FUNDAMENTOS E PERSPECTIVA HISTÓRICA DOS DIREITOS SOCIAIS DA FAMÍLIA PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
31 de maio de 2023FUNDAMENTALS AND HISTORICAL PERSPECTIVE OF THE SOCIAL RIGHTS OF THE FAMILY PROVIDED FOR IN THE FEDERAL CONSTITUTION OF 1988
Artigo submetido em 09 de maio de 2023
Artigo aprovado em 16 de maio de 2023
Artigo publicado em 31 de maio de 2023
Cognitio Juris Ano XIII – Número 46 – Maio de 2023 ISSN 2236-3009 |
Autor: Ramilla Mariane Silva Cavalcante[1] |
RESUMO: Os direitos fundamentais são aplicáveis aos direitos relacionados ao ser humano, reconhecidos através da lei na esfera do direito constitucional de um determinado Estado que buscam assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais em um Estado Democrático de Direito. O presente artigo tem por objetivo destacar a importância dos direitos sociais, buscando identificar seus fundamentos e perspectiva histórica. Para tanto, adota-se uma pesquisa de natureza exploratória, cujo método de procedimento adotado é o científico, e a técnica de pesquisa é a bibliográfica, pois se busca na doutrina, legislação, artigos, periódicos, dentre outras fontes, elementos para a compreensão do problema de pesquisa. Concluiu-se que os direitos sociais, no direito pátrio, são de grande importância, principalmente pela consagração no título destinado à tutela dos “direitos e garantias fundamentais”. Porém, a eficácia de tais direitos é cada vez mais questionada, principalmente pela desigualdade social que assola o país, o que se agrava pela omissão estatal na implementação de direitos como educação, saúde, moradia, lazer, dentre outros, sendo imprescindível buscar a eficácia do poder público, a fim de que este cumpra o seu papel, pois os direitos sociais exigem a atuação positiva do Estado.
Palavras-chave: Direitos sociais. Constituição Federal. Família.
ABSTRACT: The fundamental rights are applicable to the rights related to the human being, recognized through the law in the sphere of the constitutional law of a determined State that seek to ensure the exercise of social and individual rights in a Democratic State of Law. This study aims to highlight the importance of social rights, seeking to identify their foundations and historical perspective. To this end, an exploratory research is adopted, whose method of procedure adopted is the scientific one, and the research technique is bibliographic, as it seeks in doctrine, legislation, articles, periodicals, among other sources, elements for understanding of the search problem. It was concluded that social rights, in national law, are of great importance, mainly because of the enshrinement in the title destined to the protection of “fundamental rights and guarantees”. However, the effectiveness of such rights is increasingly questioned, mainly due to the social inequality that plagues the country, which is aggravated by the state’s omission in the implementation of rights such as education, health, housing, leisure, among others, being essential to seek the effectiveness of the public power, so that it fulfills its role, since social rights require the positive action of the state.
Keywords: Social rights. Federal Constitution. Family.
Introdução
Já se disse que os Direitos Fundamentais Sociais expressariam o ideal revolucionário francês da igualdade. Contudo, parece necessário um exame mais detalhado das suas, digamos assim, raízes, a fim de que se compreenda a amplitude do alcance dos Direitos Fundamentais Sociais. De fato, acredita-se que essa leitura legitima a aplicação e interpretação, ainda nos dias atuais, dos Direitos Fundamentais Sociais.
Assim, como escreve Paulino Jacques, em sua obra “Curso de Direito Constitucional (1987, p. 45):
As raízes remotas da política de proteção social ao trabalhador vamos encontrá-las no Novo Testamento (Evangelhos, Atos dos Apóstolos, Epístolas e Apocalipse), ainda que sob forma imprecisa e meramente doutrinária. Foi, realmente, o Cristianismo o primeiro movimento universal de reconhecimento, respeito e elevação da pessoa humana. Os grandes filósofos da Igreja, como Santo Agostinho, São Basílio, Santo Ambrósio e São Tomás de Aquino, sempre pugnaram pela realização de tais princípios que o caráter dos tempos repelia. Só mais tarde, após a consolidação do Estado de direito, oriundo da grande revolução anglo-americana, foi que se criou clima favorável à política de proteção ao proletariado.
Desse modo, o impacto da revolução industrial no âmbito dos movimentos políticos do século XVIII e ao longo do século XIX, quando o surgimento da classe operária revelou a exposição de seres humanos a situações indignas de sobrevivência, subjugados ao poderio econômico dos donos do capital, fez explodir uma enorme gama de problemas sociais ainda não vislumbrados. Esse caldeirão efervescente de interesses em conflito tornou possível a ampliação e a cristalização dessa face dos Direitos Fundamentais, os sociais.
Os direitos sociais estão intrinsecamente ligados ao rol dos direitos fundamentais, e surgiram em oposição aos ideais liberais, e são concebidos como instrumentos destinados à redução das desigualdades sociais pelas ações Estatais, com o objetivo de criar condições materiais para o exercício da liberdade.
Não se pode ignorar que a exclusão social culmina nas mais diversas privações, resultando nos atuais altos índices de desemprego, baixo nível de instrução, consequentes problemas básicos de saúde, dentre outras questões afetas aos direitos sociais, problemas estes constituem um sério desafio para os dias contemporâneos.
Ademais, a vinculação entre sociedade e Estado está relacionada à capacidade deste em assumir eficientemente o seu papel de maneira igual entre os desiguais, sendo exigida do Estado uma atuação positiva, através de políticas públicas que conduzam positivamente os diversos problemas de cunho social.
Nesse contexto, a escolha do tema justifica-se, principalmente, pela atualidade dos problemas sociais, com enfoque na evolução dos direitos fundamentais, sem perder de vista o dever do Estado de gerir as políticas públicas voltadas a minimizar os impactos negativos suportados pelas famílias brasileiras.
Para tanto, parte-se de uma pesquisa teórico-dogmática, que por meio da análise bibliográfica busca fundamentos doutrinários para identificar as peculiaridades dos direitos sociais, notadamente seu fundamento e perspectiva histórica, previstos na Constituição Federal/88.
Perspectiva histórica dos direitos sociais da família
A vastidão de mudanças das estruturas sociais, políticas e econômicas refletiu nas relações jurídicas da família, havendo uma total reformulação do seu conceito. Aduz Venosa (2016, p. 17) que “entre os vários organismos sociais e jurídicos, o conceito, a compreensão e a extensão de família são os que mais se alteram no curso dos tempos”.
Uma das primeiras funções do núcleo familiar foi proteger seus entes de agressões advindas do meio exterior, seguido de uma função voltada a religiosidade onde os familiares reuniam-se com o intuito da cultuação dos mortos e com isso fortificavam-se seus laços familiares, estes acontecimentos davam-se tanto na Grécia como em Roma nas chamadas micro religiões.
As transformações fazem parte da realidade humana, uma vez que o ser humano é dotado de características únicas, as quais vão se modificando e multiplicando através dos tempos, refletindo na transformação da sociedade, a qual é formada por muitos grupos, dentre eles a família.
A família é um fato natural antes de ser considerada um instituto jurídico, onde se tem o vínculo afetivo como resultado não só da espécie humana, mas também dos demais seres vivos.
De acordo com Dias (2013, p. 27):
Manter vínculos afetivos não é uma prerrogativa da espécie humana. O acasalamento sempre existiu entre os seres vivos, seja em decorrência do instinto de perpetuação da espécie, seja pela verdadeira aversão que todas as pessoas têm à solidão. Assim é que, desde os primórdios da civilização, o homem nasce e se desenvolve dentro de um núcleo social o qual se denomina família.
De início, o homem primitivo aproximava-se da mulher para o acasalamento, sendo o relacionamento comandado por puro instinto, sendo que as teorias apontam que a sociedade humana primitiva se iniciou com o homem vivendo em promiscuidade, guiado tão somente por seus desejos sexuais (COELHO, 2012, p. 3).
Já Dias (2013, p. 27) destaca que nesse seu aspecto natural, entendida como fruto da necessidade do ser humano em pertencer a um grupo de pessoas e com ele se relacionar, “a família pode ser considerada como um agrupamento informal, de formação espontânea no meio social”.
Não há na história dos povos antigos e na Antiguidade Clássica o surgimento de uma sociedade organizada sem que se tenha uma base ou fundamentos na família ou organização familiar.
O modelo de família brasileiro encontra sua origem na família romana, que por sua vez, se estruturou e sofreu influência no modelo grego.
Seguindo tal evolução, à luz do modelo de família romana, marcado pela forte presença da figura patriarca de poder absoluto, em Roma, todos os integrantes do organismo social ficavam submetidos ao poder de um chefe e esse chefe era exclusivamente masculino, visto que a mulher se submetia, obrigatoriamente ao domínio do homem (RIZZARDO, 2007, p. 10).
Nessa transação histórica Gomes (2002, p. 39) enfatiza:
A família romana assentava no poder incontestável do pater família “sacerdote” senhor e magistrado em sua casa. Exercia sobre os filhos, a mulher e os escravos, permitindo dispor de pessoas e bens. A figura singular do pater família absorve inteiramente, a dos outros membros do grupo […] monogâmica e exogâmica, a família romana traduz o patriarcado na sua expressão mais alta.
Adiciona Rizzardo (2007, p. 10), que o poder era todo concentrado nas mãos do pater família, sendo exercido sobre os escravos, filhos e mulher, sendo esta última, considerada em condição análoga à de filha.
No mesmo modelo se fundava a família grega, em que todas as regras eram fixadas no âmbito doméstico e a união familiar era mantida pela religião; bem como a germânica, a qual também era marcada pelo poder absoluto do pai. (PENA JUNIOR, 2008, p. 18).
Analisa-se ainda o direito canônico, o qual regia todas as famílias e conhecia unicamente o casamento religioso e indissolúvel, sobre o qual leciona Wald (2012, p. 14):
O direito canônico constituiu o quadro dos impedimentos para a realização do casamento, abrangendo causas baseadas numa incapacidade (idade, diferença de religião, impotência, casamento anterior), num vício do consentimento (dolo para obter o consentimento matrimonial, coação ou erro quanto à pessoa do outro cônjuge) ou numa relação anterior (parentesco, afinidade).
Como consequência, na Idade Média, o Direito, confundido com a justiça, era ditado pela religião, que possuindo autoridade e poder, se dizia intérprete de Deus na terra. Os canonistas eram totalmente contrários à dissolução do casamento por entenderem que não podiam os homens dissolver a união realizada por Deus e, portanto, era um sacramento.
Com o reconhecimento do Cristianismo, a partir da Idade Média, como religião oficializada dos povos civilizados, as capelas passaram a ter papel fundamental na cultualização das famílias deixando de lado o papel do pater como sacerdote. O Cristianismo passa a reconhecer nas famílias a entidade religiosa, desde que erigidas com o sacro casamento, considerada assim o núcleo da Santa Igreja e desta, tinha-se a expressão da Igreja como organizada e hierarquizada tal qual ocorria pelo pater, na figuração masculina. Ainda na Idade Média, a família passa a ter a função social de prover amparo a seus entes debilitados ou inválidos e que fossem impossibilitados de proverem seu sustento próprio; o Estado representava-se apenas na função de um homem (Senhor Feudal) e a família era quem realmente garantia a vida de seus membros, vindo a exercer um forte papel de âmbito decisório no progresso da humanidade até o século XIX.
As famílias antes do século XIX eram quem produziam seus bens necessários para a sobrevivência, tais como armas, alimentos vestuário, etc. Com o advindo da produção Industrial, deixa-se de serem gerados no núcleo familiar os itens uteis para seu sustento, vindo a produzi-los no interior das fábricas, exercendo assim a família uma nova função, a função econômica.
No âmbito religioso, sem sombra de dúvidas, a principal prerrogativa e função da família era a da procriação em que a família era oriunda do casamento e consideravam-se inferiores casais sem filhos. O sexo tinha duas funções no casamento; a primeira era auferir prazer ao homem uma vez que se suponha que a mulher não possuía capacidade de sentir prazer, e a outra era o de reprodução.
Diante desse contexto, verifica-se a intervenção decisiva da igreja nas relações familiares. E por conta dessa influência da Igreja Católica “é que a monogamia se fixou como a relação mais acertada para a evolução da sociedade, visto que o homem passou a criar um envolvimento movido pelo afeto” (ROSA, 2012, p. 13).
Ademais, Farias e Rosenvald (2011, p. 4) aduzem que o poder patriarcal foi fruto da Revolução Francesa, e que nessa época, a família era necessariamente matrimonializada e tradicional, considerando que seus membros abriam mão da própria felicidade em nome da manutenção do vínculo de casamento. “As pessoas se uniam em família com vistas à formação de patrimônio, para sua posterior transmissão aos herdeiros, pouco importando os laços afetivos” (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 4).
Para Arnold Wald (2012, p. 13):
Havia uma divergência básica entre a concepção católica do casamento e a concepção medieval. Enquanto para a Igreja em princípio, o matrimônio depende do simples consenso das partes, a sociedade medieval reconhecia no matrimônio um ato de repercussão econômica e política para o qual devia ser exigido não apenas o consenso dos nubentes, mas também o assentimento das famílias a que pertenciam.
Nesse sentido, destaca Venosa (2016, p. 3) que a família monogâmica acabou se transformando em um fator econômico de produção, ficando seus membros restritos aos interiores de suas casas, nas quais existiam pequenas oficinas, ocorrendo uma mudança desse perfil somente com a Revolução Industrial, onde a família perde sua característica de unidade de produção e passa a desenvolver valores morais, afetivos, espirituais e de assistência mútuas entre seus membros.
Destaca-se aí, que a família passou de unidade econômica à unidade afetiva, uma vez que a própria sociedade passa a valorizar cada vez mais a pessoa humana e a sua função como membro da sociedade (ROSA, 2012, p. 14).
Seguindo as palavras de Cavalcanti (2004, p. 12), ela perdeu suas funções tradicionais e voltou-se aos elementos de interesse do próprio indivíduo, como o afeto e a solidariedade entre seus membros.
Não destoa desse entendimento a lição de Lôbo (2011, p. 18), ao defender que a família atual “busca sua identificação na solidariedade […], como um dos fundamentos da afetividade, após o individualismo triunfante dos dois últimos séculos, ainda que não retorne ao papel predominante que exerceu no mundo antigo”.
Nos dias atuais a família chegou a um estágio evolutivo em que perde parte de suas funções, a começar pelo culto religioso que ao contrário do que ocorria em Roma e na antiga Grécia, não cultua mais os mortos em suas casas, mas sim em templos fora dela e seu culto não é mais celebrado pelo pater; seus familiares possuem uma maior liberdade de escolha a que deus cultuar.
A defesa também não deve ser objeto de comparação como encontrado nos primeiros agrupamentos, pois nos dias atuais o Estado tem o dever de suprir esta demanda sendo esta efetivada na Constituição Federal e como tal, também é positivada na Constituição em que o estado deva prover assistência médica as famílias, amparar os idosos, suprir as necessidades básicas de deficientes físicos e deixar que as famílias optem por seu planejamento familiar sem que lhes seja cobrado uma quantidade colossal de filhos.
Ante esse apanhado geral da evolução histórica da família, é possível verificar que as efetivas mudanças vividas por essas instituições, principalmente no que concerne ao vínculo afetivo e a sua contribuição para o sucesso das uniões, são reflexo das conquistas da sociedade atual.
Os direitos sociais e sua efetividade
Ao longo dos anos de desigualdade social dentro da sociedade, culminou em um desonroso modelo social, o qual notoriamente privilegiou a influência econômica e política dos ricos sobre os pobres, impactando negativamente as famílias brasileiras, que se veem com a mínima assistência social.
Neste sentido, Tavares (2003, p. 60) afirma que o século XIX se caracteriza pelo “desenvolvimento da sociedade industrial, o nascimento das ideias socialistas, a organização do movimento sindical europeu e o aparecimento da classe dos trabalhadores, o que conduziu à construção teórica da natureza humana dos direitos sociais e do Estado Social”. Nesse cenário, os direitos sociais foram surgindo de forma gradativa, sendo os primeiros voltados à questão trabalhista e educacional, e já no início do século XX começaram a ser reconhecidos e consagrados em algumas Constituições.
Tal reconhecimento clamou uma presença mais efetiva do Estado, como ressalta Faleiros (1999, p. 14), pois houve o reconhecimento de que não bastava assegurar a liberdade e a igualdade aos indivíduos se o poder público não atuasse para assegurar alguns direitos básicos, pois o processo capitalista exigia uma proteção social, ou seja uma espécie de assistência social ao sujeito.
Não se pode negar, ainda, que como fundamento destes direitos encontra-se o princípio da solidariedade. Sobre este como dever jurídico, preleciona Comparato (2005, p. 64):
A solidariedade prende-se a ideia de responsabilidade de todos pelas carências ou necessidades de qualquer indivíduo ou grupo social. […]. O fundamento ético desse princípio encontra-se na ideia de justiça distributiva, entendida como a necessária compensação de bens e vantagens entre as classes sociais.
Acrescenta Silva (2006a, p. 286) que além do princípio da solidariedade, os direitos sociais estão intrinsecamente ligados à noção de igualdade, in verbis:
[…] dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.
Nesse sentido também disserta Dupas (2001, p. 20), um dos objetivos dos direitos sociais é o de buscar a igualdade de oportunidades à população menos favorecida para diminuir a exclusão social, prestando uma assistência social efetiva e eficaz. Essa exclusão social está ligada a uma ideia de falta de acesso não só a bens e serviços, mas também a segurança, à justiça e à cidadania.
Já com relação à ordem social Silva (2006a, p. 828) leciona:
A Constituição declara que a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar, a justiça social. Neste particular, a ordem social se harmoniza com a ordem econômica, já que esta se funda também na valorização do trabalho e tem como fim (objetivo) assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Percebe-se que no ordenamento jurídico brasileiro os direitos sociais possuem importância ímpar, principalmente porque dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil encontra-se a diminuição da desigualdade social e a construção de uma sociedade justa e igualitária, o que depende dos direitos sociais para a sua efetivação.
A preocupação com o fim da pobreza foi erradicada na Cúpula Mundial pelo Desenvolvimento Social, em 1995, realizada em Copenhague, tendo como objetivo mostrar o caminho do desenvolvimento econômico mundial. Montoro (2005, p. 21) enumera as “três questões fundamentais que incorporam a ordem do dia da Conferência: 1. a luta contra pobreza; 2. o apoio à integração social dos grupos marginalizados; 3. a criação de empregos e oportunidades de trabalho”, diante disto a conferência mostra uma preocupação mundial em lutar contra a fome e a pobreza deixando de lado a imparcialidade do Estado Liberal, exigindo então do Estado uma séria atuação no âmbito social.
Quando se cita as palavras miséria e pobreza, retira-se do indivíduo não só os meios básicos para sua subsistência, mas também a dignidade de viver, ou seja, viver sob condição de miséria, as “desigualdades de chances se torna tão evidente a ponto de não haver mais liberdade” (TAVARES, 2003, p. 4). Com isso, os desentendimentos entre homem e Estado geram conflitos que se tornam mais sobrecarregados quando o Estado desrespeita os direitos fundamentais conhecidos pelo homem.
Verifica-se que a miséria e a pobreza estão ligadas ao mínimo existencial para os indivíduos e suas famílias, e como verificado deve ser respeitado e extinguido pelo Estado. O mínimo existencial não possui conteúdo específico na nossa Constituição, devendo ser buscado através da ideia de liberdade, nos princípios da igualdade, do devido processo legal, da livre iniciativa, nos direitos humanos e privilégios do cidadão.
Segundo Torres (1999, p. 57) podemos definir o mínimo existencial como um direito às “condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto da intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas”.
Com isso, tem-se que o mínimo existencial é uma parcela que cada indivíduo necessita para a sua sobrevivência, e que deve ser garantida através da atuação do Estado. Esta parcela constitui um patamar mínimo de efetivação dos direitos sociais de prestação estatal, pois, sem a existência deste mínimo, encerra a possibilidade de sobrevivência do cidadão e consequentemente, das famílias.
Desta feita, os direitos sociais, consagrados nas Constituições constituem-se em dilema, na atualidade, em razão da necessidade de medidas que visem à redução da exclusão social em contraposição aos interesses econômicos:
De fato, há uma correspondência entre a formulação da constituição dirigente, especialmente a partir da obra de José Joaquim Gomes Canotilho, e a ideia de um direito administrativo voltado à concretização, pela Administração pública, dos ditamos constitucionais e, em decorrência, de políticas públicas. A ideia da Constituição programática-dirigente, cuja atualização deve ser feita pelo legislador com base no conceito de reenvio dinâmico,[…]. Assim como Canotilho trata da cooperação do legislador infraconstitucional na ‘determinação’ e ‘conformação material’ da Constituição, o enfoque das políticas públicas destaca o papel da Administração na ‘determinação formal ‘material das leis e das decisões políticas a serem executadas no nível administrativo (BUCCI, 2002, p. 248-249).
Resta claro que os direitos fundamentais acrescentaram valores às normas constitucionais, a fim de que estas alcancem à concretização no plano real. Para isso, se levam em conta a democracia, a cidadania e o Estado Constitucional de Direito.
Acontece que, na atualidade, muito se questiona acerca da efetividade dos direitos sociais, notadamente quanto aos da família e, por conseguinte, se estes efetivamente são respeitados, pois o Estado vem se demonstrando omisso, e direitos básicos como saúde, educação, lazer, dentre outros, são mitigados, tendo os cidadãos que se valer, não raras vezes, de ações judiciais para conseguir vagas em escolas, ou mesmo a transferências para um determinado hospital, ou o fornecimento de determinada medicação, exemplos estes que demonstram a precariedade dos direitos sociais em um Estado Democrático de Direito.
Nesse cenário não há como questionar se os direitos sociais estão sendo respeitados como direitos fundamentais, apesar de se encontrarem consagrados no Título destinado à tutela os “direitos e garantias fundamentais” (Capítulo II, do Título II, da Constituição da República de 1988), pois há um claro problema de eficácia e efetividade dessa categoria de direitos fundamentais.
Há, ainda, quem defenda que a não efetividade dos direitos sociais se deve ao fato de se tratar de normas programáticas, e não estarem as mesmas consagradas no rol das cláusulas pétreas, o que acaba desprestigiando este importante rol de direitos.
Em que pese tais argumentos, o simples fato de estarem os direitos sociais consagrados no título da Constituição da República destinados à tutela dos “direitos e garantias constitucionais” o reveste de tal natureza, o que, somado ao fato de serem tais direitos a segunda dimensão dos direitos fundamentais, como visto alhures, lhes permitem ser caracterizados como tal, e impõem ao Estado o dever de zelar pela sua efetivação.
O que parece o grande problema para a efetivação dos direitos sociais, na atualidade, é o problema do custo dos direitos sociais, e a reserva do possível, invocada pelo Estado para a implementação destes.
Por fim, cumpre destacar que, sofre-se no Brasil com problemas decorrentes das mazelas sociais crônicas, e, para implementar esses direitos prestacionais materiais necessitam de desenvolvimento econômico capaz de aferir recursos suficientes para custear a implementação desses direitos.
Mendes, Coelho e Branco (2007, p. 1301) observam que:
O princípio da reserva do financeiramente possível tem especial incidência no terreno da saúde e da educação, cujas normas constitucionais – nisso particularmente influenciadas pelas ideias de constituição dirigente e de Estado provedor -, atribuíram sobretudo ao Poder Público uma vida digna.
Nesse cenário, não há como negar que os direitos sociais são direitos fundamentais, embora não se encontrem consagrados nas cláusulas pétreas, o que não retira do Estado a obrigação de adotar políticas públicas para a sua efetivação, o que decorre da própria natureza dos direitos fundamentais de segunda dimensão, não estando a efetividade atrelada a natureza das normas programáticas consagradas na Constituição da República de 1988.
Outrossim, inexiste qualquer hierarquia entre os direitos sociais e os demais direitos fundamentais, o que se dá pelo reconhecimento da indissociabilidade entre os direitos de primeira e de segunda geração, haja vista a inter-relação existente entre eles e a inviabilidade da existência de um, sem a coexistência do outro devendo coexistir harmonicamente no ordenamento jurídico brasileiro, já que se tratam de direitos consagrados ao longo da evolução humana, que prescinde, repita-se, da atuação do Poder Público.
Considerações finais
O presente artigo trouxe uma análise acerca dos fundamentos e perspectiva histórica dos direitos sociais da família, notadamente quanto a problemática dos mesmos e da sua fundamentabilidade.
Viu-se que os direitos sociais exigem uma prestação efetiva do Estado, e que passou por uma evolução significativa, já que, por muito tempo, acreditou-se que a defesa dos direitos individuais dos cidadãos e consequentemente da família, então chamados de direitos fundamentais de primeira dimensão, estaria assegurada com a simples omissão do Estado (ou seja, não os violando), ou, numa concepção e estágio mais arrojado, com a previsão de instrumentos voltados a impedir a invasão indevida do Estado na esfera da vida privada das pessoas.
Entretanto, nos dias contemporâneos, é de se ter como impossível, a título exemplificativo, a garantia do direito de ir e vir, especialmente às pessoas pobres ou portadoras de necessidades especiais, integrantes das inúmeras famílias brasileiras, por exemplo, sem que o Estado disponibilize transporte dentro de valores acessíveis e devidamente adaptados.
Essa ineficiência, fez com que surgisse os direitos fundamentais de segunda geração, denominados de direitos sociais, que estão intrinsecamente relacionados à dignidade da pessoa humana e à cidadania, e que clamam, para a sua efetivação, de uma atuação efetiva do Estado, através de políticas públicas, que possam prestar assistência social adequada as famílias.
Para tanto, a Constituição da República de 1988 consagrou os direitos sociais no título destinado aos “direitos e garantias fundamentais”. Não obstante, muito se questiona acerca da sua efetividade, e isso faz com que também seja questionada a fundamentabilidade de tais direitos, ou melhor, o reconhecimento dos direitos sociais enquanto direito fundamental.
Neste contexto, verificou-se que o problema maior da efetividade dos direitos sociais no direito pátrio está atrelado a questões outras, a exemplo do custo de tais direitos, a inoperância e omissão Estatal, dos resultados insatisfatórios quando se trata do Estado-administração. Em outras palavras, não se trata de negar o status de direito fundamental aos direitos sociais, mas sim de se questionar exatamente a sua efetividade, e buscar meios para que o Estado cumpra com o seu papel, a exemplo das ações judiciais que são propostas quando o poder público deixa de proporcionar vagas em escolas e hospitais, ou quando se busca a responsabilização civil do Estado pela omissão.
Posta assim a questão, conclui-se que os direitos sociais são de extrema importância, enquanto direitos fundamentais de segunda dimensão, consagrados expressamente na Constituição da República de 1988, no título destinado à tutela dos “direitos e garantias fundamentais”, embora a eficácia de tais direitos seja questionada, pois o Brasil é um país de grande desigualdade social, e o Estado vem se mostrando omisso no que toca a efetivação de direitos como educação, saúde, moradia, lazer, dentre outros, sendo imprescindível buscar meio para compelir o poder público a cumprir o seu papel.
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[1] Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Tocantins. Pós-Graduada em Direito Processual (UNISUL) e Direito Eleitoral (UFT). Graduada em Direito (UFT). Advogada e professora da Faculdade Serra do Carmo (FASEC) e Faculdade de Palmas (FAPAL). E-mail: ramillacavalcante@mail.uft.edu.br.