ESTADOS SOBERANOS POSSUEM DIREITOS FUNDAMENTAIS? UMA ANÁLISE A PARTIR DE SUA CONDIÇÃO DE SUJEITO DE DIREITO INTERNACIONAL

ESTADOS SOBERANOS POSSUEM DIREITOS FUNDAMENTAIS? UMA ANÁLISE A PARTIR DE SUA CONDIÇÃO DE SUJEITO DE DIREITO INTERNACIONAL

14 de agosto de 2022 Off Por Cognitio Juris

DO SOVEREIGN STATES HAVE FUNDAMENTAL RIGHTS? AN ANALYSIS BASED ON ITS CONDITION AS A SUBJECT OF INTERNATIONAL LAW

Cognitio Juris
Ano XII – Número 42 – Edição Especial – Agosto de 2022
ISSN 2236-3009
Autores:
Leonam Baesso da Silva Liziero[1]
Valfredo de Andrade Aguiar Filho[2]
Luis Henrique Barbante Franzé[3]
Fabiano Dolenc Del Masso[4]

RESUMO: O presente artigo busca apresentar as três principais teorias que concebem o Estado como um sujeito titular de direitos fundamentais. Para tal, inicialmente apresentamos alguns aspectos dos direitos fundamentais para posteriormente apresentarmos a condição de sujeito de direito do Estado perante o direito internacional. conforme demonstramos no artigo, a ideia de direitos fundamentais dos Estados está relacionada à característica que o Estado tem de ser uma pessoa e consequentemente sujeito de direitos e deveres. Por fim, apresentaremos as teorias que fundamentam o Estado o titular de direitos fundamentais e analisaremos alguns de seus pormenores.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Internacional; Direitos Fundamentais; Sujeito de direito.

ABSTRACT: This paper has as objective demonstrate the three main theories that perceive the State as a titular subject of Fundamentals rights. For it, initially we present some aspects of Fundamentals rights to later present the condition of subject of right of State under the International Law. As demonstrated in the article, the idea of fundamental rights of States is related to the characteristic that the State has to be a person and consequently subject of rights and obligations. Finally, we will present the theories that underlie the State of fundamental rights holder and examine some of its particulars.

KEYWORDS: International Law; Fundamental rights; Subject of rights.

INTRODUÇÃO

Os Estados são sujeitos de direito na ordem internacional e, portanto, uma pessoa para fins do Direito Internacional. O conceito de pessoa se resume somente à pessoa humana como ser orgânico presente no mundo do ser ou o conceito de pessoa pode ser pensado como uma abstração para que então seja transportável para a realidade? Para se afirmar que o Estado é um sujeito de direito é preciso pensar pessoa como abstração, nos moldes da modernidade política.

Ao se pensar em direitos fundamentais, o modo mais óbvio de se relacionar à significação é a luta dos cidadãos contra a violação de certos direitos cometida pelo Estado ou exigindo do Estado determinadas ações. Evidentemente o primeiro titular de direitos fundamentais a ser pensado é o ser humano orgânico, a pessoa natural. Como é cediço, não somente a pessoa natural é titular desses direitos, mas também as pessoas jurídicas, que nada mais são do que abstrações criadas artificialmente que representam determinada organização ou grupo de pessoas naturais. Essas pessoas jurídicas são as sociedades empresariais, as fundações, as associações e entre muitas outras, a mais significativa delas, o Estado. Sumariamente, dentro deste raciocínio, o Estado é uma abstração criada artificialmente.

O Estado se relaciona dentro de seu âmbito interno com as pessoas que o compõe. No plano internacional suas relações são direcionadas a outros Estados, Organizações Internacionais ou ainda outra pessoa de direito interno público ou privado, entre elas, a pessoa natural que não esteja sob o império de sua lei por via de nacionalidade ou domicílio.

Será analisada a concepção de que direitos fundamentais podem ter como titulares os Estados nas relações internacionais. Como membros da sociedade internacional, é preciso saber os fundamentos de tais direitos, suas reais fontes e como esses direitos fundamentais dos Estados os protegem de determinadas práticas. O objetivo deste trabalho é discutir a atribuição de titularidade de direitos fundamentais aos Estados dentro da primazia do direito internacional sobre os Estados na sociedade internacional.

Em um quadro teórico, será considerado o tradicional conceito weberiano de Estado baseado em seus elementos constitutivos, considerados tanto sob o prisma da Teoria Geral do Estado quanto sob o prisma do direito internacional. Inicialmente serão apresentadas algumas considerações sobre direitos fundamentais para consolidar a noção do Estado ser sujeito de tais direitos.

1 O QUE SE PODE COMPREENDER POR DIREITOS FUNDAMENTAIS?

É árdua a tarefa de definir o que é um direito fundamental. Não apenas pela dificuldade em se encontrar um método para tal fim como também em reunir elementos externos à Ciência do Direito para encontrar um ponto de convergência.

Pode-se iniciar esta noção de direitos fundamentais chamando a atenção para o sentido que direito é utilizado na expressão. Neste sentido direito é um poder que a pessoa tem permitido por uma norma jurídica. É um poder conferido a um sujeito de se comportar, de proceder socialmente conforme a imputação da ordem jurídica. Em outras palavras, o direito (no sentido de ordenamento jurídico) confere direitos ao sujeito.  Percebe-se aí a dicotomia entre direito objetivo e direito subjetivo.

Dentro deste basilar raciocínio, os direitos dos direitos fundamentais são poderes fundamentais que os sujeitos possuem conferidos por alguma Ordem Jurídica, seja ela natural, positiva ou qualquer que seja o fundamento da corrente doutrinária. Em todo caso, para que haja tal poder, é necessário anteriormente haver uma ordem jurídica. Pensar em direito subjetivo sem pensar em direito objetivo pré-existente é logicamente inválido.

Concebido este primeiro passo, os direitos fundamentais são um conjunto de direitos mais vitais para a consolidação de um direito. Tais direitos são concebidos pelo Estado como um limite ao seu próprio poder. Os direitos fundamentais são de titularidade dos cidadãos do Estado e servem de defesa contra o poder e força da atuação estatal. A força é um elemento essencial do direito, todavia os direitos fundamentais protegem o cidadão do uso da força indevida pelo Estado.

Tal posição pode ser vislumbrada quando se tenta diferenciar direitos humanos de direitos fundamentais. Gregorio Robles entende que os direitos humanos não são direitos propriamente ditos, mas sim critérios morais necessários para que os seres humanos possam conviver. O autor tem um entendimento favorável a esta ideia, explicando que “[…] quando os direitos humanos, ou melhor, determinados direitos humanos, se positivam, adquirindo categoria de verdadeiros direitos processualmente protegidos, passam a ser direitos fundamentais em um determinado ordenamento jurídico”. (ROBLES, 2005, p. 7)

A positivação nesse sentido é um fenômeno que transforma direitos humanos em direitos fundamentais. Tais direitos são protegidos por uma norma superior em dado ordenamento que trata esta proteção como essencial para a própria estrutura da ordem.

Em outra concepção é possível observar que em geral o termo direitos humanos é utilizado para o âmbito internacional e o termo direitos fundamentais para o âmbito constitucional. De fato, os direitos humanos neste sentido seriam direitos integrantes do direito internacional positivo. Os direitos humanos representariam um núcleo rígido de valor normativo que se destacaria das outras normas internacionais em razão de sua matéria. Além de sua importância normativa, os direitos humanos refletem uma demanda de fundamentação ética para o direito, ainda que não seja possível falar que eles se fundamentam por si. Uma vez observado o princípio da eficiência, no momento da incorporação das normas internacionais, a nomenclatura no âmbito interno seria diferente, sendo mais usualmente chamar de direitos fundamentais os direitos humanos reconhecidos e integrantes do sistema constitucional positivo de um Estado.

O liberalismo clássico como doutrina econômica não é suficiente para formar uma ideia de direitos fundamentais. Dentro do raciocínio adotado por nós, a atuação do Estado é necessária para a consolidação de direitos, o que em primeiro momento é incompatível com o liberalismo clássico. Neste diapasão, o liberalismo adquiriu “[…] o significado de doutrina política caracterizada pela distinção básica entre atividade econômica e atividade política, sendo a primeira confiada à iniciativa privada, ficando a outra a cargo do Estado” (REALE, 2003, p. 85). Bobbio ainda observa que “[…] segundo a teoria do Direito natural, existe na natureza uma lei que atribui a todos os indivíduos alguns direitos fundamentais de que o indivíduo apenas pode se despir voluntariamente.” (BOBBIO, 2000, p. 16).

Em uma concepção atual de direitos fundamentais, esta concepção clássica liberal se restringe apenas a direitos individuais. É possível concordar que tais direitos são os mais importantes dentro dos direitos fundamentais, inclusive porque se a busca pela justiça é um objetivo além da manutenção da ordem a serem alcançados pelo direito, a proteção da liberdade corresponde ao primeiro núcleo de direitos correlatos a serem protegidos.

Essa ideia se coaduna com o kantismo, cuja doutrina entende que o valor de liberdade é o valor supremo de justiça e a busca pela garantia da liberdade é o objetivo maior pelo qual os homens compõem a sociedade. Conforme leciona Bobbio ao explicar a concepção de Kant, “o direito é concebido como um conjunto de limites às liberdades individuais, de maneira que cada um tenha segurança de não ser lesado na própria esfera de liceidade até o momento em que também não lese a esfera de liceidade dos outros” (BOBBIO, 1998, p. 118).

Todavia para a efetivação de tais é necessária uma atuação do Estado em prol de direitos sociais, inclusive os que expressam uma demanda por reconhecimento, não necessariamente se tratando de uma redistribuição econômica.

Bauman (2003, p. 197-198), ao analisar as demandas por reconhecimento, e conclui que não se prestam somente à redistribuição econômica, mas sim ao reconhecimento igualitário de grupos minoritários, assim como o exercício por eles de direitos humanos ou direitos fundamentais, dependendo do âmbito jurídico de previsão.

Nesse mesmo raciocínio, Dallari leciona que “a concepção individualista da liberdade, impedindo o Estado de proteger os menos afortunados, foi a causa de uma crescente injustiça social, pois, concedendo-se a todos o direito de ser livre, não se assegurava a ninguém o poder de ser livre.” (DALLARI, 2010, p. 280)

Somente atribuindo ao ser humano um valor maior que um mero componente do Estado pode-se pensar na ideia de direitos fundamentais. Desta forma, fala-se em dignidade da pessoa humana. A pessoa humana não é apenas um corpo orgânico, mas uma projeção que deve ser protegida pelo Estado inclusive dele próprio. Entende Gustavo Amaral (2003, p. 100) que “[…] sob o panorama dos direitos fundamentais, reconhece-se a existência de um valor ontológico residente na dignidade da pessoa humana, não mais se reconhecendo como lícito um status que negue tal dignidade a quem quer que seja.” Ainda Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1998, p. 6) argumenta que “[…] definem esses direitos a fronteira entre o que é lícito e o que não é para o Estado. E, limitando o poder, deixam de fora de seu alcance um núcleo irredutível de liberdade”.

Os direitos fundamentais são assim uma limitação do domínio material de validade do Direito. A validade de uma norma que extrapole esse limite pode ser atacada e sua eficácia retirada da Ordem Jurídica por um órgão judiciário ou ainda por outra norma que a revogue e assim retire sua validade. Porém o Estado não apenas pode extrapolar tais limites por meio de emissão de normas, mas como também por sua conduta no exercício de seu poder. Quando isso ocorre, o Estado passa de um Estado de Direito e regressa ao Estado de legalidade.

O Estado de legalidade, ideia desenvolvida a partir de um prisma autoritário dos Séculos XVI e XVII, determina o culto à lei, o que seria desenvolvido posteriormente no positivismo jurídico do final do Século XIX e início do Século XX.  Esta tese resultou no Estado Legal, no qual os cidadãos são sujeitos ao arbítrio das autoridades e das normas jurídicas por elas estabelecidas. Neste momento, a vontade do legislador era a vontade do Estado, não se sujeitando ao próprio Direito. A validade da norma é determinada meramente por ser emitida pela autoridade competente, sem mesmo existir certas garantias fundamentais.  

Dentro da axiologia dos direitos fundamentais, os valores fundamentais de determinada sociedade formam a consolidação de tais direitos. Representam assim valores vitais que uma sociedade tem e que emana um conjunto objetivo de normas. Uma diferença entre esta visão de direitos fundamentais e a do liberalismo clássico é justamente a o caráter objetivo de tais normas, em contraste com a “soberania individual”, cuja liberdade não é resultante de um sistema de valores comuns.

Para vislumbrar direitos fundamentais, necessário é conceber o sujeito desses direitos como um ser digno. No até então demonstrado, o ser humano tem inerente um valor de dignidade que o confere a titularidade de direitos. “A dignidade da pessoa humana assim pode ser pensada como o princípio que metaformata e ajusta o direito a um conjunto de exigências afirmadoras da condição humana.” (BITTAR, 2010, p. 442)

Com isto foi apresentada uma breve noção do que constituem direitos fundamentais. O propósito agora é levar tal noção ao plano internacional e verificar se o Estado como sujeito de direito internacional é titular também de direitos fundamentais. Evidentemente é possível fundamentar a decorrência de tais direitos a uma dignidade da pessoa do Estado, pois isso nos levaria ao perigoso caminho da personificação do Estado na pessoa de seu governante e em grau mais nocivo a fusão com a pessoa humana do governante.

2 ESTADO E SUA CONDIÇÃO DE SUJEITO DO DIREITO INTERNACIONAL

O Estado é o sujeito de direito internacional por excelência. Nos mais primordiais entendimentos o Estado é tido como aquele capaz de manter relações jurídicas na ordem internacional. As primeiras emanações do direito internacional resultam de regras positivas dos Estados, sendo os costumes a mais significativa delas. No momento da assinatura de tratados entre governantes, quem se obriga a se comportar de acordo com a norma ali estabelecida é o Estado, não suas demais pessoas componentes. Não é o chefe de Estado ou um de seus plenipotenciários quem se obriga como pessoa, é o Estado ali representado no âmbito de sua abstração por uma pessoa orgânica. A vontade não é o produto da cognição de uma pessoa humana e sim do Estado.

Kelsen destaca esta posição quando defende em sua obra Princípios de Direito Internacional que quem se obriga a um compromisso é a autoridade cujo poder é conferido pelo direito interno do Estado. Esta autoridade, conforme os ditames normativos nacionais podem representar o Estado frente às Relações Internacionais. Destaca o autor que:

Os sujeitos de Direito Internacional são – tal qual os sujeitos do Direito Nacional – pessoas individuais […] pessoas são direta ou indiretamente, em sua condição de órgãos ou membros do Estado, sujeitos das obrigações, responsabilidades e direitos apresentados como obrigações, responsabilidades e direitos dos Estados. […] A ordem jurídica internacional delega a determinação deste indivíduo à ordem jurídica nacional. (KELSEN, 2011, p. 161-162)

Atualmente o Estado não é o único sujeito de direito internacional como era considerado no Século XVII. São reconhecidos como também sujeitos de direito internacional as organizações internacionais e a pessoa individual. Todavia, o Estado é o sujeito com mais poderes na ordem internacional, ou seja, não é restrito quanto ao assunto das normas convencionais que produz. Segundo Guido Soares:

[…] o Estado é a pessoa de Direito Internacional que se acha dotada de capacidade plena, relembrando-se que nem as organizações intergovernamentais, nem a pessoa humana, […] possuem a totalidade e a extensão dos poderes inerentes à situação do Estado (SOARES, 2002, p. 243).

Interessante notar que a norma individual não é direcionada à pessoa somente tendo o Estado como meio, mas em determinadas matérias diretamente. Além de determinar obrigações às pessoas, possibilita que reclamem em esfera internacional violações a seus direitos que o Estado a qual está vinculada possa cometer. Não somente nacionais de Estados, mas o direito internacional também impõe deveres e concede direitos a pessoas sem uma proteção ou sujeição direta a um Estado, como é o caso de refugiados, apátridas e piratas.

O Estado para ser sujeito de direito internacional necessita de possuir três elementos essências: território, população e governo. O território é comumente definido como o espaço físico em que o Estado exerce sua jurisdição ou como uma unidade jurídica que não corresponde necessariamente a uma natureza geográfica. Não adentrando no mérito da definição de território, mas previamente concebe-se como o local geográfico em que o Estado pode exercer sua ordem jurídica, espaço este definido pelo direito internacional.

É utilizada também a noção de população, em que são contabilizadas as pessoas naturais nacionais e estrangeiras sujeitas ao império da ordem jurídica e administrativa (com exceções) e o governo, que é deve ser efetivo e capaz de se relacionar com outros Estados. Não discutir a soberania aqui como elemento do Estado frente ao direito internacional, pelos problemas teóricos que esta discussão traz e que não é objeto de nosso atual estudo. Porém, apenas para uma prévia noção, o “Estado soberano é aquele que tem: exclusividade, autonomia e plenitude de competências. Sendo que todas as noções devem ser interpretadas dentro do quadro geral do direito internacional” (MELLO, 2001, p. 351).

Em todo caso, destaca-se que o Estado necessita de uma ordem jurídica centralizada, seja para o exercício da força, seja para a emissão de normas. Francisco Rezek (2008, p. 151-152) observa que o “Estado, com efeito, não tem apenas precedência histórica: ele é antes de tudo uma realidade física, um espaço territorial sobre o qual vive uma comunidade de seres humanos”.

O Estado é sujeito de direitos e obrigações dentro da esfera internacional, sendo capaz de produzir normas de direito internacional como expressão de sua vontade. Contra a tese voluntarista de fundamento do direito internacional, ao contrário, há a normatividade superior à vontade dos Estados que torna o direito internacional obrigatório. Todavia, a vontade é um elemento essencial para que a norma convencional internacional seja válida.

Sendo sujeito de direito, o Estado é por isso portador de direitos subjetivos perante o ordenamento jurídico internacional tanto como as pessoas naturais e as jurídicas são diante o direito interno. Não somente o Estado neste aspecto, mas também os outros sujeitos de direito internacional podem invocar norma internacional para protegerem determinado direito subjetivo seu.

Ao se demonstrar os fundamentos dos direitos fundamentais dos Estados, questiona-se se há no direito internacional um núcleo rígido de direitos e garantias que protegem os Estados de eventuais violações a tais direitos por meio da emissão de alguma decisão de uma organização internacional, de algum tribunal ou ainda de algum tratado.

3 O ESTADO POSSUI DIRETOS FUNDAMENTAIS PERANTE A ORDEM INTERNACIONAL?

Há distinção no sentido de direitos fundamentais dos seres humanos e dos Estados: os direitos fundamentais dos indivíduos, segundo Robles, são derivados dos direitos humanos que por sua vez são critérios morais que fomentam as fontes materiais do Direito, mas que ao campo deste não pertencem. Em outras palavras, o fenômeno da positivação com força obrigatória transforma os direitos humanos em direitos fundamentais válidos em determinada ordem jurídica. Os direitos humanos se referem a seres humanos. Por sua vez, o Estado não pode ter seus direitos fundamentais como resultado de positivação de direitos humanos. Não é lógico humanizar o Estado, por duas razões essenciais: o Estado é abstração, logo não existente no mundo do “ser” e porque o Estado apesar de ser representado e sujeitado internacionalmente com o seu governante, não pode ser com este confundido. Este segundo motivo é importante para diferenciar a ideia do representante do Estado como autêntico sujeito de direito internacional da ideia de Estado como incorporação do governante, o que é incompatível com a tese de direitos fundamentais no plano interno.

A primeira teoria dentre as que procuram explicar a origem dos ditos direitos fundamentais dos Estados é uma decorrência da doutrina jusnaturalista. Assim como os indivíduos seriam titulares de direitos naturais, os Estados também encontram esta proteção quase que imutável. Os seres humanos nascem com direitos que são decorrentes da própria natureza em um sentido de poder transcendente ou da natureza enquanto razão humana. Da mesma forma, os Estados seriam titulares destes direitos, uma vez que são o resultado da inspiração transcendental do poder político ou ainda produtos da razão humana enquanto pacto. Este último entendimento é o defendido pelos contratualistas, que mesmo de diferentes formas, concebem o Estado como criação artificial resultante da razão humana.  Direitos naturais como a liberdade e a igualdade seriam inatos a todos os Estados, que sendo iguais no plano internacional, teriam a liberdade de realizar os pactos com outros poderes soberanos e consequentemente, as normas internacionais.

Não são poucas as críticas a esta corrente. Hans Kelsen (2011, p. 201) demonstra o erro metodológico desta teoria, crítica que faz ao jusnaturalismo como um todo.  O grande problema seria que sendo uma teoria de direito natural, é baseada em uma relação de causalidade, enquanto o Direito determina uma relação de imputação. Pertencendo à ordem do “ser”, os direitos naturais não podem pertencer ao Direito, uma vez que este pertence à ordem do “dever ser” e tais ordens não se misturam. Uma norma do “dever ser” só pode decorrer de outra norma de “dever-ser”, nunca da ordem do “ser”.

Uma segunda teoria decorre do entendimento dos direitos fundamentais dos Estados serem princípios pressupostos pelo direito internacional. Esta teoria defende a tese de que os princípios são pressupostos de uma ordem jurídica positiva e que servem como base para esta. Assim, qualquer ordem jurídica se baseia na força de determinados princípios. A ordem internacional desta maneira seria construída a partir de princípios jurídicos, os quais também serviriam de fundamento para os direitos subjetivos dos Estados.

A fundamentação de determinada ordem jurídica em princípios é uma tendência da ciência a partir da segunda metade do Século XX, como uma reposta ao formalismo defendido pelo positivismo jurídico. Há uma busca pelo estabelecimento de valores no Direito, algo que o positivismo rejeitava. De fato, os chamados pós-positivistas defendem a força normativa dos princípios, ou seja, que determinados juízos morais não só fazem parte do Direito como também são seu fundamento. O Direito esta forma depende da prática de suas instituições. Não há, portanto, somente a mera necessidade de uma forma, mas o conteúdo da norma passa a ser relevante para sua validade. Os princípios jurídicos assim fornecem o poder normativo às normas jurídicas positivas. O Direito não é mero produto da legalidade, de normas emitidas pelo Estado instituído conforme a próprio direito, mas sim um meio de que sejam cumpridos determinados fins de Justiça que são superiores à ordem jurídica positiva. O reconhecimento de princípios na ordem jurídica busca legitimar o direito pela justiça. Assim, o direito necessita de princípios para poder ter um sentido, de forma que não seja um instrumento de opressão do Estado. Nas palavras de Ferraz Junior, “A exigência moral de justiça é uma espécie de condição para que o direito tenha um sentido” (FERRAZ JUNIOR, 2007, p. 313). Tais princípios são possuem uma fonte formal, existem por simplesmente existirem. São reflexos de valores de uma sociedade, não se atrelando em uma ideia de teoria dinâmica do direito.

Princípios em direito internacional são ainda mais tênues. Com uma fundamentação principiológica do direito, não é possível fugir da ideia de valores de determinada sociedade como determinantes de tais princípios. E se dentro de uma sociedade centralizada como o Estado é difícil conciliar determinados valores, na sociedade internacional tal tarefa é ainda mais árdua. O Estatuto da Corte Internacional de Justiça reconhece como fonte do direito internacional os princípios gerais do direito assim reconhecido pelas nações civilizadas em seu Artigo 38. Todavia o termo ainda é impreciso e pressupõe certa imposição de valores sobre determinadas nações não-civilizadas. Conforme destaca Celso Mello (2001, p. 302), “[…] a expressão ‘nações civilizadas’, consagrada no Estatuto da CIJ, é um vestígio da época em que se considerava que Direito era apenas o das potências ocidentais”.

As críticas à teoria dos direitos fundamentais derivados dos princípios do direito poderiam ser construídas no sentido de que o da mesma forma que o direito natural, não é possível pressupor sua existência como fundamento da ordem jurídica. Tais princípios, sejam eles enunciados de critérios da moral e da justiça, sejam eles como resultado da prática da sociedade em seu fim, dependem da pré-existência de uma ordem jurídica normativa para servir de parâmetro a tais, pois do contrário o único parâmetro seriam as concepções morais e políticas. Eles não fundamentam uma ordem jurídica positiva e sim são fundamentados por ela. Apesar de criticar a derivação dos direitos fundamentais de princípios exteriores ao direito positivo, Kelsen (2011, p. 203) reconhece que “[…] o único princípio que pode e deve ser pressuposto é o princípio fundamental determinando a primeira constituição da ordem jurídica, ‘constituição’ aqui significando as normas que determinam os métodos pelos quais o Direito deve ser criado”.

Verifica-se que princípios na ideia de abstração podem constituir direitos fundamentais dos Estados na sociedade internacional, pois a própria existência de Estados depende da concepção construída de que determinadas normas sociais servem para dar o sentido que o direito necessita para cumprir determinados fins ao que é esperado pelos que a ele se sujeitam, mesmo não servindo como fundamento do direito em si. Mesmo com a obrigatoriedade do costume como uma fonte criada espontaneamente e inconscientemente pelos Estados, certas ideias como liberdade e igualdade na sociedade internacional conseguem contribuir para o inconsciente dos sujeitos de direito internacional cuja prática e o reconhecimento da obrigatoriedade de tal prática, formam o costume. Nesse sentido, cogitando pela existência de direitos fundamentais dos Estados derivados dos princípios, somente se estes princípios forem entendidos como integrantes de uma ordem que não a do direito, vislumbra-se o objetivismo na obrigatoriedade ao respeito a tais Estados independentemente de sua vontade.

A terceira teoria que destacada para explicar a origem dos direitos fundamentais é que tais direitos seriam decorrentes da personalidade do Estado.  Como já acima dito, o Estado é a pessoa por excelência no direito internacional. E como pessoa é sujeito de direitos e deveres na ordem internacional. Ser sujeito neste sentido significa que ao ingressar na ordem internacional, está submetido às obrigações estabelecidas por esta ordem: “sujeito do DI é toda entidade jurídica que goza de direito e deveres internacionais e que possui a capacidade de exercê-los”. (SILVA; ACCIOLY, 2002, p. 81) Esta é uma questão recorrente no estudo de sucessões dos Estados em direito internacional. O Estado quando é reconhecido, preenchido os requisitos que o direito internacional determina, adquire personalidade jurídica e assim torna-se sujeito de obrigações e também sujeito de direitos, inclusive titular de direitos fundamentais.

Apesar das críticas recorrentes à existência de direitos fundamentais dos Estados, Kelsen admite que se tais direitos forem recorrentes da personalidade, e assim ditados pelo direito internacional consuetudinário, como resultado dos Estados possuírem direitos fundamentais graças à sua concepção formal de pessoa, então tal tese seria compatível com o juspositivismo. Como o conceito de pessoa é formal, então os direitos seriam decorrentes a partir do momento em que houvesse o ingresso na comunidade internacional na intenção de manter tais direitos. O Estado a partir assim que adquire personalidade, torna-se um sujeito num mundo pré-estabelecido, um mundo que já existe antes dele e que já mantém uma estrutura jurídica baseada em deveres e direitos.

E assim como um dos mais importantes elementos do Estado, a Soberania – chamada de Poder por Kelsen – é o primeiro elemento a sofrer os efeitos da sujeição à ordem internacional. O Estado como parte da sociedade internacional tem seu alcance de sua Soberania restrita aos ditames do Ordenamento Jurídico Internacional. A limitação de Soberania é um fenômeno necessário para que o Estado exista, assim como o indivíduo, que ao nascer em uma determinada sociedade, não é titular de liberdade individual absoluta, pois tal liberdade absoluta significaria uma ausência de segurança da própria liberdade. Do mesmo modo, a ideia de Soberania absoluta, como era defendida pelos autores da corrente voluntarista do Século XIX, leva ao esfacelamento da segurança da própria Soberania. Todavia, a Soberania é necessária, ainda que em grau relativo, para poder conferir ao Estado o caráter de sujeito de direitos. Assim, a Soberania relativa nas relações exteriores do Estado é um elemento essencial da personalidade jurídica do Estado frente ao direito internacional para que seja titular de direitos fundamentais.

Kelsen (2011, p. 207), de acordo com a ideia de o Estado ser sujeito de direitos e deveres decorrente da sua personalidade, entende que “assim como o indivíduo não se sujeita voluntariamente ao Direito do Estado que o obriga sem sua vontade e até mesmo contra sua vontade, um Estado não se sujeita voluntariamente ao Direito Internacional que o obriga, reconheça ele ou não o Direito Internacional.

Portanto, os direitos fundamentais do Estado não são o resultado da “vontade”, ou da expressão da Soberania dos Estados, e sim de uma força normativa superior aos Estados, pré-estabelecida pelo direito internacional quando o Estado surge como sujeito. A personalidade do Estado é determinada pela comunidade em que está inserido. Neste raciocínio, o Estado adquire sua titularidade de direitos fundamentais de sua condição como sujeito de direito internacional.

CONCLUSÃO

No direito internacional contemporâneo o Estado não é o único de seus sujeitos, mas ainda é o sujeito por excelência, com capacidade limitada apenas pelas normas internacionais. O Estado é sujeito de direitos e deveres enquanto existir subordinado à Ordem Jurídica Internacional, entendido como uma pessoa construída num conceito abstrato. Assim como o individuo existe em um Estado e estando sujeito ao Direito deste, o Estado se sujeita ao direito internacional.

Da mesma forma que é necessário um núcleo rígido de direitos e garantias conferidas pelo Estado ao cidadão, o direito internacional, em decorrência do poder soberano do Estado, confere a tais certos direitos fundamentais que são indispensáveis para a própria existência do direito internacional enquanto direito. Uma vez que o direito internacional é uma ordem jurídica descentralizada, inclusive em relação ao estabelecimento de sanções e outras medidas que garantam a obrigatoriedade de suas normas e que está em constante transformação, estabelecer determinados direitos a serem invocados pelos Estados, é um modo de evitar que o direito internacional garantido pela força se transforme em força garantida pelo direito internacional.

Direitos fundamentais são estabelecidos por normas de direito positivo, sejam elas convencionais ou consuetudinárias. Tais direitos não são apenas expressão da vontade arbitrária de Estados mais poderosos, mas sobretudo, decorrentes de normas de direito internacional. Pelos aspectos anteriores apresentados, somente a teoria da personalidade pode ser usada para explicar a origem dos direitos fundamentais dos Estados. Não se pode concordar, em razão do método não coadunável com a ciência jurídica, que os direitos fundamentais dos Estados decorrem do direito natural ou em critérios descuidados de algumas teorias pós-positivistas, em razão de ser metodologicamente ilógico conceber o direito da ordem da natureza e também pelo perigo de que justificar direitos de um Estado acima do direito positivo pode representar, uma vez que tal justificação tem um caráter político e não jurídico.

Como a natureza não possui vontade, o direito, que é criado pela vontade humana, não pode decorrer da natureza. Em todo caso, foi objeto deste trabalho a definição de quais seriam esses direitos fundamentais, mas somente demonstrar sua necessidade de validade dentro do ordenamento jurídico internacional. 

REFERÊNCIAS

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[1] Doutor em Teoria e Filosofia do Direito pela UERJ, com Pós-Doutorados em Direito pela UFRJ e pela UFPE. Professor do Centro de Educação e Pesquisa Almeida & Aguiar.

[2] Doutor em Direito pela Universidade Estácio de Sá e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professor da Universidade Federal do Mato Grosso e do Centro de Educação e Pesquisa Almeida & Aguiar.

[3] Pós-Doutorado pela Universidade de Lisboa. Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor da Universidade Federal do Mato Grosso e do Centro de Educação e Pesquisa Almeida & Aguiar.

[4] Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor da Universidade de Marília.