocorrer no futuro:

“Para começar, devemos ter claro que a ciência não nos oferece respostas finais ou certas para os problemas jurídicos. O sonho de que a ciência possa um dia nos dizer qual dos vários interesses concorrentes é mais importante é vão. A ciência não afirma tais respostas em qualquer campo. A ciência não atribui valores sociais ou éticos. A ciência pode de fato fornecer dados a partir dos quais julgamentos sociais ou éticos possam ser feitos, mas os julgamentos permanecerão com o homem. Além disso, mesmo em relação aos dados e aos princípios que a ciência possa nos oferecer como informação, não haverá certeza. Os dados da ciência são expressos em termos estatísticos e probabilísticos, e absolutos ou certezas são, se nada mais, anticientíficos. No entanto, a indeterminação e a incerteza dos dados e princípios científicos não devem ser consideradas como uma impugnação de sua validade ou valor. Pelo contrário, essas são garantias intrínsecas de que os dados e sua validade são precisamente como representados e não são exagerados. Isso também serve para nos lembrar que todo conhecimento e experiência humanos são igualmente incertos e indeterminados até certo ponto. Não escapamos da indeterminação e da incerteza da ciência ao postular absolutos categóricos. Apenas nos enganamos ao supor que somos mais sábios do que somos e corremos o risco de erro ao ignorar as limitações de nosso conhecimento e a extensão de nossa ignorância.” (LOEVINGER, p. 270, 1961)

Embora, como percebeu Marcelo Guedes Nunes:

“O principal mérito de Loevinger foi criar a expressão jurimetria. No entanto a má compreensão do papel da estatística na pesquisa social, a insistência em uma visão determinista do conhecimento, a empolgação com a informática e a indefinição conceitual acabaram por prejudicar a ideia. Como a maioria dos cientistas até o século XIX, ele acreditava que o conhecimento e estava associado à exatidão e que a especulação em torno da indeterminação do Direito minava os fundamentos para a construção de um conhecimento verdadeiro. Preso ao conceito de causalidade determinística, Loevinger entendia que a incerteza privaria o cientista dos meios de identificação das causas de um fenômeno, impediu-o de formular previsões a respeito de seu comportamento futuro. Loevinger não se deu conta de que a aleatoriedade é uma pré-condição para a aplicação da estatística no estudo das decisões judiciais e que o reconhecimento da incerteza no Direito não compromete a construção de um conhecimento consistente e útil”. (Nunes, p. 100, 2016)

O sucessor das ideias de jurimetria indicadas por Loevinger foi Hans Baade, professor de Direito Civil na Universidade do Texas/EUA, que defendia que os avanços computacionais e permitiriam a criação de um sistema de armazenamento e busca de dados capaz de organizar milhões de precedentes judiciais, que, por sua vez, seriam convertidos em uma linguagem lógica para ser “calculada”. Isso lhe permitiria prever comportamentos judiciais por meio de cálculos estatísticos.

No Brasil o estudo da jurimetria veio em 1973, após uma série de palestras do professor italiano Mario Losano, que escreveu o livro “Informática Jurídica” (traduzido para português em 1976). Losano não concordava com a ideia de quantificar o Direito e rejeitou a estatística por entender que ela não poderia abarcar a abrangência do Direito (e.g., valores abstratos).

Vale pontuar que Losano limita a jurimetria ao uso do computador, o que, na opinião de Marcelo Guedes Nunes é um equívoco, pois o computador é um objeto e não uma metodologia. Ou seja, que o autor italiano se confundiu, usando o fato da jurimetria estar documentada, em sua maioria, em bases de dados tecnológicas. Nunes continua sua crítica ao pontuar que a jurimetria não possui a intenção de predeterminar com exatidão o comportamento futuro (caráter determinístico), pois ela possui um caráter probabilístico. Por fim, Nunes conclui, corretamente, que as ferramentas tecnológicas não podem ser tomadas como a essência da jurimetria.

Ora, a maior invenção do homem não é a criação de ferramentas, sejam elas complexas ou simples, mas sim a capacidade de utilizá-las.

A aplicação da estatística dentro do Direito, como já pontuado alhures, possui diversos benefícios, entre os quais, a possibilidade de modelar decisões judiciais e como solução de problemas decisórios.

A jurimetria baseada em fatos faz uso de dados concretos, não relacionados ao indivíduo que está proferindo as decisões ou fatores socioeconômicos de determinada região geográfica, mas sim o teor das decisões proferidas.

Embora seja discutível a possibilidade de se obter uma estatística que efetivamente represente a realidade jurídica, especialmente considerando que cada caso possui fatos e provas com diferentes teores de veracidade, a matemática permite se obter uma tendência central.

Loevinger já indicava (LOEVINGER, p. 270, 1961) que a ciência não determina valores sociais ou éticos, mas sim providencia dados por meio dos quais julgamentos sociais e éticos podem ser realizados. Adiciona, que mesmo com os dados e os julgamentos ofertados pela ciência, não existirá certeza. O fato de qualquer jurimetria ser baseada em termos estatísticos e probabilidade retira por si só a possibilidade de a classificar como absoluta ou certa.

Ele continua seu argumento indicando que esta incerteza da jurimetria não deve ser analisada como impeditiva de seu uso, mas sim como um lembrete de que todo conhecimento humano e experiência é similarmente incerta e indeterminada até certo grau.

Quando estamos tentando prever os resultados de um único caso futuro, o que estamos tentando invocar é um grau de confiança como base para ação. De qualquer forma, é possível se apoiar em julgamentos de probabilidade para prever o resultado de casos únicos, e tal confiança é justificada pelo critério de sucesso desta metodologia.

Vale mencionar que a validade da jurimetria como metodologia dentro do Direito é objeto de críticas, como é possível verificar no caso emblemático da 32ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG (processo n. 0010531-94.2023.5.03.0111), que julgou improcedente uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho contra a Uber, sob a alegação do uso de “mecanismos de jurimetria para manipular a jurisprudência e impedir a formação de decisões contrárias a seus interesses, em prejuízo da coletividade”.

O Ministério Público do Trabalho argumentou que a Uber utilizava a jurimetria para identificar as Varas do Trabalho e Turmas dos Tribunais que poderiam resultar em decisões desfavoráveis. Nestes casos, a empresa optava por executar acordos para evitar a consolidação de jurisprudência desfavorável.

A julgadora considerou que o uso da jurimetria como instrumento de análise de risco para oferecer acordos não viola a legislação nacional. Além disso, ela entendeu que não seria razoável contestar um movimento natural do Direito.

Não obstante as críticas existentes, cada vez mais verifica-se escritórios de advocacia fazendo uso da jurimetria em favor de seus clientes.

Um bom exemplo deste tipo de uso foi abordado no artigo publicado por Giovani dos Santos Ravagnani, que expôs o modelo utilizado pelo JBM Advogados.

No referido artigo, Ravagnani indica que JBM Advogados, por meio de um software especificamente criado por eles, optou por automatizar diversas funções, como a triagem de publicações, organização de prazos e, inclusive, a minuta de petições iniciais. Esta opção resultou em uma economia de custos da operação e quase 30% de aumento de eficiência e produtividade.

O argumento do escritório é que a repetição das causas e baixa complexidade dos processos facilita a aplicação das teses “em volume e velocidade de massa”. Ou seja, uma vez fixada uma “macroestratégia de defesa” o escritório conseguiria refletir nos demais processos de forma automática, reduzindo a possibilidade de erros humanos.

Ademais, uma vez verificando, por meio da jurimetria, a chance de uma futura derrota o escritório possibilitaria ao cliente uma estratégia diferenciada a fim de evitar o dispêndio desnecessário de valores.

Ravagnani cita, por fim, um artigo feito pela Harvard Law School, em 2015, no qual existe a menção do sistema automático de gerenciamento de contencioso utilizado pelo JBM Advogados.

O referido artigo menciona a visão do JMB Advogados em fazer uso da base de dados que eles já possuem e transformar isso em “dados estruturados”:

“A empresa está agora utilizando inteligência artificial para criar modelos indutivos que preveem tendências e para classificar, resumir e indexar documentos. Também pode agrupar documentos por características como decisão, local, juiz, e assim por diante, e realizar técnicas de análise de dados para detecção de fraudes”. (THE PRACTICE, 2015)

Percebe-se pelo exposto acima que a jurimetria vem como uma nova abordagem do conhecimento, mais pragmática.

Assim, a ciência nos proporciona novas ferramentas que nos permitem realizar as mesmas tarefas de maneiras inéditas ou até mesmo realizar feitos jamais tentados antes.

  • JURIMETRIA COM BASE EM FATORES PESSOAIS

Nos Estados Unidos da América (“EUA”), foi apenas após a Segunda Guerra Mundial, com a chegada do livro “The Roosevelt Court” de C. Herman Pritchett, em 1948, que os advogados começaram a prestar atenção na teoria e na abordagem metodológica ao estudo das cortes e juízes (alternativamente as tradicionais abordagens históricas, legais e filosóficas). Pritchett confinou seu estudo a opiniões não unânimes da Suprema Corte dos EUA durante um determinado período, sob o argumento de que uma decisão unânime revelaria pouco sobre a deliberação dentro do processo judicial e nada dos conflitos envolvidos na mesa de discussão, linhas alternativas de argumentos e compromissos para a obtenção do resultado final.

De acordo com a análise de H. P. Sturm sobre o referido trabalho, Pritchett ao perceber que as teorias constitucionais por trás das decisões não dariam uma imagem completa, destacou as atitudes pessoais, influências políticas e experiências passadas dos membros; explicando que peso esses elementos podem ter tido na determinação das políticas. Termina sua análise aduzindo que:

“O Professor Pritchett prestou um grande serviço ao revelar os Ministros da Suprema Corte como menos (ou mais) do que robôs proferindo julgamentos imparciais, e ao explicá-los como seres humanos influenciados por suas filiações políticas, suas crenças pessoais e o clima da época.” (STURM, p. 465, 1949)

Não obstante este início incipiente com ótimos resultados, uma atividade de pesquisa em larga escala constante iniciou-se somente em 1956 com o apoio do Social Science Research Council.

Desta forma, têm-se que a abordagem comportamental busca desenvolver conhecimento teórico sistemático, baseando-se no uso de métodos controlados de observação, conceitos operacionalizados e na testagem de hipóteses formuladas antes da coleta de dados. Tal abordagem contrasta com aquela frequentemente encontrada na pesquisa jurídica, na qual os dados são coletados e analisados e então são oferecidas “explicações” post hoc como possíveis interpretações das relações denotadas.

A abordagem comportamental é interdisciplinar e transcultural em seu escopo de afiliações e interesses; ela busca focar e entender o que é comum na ação humana, transações e interações através do espaço e do tempo. O comportamento decisório em contextos jurídicos é de interesse precisamente na medida em que a compreensão da tomada de decisão semelhante à judicial pode contribuir para a teoria da tomada de decisão mais geral.

Em resumo, pretende-se criar um liame entre fatores interpessoais dos julgadores e tendências de julgamento.

S. Sidney Ulmer, prestigioso professor de ciência política na Universidade de Kentucky nos EUA, analisou nos anos 70 as diferentes pré-disposições de juízes americanos a proferir votos divergentes. O seu argumento principal é de que os julgadores possuiriam uma propensão a se comportar de maneira padronizada, quando confrontado com estímulos consistentes.

Ulmer, expressando o espírito de sua era, assim afirma sobre os fatores que influenciaram uma decisão:

“Com relação à decisão do juiz, as propriedades do sistema incluiriam as características orgânicas e psicológicas do tomador de decisão. Os estímulos seriam de dois tipos: (a) aqueles que fluem principalmente do caso em litígio e (b) fatores contextuais-ambientais que, quando respondidos, tendem a “confundir” ou modificar a decisão que poderia ser tomada se a resposta a um caso fosse determinada apenas pela reação do juiz aos estímulos do caso. Por exemplo, um juiz poderia, em uma situação específica, ser levado a responder desfavoravelmente ao estímulo “litigante negro”, mas ser dissuadido de fazê-lo em um contexto no qual tal resposta traria a acusação de “racista”. Embora o estado psicológico do juiz possa determinar tendências de resposta em ambos os casos, a distinção feita aqui entre estímulos primários (do caso) e secundários (contextuais) é, teoricamente, significativa.” (ULMER, p. 580, 1970)

Aduziu ser impossível quantificar “pré-disposição”, razão pela qual, buscou um indicador quantificativo das diferenças de julgamento (e.g., porcentagem de determinado viés decisório nos últimos 5 anos).

Ulmer sustentou que juízes caracterizados por antecedentes sociais específicos foram expostos a padrões de socialização particulares que geram, portanto, necessidades psicológicas específicas. Essas necessidades diferenciais, por sua vez, estão relacionadas à maneira como os juízes abordam e participam dos processos que levam a uma decisão judicial. Assim, decidiu usar como diferencial para sua pesquisa: a afiliação religiosa, ocupação parental, local de nascimento e formação pessoal.

Importante notar que o autor não exclui a interrelação entre o ambiente e o estado psicológico do julgador, mas Ulmer, à época (i.e., 1970), não entendia existir dados concretos comprovando a relação entre comportamento judicial e a origem pessoal (histórico de vida) do julgador.

Um dos resultados notáveis de suas pesquisas foi a observação de que juízes católicos tendiam a proferir votos divergentes em maior proporção do que os protestantes, evidenciando a complexidade desses fatores na tomada de decisões judiciais.

Em 1975, Glendon Shubert e David J. Danelski, fazendo uso da pesquisa e entendimentos de S. Sidney Ulmer, deram seguimento a análise da jurimetria comportamental, destacando:

“Como Cardozo apontou quase cinquenta anos atrás e como Jerome Frank insistiu, os juízes realmente são humanos e inevitavelmente sujeitos a todas as aflições (bem como às satisfações) às quais a carne está sujeita. Portanto, deve-se presumir que, para os juízes e outras pessoas ativas no processo adjudicatório, bem como para as pessoas em geral, cada subsistema biológico humano estabelece parâmetros dentro dos quais a personalidade pode funcionar e que afetam como ela funcionará dentro desses limites (Ulmer, 1969).” (SCHUBERT, p. 13, 1975)

Os estudos de S. Sidney Ulmer, Glendon Shubert e David J. Danelski destacam a complexidade da jurimetria, evidenciando que a eficácia dessa abordagem depende significativamente da escolha e compreensão dos “inputs” (elementos) utilizados como base para a pesquisa de tendências. Ao examinar uma variedade de fatores interpessoais, como afiliação religiosa, ocupação parental e formação pessoal, resta evidenciada a necessidade de uma abordagem ampla para compreender as decisões judiciais. Em outras palavras, estes estudos enfatizam a importância de uma abordagem multidisciplinar na jurimetria, que inclua não apenas dados quantitativos, mas também uma compreensão mais profunda dos contextos individuais que influenciam o comportamento dos juízes.

É importante ressaltar que esse tipo de jurimetria não é comumente utilizado no Brasil, seja pela dificuldade de se obter níveis detalhados de informações sobre os julgadores ou pela resistência cultural de vincular fatores pessoais dos julgadores com os resultados obtidos.

  • Considerações finais

Verifica-se que hoje a jurimetria vigente no Brasil é a jurimetria baseada em fatos, que apresenta algumas limitações, como a dependência de fatores quantificáveis, a capacidade de apenas indicar tendências em períodos específicos e a necessidade de interpretação por parte do analista.

No entanto, apesar dessas limitações, a jurimetria desponta como parte do futuro do Direito. Com o aumento dos litígios de massa e a crescente necessidade de um melhor custo-benefício para as empresas ao contratar determinado escritório para gerenciar seu passivo, a jurimetria se destaca como uma ferramenta essencial para o aprimoramento das estratégias legais e a tomada de decisões mais informadas e eficientes.

Vale pontuar que a questão da robotização do Judiciário pode ser um próximo passo lógico a partir do uso da jurimetria.

Embora, um aprofundamento sobre este assunto não caiba no presente artigo, Harold Lasswell (1955), um cientista político membro de uma faculdade de direito, trouxe um argumento interessante que pode ser relevante para este artigo.

Lasswell publicou um artigo à época da revolução do computador no qual trouxe filosofou sobre a possibilidade de um futuro “tribunal de juízes robotizados” (i.e., computer court). Na opinião do cientista o “tribunal de juízes robotizados” teria um valor agregado limitado, principalmente diante da ausência de expectativa de criatividade, que às vezes observamos na tomada de decisões dos juízes atuais – ou seja, na redefinição de situações, por meio da apresentação de novas possibilidades alternativas para a solução de conflitos.

Ele ainda argumenta que a previsibilidade perfeita não seria uma virtude incontestável, mas sim a maior falha deste tribunal robotizado, e que o maior defeito seria, portanto, a falta de incerteza. Lasswell aduz que o ideal de certeza na lei é tolerável apenas no contexto de um mundo empírico no qual as forças que induzem à mudança são tão numerosas que a realização do objetivo nunca é possível.

Lasswell concluiu seu artigo com a sugestão de que o desenvolvimento de uma tecnologia de computador expandida não representava uma ameaça, mas sim destacava a necessidade contínua da criatividade humana.

É notável como o pensamento de Lasswell permanece relevante nos dias de hoje e se torna aplicável para a análise da jurimetria dentro do Direito. Eis que, como mencionado, a ciência não atribui valores éticos ou sociais por si só. A interpretação e a criatividade humana continuam sendo elementos-chave na tomada de decisões judiciais e sociais, inclusive na interpretação das estatísticas da jurimetria.

Em outras palavras, a jurimetria só será verdadeiramente útil se a interpretação humana for capaz de utilizar seus dados de forma eficaz, aproveitando nossa criatividade inata para alcançar resultados mais significativos. Mas, no final das contas, se alguém questionar por que devemos prestar atenção à jurimetria, a resposta é simples: porque é o próximo passo. Assim como saímos da caverna, exploramos além da colina e vimos o fogo; navegamos pelos oceanos e desbravamos o Oeste. A história da humanidade é uma saga de exploração, e a convergência da tecnologia com o Direito é o que está por vir.

  • Referências bibliográficas

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[1] Possui graduação em Direito e pós-graduação lato sensu em Direito e Processo do Trabalho, ambos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é advogada no Lefosse Advogados.

[2] HOLMES, 1920. apud LOEVINGER, 1961, p. 255.

[3] NUNES, Marcelo Guedes. Jurimetria: como a estatística pode reinventar o Direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.