EROSÃO DEMOCRÁTICA: PSEUDO REPRESENTATIVIDADE

EROSÃO DEMOCRÁTICA: PSEUDO REPRESENTATIVIDADE

10 de março de 2024 Off Por Cognitio Juris

DEMOCRATIC EROSION: PSEUDO REPRESENTATIVENESS

Artigo submetido em 01 de março de 2024
Artigo aprovado em 07 de março de 2024
Artigo publicado em 10 de março de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 54 – Março de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Julio Cesar Fonseca de Almeida Junior[1]

RESUMO

Neste artigo, será abordado a relação entre a erosão democrática e a pseudo representatividade no sistema político brasileiro contemporâneo. Argumenta-se que a decadência da democracia esta diretamente ligada a redução ou falta de representatividade autêntica nas instituições políticas, comprometendo a confiança dos cidadãos, sobretudos daqueles que são maioria no Estado brasileiro, vale dizer, negros pobres. Será analisado a sub-representatividade de pessoas negras nos três Poderes do Estado e explorar alternativas que podem por um termo ou ao menos minimizar essa falta de representatividade.

Palavra-chave: Democracia. Igualdade de Direito e Oportunidade. Pseudo Representatividade.

ABSTRACT

In this article, the relationship between democratic erosion and pseudo representation in the contemporary Brazilian political system will be addressed. It is argued that the decline of democracy is directly linked to the reduction or lack of authentic representation in political institutions, compromising the trust of citizens, especially those who are the majority in the Brazilian State, that is, poor black people. The underrepresentation of black people in the three Powers of the State will be analyzed and alternatives that can put an end to or at least minimize this lack of representation will be explored.

Keyword: Democracy. Equal Law and Opportunity. Pseudo Representativeness.

INTRODUÇÃO

De início cabe destacar que o objetivo do presente artigo não é se aprofundar nos temas propostos, mas sim tecer breves comentários sobre cada um deles, para que se possa ter uma clara compreensão a respeito da definição de democracia e o porquê a sub-representatividade ou a falta dela influência na deterioração da democracia.

Dito isto, o presente artigo partirá de breves comentários acerca da evolução histórica da democracia, partindo de seu nascedouro na antiguidade, passando pelo seu surgimento na modernidade, ou seja, sua consagração após a instauração do Estado de Direito / Liberal, com sua positivação promovida pelas três grandes Revoluções.

Logo após será feito breves comentários acerca da evolução do conceito de cidadão no Brasil, partindo da primeira Constituição de 1824 até chegar à Constituição cidadã de 1988 que universalizou o sufrágio, possibilitando, inclusive o exercício da cidadania a menor de 18 anos. Também comentaremos sobre as formas de representação.

Em seguida se fara uma rasa abordagem sobre o surgimento histórico dos partidos políticos, desde seu surgimento entre os séculos XVII e XVIII, sua evolução após a revolução industrial. Trataremos ainda, sucintamente, de seu conceito, a fragmentação de ideais e a clássica divisão denominados de partidos de direito, esquerda e centro.

Mais adiante, ir-se-á decorrer, sucintamente, a respeito da falta de representatividade da população negra nos três Poderes, sendo essa sub-representatividade ou a falta dela uma das causas da erosão democrática.

Logo após se verá essa ausência de representação é a principal causa da seletividade criminal.

Por fim, será feita uma concisa abordagem sobre possíveis medidas que podem mitigar ou quiçá acabar com essa pseudo representatividade, o que, por conseguinte, acabaria ou, pelo menos, diminuiria muito essa seletividade penal e fortaleceria muito a democracia.

No presente trabalho será utilizado o método dedutivo, pois, também terá como base princípios, leis, jurisprudências e pensamentos doutrinários para se chagar a possíveis conclusões, do ponto de vista formais. De igual forma, será utilizado o método indutivo, haja vista que o presente artigo também terá como alicerce fatos e circunstâncias particularizadas para então se chegar à determinada conclusão.

DEMOCRÁCIA 

O dicionário define democracia como sendo Governo em que o poder é exercido pelo povo, logo, é fundamental que o cidadão tenha ampla liberdade para se expressar para que a democracia possa ser exercida (BOBBIO, 1986, p. 20), pois, quem quer correção, deve querer discursos; quem quer discursos, deve querer democracia. (ALEXY. 2008, p.35)

Em sua celebre obra, “O Futuro da Democracia”, Bobbio a definia por exclusão, ou seja, considerava democracia tudo aquilo que se contrapusesse as formas autocráticas de governo e que se caracterizasse por um conjunto de regras que fixasse quem seria aqueles autorizados a tomar decisões coletivas e os procedimentos a serem observados (BOBBIO, 1986, p. 18),

Com isso, inicialmente é importante esclarecermos acerca de quando teria surgido a democracia e, em que pese a controvérsia doutrinaria sobre o tema, grande parte dos cientistas políticos acenam a Grécia antiga como sendo o nascedouro da civilização democrática, ou seja, consideram que na cidade de Atenas, por volta do século VI a.C, que se tem as primeiras notícias de que ali exercia-se a democracia que se aproxima dos moldes em que conhecemos (BARREIROS NETO, 2019, p. 15).  

Nesse sentido, o Ministro do STF e professor, Luiz Roberto Barroso nos ensina que Atenas é historicamente identificada como o primeiro grande precedente de limitação do poder político – governo de leis, e não de homens – e de participação dos cidadãos nos assuntos públicos (2009, p. 6).

No entanto, a democracia que era exercida ali, é aquela que chamamos de democracia direta que, à época, era o único sistema político em que havia uma identidade entre governantes e governados, porém, aqueles que participavam da tomada de decisão não eram eleitos pelo povo, mas sim por meio de um sorteio e, só poderiam participar os considerados cidadãos, isto é, somente os homens livres, sendo excluídos deste conceito os escravos, mulheres e estrangeiros.

Contudo, em razão do surgimento da massa populacional, o exercício, de forma direta, da democracia, poderíamos dizer que – para a maioria de tomadas de decisões – se tornou impraticável, pois, se em toda e qualquer tomada de decisão o povo fosse instado a se manifestar a respeito, haveria um engessamento tanto do poder executivo quando do legislativo.

Desta forma, em grande parte dos Estados soberanos a democracia é exercida de três formas: democracia direta, na qual o povo, de forma individual ou coletiva interfere diretamente nas tomadas de decisão; democracia indireta, em que o povo, democraticamente, elege aqueles que irão representa-los nas tomadas de decisão; e a democracia semidireta, forma essa, que o povo elege representantes para, na maioria de tomadas de decisão, representa-los, porém, em determinadas matérias podem ser instados a se manifestarem diretamente (MOTTA FILHO, p. 140, 2013).

Nesse seguimento, o professor Flavio Martins, leciona que a democracia direta é aquela que o povo tomo suas decisões diretamente, sem necessidade de representantes, intermediários ou interlocutores. A democracia indireta ou representativa, mais comum nos tempos atuais, é aquela em que o povo tomará suas decisões por meio de representantes devidamente eleitos. Quanto a democracia semidireta ou participativa, o professor ressalta que seu conceito está descrito no parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal, ou seja, o povo toma suas decisões por meio de seus representantes eleitos, porém, a própria Constituição admite hipóteses de democracia direta, como plebiscito, o referendo etc. (2020, p. 1023-1024).

Dito isto, importante frisar que, apesar de parte da doutrina entender que no Brasil o que se opera é o sistema democrático semidireto, isso pelo fato de elegermos vereadores, deputados estaduais e distritais, deputados federais e senadores para nos representarmos nas câmaras de vereadores, câmara legislativa do DF, assembleias legislativas dos Estados e no Congresso Federal para elaboração de Emendas à Constituição Federal, dos Estados e das Leis Orgânicas, Leis Complementares e Ordinárias, Decretos Legislativos e Resoluções, no âmbito do legislativo e prefeitos, governadores do DF e dos Estados e presidente da república no âmbito do poder executivo e, em determinadas matérias previstas na Constituição, podermos participar diretamente na tomada de decisão por meio de plebiscito, referendo e iniciativa popular, o que se entende, ainda que de forma minoritária, é que o sistema democrático que vigora no Brasil é a indireta/representativa, explico:

Ocorre que o art. 48 da Constituição Federal em seu inciso XV, estabelece que compete exclusivamente o Congresso Nacional autorizar referendo e convocar plebiscito, ou seja, qual é a autonomia que o cidadão tem no que diz respeito a autorizar e convocar, de igual sorte, dispõe o art. 61, que o cidadão é parte legitima na iniciativa de uma lei complementar ou ordinária, todavia, esta, após observado os requisitos formais, isto é, a subscrição por, no minimo, 1% do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estado, com não menos de 3/10% dos eleitores de cada um deles, deverá ser apresentado a Câmara dos Deputados e, somente ira a votação no plenário se contar com a boa vontade de seu presidente, após ser aprovada na CCJ[2].

Desta feita entende-se que, em uma democracia semidireta, o exercício da democracia não deveria se exaurir no voto proferido nas urnas, mas, a cada tomada de decisão, fundamentalmente, importante, como nos casos de emenda à constituição.

Superado o conceito de democracia e as formas de exerce-la, é de suma importância entendermos quem pode exerce-la, ou seja, quem são aqueles considerados cidadãos.

Deste modo, destaca-se que antes do surgimento do Estado de Direito / Liberal, salvo raras exceções, não se falava em democracia, haja vista que o poder era concentrado nas mãos do soberano, portanto, os três grandes pilares dessa transição do Estado absolutista para o Estado de direito foram as três revoluções, a inglesa (1689), americana (1776) e a francesa (1789). (CASTILHO, 2011, p. 16-18)

Todavia, a Declaração de Direitos (Bill of Rights) de 1689, compostos de um preambulo e treze artigos, não trazia nenhuma previsão acerca de quem poderia ou não votar, porém, em seu art. 8, estabelecia: “Que devem ser livres as eleições dos membros do Parlamento”[3]. A constituição norte americana, que contém um preambulo, sete artigos e vinte e sete emendas, no momento de sua promulgação, seu artigo 1º, seção 2, estabelecia que: “Não será eleito Representante quem não tiver atingido a idade de vinte e cinco anos, não for há sete anos cidadão dos Estados Unidos, e não for, por ocasião da eleição, habitante do Estado que o eleger, ou seja, o conceito de cidadão era restrito a homens brancos livres, maiores de 25 anos e residentes a pelo menos 05 anos”[4]. Com isso, o homem negro, somente teve a possibilidade de se tornar um cidadão norte-americano e, portanto, votar, somente após a 13ª e 15ª Emenda de 1865 e 1870 que, respectivamente, aboliu a escravidão e garantiu ao negro a possibilidade de votar. Já a Declaração do Direito do Homem e do Cidadão, pelo menos formalmente, em seu art. 1º, garantia o direito de igualdade, a exemplo do art. 6º que dispunha da seguinte redação:

A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos[5].

Já no Brasil, de acordo com os ensinamentos do Ministro e professor, Gilmar Mendes, a cidadania seguiu a seguinte cronologia (2009, p. 780):

A Constituição do Império de 1824 estabelecia que estavam excluídos de votar nas eleições para deputados e senadores do Império aqueles que não alcançassem renda líquida anual de cem mil-réis. Somente poderia ser eleito deputado que tivesse tenda líquida anual de duzentos mil-réis. No projeto de Constituição discutido na Assembleia Constituinte do Império, posteriormente dissolvida pelo Imperador, chegou-se a vincular a qualidade de eleitor à produção de determinado número de alqueires de mandioca. A Constituição de 1891 outorgava direito de voto apenas a pessoas do sexo masculino. As Constituições de 1891 (art. 70, § I a , item l e ) e de 1934 (att. 108, parágrafo único) não reconheciam o direito de voto aos mendigos. O censo pode assentar-se em critério intelectual. Com exceção da Constituição de 1988, todas as Constituições republicanas não reconheciam o direito de voto ao analfabeto.

Ou seja, a primeira Constituição brasileira estabelecia que cidadão era o homem livre, maior de 25 que tivesse uma determinada renda anual. A Constituição promulgada em 1891, dizia ser cidadão o homem maior de 21 anos alfabetizado. Em 1934, com a Constituição Social, muito em razão do direito conquistado em 1932 (Decreto 21.076), reconheceu a cidadania feminina. Já a Constituição cidadã de 1988 universalizou o sufrágio, facultando, inclusive, o direito de votar aos analfabetos e aos adolescentes com 16 e 17 anos.

PARTIDOS POLITICOS

Como visto, os cidadãos, mediante o voto direto, secreto, universal e periódico (art. 60, §4º, da CF), elegem representantes para, em seu nome, elaborar leis e administrar a máquina pública, sendo que, todo cidadão (ã), além de votar, podem ser votado, mas, para ser votado é necessário que o cidadão tenha capacidade eleitoral passiva, ou seja, ser brasileiro ou brasileiro nato para determinados cargo, estar em pleno gozo de seus direitos políticos, ter título de eleitor, estar afiado a um partido político e domiciliado na circunscrição que pretende concorrer ao cargo (art. 14, §3º, da CF).

Posto isto, percebe-se que umas das condições de elegibilidade é a filiação ao partido político que, em regra, carrega consigo uma ideologia e, aquelas pessoas que irão se filiar àquele determinado partido, em tese, guarda uma afinidade com as ideologias por eles defendidas.

Dessa forma, desde o surgimento dos partidos políticos, juntamente com a democracia representativa, no século XVII e XVIII, havia aqueles que defendiam um determinado ideal e aqueles que defendiam outros, como os conservadores e liberais na Inglaterra, isso logo após a Revolução Gloriosa, os federalistas e republicanos nos EUA pós-independência, ou ainda, jacobinos e girondinos no levante revolucionário francês (LÓPEZ, 1983, p. 9).

Com isso,

a princípio, os partidos foram organizações puramente eleitorais, cuja função essencial consistia em assegurar o êxito de seus candidatos. Nesse contexto, a eleição era o fim e o partido era o meio. Depois, o partido desenvolveu funções próprias como organização capacitada para a ação direta e sistemática sobre a atividade política, colocando a eleição a serviço da propaganda partidária[6] (FARIA NETO, 2011, p. 178)

No entanto, ao passar dos anos, sobretudo em razão da revolução industrial, os partidos políticos passaram a se estruturar de forma mais estável e organizado, com ideias cada vez mais sólidos, principalmente no que dizia respeito ao combate do grupo operário em face da burguesia, razão pela qual os “partidos políticos” eram rotulados como grupos políticos ou facções (AZAMBUJA, 2011, p. 178).

Contudo, hoje, os partidos políticos são tidos como:

agremiações de pessoas para a promoção e concretização de um programa político comum mínimo, com o objetivo de assumir e manter o controle do processo estatal de distribuição do poder, da democracia, da liberdade e da igualdade, ou, quando menos, de co-participação na gestão da ‘res publica’, em nome dos interesses ou idéias dos segmentos da sociedade civil que pretendem representar. (JARDIM, 2004, p. 42)

Ainda e nesse sentido, Bonavides entende que o partido político para ser definido como uma organização de pessoas que inspiradas por ideias ou movidas por interesses, buscam tomar o poder, normalmente pelo emprego de meios legais, e neles conservar-se para realização dos fins propugnados (2010, p. 372 apud GOMES, 2016, p. 154).

Nesta mesma toada, a Lei 9096 de 19 de setembro de 1995, em seu art. 1º, estabelece que: O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal.

Desse modo, e aqui falando de Brasil, com a fragmentação de ideias, assim como em outros países capitalistas, convencionou-se  classificar os partidos políticos em três grupos, quais seja: direita, centro e esquerda, ou seja, de modo geral, o primeiro defende ideias e programas conservadores, o segundo defende programas socializantes e o ultimo defende um equilíbrio entre os dois primeiros.

Porém, muito embora uns partidos tenham ideais mais conservadores e outros mais liberais, o fato é que os representantes do povo, assim como foi no período regencial (1831-1840), em que havia ali o Partido Conservador e o Partido Liberal, em sua maioria, é composto de pessoas pertencentes a elite.

Por mais que a sociedade civil, como um todo seja formado por pessoas do povo atuando para o povo, os representantes que ocupam assentos nas casas legislativas e nas chefias executivas, são pertencentes a oligarquia que, hoje, são eleitas e acendem ao poder, de forma democrática, ou seja, o povo – em sua maioria composta de pessoas negras e pobres – elegem pessoas que, em vez de representar os interesses daqueles que foram as urnas e votaram nelas, verdadeiramente, defendem somente os interesses próprios e de seus pares.

SUB-REPRESENTATIVIDADE

De acordo com as informações divulgadas em 03/10/2022, pelo site da Câmara dos Deputados[7], do total de 513 assentos, apenas 27 foram ocupados por aqueles que se autodeclararam pretos, 107 pardos e 91 mulheres.

No caso de senadores, das 27 cadeiras disponíveis, apenas 06 foram preenchidas por pessoas que se autodeclararam pretas ou pardas nas eleições de 2022[8], somando-se a 14 de um total de 54, correspondente aos 2/3 eleitos em 2018. Já as mulheres ocupam 15 vagas.

Tratando-se do Poder Executivo, em 2022, em nível estadual foram eleitos somente 09 governadores negros. Em nível federal, a história aponta que tivemos um único presidente negro chamado Nilo Peçanha, que assumiu a presidência após a morte de Afonso Pena, ficando no poder de 1909 a 1910, concluindo o governo de seu antecessor, que teve como lema “Paz e Amor”. De igual modo, em relação a mulheres, o Brasil teve apenas uma mulher presidente, Dilma Rousseff (2011-2016).

Quanto a representantes negros nas duas mais importantes Cortes brasileiras (STF e STJ), tivemos tão somente 03 Ministros no STF em toda sua história, sendo eles, Pedro Augusto Carneiro Lessa (1907-1921), Hermenegildo de Barros (1919-1937) e Joaquim Barbosa (2003-2014). No STJ, o Ministro Benedito Gonçalves é o único negro de toda sua história, lembrando que o STJ é formado por 33 Ministros[9].

Em nível Estadual, um levantamento feito pelo CNJ, aponta que somente 1,7% dos magistrados e magistradas se declararam negros e aqueles que se autointitularam pardos corresponde a 12,8% em um universo de 13.272 profissionais. Desses números, o CNJ revela que apenas 0,5 dos magistrados ativos foram aprovados por meio das cotas étnicas-raciais. Já os juízes titulares e substitutos negros e pardos que tomaram posse após a vigência da Resolução 203/2015 do CNJ, apenas 3,5 ingressaram por meio da cota que, em tese, garante 20% das vagas.[10]

Ainda nesse sentido, é fundamental ressaltar que o marco inicial na luta pela igualdade de direitos e oportunidades para a comunidade negra foi a Frente Negra Brasileira. Esse movimento, de abrangência nacional, foi dissolvido durante o regime de Vargas no final dos anos 30.

Assim, desde então, não houve um outro partido cujos ideais fosse, exclusivamente, a defesa pela igualdade de direitos e oportunidades para a comunidade negra. Hoje, de acordo com o TSE, há 29 partidos políticos registrados e, nenhum deles traz em sua legenda a defesa pela igualdade (material) racial, os 29 partidos registrado são: 1 Movimento Democrático Brasileiro (MDB – 15); 2 Partido Democrático Trabalhista (PDT – 12); 3 Partido dos Trabalhadores (PT – 13); 4 Partido Comunista do Brasil (PCdoB – 65); 5 Partido Socialista Brasileiro (PSB – 40); 6 Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB – 45); 7 AGIR (AGIR – 36); 8 Partido da Mobilização Nacional (PMN – 33); 9 CIDADANIA (CIDADANIA – 23); 10 Partido Verde (PV -43); 11 AVANTE (AVANTE – 70); 12 Progressistas (PP – 11); 13 Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU – 16); 14 Partido Comunista Brasileiro (PCB – 21); 15 Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB – 28); 16 Democracia Cristã (DC – 27); 17 Partido da Causa Operária (PCO –  (29); 18 PODEMOS (PODE – 19); 19 REPUBLICANOS (REPUBLICANOS – 10); 20 Partido Socialismo e Liberdade (PSOL – 50); 21 Partido Liberal (PL – 22); 22 Partido Social Democrático (PSD – 55); 23 SOLIDARIEDADE (SOLIDARIEDADE – 77); 24 Partido Novo (NOVO – 30); 25 Rede Sustentabilidade (REDE – 18); 26 Partido da Mulher Brasileira       (PMB – 35); 27 Unidade Popular (UP – 80); 28 União Brasil (UNIÃO – 44), 29 Partido Renovação Democrática (PRD – 25)[11].

Dessa feita, embora haja dispositivos legais que objetivam a igualdade de condições e oportunidades para as pessoas negras, a exemplo da EC 111/2021, das leis 12.288/2010, 12.711/2012, 12.990/2014, entre outras, verifica-se que não esta sendo o suficiente para mudar o quadro em que, um pais, onde mais de 56% de sua população são negros, se vê muitíssimo pouco representado, ou seja, menos de 3% de homens e mulheres negros alcançam cargos de diretoria ou gerencia no Brasil[12], e quando falamos em cargos de alto escalão no Governo, os negros representam menos de 15%[13].

Por outro lado, quando se fala em desempregados (e sem nenhuma ocupação laborativa), em pessoas que vivem na linha da pobreza e extrema pobreza e, consequentemente, em pessoas que mais necessitam de assistências sociais, tais como saúde, educação entre muitos outros auxílios estatais e de entidades não-governamentais para sobreviverem, é a população negra.

Não obstante, é de extrema importância enaltecer que, é exatamente a população negra, notadamente os pobres, que são as principais “vítimas” da seletiva criminalização primaria e secundaria que é definido por Zaffaroni como sendo:

Criminalização primaria é o ato e o efeito de sancionar uma lei penal material que crimina ou permite a punição de certas pessoas. Trata-se de um ato formal fundamentalmente programático: o dever de ser apenado é um programa que deve ser cumprido por agencias diferentes daquelas que o formulam.  Em geral, são agencias políticas (parlamentos, executivos) que exercem a criminalização primaria, ao passo que o programa por elas estabelecido deve ser realizada por agencias de criminalização secundaria (policiais, promotores, advogados, juízes, agentes penitenciários. Em quanto a criminalização primaria (elaboração de leis penais) é uma declaração que, em geral, se refere a condutas e atos, a criminalização secundária é a ação punitiva exercida sobre pessoas concretas, que acontecem quando as agencias policiais detectam uma pessoa que supõe-se tenha praticado certo ato criminalizado primariamente…(2003, p. 43)

Com isso se quer dizer que, uma das consequências da sub-representativida é a exclusão e criminalização das classes carentes de representação e proteção das classes hiper-representadas. O maior exemplo dessa seletividade é o fato da não aplicação do princípio da insignificância a um determinado sujeito extremamente pobre por furtar 1kg de carne, a depender de determinada circunstancia judicial do sujeito e, no caso de crime de descaminho, sempre se reconhecer a insignificância da conduta quando o debito tributário não ultrapassar o limite de 20 mil reais.

Portanto, entende-se que um dos principais motivos da erosão democrática é essa ausência de representividade, tanto nas casas legislativas Federal, distrital, estaduais e municipais, tuando nos Poderes Executivos e Judiciários daqueles que representam mais de 56% da população brasileira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto, acerca do tema em questão, enxerga-se uma luz no fim do túnel e, nessa toada, há um projeto de lei de nº 4041, o qual estabelece que partidos políticos reservem cotas mínimas para candidaturas afro-brasileiros nas eleições para o Poder Legislativos da União, DF, Estado e Municípios. O mais interessante é que esse Projeto de Lei prescreve que a representação de pessoas negras nessas Casas Legislativas deverá ser equivalente ao número de pessoas pretas e pardas residentes naquela determinada unidade da federação, pois, assim sendo, haverá uma real representação nestas Casas[14].

No entanto, a ideia externada neste projeto de lei deveria ser aplica a todos os cargos políticos e a todo e qualquer vaga de concurso público, ou seja, ser reservada, ao menos 50% das vagas, necessariamente aos pretos e pardos e, aos cargos de chefe do executivo, por ser apenas uma vaga, deriva ser alternado, isto é, uma legislatura a pessoa branca e o outro as pessoas pretas ou pardas.

Com isso, consequentemente, também colocaria um fim ou, ao menos, minimizaria essa seletiva criminalização de pretos, pobres e favelados, haja vista que estes estariam, verdadeiramente, representados e, inevitavelmente fortaleceria as instituições democráticas.

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[1] Advogado, Especialista em Direito e Processo Penal e Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Direito e Mestrando em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica–PUC-SP, Fone: (11) 3104-5194. E-mail: fonseca.julio@adv.oabsp.org.br

[2] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

[3]https://www4.policiamilitar.sp.gov.br/unidades/dpcdh/Normas_Direitos_Humanos/DECLARA%C3%87%C3%83O%20DE%20DIREITOS%20-%201689%20-%20PORTUGU%C3%8AS.pdf

[4] http://www.historia.seed.pr.gov.br/arquivos/File/fontes%20historicas/constituicao_eua.pdf

[5] https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/direito/a-declaracao-dos-direitos-homem-e-do-cidadao-de-1789.htm

[6] FARIAS NETO, P. S. Ciência política: enfoque integral avançado. São Paulo: Atlas, 2011, p. 178.

[7] https://www.camara.leg.br/noticias/911743-numero-de-deputados-pretos-e-pardos-aumenta-894-mas-e-menor-que-o-esperado/#:~:text=Apesar%20do%20aumento%20de%2036,eles%20eram%2021%20e%20102.

[8] https://www.poder360.com.br/congresso/22-dos-senadores-eleitos-sao-negros/#:~:text=Das%2027%20cadeiras%20dispon%C3%ADveis%20no,%2C%20enquanto%20brancos%20somar%C3%A3o%2075%25.

[9] https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1752049818668262-veja-os-ministros-negros-que-estiveram-no-stf-e-stj

[10] https://www.cnj.jus.br/com-apenas-17-de-juizes-e-juizas-pretos-equidade-racial-segue-distante-na-justica-brasileira/

[11] https://www.tse.jus.br/partidos/partidos-registrados-no-tse

[12] https://www.cnnbrasil.com.br/noticias/homens-e-mulheres-negros-ainda-sao-minoria-em-cargos-de-lideranca-no-brasil/

[13] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/02/negros-sao-menos-de-15-no-primeiro-escalao-dos-governos-estaduais.shtml

[14] https://www.camara.leg.br/noticias/683198-projeto-preve-cota-minima-de-candidatos-negros-nas-eleicoes-para-o-poder-legislativo/