A COMPENSAÇÃO DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS DOS ADVOGADOS PÚBLICOS COM AS DÍVIDAS DA FAZENDA PÚBLICA

A COMPENSAÇÃO DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS DOS ADVOGADOS PÚBLICOS COM AS DÍVIDAS DA FAZENDA PÚBLICA

31 de maio de 2023 Off Por Cognitio Juris

COMPENSATION OF SUCUMBENCIAL FEES OF PUBLIC LAWYERS WITH PUBLIC TREASURY DEBTS

Artigo submetido em 08 de maio de 2023
Artigo aprovado em 15 de maio de 2023
Artigo publicado em 31 de maio de 2023

Cognitio Juris
Ano XIII – Número 46 – Maio de 2023
ISSN 2236-3009

Autor:
Gabriel Gomes Junqueira[1]

RESUMO

O presente artigo busca fazer uma reflexão sobre os honorários sucumbenciais devidos aos advogados públicos e a possibilidade de compensação desses honorários com as dívidas do Ente Público que o procurador representa, analisando as jurisprudências atuais e a legislação que envolve a matéria.

Palavras-chave: Compensação; Sucumbência; Fazenda Pública; honorários sucumbenciais; Precatório.

ABSTRACT

The present article pursues the reflexion about the attorney fees due to public attorneys and the possibility of compensation between these fees and the debts of the Public Treasury the public attorney is supposed to represent, analyzing the current jurisprudences and legislation about the subject.

Keywords: Compensation; Fees; Public Treasury; Attorney Fees; Precatory.

1. DEFINIÇÃO DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS

            Os honorários, no âmbito da advocacia brasileira, podem ser divididos em dois tipos: os honorários contratuais e os honorários sucumbenciais.

            Os honorários contratuais são os valores destinados à remuneração do advogado que representa a parte e são, em regra, fixados previamente à atuação do advogado e aceitos pelo cliente.

            Esses honorários podem ser calculados com base na Tabela da OAB ou ao arbítrio do advogado e do cliente que será representado, também sendo possível fixá-lo ad exitum, ou seja, honorários a serem recebidos no final do processo com base nos valores a serem recebidos pelo cliente em caso de êxito do processo.

Por outro lado, o Código de Processo Civil regula os honorários sucumbenciais, descritos nos artigos 85 e seguintes do CPC.

Os honorários sucumbenciais são devidos em causas cíveis e se referem à remuneração a ser paga ao advogado do litigante vencedor pelo litigante perdedor.

Em regra, esses honorários sucumbenciais devem ser fixados entre 10 e 20% do valor da causa ou da condenação, não sendo permitida sua compensação em caso de sucumbência recíproca, conforme se observa no artigo 85 do CPC:

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

§ 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.

§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:

I – o grau de zelo do profissional;

II – o lugar de prestação do serviço;

III – a natureza e a importância da causa;

IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Ademais, nas causas envolvendo a Fazenda Pública, os honorários são calculados de forma escalonada, não obedecendo aos mesmos limites previstos para litigantes particulares:

§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:

I – mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;

II – mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;

III – mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;

IV – mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;

V – mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.

Nota-se, portanto, que os honorários sucumbenciais são despesas a serem pagas pelo litigante perdedor ao advogado do litigante vencedor, havendo previsão legal específica que permite sua fixação em causas que envolvam a Fazenda Pública.

2. REMUNERAÇÃO DOS ADVOGADOS PÚBLICOS

A Constituição Federal prevê a remuneração a ser paga aos servidores públicos, conforme previsto em seu artigo 39, § 1º:

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.

§ 1º A fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará:

I – a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira;

II – os requisitos para a investidura;

III – as peculiaridades dos cargos.

Destaca-se que a remuneração dos servidores públicos pode ser feita através dos vencimentos ou mediante subsídios.

No que se refere ao vencimento, a Lei 8.112/90 descreve seu significado:

Art. 40.  Vencimento é a retribuição pecuniária pelo exercício de cargo público, com valor fixado em lei.

 Art. 41.  Remuneração é o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei.

Nota-se que a remuneração do servidores engloba tanto o vencimento quanto outras vantagens pecuniárias permanentes, a exemplo dos diversos tipos de gratificações.

Por outro lado, a remuneração também pode ser feita através de subsídio, como é o caso dos Advogados Públicos no âmbito da União e dos Estados, nos termos do artigo 135 da Constituição Federal.

A principal diferença entre as duas formas de remuneração refere-se ao fato de que o subsídio constitui uma “parcela” única, não podendo ser somada com vantagens pecuniárias, conforme se observa no § 4º do artigo 39 da Constituição Federal:

§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.

Em que pese a obrigatoriedade de subsídio para membros de Poderes, inexiste essa obrigatoriedade aos Advogados Públicos, devendo cada Ente Federado definir, por meio de lei, a forma pela qual os advogados públicos receberão suas remunerações.

3. COMPATIBILIDADE DOS SUBSÍDIOS COM OS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS

Como se observa dos percentuais de honorários sucumbenciais, os valores devidos aos advogados públicos, tendo como base o artigo 85 do CPC atual, aumentou consideravelmente a remuneração desses servidores, por vezes ultrapassando o teto do serviço público previsto no artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal, qual seja, o subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Diante dessa discrepância, foi levada ao Supremo Tribunal Federal a questão da constitucionalidade do recebimento de honorários sucumbenciais por parte dos advogados públicos, visto que se tratam de servidores públicos que já recebem remuneração referente à carreira, sobretudo os advogados públicos que recebem sua remuneração através do subsídio.

Em observância às vedações constitucionais, o STF reconheceu a diferença entre a carreira dos advogados públicos e membros da Magistratura e Ministério Público, haja vista que existem vedações específicas para cada segmento, conforme artigo 95, parágrafo único, e artigo 128, § 5º, inciso II, ambos da Constituição Federal.

Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal julgou pela constitucionalidade do recebimento de honorários sucumbenciais por parte dos advogados públicos, todavia limitou a remuneração total ao teto previsto para o serviço público, é dizer, o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal:

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. PERCEPÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS POR PROCURADORES DO ESTADO DE SÃO PAULO. ARTS. 55, §§ 1º A 7º, 56, 57 E 83 DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 93/1974; 1º, 2º, 3º, I E 4º, DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 724/1993; E 8º, II E § 1º, DO DECRETO ESTADUAL Nº 26.233/1986. CONVERSÃO DO EXAME LIMINAR NO JULGAMENTO DE MÉRITO. CONHECIMENTO PARCIAL. PEDIDO PROCEDENTE EM PARTE. INTERPRETAÇÃO CONFORME. (…) 3. Consoante firme linha decisória desta Suprema Corte, os honorários de sucumbência constituem vantagem de natureza remuneratória por serviços prestados com eficiência no desempenho da função pública. O art. 135 da Constituição Federal, ao estabelecer que a remuneração dos procuradores estaduais se dá mediante subsídio, harmoniza-se com o regramento constitucional referente à Advocacia Pública, uma vez que a Constituição Federal não institui incompatibilidade relevante que justifique vedação ao recebimento de honorários por advogados públicos. A percepção cumulativa de honorários sucumbenciais com outras parcelas remuneratórias impõe, contudo, a observância do teto estabelecido no artigo 37, XI, da Constituição Federal. 4. Pedido julgado procedente em parte para, conferindo interpretação conforme a Constituição (…) estabelecer a observância do teto constitucional previsto no art. 37, XI, da Constituição Federal no somatório total dos honorários advocatícios com as demais verbas remuneratórias percebidas mensalmente pelos Procuradores de São Paulo. ADPF 596. Plenário. Sessão Virtual de 24.6.2022 a 1.7.2022. Relator: Rosa Weber.

Percebe-se, portanto, que não há vedação constitucional ao recebimento de honorários sucumbenciais aos advogados públicos, mesmo em casos de remuneração através do subsídio.

4. TITULARIDADE DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS QUANDO A FAZENDA PÚBLICA É VENCEDORA

Como evidenciado, inexiste vedação constitucional ao recebimento de honorários sucumbenciais por parte dos advogados públicos, entretanto faz-se necessário tecer considerações acerca da titularidade dessa verba em caso de triunfo da Fazenda Pública em ações cíveis.

Em que pese o artigo 85 do CPC se referir aos advogados, é cediço, na doutrina e jurisprudência, que os honorários “advocatícios” de sucumbência também podem ser destinados a outras entidades, como é o caso da Defensoria Pública.

Nesse sentido, defensores públicos não precisam ser advogados, contudo recebem honorários sucumbenciais que são destinados a um Fundo de Manutenção e Aparelhamento da Defensoria Pública, não havendo qualquer repasse dos valores aos defensores.

Dessarte, percebe-se que não apenas é possível a fixação de honorários sucumbenciais em favor de outros procuradores que não advogados, como também é possível que essa verba seja inteiramente destinada a entidades que não revertam os valores diretamente em favor dos procuradores.

No caso específico dos advogados públicos, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacífico de que os honorários sucumbenciais, quando vitoriosa a Fazenda Pública, integram o patrimônio público da entidade, não se tratando de patrimônio do procurador judicial. Nesse sentido, colacionamos julgado que retrata a celeuma:

PROCESSUAL CIVIL. ART. 20 DO CPC/73. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA FIXADOS EM FAVOR DO MUNICÍPIO QUE NÃO INTEGRAM DIREITO AUTÔNOMO DO PROCURADOR JUDICIAL. TITULARIDADE DA ENTIDADE PÚBLICA. 1. Segundo entendimento consolidado nesta Corte, nas hipóteses em que vencedora a Administração Pública Direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ou as autarquias, as fundações instituídas pelo Poder Público, as empresas públicas ou as sociedades de economia mista, os honorários de sucumbência integram o patrimônio público da entidade, não constituindo direito autônomo do procurador judicial. 2. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.751.039/ES, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 9/11/2022, DJe de 14/11/2022.)

Nesse diapasão, a mera existência de advogado público não permite o repasse dos valores diretamente ao procurador, sendo necessária uma previsão legal para a transferência.

Destaca-se que essa transferência ocorre apenas após a incorporação da verba ao patrimônio público, normalmente integrando o patrimônio de um Fundo Jurídico do Ente Federado.

Nota-se que essa burocracia não é sem razão, visto que os honorários sucumbenciais costumam ser angariados ao longo do mês e posteriormente repassados de forma igualitária entre os advogados públicos da entidade, uma vez que nem todos os procuradores atuam diretamente em causas judiciais cíveis, o que poderia gerar disparidade entre as remunerações dos procuradores caso a verba lhes fosse transferida diretamente.

5. A COMPENSAÇÃO DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS E DÍVIDAS DA FAZENDA PÚBLICA

A partir das considerações feitas, faz-se necessário observar a possibilidade de compensação de honorários sucumbenciais com as dívidas da Fazenda Pública.

Com efeito, a compensação só se torna possível quando há identidade de credores e devedores, além de ambas as dívidas serem líquidas, vencidas e fungíveis, como se denota do artigo 369 do Código Civil.

No caso, percebe-se que os honorários sucumbenciais integram, mesmo que brevemente, o patrimônio da Fazenda Pública, a qual, posteriormente, transfere os valores aos seus procuradores.

Dessa forma, em tese, seria possível a compensação de dívidas da Fazenda Pública com os honorários sucumbenciais (créditos) que porventura receberá do litigante adversário.

Em que pese essa possibilidade, surgem dois problemas a serem analisados: (i) os honorários integram o patrimônio da Fazenda Pública apenas de forma temporária, sendo transferidos em seguida ao patrimônio dos advogados públicos, normalmente existindo lei específica que descrevem os honorários advocatícios sucumbenciais como sendo de propriedade do corpo jurídico da Procuradoria; (ii) as dívidas da Fazenda Pública são pagas através do regime de precatório, ao passo que os honorários sucumbenciais são recebidos em dinheiro, tratando-se de dívidas em espécies distintas, além de que a compensação de honorários sucumbenciais com precatórios pode ocasionar a violação ao regime de precatório.

A DESTINAÇÃO DOS HONORÁRIOS INTEGRADOS AO PATRIMÔNIO PÚBLICO

Nos termos do artigo 85 do CPC, os honorários sucumbenciais são devidos aos advogados, não havendo qualquer menção à entidade representada pelos advogados.

Percebe-se que, no âmbito particular, não há dúvidas acerca da ilegitimidade da parte representada para recebimento dos honorários sucumbenciais devidos ao advogado.

Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça entende que os honorários sucumbenciais são destinados à Fazenda Pública, em uma leitura não literal do artigo 85 do CPC.

Nesse sopesar, faz-se necessário ressaltar que a matéria é infralegal, não havendo previsão constitucional acerca do direito ao recebimento de honorários sucumbenciais. Dessarte, cabe ao Superior Tribunal de Justiça fazer a interpretação final acerca do significado dos honorários sucumbenciais, não sendo matéria passível de reanálise pelo Supremo Tribunal Federal.

Sendo assim, em atendimento à jurisprudência pacífica do STJ, os honorários advocatícios sucumbenciais, quando a Fazenda Pública sagra-se vitoriosa, é destinada à própria Fazenda Pública que, posteriormente, analisa a legislação local para fins de destinação dos valores porventura recebidos.

DA COMPENSAÇÃO ENTRE DÍVIDAS EM DINHEIRO E PRECATÓRIO

A condenação da Fazenda Pública em prestações pecuniárias deve ser feita através do regime constitucional de precatórios, nos termos do artigo 100 da Constituição Federal:

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.   

Nota-se que essa forma de pagamento é prejudicial aos credores que, no mais das vezes, demoram décadas para receber o valor em dinheiro, submetendo-se a uma correção monetária e juros (atualmente Taxa Selic) que não condizem com a desvalorização da moeda.

Nesse diapasão, ao credor se torna muito mais benéfica a compensação dos honorários sucumbenciais a serem pagos com os créditos que tem a receber da Fazenda Pública; faz necessário, no entanto, observar a legislação civilista para análise da possível compensação:

Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.

Art. 369. A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis.

Art. 370. Embora sejam do mesmo gênero as coisas fungíveis, objeto das duas prestações, não se compensarão, verificando-se que diferem na qualidade, quando especificada no contrato.

No caso, destaca-se que há uma discrepância de “qualidade” entre o precatório e os honorários sucumbenciais, afinal, enquanto o precatório demora anos a ser pago, os honorários sucumbenciais devem ser pagos de forma imediata, apesar de ambas as dívidas serem pagas em dinheiro.

Dessa forma, em uma visão mais simples sobre a matéria, não seria possível a compensação, podendo inclusive ser caracterizado como violação ao regime de precatório, haja vista que, ao compensar a dívida, estar-se-ia recebendo previamente os valores do precatório.

Por outro lado, há inegável vantagem à Fazenda Pública na compensação, poisos valores a serem recebidos a título de honorários sucumbenciais pertencem à Fazenda Pública apenas de forma transitória, sendo em seguida repassada aos procuradores.

Nesse sentido, percebe-se que a Fazenda Pública transferiria a responsabilidade do pagamento da dívida aos procuradores, sendo estes quem efetivamente sofreriam as consequências da compensação, desonerando o Erário, que nem mesmo precisaria fazer o empenho para pagamento da dívida.

6. VISÃO DOS TRIBUNAIS ACERCA DA POSSIBILIDADE DA COMPENSAÇÃO

Como já ressaltado, por se tratar de matéria infralegal, cabe ao Superior Tribunal de Justiça definir, em última análise, a possibilidade de compensação entre honorários sucumbenciais destinados aos procuradores e as dívidas da Fazenda Pública.

Nesse sentido, há julgado recente do STJ sobre a matéria, veiculado no Informativo 743:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMPUGNAÇÃO. SUPOSTA AFRONTA AO ART. 1.022 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. HORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. PATRIMÔNIO DA ENTIDADE ESTATAL. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. (…)2. A jurisprudência consolidada do STJ é no sentido de que “os honorários advocatícios de sucumbência, quando vencedora a Fazenda Pública, integram o patrimônio da entidade estatal, não constituindo direito autônomo do procurador judicial, o que viabiliza sua compensação” (RCD no REsp 1861943/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/10/2021, DJe 26/10/2021) 3. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 1.834.717/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 10/5/2022, DJe de 19/5/2022.)

Nota-se que o posicionamento da Segunda Turma do STJ é unânime acerca da possibilidade de compensação, contudo a matéria ainda não se encontra totalmente sedimentada no tribunal, não existindo, até o momento, uma jurisprudência com efeitos vinculantes.

Destaca-se, todavia, que também há precedentes em outros Tribunais acerca da possibilidade de compensação, conforme se observa do seguinte julgado do eg. TJDFT:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PROCESSO CIVIL. CIVIL. CONSTITUCIONAL. COMPENSAÇÃO DE DÉBITO NÃO TRIBUTÁRIO COM PRECATÓRIO. POSSIBILIDADE. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA DEVIDOS À SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. SISTEMA JURÍDICO DO DISTRITO FEDERAL. REGIME DOS PRECATÓRIOS. OBSERVÂNCIA. (…) 2. A compensação legal efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis, segundo artigo 369 do Código Civil, e ainda quando duas ou mais pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra. 3. A compensação, na espécie, não ofende o regime constitucional dos precatórios, porquanto resta observado o direito de precedência a que alude o texto constitucional, com a manutenção do cumprimento da ordem cronológica de apresentação dos precatórios. 4. Os honorários advocatícios sucumbenciais fixados em favor das pessoas jurídicas integrantes Administração Indireta do Distrito Federal constituem os recursos do PRÓ-JURÍDICO, Fundo da Procuradoria-Geral do Distrito Federal (art. 3º, I, Lei 2.605/00), Logo, por não constituir direito autônomo do procurador judicial, uma vez que os honorários advocatícios ainda integram o patrimônio da entidade, é que se conclui pela possibilidade de compensação dos créditos oriundos da execução de origem. 5. Recurso da devedora conhecido e provido. (Acórdão 1150824, 07186384420188070000, Relator: CESAR LOYOLA, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 6/2/2019, publicado no DJE: 18/2/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Nota-se, no entanto, que esse precedente não se encontra sedimentado no TJDFT, como se observa do seguinte julgamento contrário realizado de forma unânime na 4ª Turma do TJDFT:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL.  CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. TITULARIDADE DOS INTEGRANTES DO SISTEMA JURÍDICO DO DISTRITO FEDERAL. COMPENSAÇÃO COM DÍVIDA DO DISTRITO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE.  I. Honorários de sucumbência não fazem parte do patrimônio do Distrito Federal e, por via de consequência, são insuscetíveis de compensação com suas dívidas, a teor do que prescreve o artigo 368 do Código Civil.  II. De acordo com a inteligência dos artigos 7º da Lei Distrital 5.369/2014, 85, §§ 14 e 19, do Código de Processo Civil, e 23 da Lei 8.906/1994, os honorários de sucumbência pertencem “aos membros integrantes do Sistema Jurídico do Distrito Federal”.  III. A verba sucumbencial constitui originariamente direito subjetivo dos “integrantes do Sistema Jurídico do Distrito Federal” e não crédito que, depois de consolidado e tornado definitivo, deve ser transferido pelo Distrito Federal.  IV. Agravo de Instrumento conhecido e desprovido. (Acórdão 1600444, 07383164020218070000, Relator: JAMES EDUARDO OLIVEIRA, 4ª Turma Cível, data de julgamento: 28/7/2022, publicado no DJE: 30/8/2022. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Nesse sentido, percebe-se que a matéria não possui um desfecho definitivo, existindo argumentos válidos para ambas as teses acerca do referido tema.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, percebe-se que a possibilidade de compensação entre os honorários sucumbenciais devidos aos advogados públicos e as dívidas da Fazenda Pública ainda não está pacificado no âmbito da jurisprudência, tratando-se de tese nova, sem precedentes vinculantes, apesar de já existir julgado da 2ª Turma do STJ.

Sendo assim, cabem aos advogados particulares alegarem a tese em benefício do próprio cliente, haja vista que o deferimento da tese, embora resulte em prejuízo aos advogados públicos, é de interesse não só dos clientes particulares, como do próprio Erário, permitindo-lhe utilizar das verbas destinadas a advocacia pública para realizar o pagamento despesas da Fazenda Pública.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, publicado em 17 de março de 2015;

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Centro Gráfico, 1988;

BRASIL. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Diário Oficial da União, Brasília, DF, publicado em 19 de abril de 1991;

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, publicado em 11 de janeiro de 2002;

Jurisprudência do STF: ADPF 596, disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5723291. Acesso em 16 de abril de 2023;

Jurisprudências do STJ:

AgInt no REsp n. 1.751.039/ES, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 9/11/2022, DJe de 14/11/2022;

Informativo 743, disponível em https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/Informjuris20/issue/view/2904. Acesso em 16 de abril de 2023;

Jurisprudências do TJDFT:

Acórdão 1150824, 07186384420188070000, Relator: CESAR LOYOLA, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 6/2/2019, publicado no DJE: 18/2/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada;

Acórdão 1600444, 07383164020218070000, Relator: JAMES EDUARDO OLIVEIRA, 4ª Turma Cível, data de julgamento: 28/7/2022, publicado no DJE: 30/8/2022. Pág.: Sem Página Cadastrada.


[1] Analista judiciário do TJDFT; pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Facab; pós-graduado em Direito Tributário e Processo Tributário pela Facab.