ESTADO, CIBERCULTURA E TRIBUTAÇÃO SOBRE O CONSUMO

ESTADO, CIBERCULTURA E TRIBUTAÇÃO SOBRE O CONSUMO

14 de agosto de 2022 Off Por Cognitio Juris

STATE, CYBERCULTURE AND TAXATION ABOUT CONSUMPTION

Cognitio Juris
Ano XII – Número 42 – Edição Especial – Agosto de 2022
ISSN 2236-3009
Autores:
Patrícia Silva de Almeida[1]
Maria de Fátima Ribeiro[2]
Patrícia Nunes Lima Bianchi[3]
Heloísa Helou Doca[4]

RESUMO: O presente ensaio visa apresentar reflexões acerca dos rumos da participação do Estado na relação que se estabelece entre a cibercultura e a tributação. Partindo do pensamento filosófico de Pierre Lévy sobre a influência da cibercultura, Estado e os processos de virtualização do social, através dessa inter-relação, traça-se, por relevância, o repensar da do sistema tributário nacional em virtude da desterritorialidade ocasionada pelo ciberespaço, de modo a introduzir uma adequação aos conceitos tradicionais tributários e um enfrentamento jurídico que se impõem sobre a criação de um novo imposto direcionado ao consumo em meio digital.

PALAVRAS-CHAVE: Cibercultura; Ciberespaço; Desterritorialização; Estado; Tributação sobre consumo.

ABSTRACT: The present essay aims to present reflections on the direction of state participation in the relationship between cyberculture and taxation. Based on the philosophical thought of Pierre Lévy on the influence of cyberculture, state and the processes of virtualization of the social, through this interrelationship, we draw, by relevance, the rethinking of the national tax system by virtue of the cyber space disterritoriality, in order to introduce an adaptation to the traditional tax concepts and a legal confrontation that are imposed on the creation of a new tax directed to consumption in digital means.

KEY-WORDS: Cyberculture; Cyberspace; Desterritoration; State; Taxation about consumption.

INTRODUÇÃO

Reflexões sobre o uso das tecnologias e do espaço digital, a participação do Estado nas questões que envolvem a incidência da tributação e a territorialidade, de forma a pensar se seria prudente repensar alguns institutos tributários, está na proposta deste ensaio.

Vivencia-se um novo meio e abertura dos espaços de comunicação e comercialização (e@commerce) – a cibercultura – cabendo a exploração das potencialidades afirmativas deste espaço nos diversos planos, sejam esses econômico, político, cultural e, acima de tudo humano. Além do mais, o ciberespaço (esse espaço desterritorializado), entrou pleno e vigorante, em um momento em que a economia apresenta expansão (disruptiva), a era da economia digital.

O desenvolvimento de novas formas de comunicação transversais e os processos econômicos mais céleres, tendem a galgar a interatividade e a cooperatividade, pontos que requerem uma mudança postural da ciência do direito e das ciências econômicas, sendo o crescimento do ciberespaço algo previsto como favorável ao desenvolvimento econômico, mas, mormente, à arrecadação estatal.

Todavia, esse novo cenário exprime dúvidas quanto aos imperativos do direito tributário tradicional, mormente, no que se refere as questões que envolvem a competência e a territorialidade (em todos os níveis nacional e internacional), podendo, destarte, ocasionar a perda da almejada segurança jurídica.

Consoante a dúvida então exposta, no que tange a tributação incidente sobre as operações realizadas em ciberespaços (rede), como por exemplo as operações tributárias realizadas em nuvens, postula esse novo modelo de ambiente a identificação das estruturas de incidência tributária, agregadas a esse moderno padrão transacional. 

Tecer uma abordagem sobre tal perspectiva e, ao analisar a mudança paradigmática introduzida pela cibercultura de comunicação e comercialização, lança-se um olhar crítico, voltado aos desafios da harmonização das relações tributárias concretizadas nos referidos espaços virtuais, assim como o respectivo modo de interpretar a referida exação, ou seja, a adequação e compreensão de alguns institutos aplicados a área.

Para tanto, ao desenvolver a sugestiva temática percorre-se o apriorístico papel de indagar, as seguintes questões: quais são os impactos e os desafios que a cibercultura, esse novo modelo de processo de comunicação e comércio representam para o direito tributário? Qual o papel do Estado nesse contexto de desenvolvimento tecnológico, considerando os três incidentes na visão de Pierre Lévy: técnica, cultura e sociedade? Haveria a necessidade de reformulação de conceitos tradicionalmente aplicados a área tributária como territorialidade (desterritorialidade) e competência desse novo modelo? O produto dessa moderna economia digital, no Brasil, desafia a exação de múltiplos fatos geradores?

Para alcançar o presente objetivo proposto far-se-á o desenvolvimento do ensaio da em dois tópicos, lançados da seguinte forma. Num primeiro momento, abordar-se-á: “Cibercultura: implicações do ciberespaço e a participação do Estado tributante nesse desenvolvimento” descrevendo a mudança comportamental dos processos de comunicação e nas transações comerciais na era pós-moderna, sob a ótica do pensamento filosófico de Pierre Lévi, o qual contempla uma perspectiva evolutiva, destaca a participação estatal nesse contexto desenvolvimentista (econômico-disruptivo), ao analisar a ocorrência de três fatores elementares nesse processo: a técnica, a cultura e a sociedade.

Em continuidade, no tópico derradeiro, “O Ciberespaço: a questão desterritorialização da tecnologia móvel e a pertinente redefinição de conceitos tributários: o surgimento de um novo imposto unificado”, tece-se uma visão acerca da dinâmica de controle dos processos de territorialidade e desterritorialidade das tecnologias móveis e os reflexos representativos que influenciam a tributação, preconizando uma mudança de paradigma dos conceitos tradicionais tributários, carecedores de redefinição, em virtude da prestação de serviços efetuados em ambiente virtual,

Como metodologia geral, optou-se pelo método hipotético-descritivo e, quanto ao procedimento técnico adotado, trata-se de um apanhado essencialmente bibliográfico, realizado, precipuamente, através do posicionamento da doutrina nacional.  

 Por fim, convém destacar, a temática revela possíveis desdobramentos futuros e, frente às complexidades que envolvem questão, inclusive não pacífica no plano internacional quanto a tributação relacionada à Cibercultura, trataremos, a seguir, sobre os possíveis caminhos de adequação do assunto dentro da realidade brasileira.

1 Cibercultura: implicações do ciberespaço e a participação do Estado TRIBUTANTE nesse desenvolvimento

A cibercultura representa um novo espaço de comunicação que tem alterado a forma de comercialização e interação com a economia tradicional, apresentando externalidades negativas e positivas; entretanto, as potencialidades positivas representam mudanças significativas em vários planos: econômico, político, cultural; mas, sobretudo, na interação humana.

Ínsito a desse cenário imposto – um caminho sem retorno -, o ciberespaço se instalou na era pós-moderna e, em vista a rápida ascensão do meio – uso da técnica -, as tecnologias digitais se consolidaram no espaço, como algo não programado, que tem se movimentado de modo crescente e volumoso, inusitado, sem que ao menos se possa compreender, ao certo, qual o papel socioeconômico do Estado e da sociedade, frente a essa mudança radical de paradigma (HAN, 2018, p. 9-10).

No agora, nós utilizamos correntemente a tecnologia digital, através dos dispositivos móveis, contudo, demonstramos estar aquém da decisão consciente sobre o domínio do nosso comportamento, da nossa percepção, enfim, da inteireza sobre a nossa vida em geral e como isso influenciará no contexto público, em especial, como visualizamos a participação Estatal nesse novo cenário.

Em conformidade ao pensamento do filósofo Pierre Lévy ao abordar as implicações culturais e sociais do desenvolvimento das tecnologias digitais de informação, comunicação e as modificações na interação comercial, pontua-se, de um modo geral, o progresso de novas tecnologias e a crescente virtualização, algo espantoso e em constante movimento, tudo isso casado a mutação global que dela resulta, ocasionando transformações relativas as formas de construção de saber das ciências, a estrutura das cidades e a compreensão sobre a democracia e Estado, interferindo, direta e indiretamente, nos problemas relacionados ao desenvolvimento social (1999, p. 11-13).

Pierre Lévy, ao descrever esse envolvimento, enfatiza a diferenciação essencial entre o termo ciberespaço e cibercultura. O termo ciberespaço – rede – é a nova forma de comunicação que nasce a partir da interconexão mundial dos computadores, representando não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital e contempla, as informações circulantes, bem como as pessoas que se utilizam constantemente esse universo; já a cibercultura define-se um conjunto de técnicas – materiais e intelectuais -, ou práticas de pensamento e valores, que se desenvolvem em razão do ciberespaço (1999, p. 17).

Infere-se, os usos das tecnologias interligadas ao conceito de ciberespaço produzem alto impacto e, mesmo sendo a tecnologia algo autônomo, separado do conceito da sociedade e do Estado, essa repercute na visão de ambas, concebidas entidades passivas frente a esse agente externo.

As atividades humanas elas abrangem interações indissolúveis entre seres pensantes, entidades materiais artificiais de ideias e representações. Dificilmente se consegue dissociar a parte material artificial de ambas, muitas das quais o uso de objetos e técnicas são utilizados pelo homem em virtude de sua constante criação.

O homem se reconhece dentro do universo do ciberespaço, na medida em que se instrumentaliza e interage nesse circuito de comunicação e se utiliza dessa memória artificial para realizar tarefas cotidianas, como a guarda de documentos virtuais em nuvem, jogos de lazer, compras por intermédio do comércio virtual, transferências institucionais de valores, entre outros afazeres.

Na visão de Pierre Lévy existem três elementos enfatizadores a considerar e relevar, na análise dos impactos das tecnologias, isto é, a técnica, a cultura e a sociedade, que separam a tecnologia digital como apenas fruto da evolução cultural da sociedade; porém existem distinções: “[…] a distinção traçada pela cultura (dinâmica das representações), sociedade (as pessoas, seus laços, suas trocas, suas relações de força) e técnica (artefatos eficazes) só podem ser conceituais” (1999, p. 22).

Isso representa que a técnica – a razão instrumental – carrega consigo projetos e implicações sociais e culturais inúmeras, não obstante, a sua presença e uso em um determinado lugar, perfectibilizam as relações entre o corpo social e o Estado, sendo o próprio espaço digital algo criado para interligar essas relações (1994, p. 31).

Frente a essa amplitude e o ritmo das transformações ocorridas, ainda não se encontram pacificadas as mutações que afetam o universo digital e a participação do Estado nesse processo de desenvolvimento das cibertecnologias, encorajadas pelos Estados que perseguem a excelência e a potência do domínio do ciberespaço (1999, p. 24) através do comércio digital.

Tendo em vista a competição econômica mundial entre empresas que operam com softwares, redes, nuvens, dispositivos virtuais, enfim, as divergências e impasses desses grandes conjuntos geopolíticos buscam a melhor organização ao alcance dos melhores resultados em seus propósitos tributários.

E nesse ponto, alega-se existir dificuldades em analisar, quais são os desafios impostos pela crescente economia digital. Isso se justifica pelo simples fato de que, dentro do conceito de Estado e a sua busca pelas receitas derivadas, através da tributação, adentra-se, em conceitos tradicionais que, no plano internacional, as nações desenvolvidas de longa data vêm adequando o paradigma dessa mudança comportamental e a quebra no padrão da tributação, procurando fixar quais os parâmetros à solução dos problemas do disruptivo mercado, em especial, envolvendo operações de fluxo transnacionais.

A resistência a essa mudança gera um confronto das ideias e possíveis redefinições de conceitos atuais, tornando inevitável a adaptação ao novo, algo inexorável desafiador.

Ao mesmo tempo benéfica essa liberdade de mercado na era da globalização e o aumento dos volumes de transações por intermédio do ciberespaço, surgem acordos internacionais com o intuito de fixação de competência tributária e buscando consenso sobre o jaez de mercado e a sua competência territorial (ALMEIDA, 2014, p. 53-54).

 Dentro do alcance dessa objetividade e, dentro dos parâmetros que permeiam os  princípios de tributação ínsito a esse contexto de pujante economia digital (o princípio da neutralidade, da eficiência, da segurança, simplicidade, justiça e flexibilidade), no trilhar de respeito a essa carga-axiológica, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE mantém resistência na concretização de um tratamento diferenciado entre as comercializações intangíveis que se operam pelo ciberespaço e as operações tangíveis que se realizam pelo meio físico (PISCITELLI; BOSSA, 2018, p. 45).

E nesse ponto, tem-se, a destacar o funcionamento a tradicional competência territorial tributária:

[…] a competência tributária em operações transnacionais é dividida entre o Estado do qual deriva a renda (denominado Estado-fonte) e o Estado no qual o destinatário da renda é residente (Estado-residência). Havendo presença física no Estado-fonte, a renda será tributada na própria fonte, em virtude da existência de estabelecimento permanente da empresa estrangeira; de outro lado, a renda de investimentos (portfólio) e intangíveis, se não estiver isenta será tributada na retenção da fonte. O Estado-residência, de seu turno, via de regra, tributa a renda em sua integridade, concedendo, a depender dos termos tratados, isenção para a renda já tributada na fonte, ou alternativamente, crédito pelo imposto pago ao Estado-fonte (PISCITELLI; BOSSA, 2018, p. 43).

Portanto, o modelo padrão de competência nesse cenário de economia disruptiva, frise-se, o comércio eletrônico e tudo que envolve o ciberespaço, representa desencaixe perfeito aos institutos tradicionais do direito tributário. A divisão de competência da forma descrita acima (Estado-fonte e Estado-residência) toma por base o caráter físico da transferência do bem (mercadoria) ou, interpretada como efetiva prestação do serviço.

Hodiernamente, a presença física como elemento condicionante da fixação da competência tributária é questionável, pois, com o progressivo impacto do uso do ciberespaço e a desmaterialização das operações jurídicas, tais situações jurídicas emergem numa fronteira nebulosa de aplicação dos parâmetros tradicionais de tributação.

O ciberespaço e suas transações jurídicas realizadas nesse ambiente colocam em dúvidas as questões da pertença dos recursos econômicos gerados, desafiando o atual modelo de repartição de competência entre soberanias.

Diante desse quadro, pode-se afirmar que a economia digital, não mais tão invisível, numa zona de indeterminação, onde o futuro é decidido por empreendedores que criam laços não físicos com seu público consumidor, direciona de todas as formas, através do espaço virtual, a geração de novos negócios e receitas, valorando seus ativos intangíveis em detrimento dos tangíveis.

O avanço desse modelo de transações pelo ciberespaço, cresce sem a participação direta do ator institucional – o Estado -, na percepção de Pierre Levy, sobretudo a tecnologia digital flui em uma constante mutação, sem qualquer constância estável, sendo apenas a velocidade algo constante nesse modelo paradoxal cibercultural (1994, p. 42).

 As empresas são os que maiores beneficiários dessa nova difusão de tecnologia, tendo por consequência a significativa redução de custos operacionais e, com isso, realizam maior ganho com aproximação junto ao mercado consumidor, revendo práticas e métodos de trabalhos, dispensando a presença física (PISCITELLI; BOSSA, 2018, p. 27).

Os modelos de negócio desenvolvidos no âmbito da economia digital têm como característica comum a perda de relevância de atributos como a ação humana ou a presença física no local onde a atividade é desenvolvida. Em meio aos efeitos da ‘economia compartilhada’, o processo produtivo passa a ser mais integrado e os intangíveis representam o grande componente de valor das empresas (FARIA; MONTEIRO; SILVEIRA, s.n.).

Destarte, as operações realizadas pelo ciberespaço resultaram externalidades negativas ou positivas ao Estado, isto é, pode apresentar nenhuma conexão física entre a localização geográfica do agente passivo e a atividade que gera a aquisição da renda, podendo ocasionar uma dupla tributação ou até mesmo a ausência de tributação, fator desterritorialização[5], um enfrentamento que exige uma redefinição conceitual dos atuais das principais espécies tributária (com o predomínio do surgimento de um novo imposto, por exemplo), nos termos que se passa a dispor.

2 O Ciberespaço: a questão desterritorialização da tecnologia móvel e a pertinente redefinição de conceitos tributários e o surgimento de um novo imposto UNIFICADO

Por ora, em vista aos argumentos descritos até então, percebe-se, os impactos decorrentes da aceleração da inclusão da cibercultura via ambiente virtual – ciberespaço -, nos inseriu numa revolução tecnológica que chega universalizando, modificando a representação que se tem de espaço físico e do tempo real: “É virtual toda entidade “desterritorializada”, capaz de gerar diversas manifestações concretas em diferentes momentos e locais determinados sem, contudo, estar ela mesma presa a um lugar ou tempo em particular” (LEVY, 1999, p. 47).

Neste sentido, a virtualização do mercado, desconhecedora da distância geográfica; inclui todos os seus pontos de acesso favorecendo maior potencial de compra.

O consumo e a demanda são captados nos detalhes e, no pensamento de Pierre Lévy o cibermercado torna o ambiente bem mais atraente, mas nem tanto transparente[6] que o mercado físico (1997, p. 39).

Se pensado na totalidade, essa essência de transparência deveria beneficiar aos consumidores pela celeridade e redução de custo e, aos Estados, por sua vez, têm apresentado preocupações em virtude do elemento de desterritorialização do ambiente comercial, fato constatado pelos maiores ganhos econômicos, nessa pulsante economia digital.

O avanço desse novo modelo de economia vem provocando desafios aos padrões tradicionais de exação tributária, os quais, como dito no tópico anterior, ainda trabalha com os parâmetros do espaço físico do contribuinte (localização), a fonte-origem da renda, a ação (dar e fazer) torna a questão que envolve a diferenciação entre mercadoria e a prestação de serviço ao relevante (FARIA; SILVEIRA, s.n.).

No âmbito nacional, a incidência tributária sobre os negócios que se utilizam do ciberespaço se concentram no mercado de consumo, os quais vêm apresentar novas funcionalidades e, também novos problemas quanto as questões de competência, assim como a reflexão sobre a quem seria destinada a receita derivada dessa tributação: municipal (Imposto Sobre Serviço – ISS) ou estadual (Imposto Sobre Circulação de Mercadoria e Serviço – ICMS).

A complexidade das transações realizadas pelo ciberespaço, geram inúmeras dúvidas por vezes, caracterizando, de um lado, venda de mercadoria e, de outro lado, prestação de serviço (caso dos serviços streaming ou publicidade virtual), podendo, ainda, ocorrer uma dupla tributação.

Nas palavras de Luís Eduardo Schoueri, sobre a “Internet das coisas”, essa tem apresentado dificuldades no encaixe dos institutos tradicionais, mormente, na exata qualificação do produto digital (2018, p. 246), incitando o repensar de alguns conceitos sobre o mercado digital.

José Eduardo Soares de Melo ao abordar a repercussão da Lei Complementar nº 157/2016, não visualiza como pacifica o campo de incidência do ISS sobre os serviços virtuais streaming. Destaca em seus apontamentos, a complexidade do encaixe do texto normativo à conceituação de serviço (tradicional obrigação de fazer), por onde passa o campo de incidência do imposto em questão, o que leva a repensar, em termos constitucionais, a adequação das novas tecnologias digitais e seus desafios (2018, p. 273).

A dificuldade de fixação de regras claras e objetivas, decorre, em grande parte, em razão da desterritorialização e a inadequação dos conceitos padrões de fixação da hipótese de incidência, apontado como uma possível saída a questão, como a criação de um novo imposto único – similar ao Imposto sobre o Valor Agregado Federal (IVA- F) instituído em alguns países na Europa[7], o qual é uma proposta simplificadora à tributação sobre o consumo numa perspectiva englobante, o fato gerador bens e serviços em tempos de economia digital.[8]

No entanto, existe uma proposta de Emenda Constitucional Federal, em tramitação junto a Câmara dos Deputados para instituição do tributo, elaborada pelo Deputado Federal Luiz Carlos Hauly do PSDB/PR, desde 2004, simplificando o sistema tributário com a extinção de vários tributos e, em seu lugar surge o Imposto Sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), abrangendo todos os tipos de consumo realizados seja em ambiente virtual ou físico.[9]

O maior desafio nesse novo horizonte da tributação em tempos de economia digital no Brasil, vem sendo a elaboração de uma norma condizente e específica a essa realidade que se impõe.   

Neste sentido, estudos realizados junto ao Núcleo de Estudos Fiscais, da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito SP) apresenta proposta de criação – Lei Complementar -, do tributo denominado Imposto Sobre Bens e Serviços – IBS, que será parte de um diálogo entre a sociedade, empresários e entes federados, baseado na exclusiva incidência do consumo virtual, porém, gestado e planejado em observância aos princípios contemplativos de crescimento econômico, dinâmico e equilibrado (FGV DIREITO SP, 2018).

 O advento desse novo imposto, haveria por assim concretizar uma alíquota única e uniforme, apresentando por fato gerador a incidência sobre as operações onerosas de transferência de bens, a prestação de serviços online, a cessão ao licenciamento de direitos de uso e, por fim, a importação de bens, serviços e direitos realizados no ciberespaço.

Além disso, importante destacar, a sujeição ativa ficaria a cargo dos Estados e do Distrito Federal, ficando ressalvados a autonomia dos demais entes federados, com respaldo por Lei Complementar em referência a permissão de fixação e alteração de alíquota.

A instituição desse novo pensar tributário, bastante simplificado, busca o estabelecimento de um imposto completamente não-cumulativo e precipuamente teleológico de arrecadação, portanto, tal exação não comporta as isenções, os incentivos e os benefícios tributários, bem como não deve prever a possibilidade de redução da base de cálculo ou a possibilidade de geração de crédito presumido ou outorgado ao sujeito passivo em questão (FGV DIREITO SP, 2018).

Ademais, a fixação do sujeito ativo, os Estudos do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV, destaca revisão dos agentes descritos pelo Código Tributário Nacional, arts. 124, inciso I,[10] 129[11] e 137[12], em conformidade com o art. 146, inciso III[13], da Constituição Federal (FGV DIREITO SP, 2018).

A apresentação dessa nova roupagem, o projeto de emenda constitucional de pesquisa e de elaboração da legislação tributária, reflete, diretamente, a redefinição das categorias tradicionais de obrigações (dar e de fazer) que, no agora, apresentam alguns cuidados especiais.

Simplesmente, na ânsia de redefinição de tributos e de alguns institutos do passado, como se não mais fosse relevante a sua compreensão, ainda permanece fundamental, o seu repensar como meio de prever o futuro tecnológico em questão.

E isso se faz entender, em conformidade a manifestação de Tício Lacerda, o maior enfrentamento está centrado na forma como os operadores do direito irão trabalhar com uma dupla racionalidade.

No agora, temos a racionalidade do direito que se apresenta irracional no ato decisional – centrada no quem pode decidir – a partir da visão de que o passado e seus tradicionais institutos seriam irrelevantes até então e, em contrapartida, a racionalidade econômica, empírica, impulsionada por uma destruição criadora, trabalhando com base na ideia de mercado substituído por outro mercado – maior e complexo -, de modo a produção de uma incomensurável riqueza (FGV DIREITO SP, 2018).

Neste sentido, apesar dessa dupla racionalidade que se impõe, isto é, a relação da área econômica com o direito[14], na esfera tributária, ressalta as inovações tecnológicas na economia digital, apesar de toda a repercussão junto aos Estados nacionais, estimula nova regulação estruturante e simplificada, com mudanças na dinâmica tributária; insurgindo inúmeras questões os limites de atuação do Estado, que por ora, tem por desafio a criação de um imposto novo e a renovação da matriz da tributação nacional.

O esforço estatal em prol do controle do consumo efetuado em meio digital remete ao fato da preocupação em manter a arrecadação e, com isso procurar estabelecer uma maior estabilidade econômica, amparada, quem sabe, na possibilidade da regressiva carga tributária (ASSEN; ROMÃO, s.n.).

No entanto, existe, de um lado, a proposta de mudança em nosso Sistema Tributário para simplificação e implementação de um imposto destinado exclusivamente ao consumo efetuado dentro do ciberespaço ser bastante tentadora; porém, de outro lado, do mesmo modo que o Projeto de Implantação do Imposto sobre Valor Agregado vem sendo discutido, e basta lembrar a resistência dos Estados, Municípios e Distrito Federal em aceitar tal mudança.

Então, quanto a criação do IVA há resistência quanto ao pressuposto da diminuição da autonomia dos entes federados, o que ocasionaria a queda na arrecadação e na força política, de qualquer forma, algo injustificável por esse viés.

Destarte, a depender da posição tomada entre o estabelecimento de um imposto próprio, parece razoável reconhecer que dentro de um cenário crescente econômico digital, há pressão para que ressurja a reforma tributária e tenha por objetivo a inclusão de novo tributo específico, sendo que o encargo tributário final precisa ser preciso quanto a identificação da sujeição passiva responsável pelo fato gerador (se a empresa ou, o mais adequado, o repasse ao consumidor final).

Além disso, em tempos de desterritorialização – característica da cibercultura -, pouco importante será o local da prestação do serviço ou do estabelecimento do provedor.  

Por conta desses apontamentos, de modo a garantir a participação do Estado no mercado globalizado que visa a integração econômica, (NÓBREGA; RIBEIRO, 2016, p. 298) mister repensar os conceitos tradicionais de estabelecimento e de competência tributária demandam a criação de novas regras, mais claras e ajustadas.

A esse específico mercado da economia nacional – respeitando as regras gerais sobre consumo -, sem comparativos e com a possibilidade de implementação harmônica de ambos mercados (em meio físico e digital), mister se faz a mantença da aplicabilidade dos institutos tradicionais (ligados ao mercado físico) e a criação de novos elementos ligados, especificamente ao mercado digital, evitando, tratamento diferenciado em tempos de cibercultura.

CONCLUSÃO

Por todo o exposto,ao buscar o alcance das premissas firmadas ao objeto da presente pesquisa, constata-se a existe universalização da cibercultura propagada através do meio virtual – ciberespaço -, uma tendência interativa entre o uso da técnica, da cultura e da sociedade.

Ao enfatizar o impacto das novas tecnologias através da virtualização, e com essa a desterritorialização como um fator concreto capaz de gerar alterações no comportamento dos agentes externos – sociedade e Estado-, nesse contexto, é possível prever a exploração de algumas externalidades positivas trazidas por esse novo espaço de comunicação e consumo.

Nesse ponto, adentra-se na participação estatal e da sociedade, seja como estímulo ao aumento de receitas oriundas da arrecadação de tributos desse tipo de consumo, seja no desenvolvimento desse tipo de mercado, uma vez que inegável o crescimento econômico estabelecido pelo mercado virtual no país.

Percebe-se, as empresas e a sociedade são as maiores beneficiárias desse novo mercado digital e da difusão da inovação tecnologia pró-consumo, em razão da significativa redução de custos operacionais e, ganhos com aproximação junto ao consumidor, dispensando práticas e revendo seus métodos de trabalhos, reduzindo a presença física e, com isso, torna o elemento virtual, suficiente para geração receitas e de seus ativos intangíveis.

E, em razão desse cenário, reflexões do modelo tributário atual se impõem, um debate, ainda não pacificado no plano nacional, acerca da necessidade de mudança nas questões que envolve alguns institutos padrões do sistema tributário nacional, a citar, a competência tributária, visto que as operações realizadas via ciberespaço poderia resultar danos ao sujeito passivo (uma dupla tributação) ou, até mesmo, a não tributação, consequência danosa ao Estado.

A dificuldade (instabilidade) no estabelecimento de regramento claro e objetivo em  decorrência do fenômeno da desterritorialização, seria o fator predominante que ocasiona a inadequação dos conceitos padrões de fixação da hipótese de incidência e, com  isso, advém a resistência posta a revisão dos conceitos até então utilizados (voltado sobre a tributação de consumo físico), fixado no plano da tributação internacional – padrões estabelecidos pela OCDE com pontos divergentes e ausência de consenso sobre a questão, algo que precisa de adequação e  modificações nas leis internas de cada país.

Uma saída apontada seria a criação de um tributo específico ao consumo digital – Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), uma mudança dinâmica – nova regulação-, espécie de renovação da matriz da tributação nacional, que nos parece reconhecer que dentro de um cenário crescente economia digital.

A proposta desse novo tributo se estrutura de forma revigorante e simplificadora, poderia representar ao atual sistema considerável redução da carga tributária, melhorias na prática de gestão do produto dessa arrecadação e sem dúvida, geraria benefícios que superam, em muito, os custos com encargos tributários as empresas no país.

Os benefícios da integração de tributos por intermédio de um tributo único, como o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) é muito mais significativo do que de custo de implantação gradual, uma vez que possibilita agilidade e crescimento econômico e, portanto, aumento no controle e distribuição da renda estatal, bem como aumento da renda e, por consequência, do bem-estar social. Ademais, a sua aplicação induz o crescente econômico, percebível na viabilidade de melhor aproveitamento dos créditos tributários, possibilitando imediatos investimentos do Estado.  

Em suma, em tempos de cibercultura, reflexo da globalização, inúmeras barreiras e incertezas precisam ser superadas para que se possa atingir uma racionalidade integrativa comercial e perspectivas do mercado pleno digital. O papel a ser desenvolvido não apenas gera cargos ao Estado, mas da sociedade em geral em se adequar a novas técnicas de interação e mudanças nos padrões de tributação.

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ZYLBERSZTAIN, Décio; SZTAJN. Direito e Economia: análise econômica do direito e das organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.


[1] Doutora e Mestre em Direito pelo Programa de Doutorado em Direito pela Universidade de Marília. Oficiala Registradora e Tabeliã de Notas do Município de Santa Salete, Estado de São Paulo. Professora do Centro de Educação e Pesquisa Almeida & Aguiar.

[2] Pós-Doutorado em Direito Fiscal e Tributário pela Universidade de Lisboa. Doutora em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Professora do Programa de Pós-Graduação Doutorado e Mestrado em Direito da Universidade de Marília.   

[3] Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora do Centro de Educação e Pesquisa Almeida & Aguiar.

[4] Doutora em Letras pela Universidade Estadual Paulista. Professora da Universidade de Marília.

[5] A desterritorialização noção corrente no contexto da cibercultura, em razão da conexão generalizada, nos inserindo em dúvidas em relação ao controle e acesso (LEMOS, s.n.).

[6] Ausência de verdade, plano que se estabelece como negativo, por reafirmar uma falsa realidade. Acúmulo de informações, não produz verdade, não produz sentido concreto, gera ausência de direção, de precisão de um todo (HAN, 2017, p. 24-25).

[7] Criado em 1930, na França, o Imposto Sobre o Valor Agregado (IVA) consiste em tributo único que comporta a incidência tributária de todos os ciclos de um produto até o consumo. Na América Latina, alguns países implantaram o tributo em virtude das transações comerciais estabelecidas pelo MERCOSUL, entre eles o Chile, a Argentina e o Uruguai, no entanto, apresentam alíquotas diferenciadas o que encarece o resultado final.  No Brasil, a complexidade do nosso Sistema Tributário Nacional a implantação do IVA iria solucionar a problemática da guerra fiscal entre entes federados. (CARVALHO, s.n.).

[8] Comporta a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 233/08) que se encontra apensada a outra proposta (PEC 31/07), instituindo o Imposto de Valor Agregado Federal (IVA-F) visando unificar as contribuições sociais, instituir um novo ICMS, com arrecadação ao Estado de destino, assim desonerar o empresariado do pagamento da Contribuição do Salário-educação e uma parcela da contribuição patronal no país (BRASIL. PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 233, 2008).

[9] Referência ao Projeto de Emenda Constitucional (PEC 293/04) que trata da Reforma do Sistema Tributário, comportando o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), instituído por Lei Complementar Federal com regulamentação única, arrecadação centralizada e fiscalização realizada pelos Estados e pelo Distrito Federal, assim como a instituição de um Imposto Seletivo (IS) que se refere a imposto sobre bens e serviços específicos de competência da União. Após várias revisões e emendas, a proposta inicial se encontra pronta para ir a Plenário (BRASIL. PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 293, 2004).

[10] Art. 124. São solidariamente obrigados: I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal (BRASIL, CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, 1966).

[11] Art. 129. O disposto nesta seção aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data (BRASIL, CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, 1966).

[12] Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente: I – quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito; II – quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar; III – quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico: a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem; b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores; c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas (BRASIL, CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, 1966).

[13] Art. 146. Cabe à lei complementar: […] III –  estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a)  definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b)  obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c)  adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas; d)  definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239 (BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).

[14] A relação mencionada diz respeito a junção da Economia e do Direito, cuja extensão vem sendo ampliada e desenvolvida no Brasil, através da corrente doutrinária Análise Econômica do Direito, essencial aos estudos na esfera da tributação, o que discute a tradição do metodológica, um abertura de horizontes acerca do assunto, em trabalhar um a dupla racionalidade, ou seja, a dinâmica exploratória do  mercado econômico e a imposição do ato de decidir, o uso da racionalidade jurídica sobre o consumo digital (ZYLBERSZTAIN; SZTAJN, 2005).