HARMONIZANDO SILÊNCIO E IDENTIDADE: O DIREITO AO SOSSEGO E SUA INTERAÇÃO COM O DIREITO DA PERSONALIDADE NO BIODIREITO
30 de junho de 2024HARMONIZING SILENCE AND IDENTITY: THE RIGHT TO PEACE AND ITS INTERACTION WITH THE RIGHT OF PERSONALITY IN BIODIRIGHT
Artigo submetido em 17 de junho de 2024
Artigo aprovado em 26 de junho de 2024
Artigo publicado em 30 de junho de 2024
Cognitio Juris Volume 14 – Número 55 – Junho de 2024 ISSN 2236-3009 |
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Autor(es): Hanna Gabrielle Ferraro¹ |
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RESUMO: O presente artigo explora a interconexão entre o direito ao sossego e o direito à personalidade no contexto jurídico e bioético, destacando como esses direitos são essenciais para a dignidade, privacidade e integridade emocional do indivíduo. Ele enfatiza que, além da proteção legal, é necessária uma abordagem ética que priorize o respeito mútuo, a empatia e a consideração das implicações complexas desses direitos. A combinação de jurisprudência e bioética busca um equilíbrio que não apenas assegure a justiça, mas também reflita os valores fundamentais da sociedade, valorizando a individualidade de cada pessoa.
PALAVRAS-CHAVE: direito ao sossego; direito à personalidade; direito civil; sociedade e biodireito.
ABSTRACT: This article explores the interconnection between the right to peace and the right to personality in the legal and bioethical context, highlighting how these rights are essential for the dignity, privacy and emotional integrity of the individual. He emphasizes that, in addition to legal protection, an ethical approach is needed that prioritizes mutual respect, empathy and consideration of the complex implications of these rights. The combination of jurisprudence and bioethics seeks a balance that not only ensures justice, but also reflects the fundamental values of society, valuing the individuality of each person.
KEYWORDS: right to peace; right to personality; Civil right; society and biolaw.
- INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como escopo central a interseccionalidade do direito ao sossego e o direito da personalidade no âmbito do biodireito. Analisar o Direito, como no caso em questão, não é uma tarefa separada da experiência real vivida pela sociedade a que a lei se destina.
Pelo contrário, a elaboração de normas, sua interpretação e aplicação estão intrinsecamente ligadas a essa reflexão. Diante dessa tarefa surgiu o direito ao sossego e a personalidade que estão firmados em diversos alicerces jurídico no qual se encontram em constante evoluções e aprimoramentos.
O direito ao sossego é um princípio intrínseco à qualidade de vida e à dignidade humana, é essencial para a criação de um ambiente harmonioso e saudável para as pessoas. Neste capítulo, será examinado em profundidade o conceito e os fundamentos desse direito, destacando sua evolução e relevância em uma sociedade cada vez mais dinâmica e urbanizada.
O tema em questão, em sua essência, diz respeito ao direito das pessoas de desfrutar de um ambiente tranquilo e livre de perturbações desnecessárias. Isso engloba tanto a tranquilidade física quanto a mental, sendo uma extensão natural do direito à privacidade e à integridade pessoal. Sobre isso diz Deocleciano Torrieri Guimarães:
“Direito que tem cada indivíduo de gozar de tranquilidade, silêncio e repouso necessários, sem perturbações sonoras abusivas de qualquer natureza”².
O sossego não se limita apenas à ausência de ruído, mas abrange todas as formas de interferência que possam perturbar o bem-estar e a concentração das pessoas. Originando-se do direito à privacidade, é uma extensão natural do respeito à vida privada e à dignidade humana. Essa perspectiva ganhou destaque à medida que a urbanização e o ritmo acelerado da vida moderna aumentaram os desafios relacionados ao ruído e às distrações.
A sociedade contemporânea caracteriza-se por níveis crescentes de ruído provenientes de diversas fontes, como tráfego rodoviário, construções, entretenimento e dispositivos eletrônicos. Além disso, a perturbação ao sossego não é somente caracterizada por ruídos, mas também por cheiros e outras interferências prejudiciais.
O impacto negativo do excesso de ruído na saúde mental e física dos indivíduos é amplamente reconhecido, com efeitos que vão desde distúrbios do sono até aumento dos níveis de estresse. O direito ao sossego, portanto, assume uma relevância significativa na promoção do bem-estar e na proteção da qualidade de vida.
Consiste, portanto, em um direito da personalidade, que visa assegurar o direito à vida e à saúde. Este está inserido no rol dos direitos da personalidade, sendo um direito garantido a todos, nas suas horas de descanso de não ser perturbado ou molestado.
Decorre também do direito de vizinhança e da garantia de um meio ambiente equilibrado. O direito ao sossego nasceu da garantia constitucional do direito à intimidade e à privacidade.
O artigo 225 da Constituição Federal estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.
Art. 225. “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”³
O Código Civil também resguarda expressamente o direito ao sossego, conforme se infere do artigo 1.277.
Art. 1.277. “O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.” 4
É, assim, uma restrição ao direito de outrem de produzir perturbações à tranquilidade alheia. O direito ao sossego pode ser visto como um dos direitos à integridade física, mas também como um dos direitos à integridade moral, estritamente ligados aos direitos à intimidade e imagem.
- DIREITO AO SOSSEGO
- CONCEITO E FUNDAMENTO DO DIREITO AO SOSSEGO
Por ser tratar de um artigo que abrange o direito da pessoa de viver longe de perturbações, importante conceitualizar o sossego, que advém da palavra sossegar.
O conceito de direito ao sossego tem raízes profundas na história e nas tradições culturais de diversas sociedades. Civilizações antigas, como a Roma e a Grécia, já reconheciam a importância de manter a paz e a tranquilidade nas comunidades.
No entanto, o advento da urbanização e da revolução industrial trouxe consigo desafios inéditos relacionados ao ruído e à poluição sonora, o que motivou uma reflexão mais aprofundada sobre o direito ao sossego.
O direito fundamental está enraizado em princípios fundamentais que sustentam uma sociedade justa e equitativa. Dentre esses princípios, destacam-se:
Dignidade Humana sendo o respeito ao direito ao sossego um reflexo do reconhecimento da dignidade inerente a cada indivíduo. Proporcionar um ambiente tranquilo é uma maneira de preservar essa dignidade e promover o bem-estar.
Ingo Wolfgang Sarlet define a dignidade da pessoa humana como:
“A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.” 5
E o Bem-Estar e a Saúde, na qual o sossego está intrinsecamente ligado ao bem-estar físico e mental. A exposição constante a ruídos e perturbações pode levar a efeitos adversos na saúde, como estresse, distúrbios do sono e problemas psicológicos e a Convivência Harmoniosa, no qual o direito ao sossego contribui para uma convivência harmoniosa entre os membros de uma comunidade. O respeito mútuo pelo sossego alheio é um componente essencial para manter relações saudáveis e pacíficas.
Nos sistemas legais, o direito ao sossego é muitas vezes abordado em leis que regulamentam questões relacionadas ao ruído e à poluição sonora. A legislação busca estabelecer limites aceitáveis de ruído em diferentes contextos, como residencial, comercial e industrial.
Além disso, a jurisprudência tem desempenhado um papel fundamental na interpretação e aplicação do direito ao sossego, considerando fatores como a intensidade do ruído, o horário e o contexto cultural.
O Acórdão nº. 965744 20140111774158APC6, contextualiza que “o proprietário ou possuidor de um imóvel deve eximir-se de atividades nocivas à segurança, ao sossego e à saúde dos moradores vizinhos sob pena de incorrer em abuso de direito.
Em suma, o direito ao sossego transcende a mera ausência de barulho, representando uma busca pela tranquilidade e pela preservação da saúde física e mental das pessoas. Sua abordagem legal e jurisprudencial é um reflexo do reconhecimento da importância desse direito na sociedade contemporânea.
2.2 IMPORTÂNCIA DO SOSSEGO NA SOCIEDADE
Em meio à agitação constante da vida moderna, o sossego emerge como um tesouro precioso muitas vezes negligenciado. Nas páginas da sociedade contemporânea, a importância do sossego revela-se de forma profunda e abrangente.
O sossego, frequentemente associado à tranquilidade e à calma, desempenha um papel crucial na saúde mental e emocional das pessoas. Em um mundo onde a informação flui incessantemente e as demandas são constantes, encontrar momentos de sossego permite uma pausa necessária para o cérebro processar, descansar e se revitalizar. É um espaço onde a mente pode se desvencilhar das preocupações diárias, reduzindo o estresse e promovendo um equilíbrio interno.
Além disso, o sossego tem um impacto direto na qualidade das relações humanas. Quando indivíduos buscam e respeitam momentos de tranquilidade, eles se tornam mais presentes nas interações sociais. Paulo Nogueira leciona sobre os limites da liberdade na sociedade, conforme abaixo:
“Todos nós temos a liberdade de viver, segundo nossa concepção e desde que não prejudiquemos o direito de outrem. Não há liberdade absoluta, ilimitada, mas condicionada para quem vive em sociedade. Ninguém pode fazer o que bem entende, havendo restrições à conduta humana. Mesmo no exercício de qualquer atividade, ainda que legítima, não pode haver um direito absoluto, pois todo abuso que venha a perturbar o trabalho ou sossego alheios deve ser reprimido na forma da lei.”7
A comunicação se torna mais genuína e empática, pois a mente está livre das distrações e urgências que frequentemente a dominam. Assim, o sossego fortalece os laços, construindo relacionamentos mais significativos e duradouros.
Na esfera criativa, o sossego exerce um papel inspirador. Muitos artistas, escritores e pensadores buscam momentos de quietude para permitir que suas ideias fluam livremente. É nesses momentos que a mente pode explorar novas possibilidades, conectando-se a insights profundos e originais. A criatividade floresce quando a mente tem espaço para explorar, questionar e sonhar sem limitações.
Todavia, a sociedade frequentemente exalta a agitação e a ocupação constante, deixando o sossego à margem. A cultura contemporânea muitas vezes associa estar ocupado a ser produtivo, o que pode levar a um ciclo de exaustão e desgaste emocional.
Reconhecer o valor intrínseco do sossego é um passo crucial para reequilibrar essa percepção distorcida e trazer benefícios tangíveis para o indivíduo e para a comunidade como um todo.
Em resumo, o sossego é mais do que simplesmente um momento de pausa na correria da vida. É um pilar fundamental para a saúde mental, relações interpessoais profundas e a criatividade enriquecedora. À medida que a sociedade reconhece e abraça a importância do sossego, abre-se a porta para um mundo mais saudável, conectado e inspirado.
2.3 FORMAS DE VIOLAÇÃO DO DIREITO AO SOSSEGO
Neste capítulo, importante destacar algumas formas de violação do direito ao sossego, que podem ser classificadas em três categorias: poluição sonora, perturbação da ordem pública e invasão da intimidade alheia.
A poluição sonora é definida como qualquer som que cause incômodo, desconforto ou prejuízo à saúde das pessoas ou dos animais. A poluição sonora pode ter diversas fontes, como o trânsito, as obras, as indústrias, os eventos, os vizinhos, os aparelhos eletrônicos, entre outras. A poluição sonora pode afetar tanto o ambiente externo quanto o interno, dependendo da intensidade, da frequência e da duração do som. Fiorillo classifica ruídos sonoros, conforme abaixo se segue:
“[…] som é qualquer variação de pressão (no ar, na água…) que o ouvido humano possa captar, enquanto ruído é o som ou conjunto de sons indesejáveis, desagradáveis, perturbadores. O critério de distinção é o agente perturbador, que pode ser variável, envolvendo o fator psicológico de tolerância de cada indivíduo.”8
A poluição sonora é considerada uma forma de violação do direito ao sossego porque interfere na qualidade de vida das pessoas, prejudicando o seu descanso, o seu trabalho, o seu estudo e o seu lazer.
Além disso, pode causar danos à saúde auditiva e mental das pessoas, provocando perda de audição, estresse, irritabilidade, insônia, ansiedade, depressão e até mesmo doenças cardiovasculares.
É regulamentada por diversas normas legais, que estabelecem os limites máximos de emissão e recepção de sons em diferentes áreas e horários. Entre essas normas, destacam-se a Lei das Contravenções Penais8, a Lei de Crimes Ambientais9, a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA)10.
Os infratores podem ser punidos com multas, apreensão dos equipamentos sonoros ou até mesmo prisão.
Artigo 42 da Lei das Contravenções Penais estabelece pena de prisão para aquele que “perturbar o trabalho ou o sossego alheio: com gritaria ou algazarra; exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais; abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos; provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda”. 11
As pessoas que sofrem com a poluição sonora podem recorrer aos órgãos competentes para denunciar os infratores e exigir providências. Esses órgãos podem ser os órgãos ambientais (como o IBAMA), os órgãos de segurança pública (como a Polícia Militar), os órgãos de defesa do consumidor (como o PROCON) ou os órgãos municipais (como a Prefeitura).
As pessoas que sofrem, também, podem recorrer ao Poder Judiciário para pleitear uma indenização por danos morais e materiais causados pela violação do seu direito ao sossego. Para isso, é necessário comprovar a existência do dano e do nexo causal entre o dano e a conduta do infrator. Além disso, é possível requerer uma medida liminar para cessar imediatamente a emissão do som excessivo ou indesejado.
A perturbação da ordem pública é definida como qualquer ato que cause tumulto, desordem ou insegurança na coletividade. Pode ter diversas formas, como brigas, manifestações, aglomerações, vandalismo, baderna, entre outras. No mais, pode afetar tanto o espaço público quanto o privado.
É regulamentada por diversas normas legais, que estabelecem os limites e as condições para o exercício da liberdade de expressão, de reunião, de associação e de manifestação.
Entre essas normas, destacam-se a Constituição Federal 13, o Código Penal14, o Código de Processo Penal15 e a Lei de Segurança Nacional16.
As pessoas que sofrem com isso podem recorrer aos órgãos competentes para denunciar os infratores e exigir providências. Esses órgãos podem ser os órgãos de segurança pública (como a Polícia Civil, a Polícia Federal ou a Guarda Municipal), os órgãos de defesa civil (como o Corpo de Bombeiros) ou os órgãos judiciários (como o Ministério Público ou o Poder Judiciário). E a punição aos infratores e as medidas a se tomar consistem na mesma forma com relação a poluição sonora.
A invasão da intimidade alheia é definida como qualquer ato que viole ou exponha indevidamente a vida privada ou íntima de uma pessoa ou de um grupo de pessoas. No mais, pode ter diversas formas, como espionagem, gravação, fotografia, filmagem, divulgação, chantagem, extorsão, entre outras. E, ainda pode afetar tanto o ambiente físico quanto o virtual, dependendo do meio utilizado para obter ou divulgar as informações.
A invasão da intimidade alheia é considerada uma forma de violação do direito ao sossego porque interfere na liberdade das pessoas, violando o seu direito à autodeterminação e à reserva sobre os seus dados pessoais.
Além disso, a invasão pode causar danos à honra, à imagem, à reputação e à dignidade das pessoas, gerando constrangimento, humilhação e discriminação. É regulamentada por diversas normas legais, que estabelecem os limites e as condições para o acesso e o tratamento dos dados pessoais. Entre essas normas, destacam-se o Código Civil17, o Código Penal18, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais19 e o Marco Civil da Internet20.
As pessoas que sofrem com a invasão da intimidade podem recorrer aos órgãos competentes para denunciar os infratores e exigir providências. Esses órgãos podem ser os órgãos de defesa do consumidor (como o PROCON), os órgãos de proteção de dados (como a Autoridade Nacional de Proteção de Dados – ANPD), os órgãos de segurança pública (como a Polícia Civil ou a Polícia Federal) ou os órgãos judiciários (como o Ministério Público).
- DIREITO DA PERSONALIDADE NO BIODIREITO
- DIREITO DA PERSONALIDADE
No panorama do direito civil, um dos princípios mais essenciais e abrangentes é o direito de personalidade. Este direito, intrinsecamente ligado à dignidade humana, garante a cada indivíduo o poder de controlar as escolhas que moldam sua própria vida, imagem e identidade.
O direito de personalidade abrange uma série de aspectos que vão além dos limites físicos do corpo. Envolve não apenas a integridade física, mas também a esfera psicológica, emocional e social do indivíduo. Inclui a liberdade de expressão, o direito à privacidade, a proteção contra difamação e o controle sobre a própria imagem.
“(…) são direitos em expansão. Com a evolução legislativa e com o desenvolvimento do conhecimento científico acerca do direito, vão-se revelando novas situações que exigem proteção jurídica e, consequentemente, novos direitos vão sendo reconhecidos (…)”21
No cerne desse direito está a ideia de que cada pessoa é única e merece respeito e consideração. O direito de personalidade protege contra a exploração e a invasão, permitindo que indivíduos vivam suas vidas de acordo com seus próprios valores e objetivos. Ele também serve como uma salvaguarda contra o tratamento desumano ou degradante, promovendo a igualdade e a justiça.
A privacidade é um componente crucial do direito de personalidade. Ela abrange desde a proteção contra a divulgação não autorizada de informações pessoais até a capacidade de tomar decisões sem interferência externa.
Com o avanço da tecnologia e a facilidade de compartilhamento de informações, a proteção da privacidade tornou-se uma questão cada vez mais relevante e desafiadora.
Além disso, o direito de personalidade reconhece o valor da reputação de um indivíduo. A difamação, a calúnia e a injúria podem causar danos significativos à imagem de alguém e, portanto, o direito de personalidade estabelece mecanismos legais para buscar reparação em casos de difamação injusta.
Vale ressaltar que o direito de personalidade não é absoluto e pode entrar em conflito com outros direitos e interesses legítimos. No entanto, a ponderação desses interesses deve ser feita de forma cuidadosa, buscando preservar a dignidade e os direitos individuais sempre que possível.
Em síntese, o direito de personalidade é um alicerce da dignidade humana e da autonomia individual. Ele ressoa na esfera social, legal e ética, orientando a forma como interagimos uns com os outros e como a sociedade protege os direitos inalienáveis de cada pessoa. Como a sociedade evolui, o respeito pelo direito de personalidade permanece como um pilar essencial para um mundo mais justo e equitativo.
3.2 IMPLICAÇÕES DO DIREITO DA PERSONALIDADE NO CONTEXTO DO BIODIREITO
No cenário contemporâneo, à medida que a biotecnologia avança a passos largos, o direito de personalidade emerge como uma questão central no campo do biodireito. Este ramo do direito explora as implicações éticas, legais e sociais das inovações biomédicas, e o direito de personalidade desempenha um papel crucial nesse contexto.
O direito de personalidade é a garantia fundamental de que cada indivíduo é reconhecido como uma entidade única e inviolável, com autonomia sobre seu próprio corpo e identidade. No âmbito do biodireito, essa noção ganha novas dimensões à medida que questões como engenharia genética, clonagem e modificação do genoma entram em cena.
“De acordo com Maria Helena Diniz, a Bioética é uma resposta da ética às novas situações oriundas da ciência no âmbito da saúde. Ela ocupa-se não só de problemas éticos provocados pelas tecnociências biomédicas, mas também a vários aspectos das pesquisas em seres humanos, como por exemplo a clonagem, mudança de sexo, esterilização, eugenia e eutanásia, entre outros.”22
Um dos debates mais pertinentes é a capacidade de um indivíduo de controlar seu material genético. Com os avanços na edição de genes e manipulação genética, surge a questão sobre quem tem o direito de alterar ou modificar o genoma de um indivíduo.
A discussão não se limita apenas ao consentimento do paciente, mas também abrange as implicações para as gerações futuras, à medida que essas alterações genéticas podem ser transmitidas.
A clonagem humana também suscita considerações profundas sobre o direito de personalidade. A clonagem desafia a definição tradicional de individualidade e singularidade.
Questões sobre a identidade do clone, seus direitos e sua relação com o doador do material genético levam a reflexões sobre a complexa interação entre a genética e a identidade pessoal.
Além disso, a proteção da privacidade genética torna-se uma pauta importante. A divulgação não autorizada de informações genéticas pode ter consequências graves para a reputação e a vida pessoal de um indivíduo.
A garantia de que as informações genéticas permaneçam privadas e que o acesso a esses dados seja regulamentado torna-se crucial para preservar o direito de personalidade em uma era de crescente compartilhamento de informações.
Em conclusão, o direito de personalidade no contexto do biodireito representa um campo de desafios complexos e discussões éticas. À medida que a biotecnologia avança, a sociedade é convocada a equilibrar o progresso científico com os direitos fundamentais dos indivíduos.
O campo do direito civil aborda assuntos relacionados aos direitos fundamentais da pessoa, abrangendo tópicos como o começo e o término da vida, a liberdade de escolha, a aplicação dos princípios dos direitos humanos e as regulamentações contratuais que governam a responsabilidade médica e profissional.
A defesa da autonomia, privacidade e dignidade de cada pessoa deve permanecer no cerne das decisões tomadas no campo do biodireito, garantindo que os avanços científicos respeitem a essência do que significa ser humano.
- INTERSEÇÃO ENTRE OS DIREITOS
- ANÁLISE DE SITUAÇÕES DE CONFLITO ENTRE DIREITO AO SOSSEGO E DIREITO DA PERSONALIDADE
No encontro dos direitos ao sossego e à personalidade, emerge um campo complexo e intrincado de conflitos que exige uma análise cuidadosa e sensível. Ambos os direitos são fundamentais, mas podem colidir em situações em que o exercício de um direito entra em choque com o do outro.
Imagine um cenário em que um grupo deseja realizar um protesto em frente a uma área residencial durante o final de semana. Aqui, o direito à liberdade de expressão colide com o direito ao sossego dos residentes que buscam tranquilidade.
Determinar os limites entre a expressão livre e a perturbação do sossego requer uma avaliação de como a liberdade de expressão pode ser exercida sem comprometer a paz e a tranquilidade da comunidade.
Considere um cenário em que um fotógrafo captura imagens de pessoas em um parque público sem o consentimento delas, em nome da arte. Aqui, o direito à liberdade artística e à expressão colide com o direito à privacidade e à personalidade das pessoas que não deram seu consentimento para serem fotografadas. A questão central é até que ponto a liberdade artística deve ser limitada para proteger os direitos individuais à privacidade.
Um exemplo comum de conflito ocorre em bairros onde os moradores buscam sossego, enquanto estabelecimentos de entretenimento noturno, como bares e casas noturnas, operam até altas horas da madrugada.
Aqui, o direito ao sossego dos moradores choca-se com o direito de outros indivíduos desfrutarem do entretenimento. Encontrar um equilíbrio que permita ambas as atividades sem prejudicar nenhum dos direitos é um desafio delicado.
Situações em que a mídia divulga informações privadas sobre pessoas públicas levantam questões sobre o direito à imagem e à intimidade. A liberdade de imprensa e o interesse público competem com o direito à privacidade e ao controle sobre a própria imagem. Determinar os limites entre a informação pública e a invasão da vida pessoal exige uma avaliação minuciosa dos interesses em jogo.
Segundo a Professora e Doutora Maria Helena Diniz, para um equilíbrio numa sociedade são necessários alguns requisitos.
“a) o grau de tolerabilidade, pois se o incômodo for tolerável o juiz despreza a reclamação da vítima, já que a convivência social, por si só, cria a necessidade de cada um sofrer um pouco; b) a invocação dos usos e costumes locais, afinal não se pode exigir o silêncio da vida campestre em uma megalópole como São Paulo, pois, nesse caso, há uma perda do sossego em detrimento dos benefícios dos grandes centros; c) a natureza do incômodo ao sossego; e, d) a pré-ocupação, mas a anterioridade não é um critério absoluto para verificar o uso nocivo da propriedade”.23
Os conflitos entre o direito ao sossego e o direito de personalidade são intrincados e exigem uma análise caso a caso, ponderando os interesses em jogo. A resolução desses conflitos frequentemente envolve considerar o impacto nas vidas e bem-estar das pessoas envolvidas, buscando um equilíbrio entre a proteção dos direitos individuais e a promoção de valores sociais mais amplos. Enquanto a sociedade evolui, a busca por soluções justas e equitativas continua sendo um desafio relevante e vital.
- NORMAS LEGAIS QUE REGEM O DIREITO AO SOSSEGO E O DIREITO DA PERSONALIDADE
No intricado mosaico do direito civil, as normas legais que regem o direito ao sossego e o direito da personalidade são essenciais para garantir a coexistência pacífica e respeitosa na sociedade.
O direito ao sossego é geralmente protegido por leis que tratam do ruído e da perturbação da tranquilidade pública. Muitas jurisdições possuem regulamentos específicos que estipulam níveis de ruído permitidos em diferentes contextos, como residências, áreas comerciais e locais públicos.
Essas leis frequentemente delimitam os horários em que atividades ruidosas podem ocorrer, levando em consideração a necessidade de repouso e a tranquilidade das pessoas.
Além disso, as normas legais podem abordar questões como eventos públicos, construções e uso de equipamentos de som. Os regulamentos variam de acordo com a localização e as circunstâncias específicas, mas o objetivo é sempre encontrar um equilíbrio entre o direito ao sossego e outras atividades legítimas que possam causar perturbação.
O direito da personalidade é protegido por uma série de normas legais que abordam questões como a privacidade, a imagem, a honra e a integridade física e emocional das pessoas. As leis de proteção à privacidade muitas vezes regulam a coleta, o armazenamento e o uso de informações pessoais, buscando evitar a divulgação não autorizada de dados sensíveis.
A proteção da imagem e da reputação também é abordada por meio das leis de difamação, calúnia e injúria, que permitem às pessoas buscar reparação quando sua reputação é injustamente prejudicada. Além disso, leis específicas podem regulamentar o uso comercial da imagem de uma pessoa sem seu consentimento.
Embora essas normas sejam fundamentais para proteger os direitos individuais, também podem surgir conflitos quando os direitos ao sossego e à personalidade entram em choque. As cortes são frequentemente chamadas a mediar esses conflitos, considerando os detalhes específicos de cada caso e o equilíbrio entre os interesses envolvidos.
As normas legais que regem o direito ao sossego e o direito da personalidade desempenham um papel crucial em harmonizar as interações sociais e assegurar o respeito pelos direitos individuais.
No entanto, a interpretação e a aplicação dessas normas muitas vezes requerem uma análise contextual cuidadosa para garantir que as leis sejam justas e equitativas, promovendo uma sociedade onde a dignidade, a privacidade e o bem-estar de todos sejam preservados.
- CONCLUSÃO
O encontro entre a compreensão jurídica e a dimensão bioética no âmbito do direito ao sossego e do direito à personalidade revela uma interconexão profunda entre a justiça e os valores fundamentais que definem a condição humana. Ao longo deste estudo, exploramos como esses direitos se entrelaçam, influenciam e se moldam em um delicado equilíbrio que ressoa na sociedade e na experiência individual.
A compreensão jurídica desses direitos oferece um arcabouço que protege e preserva a dignidade, a privacidade e a integridade emocional de cada ser humano. A legislação que regula o direito ao sossego e o direito à personalidade é um reflexo da busca por uma convivência respeitosa e da salvaguarda da individualidade.
No entanto, a complexidade do contexto moderno exige que esses direitos sejam considerados em relação a outras liberdades, como a de expressão e informação, para alcançar um equilíbrio que mantenha a harmonia na sociedade.
A dimensão bioética eleva essa compreensão ao recordar-nos que a justiça legal deve ser complementada por uma abordagem ética e responsável. A busca pelo sossego e pela preservação da personalidade deve ser guiada pelo respeito mútuo, pela empatia e pela consideração das implicações em toda a sua complexidade. A ética nos lembra que, embora a lei possa oferecer proteção, também devemos cultivar uma cultura de compreensão, onde o bem-estar e a dignidade de todos sejam priorizados.
Neste encontro sutil entre jurisprudência e bioética, somos lembrados da importância de navegar pelas águas da justiça com sensibilidade e humanidade. O direito ao sossego e o direito à personalidade são mais do que simples conceitos legais; eles são reflexos do valor intrínseco de cada indivíduo.
Ao encontrar um equilíbrio entre a aplicação legal e a reflexão ética, construímos uma sociedade onde as leis não apenas regem, mas também refletem nossos valores mais profundos e onde cada ser humano é respeitado e valorizado em toda a sua unicidade.
- REFERÊNCIAS
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¹ Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em 2019. Pós-Graduanda: Mestranda em Direito Civil Comparado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.
²GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 19ª e.d. São Paulo: Editora Rideel, 2016;
³Artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988;
4Artigo 1.277 do Código Civil de 2002. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002.
5 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988.10ª e.d. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2019.
6DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS. Tribunal de Justiça. Acórdão proferido em apelação cível nº 965744. Relator: HECTOR VALVERDE, 5ª Turma Cível, Data de Julgamento: 14/9/2016, publicado no DJE: 26/9/2016, p. 306/315.
7 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Contravenções Penais Controvertidas, 5. ed. São Paulo: Editora Leud, 1993.
8FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 22ª. ed. São Paulo: Editora Saraiva jur, 2022;
9/12BRASIL. Decreto-Lei Nº. 3.688, de 03 de outubro de 1941. Institui a Lei das Contravenções Penais;
10 BRASIL. Lei Nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Institui a Lei de Crimes Ambientais;
11BRASIL. Resolução Conama nº 10, de 6 de dezembro de 1990. Institui a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente.
13 Artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988;
14 Artigos 286 a 288 do Código Penal. Decreto-Lei Nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940;
145Artigos 319 a 321 do Código de Processo Penal. Decreto-Lei Nº 3.689, de 3 de outubro de 1941;
16BRASIL. Lei Nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983. Institui a Lei de Segurança Nacional.
17Artigos 11 a 21 do Código Civil de 2002. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002;
18Artigos 138 a 154 do Código Penal. Decreto-Lei Nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940;
19 BRASIL. Lei Nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Institui a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais;
20 BRASIL. Lei Nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Institui o Marco Civil da Internet;
21 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de personalidade e autonomia privada. 2ª e.d. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.
22DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do Direito. 28ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2023.
23DINIZ. Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 31ª e.d. São Paulo: Editora Saraiva, 2017.