ECONOMIA CIRCULAR E LOGÍSTICA REVERSA DOS RESÍDUOS ELETROELETRÔNICOS: A CONCESSÃO DE INCENTIVOS FISCAIS PARA COOPERATIVAS DE RECICLAGEM COMO EFICIENTE INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

ECONOMIA CIRCULAR E LOGÍSTICA REVERSA DOS RESÍDUOS ELETROELETRÔNICOS: A CONCESSÃO DE INCENTIVOS FISCAIS PARA COOPERATIVAS DE RECICLAGEM COMO EFICIENTE INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

1 de março de 2022 Off Por Cognitio Juris

CIRCULAR ECONOMY AND REVERSE LOGISTICS FOR WASTE FROM ELECTRICAL AND ELECTRONIC EQUIPMENT: GRANTING TAX INCENTIVES TO RECYCLING COOPERATIVES AS AN EFFECTIVE MEANS TO PROMOTE SUSTAINABLE DEVELOPMENT

Cognitio Juris
Ano XII – Número 39 – Edição Especial – Março de 2022
ISSN 2236-3009
Autores:
Mireni de Oliveira Costa Silva[1]
Joana D´Arc Dias Martins[2]
Maria de Fátima Ribeiro[3]

RESUMO: O artigo objetiva analisar a Economia Circular e como esse modelo econômico contribui para o desenvolvimento sustentável. Tratar-se-á sobre a atuação estatal e como os incentivos fiscais, notadamente aqueles voltados para as cooperativas de reciclagem de resíduos sólidos eletroeletrônicos, pode induzir comportamentos socialmente responsáveis. Igualmente, busca-se demonstrar a incidência ou não do ICMS nos Estados de SP, SC, RJ, MG e CE e suas políticas de incentivos fiscais para reciclagem desses resíduos. Por fim, conclui-se que, embora o ordenamento jurídico brasileiro acolha o princípio do desenvolvimento sustentável, e a PNRS preconize a obrigação dos entes federativos traçar políticas de incentivos fiscais para a gestão desses resíduos, nos Estados investigados, tal política é incipiente e não específica para o processo de seu reaproveitamento, sendo insuficiente para a demanda da EC na perspectiva global de sustentabilidade. A pesquisa realizada foi bibliográfica e documental, com respaldo nos métodos transdisciplinar e sistêmico de análise.

Palavras-chave: Economia circular; eletroeletrônicos; incentivos fiscais; resíduos sólidos; sustentabilidade.

ABSTRACT: The article aims to analyze the Circular Economy and how this economic model contributes to sustainable development. It will deal with state action and how tax incentives, especially those aimed at recycling cooperatives for electronic solid waste, can induce socially responsible behavior. Likewise, it seeks to demonstrate the incidence or not of ICMS in the states of SP, SC, RJ, MG and CE and their tax incentive policies for recycling this waste. Finally, it is concluded that, although the Brazilian legal system embraces the principle of sustainable development, and the PNRS advocates the obligation of federative entities to draw fiscal incentive policies for the management of these wastes, in the investigated States, such policy is incipient and not specific for the process of its reuse, being insufficient for the demand of CE in the global perspective of sustainability. The research carried out was bibliographical and documentary, supported by transdisciplinary and systemic methods of analysis.

Keywords: Circular economy; electronics; tax incentives; solid waste; sustainability.

1. Introdução

A Economia Circular (EC) ganhou força a partir da década de 1970, surgindo como uma alternativa viável ao modelo de economia linear, cujo objetivo é propor uma economia comprometida com os processos sustentáveis de produção e com a possibilidade de reuso e reciclagem de resíduos.

Os processos de globalização econômica, financeira e o avanço tecnológico digital alteraram de forma significativa o modo de produção para atender as demandas por novos e mais avançados produtos. Consequentemente, ocasionaram não só no Brasil, mas no mundo inteiro, uma grande quantidade de resíduos, bem como escassez de matéria-prima.

A demanda por um modelo mais sustentável de economia atraiu maior destaque a partir de ações promovidas pela Ellen MacArthur Foundation, bem como de recomendações da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o meio ambiente. Algumas agendas foram criadas nesse sentido e ganharam a adesão de vários países, a exemplo da Agenda 2030 (NAÇÕES UNIDAS, 2015). 

No Brasil, embalado pelo despertar da consciência ecológica, o desenvolvimento sustentável ganhou força com a Constituição de 1988, com expressa previsão sobre a matéria em vários dispositivos e, a partir de então, diversas legislações infraconstitucionais ganharam destaque, a exemplo da Lei n.º 12.305/10, que traçou os desafios da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).

Nesse sentido, ao se tratar especificamente sobre a Economia Circular e a logística reversa dos resíduos eletroeletrônicos, objeto imediato dessa pesquisa, não há que se olvidar que com a sua adoção, haveria uma considerável redução da pressão ambiental – dado a reinserção de resíduos no ciclo produtivo, minimizando a extração de matéria prima e os impactos causados pela disposição inadequada de resíduos no meio ambiente -, além de representar um modelo de negócio sustentável e lucrativo, possibilitando o reaproveitamento dos resíduos sólidos eletroeletrônicos de alto valor comercial que, segundo dados publicados no relatório The Global Ewaste Monitor 2020, das Nações Unidas, em julho de 2020, esse “lixo eletrônico” representa uma fonte muito rica de matérias-primas secundárias, e só em 2019, os prejuízos causados pelo não reaproveitamento desse material, girou em torno de 57 bilhões de dólares em todo o planeta.

Nessas tintas, a importância do estudo realizado justifica-se nas problemáticas levantadas, quais sejam: a concessão de incentivos fiscais para cooperativas de reciclagem de resíduos sólidos eletrônicos poderia induzir a uma maior adesão a esses comportamentos socialmente responsáveis? Qual o papel dessas cooperativas nesse cenário e se, de fato, a sua contribuição é efetiva para minimizar a problemática envolvendo esse tipo de resíduo? Existem no Brasil incentivos fiscais para a cadeia de resíduos eletroeletrônicos que possibilite viabilizar a implementação da Economia Circular para o setor? Qual a importância da logística reversa e da coleta seletiva para a Economia Circular?

Com base nessas premissas, e partindo-se do pressuposto de que ao se valorizar os resíduos, a Economia Circular deixa de vê-los como “lixo” e os tornam importantes na cadeia produtiva, propôs-se fazer uma reflexão acerca da importância da Economia Circular numa perspectiva para novos e sustentáveis modelos de negócios discutindo os aspectos legais da sustentabilidade, que é o foco principal da Economia Circular, analisando-se as externalidades da logística reversa e a coleta seletiva de resíduos sólidos de eletroeletrônicos para o mindset da Economia Circular, bem como se abordou alguns aspectos da PNRS e da Política Tributária para os resíduos sólidos, tratando da incidência do ICMS nos Estados de São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Ceará.

A escolha desses Estados justifica-se pelo fato de que a pesquisa realizada indicou que, embora existam políticas estaduais de resíduos sólidos em outros Estados do país, nesses apontados ela já está mais consolidada, com programas para coleta seletiva e reciclagem. 

Para tal desiderato, utilizou-se da pesquisa bibliográfica e documental com respaldo, principalmente, da Ellen MacArthur Foundation e de autores como Weetman (2019), Sachs (2017), Silva Filho e Soler (2019), Pace (2019) dentre outros. Considerando que essa pesquisa envolve uma multiplicidade de temas e ciências, que transcendem em muito o conhecimento puramente jurídico, notadamente na seara econômica, ambiental e social, empregou-se como método de abordagem, a análise transdisciplinar e sistêmica, visando ter uma visão como um todo dos assuntos que serão abordados.

2. Repensando a Cadeia Produtiva Rumo ao Desenvolvimento Sustentável: Transição de um Sistema Econômico Linear para um Sistema Circular

Antes de tudo, é preciso que o ser humano se conscientize que do ponto de vista planetário, não existe jogar lixo fora, porque simplesmente não existe “fora”. A Terra é o lar de todos, e como tal precisa ser compreendida.

O conceito de cadeia produtiva – definido como um conjunto de atividades que contemplam, desde a produção até o consumo final de um produto – retrata, em parte, o atual modelo linear de produção, caracterizado por um sistema de produzir, utilizar e descartar,  onde todos os produtos atingem eventualmente um estatuto de “fim de vida útil”.

Esse modelo de produção é reconhecidamente prejudicial para a sustentabilidade das sociedades modernas, dado que o consumo de recursos é significativamente alto em relação à capacidade de o meio ambiente suprir essa demanda. Assim, o tradicional modelo linear de economia enfrenta desafios cada vez maiores, provenientes do próprio contexto que opera, dentre os quais podem ser apontadas as perdas econômicas, sobremodo ligadas ao desperdício, riscos de preços e escassez da oferta (EMF, 2015).

Muito embora, nessa temática, ainda não se tenha logrado firmar indicadores absolutos, muito menos soluções definitivas, o fato é que já se chegou a um consenso mundial no sentido de que a relação entre a economia e o meio ambiente deve adquirir foros de centralidade, sendo improrrogável que se repense a forma de produção e de consumo que vem sendo praticada desde a Revolução Industrial.

Com efeito, em pouco mais de duzentos anos, o império do baixo custo, alto consumo e produção em escala fez com que o planeta tivesse seus recursos naturais avidamente consumidos e fosse alvo de desenfreada poluição e transformações irreversíveis.

À vista disso, há uma crescente pressão da sociedade por uma gestão ambiental mais sustentável e responsável e, como corolário, a criação de novos contornos para a produção, circulação e consumo de bens tornou-se uma imposição do próprio cenário atual, cujas tragédias vivenciadas são prenúncios de um iminente colapso.

Com essa mudança de paradigmas de um sistema futuro, a noção de Economia Circular vem atraindo cada vez mais atenção nos últimos anos e propõe um novo modelo de sociedade que priorize a otimização dos materiais, energias e resíduos buscando a eficiência do uso desses recursos, possibilitando a conversão dos resíduos cada vez mais em matérias-primas.

O objetivo é preservar e reforçar a importância do capital natural, passando pela otimização no uso dos recursos naturais, diminuição dos descartes e, por fim, pelo gerenciamento dos fluxos renováveis e não renováveis. Dessa forma, a economia linear pode ser convertida na EC se considerar a relação entre: o uso de recursos naturais e a geração de resíduos ao longo da cadeia produtiva (SAUVÉ; BERNARD; SLOAN, 2016).

Enfim, a EC reúne ações para alongar a vida útil de produtos e materiais, contribuindo para a redução da pressão ambiental, dado a reinserção de resíduos no ciclo produtivo, minimizando a extração de matéria prima e os impactos causados pela disposição inadequada de resíduos no meio ambiente. A ideia é que os produtos podem ser recuperados depois de passar por um ciclo de restauração. Isso sem se olvidar que se trata de um modelo de negócio sustentável e lucrativo, apto, inclusive, a atrair incentivos fiscais. São justamente essas vertentes que serão melhor desenvolvidas nos tópicos que se seguem.

2.1. Economia Circular: Perspectivas para Novos e Sustentáveis Modelos de Negócios

Precipuamente, a partir da Revolução Industrial, houve um incremento acelerado da produção, atingindo níveis nunca antes imaginados e, consequentemente, do consumo, que passou a ser incentivado, pois nada adiantaria produzir muito se não houvesse pessoas dispostas a consumir mais e rapidamente aqueles produtos que eram diariamente despejados nos mercados. Por conseguinte, juntamente com essa revolução, desenvolveu-se progressivamente uma dinâmica sociedade de consumo, sobretudo incentivada por eficientes estratégias de marketing (BAUDRILLARD, 1995).

Não bastasse isso, desde o início do século XXI, o consumo foi dinamizado no Brasil em função das políticas de distribuição de renda – à exemplo do Bolsa Família – e da capilarização de produtos de crédito para as populações de baixa renda, culminando com o aumento significativo do consumo de equipamentos eletroeletrônicos, especialmente nas áreas urbanas (SANTOS, 2017).

Somadas às variáveis de expansão da renda familiar e do acesso ao crédito, o consumo teve seu crescimento associado, também, ao encurtamento do ciclo de vida dos eletroeletrônicos (EEE) – estratégia denominada obsolescência programada, que impõe limites artificiais ao tempo de vida útil dos produtos.  Na esteira dos estudos de Moraes (2014, p. 59), a obsolescência se apresenta de diversas formas. Quanto à qualidade, ela se refere a técnicas ou materiais de qualidade inferior, para reduzir a durabilidade do produto. Quanto à função, determinado produto torna-se ultrapassado com o lançamento de outro, ou de outros modelos do mesmo produto, para a execução das mesmas funções do antigo. Por fim, a obsolescência pode referir-se à desejabilidade do produto pelo consumidor, em virtude da sua aparência ou design.

Esse contexto contribuiu para a difusão de um modelo de economia linear, consubstanciado na errônea premissa da infinitude dos recursos naturais e de que todo dano ao meio ambiente seria reversível. Esse modelo, consoante Legnaioli (2020, p. 1), tem gerado muitas externalidades negativas para a sociedade:

Se colocássemos em uma balança as externalidades positivas e negativas produzidas pelos efeitos da economia linear; com certeza o peso maior seria das negativas. Elas incluem danos aos ecossistemas, redução na vida útil do produto e o desajuste com a demanda por produtos responsáveis. 

Pensar em um sistema puramente linear é ter uma visão superficial e restrita à primeira função econômica do meio ambiente natural – figurar como fornecedor de recursos naturais ao processo produtivo. Ademais, não se pode desconsiderar que os rejeitos, provenientes desse modelo, serão lançados no ambiente, tais como o dióxido de carbono e demais gases poluentes que são eliminados na atmosfera, contribuindo para as mudanças climáticas, além do esgoto produzido pelas cidades e indústrias, que segue para os rios e oceanos, bem como os resíduos sólidos, que são acumulados nos aterros sanitários (PEARCE; TURNER, 1990, p. 36). 

Analisando as recentes preocupações com a produção sustentável, evidencia-se que o modelo de economia linear se mostra deveras ultrapassado, podendo ser apontado como a causa imediata de impactos ambientais, muitas vezes irreversíveis, aos ecossistemas. Nesse contexto, em 2015, com a aprovação do Objetivo 12 da Agenda 2030 (ODS 12), a EC ganhou um especial destaque, priorizando os objetivos “3R”: reduzir, reutilizar e reciclar. Com isso, objetivava-se reincorporar os resíduos ao sistema de produção, acarretando alterações positivas nos índices de desenvolvimento social, econômico e ambiental.

Pensar em um processo que atenda de forma mais acurada e pontual a demanda por um produto mais limpo do ponto de vista de seu processo produtivo, que respeite o meio ambiente, a sustentabilidade e que atenda aos clamores de uma parte mais progressista de lideranças globais, bem como de organismos internacionais como a ONU, requer pensar primordialmente nas questões e também tensões geopolíticas e econômicas, porque essas medidas pleiteiam mudanças de rota, de paradigma de parte do processo e cadeia produtiva.

Nesse sentido, surgiu, desde o final da década de 1970, como uma alternativa viável, a Economia Circular restaurativa, “baseada nos princípios de eliminação de resíduos e poluição, manutenção de produtos e materiais em uso e regeneração de sistemas naturais” (MACARTHUR, 2020, p. 1). Essa modalidade de economia atende os apelos climáticos realizados e reafirmados nas últimas décadas, pois propõe um processo produtivo que “oferece benefícios ao nosso meio ambiente e saúde, o que, no fim, podem ser traduzidos como benefícios econômicos para a sociedade” (MACARTHUR, 2020, p. 1).

Portanto, pode-se dizer que a economia circular reúne ações para alongar a vida útil de produtos e materiais, fazendo um uso mais eficiente de recursos naturais. A ideia é que os produtos podem ser recuperados depois de passar por um ciclo de restauração.

A EC tem suas raízes em algumas escolas de pensamento nos Estados Unidos, impulsionada por estudos promovidos por John T. Lyle, que criou o Design Regenerativo; Economia de Performance[4], liderada por Walter Stahel; Cradle to Cradle[5], criado pelo químico alemão Michael Braungart; Ecologia Industrial[6], apresentado nos estudos de Clift e Alwood; Biomimética[7], estudo realizado por Janine Benuys e a Blue Economy[8], criada por Gunter Pauli. No entanto, “O precursor na implantação do conceito de economia circular foi a Alemanha, no ano de 1996, mediante a aprovação de uma lei de gestão das substâncias tóxicas e a gestão de resíduos em ciclo fechado” (SEHNEM; PEREIRA, 2019, p. 38) e acabou inspirando outros países a regularem a área de resíduos sólidos e todo o seu processamento, a exemplo da China, que acabou implementando a EC na perspectiva de diminuição dos recorrentes danos ambientais. Outro importante exemplo é a Holanda, que pretende “implementar uma economia totalmente circular até 2050” (SCHIETTEKATTE; BAKKER, 2017, p. 05).

Todas essas escolas de pensamento influenciaram de modo decisivo a criação e fomento desse novo modelo de Economia. No entanto, é possível afirmar que foi a crise econômico-financeira de 2008, com a redução drástica de recursos financeiros e naturais, principalmente para fomento dos processos produtivos, que reacenderam os debates sobre a EC, uma vez que ela aponta para a “possibilidade de criação de produtos de ciclos múltiplos de uso, reduz a dependência em recursos ao mesmo tempo em que elimina o desperdício” (AZEVEDO, 2015, p. 03), o que, além de otimizar os recursos e os ganhos, tende a abrir novas frentes de trabalho com a possibilidade de utilização de coleta seletiva dos materiais descartados.

A ideia da EC é amplamente difundida pela Ellen MacArthur Foundation.  Essa fundação, com sede nos Estados Unidos, propõe a transição da economia linear para, gradativamente, o modelo de EC, que pode ser compreendido a partir de um diagrama que busca reconstruir todas as modalidades de capital, seja ele financeiro, social, manufatura ou humano.  

O processo de produção no modelo de EC “assenta, portanto, num modelo que otimiza o fluxo de bens, maximizando o aproveitamento dos recursos naturais e minimizando a produção de resíduos. Este modelo permite a maximização do valor econômico do produto” (LEITÃO, 2015, p. 159).

Nessa perspectiva, a EC apresenta algumas características específicas que lhe são muito peculiares, a exemplo da possibilidade de criação de modelos de negócios – principalmente na área dos eletroeletrônicos – “modelos de negócio da economia circular que promovam compartilhamento, modelos de serviços e produtos recondicionados podem vir a oferecer aos usuários mercadorias de custo mais acessível, com mais valor e mais modernos” (BANKS; PARKIN, 2017, p. 13), com reais chances de terem aumento no seu valor agregado, “grandes empresas podem explorar suas características de escala e de integração vertical como meio de impulsionar a abordagem circular para o mainstream dos negócios convencionais” (WEETMAN, 2019, p. 52), mediante a criação de produtos duráveis e provenientes de materiais sustentáveis; viabilidade de promoção da logística reversa e a observância da sustentabilidade nos processos produtivos. 

2.2. A Gestão dos Resíduos Eletroeletrônicos (REEE)

Resíduos de equipamentos eletroeletrônicos (REEE) ou simplesmente lixo eletroeletrônico (e-waste ou WEEE) são equipamentos que possuem em suas partes internas componentes elétricos e eletrônicos responsáveis pelo seu funcionamento, e que por razões de obsolescência e impossibilidade de conserto, são descartadas pelos seus consumidores. Os exemplos mais comuns evocados são os produtos de informática, telefonia e televisores, mas equipamentos médicos, eletrodomésticos, brinquedos, sistemas de alarme, automação e controle estão incluídos no rol do REE.

Diante da popularização dos eletroeletrônicos e o aumento acelerado na produção de resíduos desses equipamentos, sobretudo a partir do início do século XXI, passou a ser objeto de análise e preocupação quanto aos variados impactos negativo que a sua gestão inadequada pode ocasionar ao meio ambiente e à saúde humana. Consequentemente, à medida que eles passaram a integrar os grupos dos resíduos perigosos e/ou dos resíduos sólidos, concomitantemente, a sua gestão passou a ser objeto de normatização.

Na seara internacional, os REEE ganharam atenção especial a partir da Convenção da Basileia, ocorrida em 1989 na Suíça. Ratificada em 1992, o Tratado da Convenção da Basileia tornou-se o marco internacional no que tange a movimentação e disposição de resíduos perigosos entre nações e, mais especificamente, entre as nações desenvolvidas e aquelas em desenvolvimento (BASEL CONVENTION, 1989). O Brasil foi um dos seus signatários, explicitando internacionalmente sua coerência diante da Constituição de 1988, na qual manifestou a necessidade de proteção ao meio ambiente, o combate à poluição e o direito de todos brasileiros.

De acordo com os levantamentos contidos no relatório Global E-waste Monitor 2017, no ano de 2016, estima-se que a produção desses resíduos supere os 52,2 milhões de toneladas em 2021 e chegue a 120 milhões em 2050, caso nenhuma mudança seja realizada nas dinâmicas atuais de produção, consumo e descarte de EEE (BALDE et al., 2017; PACE, 2019).

E para piorar esse cenário, o relatório aponta que apenas 20% dos REEE são processados de forma adequada, de modo que os 80% restantes seriam comercializados, despejados e manuseados em condições de ilegalidade e informalidade, sobretudo em cidades localizadas no Sul Global (UNEP, 2015; BALDE et al., 2017). Ocorre que a gestão inadequada desse tipo de resíduo pode ser extremamente nociva ao meio ambiente e à saúde humana, dado que muitos EEE possuem elevada concentração de substâncias tóxicas em sua composição, como arsênio, cádmio, chumbo, cobre, mercúrio, zinco, dentre outros (HUANG et al., 2014).

Por outro lado, a reciclagem de REEE – comumente denominada mineração urbana – pode ser entendida também como uma manifestação da chamada logística reversa. Mesmo considerando que muitos ajustes normativos e técnicos devam ser feitos  para o seu melhor aproveitamento, calcula-se que esses resíduos possam gerar uma economia de aproximadamente 65 bilhões de dólares por ano (PACE, 2019). Os recursos naturais que possuem as maiores taxas de reciclagem (acima dos 50%) quando obtidos a partir dos REEE são: alumínio, titânio, cromo, manganês, ferro, cobalto, níquel, cobre, zinco, nióbio, paládio, prata, estanho, rênio, platina, ouro e chumbo (PACE, 2019).

Nessa perspectiva, juntamente à logística reversa, não há que se olvidar da potencialidade da reciclagem de REEE para o desenvolvimento da EC, cuja premissa é empregar o reuso e a reciclagem de resíduos – especialmente recursos minerais – no próprio processo de manufatura, estabelecendo assim uma cadeia produtiva fechada e não linear.  Esse tema será melhor desenvolvido no item 3.

2.3 Aspectos Legais sobre a Sustentabilidade, Foco Principal da Economia Circular

A despeito da sua importância, a preocupação com o desenvolvimento sustentável é fenômeno relativamente novo na história da  humanidade. Segundo Ana Maria Nusdeo (2018, p. 54), é possível apontar a década de 1960 como marco inicial das discussões sobre a economia e o meio ambiente, em que algumas publicações chamavam a atenção para a tendência de esgotamento de recursos naturais, dentre elas: The tragedy of commons (1968) de Hardin (1968) e Limits to Growth (1972), estudo encomendado pelo Clube de Roma e coordenado por Meadows et al. (1973). Portanto, seu nascedouro está ligado à contradição entre crescimento econômico e meio ambiente, sobretudo a crescente degradação ecológica provocada pelos processos econômicos das nações ricas e industrializadas, além da pobreza, que, associada ao aumento populacional, estaria levando à deterioração do meio ambiente.

A concepção de um direito ao desenvolvimento sustentável acabou sendo construída e moldada com base em um conjunto de documentos de projeção internacional, com destaque para a Declaração de Estocolmo (1972) e, finalmente, pelo Relatório Brundtland (1987).

Em 1987, na Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CMMAD), também conhecida como Comissão de Brundtland, presidida pela primeira ministra e médica norueguesa Gro Harlem Brundtland, no processo preparatório para a Conferência das Nações Unidas, “Eco-92”, desenvolveu-se o relatório “Nosso Futuro Comum” (Our Common Future) (ONU, 2015), contendo importantes informações colhidas pela comissão ao longo de três anos de pesquisa e análise. Nesse relatório, consta a definição mais difundida do conceito de desenvolvimento sustentável, que seria aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades de as gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades. A partir do relatório, estabeleceu-se que a busca pelo desenvolvimento econômico precisava conciliar mecanismos que também assegurassem o desenvolvimento social e a proteção ambiental, de modo a garantir que a satisfação das necessidades presentes não comprometesse o direito das gerações futuras de usufruírem dos mesmos benefícios.

Segundo Sachs (2017, p. 11), “o desenvolvimento sustentável é um conceito fundamental para a nossa época. É ao mesmo tempo uma maneira de compreender o mundo e um método para resolver os problemas globais”. E é nessa perspectiva que se insere a EC e todos os processos a ela inerentes. 

Em 1992, na cidade do Rio de Janeiro, a ONU realizou a mais importante conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), oportunidade em que os 176 países participantes ratificaram o conceito de desenvolvimento sustentável elaborado pelo Relatório Brundtland. Entre os principais documentos formalizados naquela ocasião, estão a Carta da Terra e a Agenda 21 (UNCED, 1992) — um plano de ação para adoção do desenvolvimento sustentável em todos os países.

À luz dos debates sobre as relações entre o meio ambiente e desenvolvimento no cenário das negociações internacionais, a presença da proteção ambiental como um dos princípios da ordem econômica – art. 170, inciso VI, combinado com o caput do art. 225 – que faz referência ao elemento intergeracionalidade, característico do conceito de desenvolvimento sustentável, permite a conclusão da adoção do princípio do desenvolvimento sustentável pela Constituição de 1988 (NUSDEO, 2018, p. 83).

Do mesmo modo, o art. 3.º, ao tratar dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, estabelece, em seu inciso II, a garantia do desenvolvimento nacional como sendo um dos seus propósitos. De uma simples leitura desse dispositivo, depreende-se que o constituinte elencou como objetivo fundamental da República brasileira não o simples desenvolvimento econômico, tido como sinônimo de crescimento econômico, mas, sim, o desenvolvimento nacional, bem mais amplo e abrangente que aquele, cujo objetivo fundamental não se restringe a um mero crescimento econômico, mas, acima de tudo, envolve o desenvolvimento de toda a nação brasileira. 

Perfilhando entendimento análogo, Anjos Filho (2013, p. 271-272) assevera que:

[…] desenvolvimento nacional não pode ser confundido com o mero crescimento econômico do país. O desenvolvimento, em termos constitucionais, vai além, não podendo ser dissociado da dignidade da pessoa humana nem tampouco dos demais objetivos fundamentais, para cuja realização pode contribuir decisivamente. Tanto é assim que a ordem econômica, pela qual a riqueza é gerada, tem como finalidade constitucional assegurar a todos uma existência digna. Isso tudo conforme os ditames da justiça social e observados, dentre outros, os princípios da função social da propriedade, da defesa do meio ambiente, da redução das desigualdades regionais e sociais e da busca do pleno emprego.

Importa, também, salientar que o reconhecimento do desenvolvimento sustentável como um princípio constitucional já vem sendo adotado expressamente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2006, a partir da decisão proferida na Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade 3540/DF[9]. Conforme bem ponderado por Luís Roberto Barroso (1993), concluir pela caracterização do princípio constitucional do direito ao desenvolvimento sustentável reforça sua aplicação, visto serem os princípios constitucionais a síntese dos valores principais da ordem jurídica, ou ainda, as premissas básicas de uma ordem jurídica, irradiando-se por todo o sistema.

Alinhado a esse mesmo entendimento, Gabriel Wedy (2020) vem sustentando a tese de que o desenvolvimento sustentável, além de um princípio constitucional, seria também um direito humano e fundamental, compreendido como um direito em sentido amplo. Isso porque, como é o caso dos direitos fundamentais em geral, possui tanto uma dimensão subjetiva quanto uma dimensão objetiva, decodificando-se em um conjunto de posições subjetivas (direitos subjetivos) e deveres objetivos (deveres de proteção estatal e deveres fundamentais das pessoas).

Não é por outro motivo que o desenvolvimento sustentável, além de configurar um princípio constitucional, também se encontra presente em diversas normas infraconstitucional, com especial destaque – dado o recorte que se busca fazer nesta pesquisa -para a Lei n.º 12.305/10, que instituiu a PNRS.[10] Ao afirmar, em seu art. 3º, que na gestão dos resíduos sólidos deve haver compatibilização das ações com as dimensões econômica, ambiental e social, a Lei acolhe expressamente o princípio do desenvolvimento sustentável, o qual deve ser sempre considerado na formulação e na execução das políticas públicas e nas decisões judiciais e administrativas. 

Ademais, a apontada Lei estabelece princípios, objetivos, instrumentos e diretrizes para a gestão e o gerenciamento dos resíduos sólidos, as responsabilidades dos geradores, do Poder Público e dos consumidores, bem como os instrumentos econômicos aplicáveis. Ela consagra um longo processo de amadurecimento de conceitos, tais como: princípios da prevenção e precaução, poluidor-pagador, ecoeficiência, responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto, reconhecimento do resíduo como bem econômico e de valor social, direito à informação e ao controle social.

Portanto, não remanesce dúvida de que pensar na sustentabilidade como uma acepção desse modelo de desenvolvimento, assinalado na Constituição Federal, é medida que se impõe para responder às demandas da sociedade global e intergeracional, pois de um lado temos governantes que representam uma ala mais conservadora da sociedade e, de outro lado, governantes mais “progressistas”, com uma visão mais totalizante dos fenômenos que envolvem a vida humana, o ecossistema, a fauna e flora. 

Não se pode também olvidar que, em 2015, 193 representantes dos Estados-membros da ONU aprovaram, por unanimidade, a Agenda 2030 (NAÇÕES UNIDAS, 2015) para o Desenvolvimento Sustentável, estabelecendo 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas que coordenariam as ações nos próximos 15 anos, englobando os três pilares do desenvolvimento. 

Considerado pelo Secretário-Geral da ONU como “Nossa Declaração Global de Interdependência”, o documento “Transformando o Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” é um compromisso dos países em tomar medidas mais dinâmicas para erradicar a pobreza e viabilizar ações de desenvolvimento sustentável em escala mundial. Suas metas e objetivos são claros, de modo que todos os Estados possam adotá-los de acordo com suas prioridades e trabalhar em uma parceria mundial, buscando as mudanças necessárias para melhorar a vida das pessoas agora e no futuro (PLATAFORMA AGENDA 2030, 2019).

Entre os importantes objetivos estabelecidos na Agenda 2030, o “Objetivo 12”, previsto como um de seus ODS, referente às recomendações para orientar políticas em defesa dos direitos humanos e do meio ambiente até 2030, pode ser apontado como primordial, em se tratando do estudo acerca do desenvolvimento sustentável e sua relação com o consumismo e o aumento da degradação ambiental. O referido objetivo, que traz como tema “Consumo e Produção Responsáveis”, intenta reduzir pela metade o desperdício de alimentos per capita mundial, alcançar o manejo ambientalmente saudável dos produtos químicos e de todos os resíduos e reduzir substancialmente a geração de resíduos por meio de prevenção, redução, reciclagem e reuso, entre outros.

Nesse sentido, resta evidenciada a necessária interpretação das normas constitucionais, voltadas para a promoção da sustentabilidade em todas as dimensões, como uma medida horizontalizada, que possibilite a sua aplicação nas vivências empresariais, ambientais, sociais, econômicas e políticas, com o apoio da logística reversa e da coleta seletiva previstas na PNRS. 

Por fim, não se pode desconsiderar que a Carta Magna, consoante determinação contida no art. 170, inciso VI, combinado com o artigo 225, atribuiu responsabilidade ao Poder Público para estimular a redução do impacto ambiental, pelo que poderá valer-se de diversos instrumentos, dentre eles, a tributação ecologicamente dirigida. Por conseguinte, considerando a importância da logística reversa e da coleta seletiva para a EC, que intentam fomentar um modelo econômico não destrutivo, mais sustentável e promotor de justiça social, incentivos fiscais podem ser concedidos para a cadeia de resíduos eletroeletrônicos, de 0maneira a viabilizar a implementação da EC para o setor, cujo escopo seria exatamente fomentar modelos de negócios sustentáveis, para enfrentar com sucesso um mercado cada vez mais competitivo e com maiores demandas ecológicas e sociais. 

3. As Externalidades (positivas) da Logística Reversa e da Coleta  Seletiva de Resíduos Sólidos de Eletroeletrônicos para o Mindset da Economia Circular

A EC, como já mencionada, apresenta a possibilidade de promover uma mudança de paradigma nos tradicionais modelos de negócios e na forma de pensar esses negócios. Ou seja, significa a possibilidade de se “apresentar todo o sistema das relações econômicas como uma longa estrada que faz um grande círculo e volta ao ponto de partida” (LEONTIEF, 2007, p. 129). Em concreto, “a transição para uma economia circular redireciona o foco para a reutilização, reparação, renovação e reciclagem dos materiais e produtos existentes” (SIMÕES, 2017, p. 1516).

À vista disso, esse modelo de negócio guarda uma estreita relação com as premissas do desenvolvimento sustentável, visto que o destino dos materiais não permeia apenas o gerenciamento dos resíduos. Isso decorre porque a ideia é que o valor dos recursos que um dia foi extraído e, por fim, produzidos, sejam mantidos num processo cíclico de cadeias produtivas integradas, eliminando o conceito de resíduo e enxergando-o como uma fonte energética renovável, capaz de preservar e transmitir valor (WEBSTER, 2015).

Os avanços tecnológicos, em especial os aplicados aos aparelhos eletroeletrônicos (EEE), têm ocorrido de forma célere para atender as “necessidades” da globalização e do apelo do mercado, diminuindo o ciclo de vida dos produtos e, via de regra, ampliando o consumo desenfreado, além do descarte em demasia e em locais inadequados, sem a menor preocupação com a degradação do meio ambiente e sem o respeito às normas existentes acerca do tema.

A chamada modernização e inovação, principalmente na área eletrônica, chama a atenção de consumidores, ávidos por novidades e as facilidades que ela proporciona, tanto no mundo dos negócios, do trabalho como nas relações sociais de modo geral, encurtando distâncias, principalmente em momentos em que o trabalho home office ganha destaque. Nada obstante, a obsolescência programada tem chamado à atenção quando o assunto está relacionado à área dos eletrônicos. 

Todavia, diferentemente do que ocorre na Europa e nos Estados Unidos, onde a maior parte dos bens de consumo é importada, no Brasil, “o setor de EEE tem alto valor agregado, sendo um dos setores mais inovadores da economia brasileira” (BANKS; PARKIN, 2017, p. 1), além dos incentivos fiscais que o setor recebeu do governo federal, contribuindo para o elevado índice da produção de eletroeletrônicos e o estímulo ao seu consumo em larga escala.

Esse processo acelerado de produção em larga escala, inspirado em no modelo de economia linear, primando pela extração de recursos naturais como matéria prima, produção, consumo e descarte, tem gerado, como já demonstrado, grande preocupação. Os elevados índices de resíduos levaram o Brasil, bem como outros países, a criar legislações específicas sobre uma política de resíduos sólidos. 

No Brasil, a Lei n.º 12.305/10, fruto de duas décadas de discussões no poder legislativo, instituiu a PNRS, trazendo, em seu art. 3º, os conceitos de coleta seletiva e logística reversa. O inciso V assegura que a coleta seletiva é a “coleta de resíduos sólidos previamente segregados conforme sua constituição ou composição” e o inciso XII afirma que a “logística reversa: instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada”. Essa Lei trouxe para o cenário nacional uma discussão necessária acerca dos resíduos sólidos e de todos os processos que os envolvem. Ela definiu, ainda, em seu art. 8º, III, a coleta seletiva e a logística reversa como um de seus instrumentos.

No mesmo sentido, restou consignado que os fabricantes, importadores, distribuidores e os comerciantes, por força do art. 33, VI da referida Lei, ficam obrigados a estruturar e implementar sistema de logística reversa dos produtos EEE e seus componentes, ou seja, cumprir todas as etapas do processo de produção e materiais. Depreende-se, por conseguinte, que a PNRS é uma grande incentivadora da logística reversa e da coleta seletiva. Ademais, não há dúvida que tanto a implementação da logística reversa quanto da coleta seletiva propiciam externalidades positivas para as empresas, em especial àquelas que adotarem o modelo de EC, bem como para a própria sociedade. 

Partindo desse pressuposto, não há que se olvidar que a logística reversa é imprescindível nos processos produtivos da EC, uma vez que ela: 

Prima pela coleta e restituição dos resíduos para a indústria, a fim de que possam ser reintroduzidos na cadeia de produção ou reaproveitados; – Atribui responsabilidade compartilhada entre fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, consumidores e dos titulares de serviços públicos e de limpeza urbana para destinos reversos de embalagens e produtos; – Foca no reaproveitamento; – Produtos são reciclados e remanufaturados pelos fabricantes (SEHNEM; PEREIRA, 2019, p. 55).

Nessa mesma linha de argumentação, segundo o estudo realizado por Sehnem e Pereira (2019), a logística reversa promove inúmeras externalidades positivas, a exemplo da reciclagem, a gestão mais eficiente dos resíduos, bem como sua eliminação, a possibilidade do reuso de materiais, maior eficácia no uso dos recursos, maior adesão aos mecanismos legais, enfim, o seu uso possibilitará a implementação da EC de modo mais eficiente, contribuindo decisivamente para a implementação de um verdadeiro desenvolvimento sustentável. 

O relatório da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial – Logística Reversa de Equipamentos Eletroeletrônicos – Análise de Viabilidade Técnica e Econômica, conceitua os EEE como sendo os produtos que dependem de condução elétrica ou de campos eletromagnéticos e os classifica em quatro linhas:

Linha branca: geladeira, fogões, lavadoras de roupa e louça, secadoras, condicionadores de ar; Linha Marrom: monitores e televisores de tubo, plasma, LCD e LED, aparelhos de DVD e VHS, equipamentos de áudio, filmadoras; Linha Azul: batedeiras, liquidificadores, ferros elétricos, furadeiras, secadores de cabelo, espremedores de frutas, aspiradores de pó, cafeteiras; Linha Verde: computadores desktop e laptops, acessórios de informática, tablets e telefones celulares (BRASIL, 2013, p. 17).

Consoante o relatório, ao término da vida útil, esses produtos passam a ser considerados como sendo Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos (REEE), os quais devem ser tratados conforme a PNRS, implementada pela Lei n.º 12.305/10, e pelas legislações nos âmbitos dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios, devendo ser manuseados via logística reversa e coleta seletiva.

Inegável que a logística reversa e a coleta seletiva dos resíduos sólidos, em especial dos EEE, além de promover benefícios para o meio ambiente, apresenta a possibilidade concreta de servir de alternativa viável de ganhos para a indústria do setor, uma vez que:  

Os números em relação à produção de lixo eletrônico crescem a cada ano, em todo o mundo são 53 milhões de toneladas de lixo eletrônico por ano, composto de todo tipo de aparelhos, como celulares, computadores, geladeiras e células fotovoltaicas, afirma o mais recente estudo sobre o tema, apresentado pela Universidade das Nações Unidas (WELLE, 2020, p. 1).

Em complemento, esse estudo afirma, ainda, que todo esse lixo poderia gerar o valor estimado em 57 bilhões de dólares. Malgrado, somente uma pequena parcela dessa riqueza em potencial é reciclada e, de 7% a 20%, acaba sendo exportado de forma ilegal para outros países. 

O volume de resíduos eletrônicos cresce de forma galopante no mundo, “um recorde de 53,6 milhões de toneladas métricas (Mt) de resíduos eletrônicos foi gerado em todo o planeta em 2019, o que representa um aumento de 21% em apenas cinco anos, de acordo com o Global Ewaste Monitor 2020 das Nações Unidas (NAÇÕES UNIDAS, 2020, p. 1). Esses dados, segundo a ONU, dificultam o cumprimento dos Objetivos e Metas de Sustentabilidade da Agenda 2030. 

Trilhando caminha análogo, o relatório The Global E-waste Monitor 2020, das Nações Unidas, publicado em julho de 2020, aponta que no panorama da EC esse lixo eletrônico poderia representar uma fonte muito rica de matérias-primas secundárias: 

Dentro do paradigma de uma economia circular, a mina de lixo eletrônico deve ser considerada uma importante fonte de matérias-primas secundárias. Devido a questões relacionadas à mineração primária, flutuações de preços de mercado, escassez de materiais, disponibilidade e acesso a recursos, tornou-se necessário melhorar a mineração de recursos secundários e reduzir a pressão sobre materiais virgens. Ao reciclar o lixo eletrônico, os países poderiam pelo menos mitigar sua demanda de materiais de uma forma segura e sustentável. Este relatório mostra que, globalmente, apenas 17,4% do lixo eletrônico está documentado para ser formalmente coletado e reciclado. As taxas de coleta e reciclagem precisam ser melhoradas em todo o mundo (FORTI et al., 2020, p. 58).

À vista disso, pensar no resíduo sólido EEE e no seu processo dentro da EC é pensar em redução de matéria-prima que em grande medida provém de variados minérios, dentre eles muitos metais preciosos. Nessa perspectiva, a estimativa de perdas com o descarte desse material é tão alta e, por outro lado, quando se opta pelo seu reuso, o ganho também é significativo, corroborando com a ideia de que essa modalidade de Economia, além de contribuir com a preservação ambiental, promove, também, uma expectativa real de ganhos financeiros. 

O relatório aponta, ainda, que tanto a coleta seletiva quanto a reciclagem de lixo eletrônico têm potencial economicamente viável, principalmente por conter produtos com alta concentração de metais preciosos. Por conseguinte, resta evidenciado que se houvesse um maior investimento, principalmente incentivos fiscais direcionados para os processos de logística reversa, coleta seletiva, reciclagem e reuso desses produtos “descartados”, um volume enorme de matérias-primas secundárias poderia ser reintroduzido na cadeia produtiva de eletrônicos no Brasil, gerando riquezas e contribuindo para a manutenção do patrimônio natural.

Outrossim, pode-se afirmar que o incentivo fiscal ambiental que, além de voltar-se para a defesa do meio ambiente, a um só tempo, promova a inclusão social e o desenvolvimento econômico, potencializa as vantagens de sua concessão e contribui para sua aprovação no teste da proporcionalidade, já que a união de dois ou mais fins extrafiscais de relevo conferem maior tolerância à desoneração. É exatamente o que sói acontecer no caso em apreço e que justifica a utilização desse instrumento econômico.

No entanto, a despeito da sua efetividade como instrumento de proteção ambiental e inclusão social – dado o seu forte poder de indução comportamental -, essa política tributária não vem sendo utilizada a contento no Brasil. Segundo bem ponderado por Henrique (2018), para esse desiderato, deveria existir no país uma desoneração tributária no que tange ao resíduo descartado, dado ocorrer uma confusão tributária quando se trata de resíduos sólidos eletrônicos. Segundo o autor, a: 

[…] política tributária têm que ampliar seu alcance para abordar mais tecnicamente os sistemas de logísticas reversas e se não há no momento como se adotar novas práticas tributárias, imediatamente para tais atividades com vistas aos benefícios ambientais e sociais oriundos destas, que sejam simplificados as normas existentes para garantir sua expansão e aprimoramento (HENRIQUE, 2018, p. 1).

Tais medidas, caso venham a ser implementadas de modo efetivo, tendem a desonerar os processos da logística reversa, bem como influenciar em toda a cadeia produtiva para os resíduos sólidos eletroeletrônicos. Logo, diante da sua eficácia, faz-se necessária à implementação de uma eficaz política de incentivos fiscais para os resíduos sólidos, em especial os destinados aos eletroeletrônicos, por serem altamente gravosos ao meio ambiente, dada a quantidade de metais que são utilizados para sua fabricação.

3.1 Incentivos Fiscais para Cooperativas de Reciclagem de Resíduos Eletroeletrônicos: Instrumento de Promoção do Desenvolvimento Sustentável

A PNRS, estabelecida pela Lei nº 12.305/2010, demonstrou ser um avanço para a regularização do manuseio dos resíduos sólidos em todos os níveis, notadamente por determinar a criação e implementação de sistemas de logística reversa para os resíduos EEE. Nessa senda, considerando a aplicação dessa legislação, por intermédio de políticas públicas, de tecnologia e os novos conceitos na área de manejo dos resíduos sólidos, a contribuição para o desenvolvimento econômico se traduzirá em desenvolvimento sustentável, meta essa que deve ser buscada pela administração pública e pela sociedade. Para esse desiderato, conforme destaca o artigo 44 da referida Lei, a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, no âmbito de suas competências, poderão conceder incentivos fiscais, financeiros e creditícios, desde que, respeitadas as limitações da Lei de Responsabilidade Fiscal.

As políticas públicas devem ser compreendidas como um conjunto de atuações do Poder Público, e não como meros atos isolados. Como esclarece Fábio Konder Comparato (1998, p. 72-73), toda política pública, como programa de agir, envolve uma meta a ser alcançada e um conjunto ordenado de meios ou instrumentos (pessoais, institucionais e financeiros), tais como leis, regulamentos, contratos e atos administrativos. Perfilhando entendimento correlato, Cristiane Derani (2004, p. 22) afirma que política pública é um conjunto de ações coordenadas pelos entes estatais, em grande parte, por eles realizadas destinadas a alterar as relações sociais existentes.

Não há que se olvidar que o aumento significativo do consumo de produtos EEE está prejudicando a sadia qualidade de vida e o bem-estar dos cidadãos. Desse modo, ao lado de normas protetivas-repressivas, é salutar a análise da implementação de normas com caráter promocional, visando à redução da degradação ambiental. Para tanto, curial uma eficiente intervenção do Estado a fim de proteger direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, restando estabelecido que a tributação ambiental mostra-se como um dos mais eficazes instrumentos para a consecução desse objetivo.

Nessas tintas, resta compreendido que através do uso de incentivos fiscais, o Direito é capaz de direcionar a sociedade, de forma a promover a realização de condutas socialmente desejáveis. Assim, a função estatal deixa de ser exclusivamente protetora e repressiva, passando a assumir papel promocional, mais consentâneo com a realidade e mais eficaz em seus propósitos.

Outrossim, em sintonia com as determinações contidas no Art. 170, inciso VI, c/c Art. 225, ambos da CF/88, evidencia-se que é dever do Estado intervir na economia visando a proteção ambiental, e para tal objetivo ele poderá se valer de diferentes instrumentos, dentre os quais os tributos ecologicamente dirigidos, cujo objetivo é obrigar os agentes econômicos a suportar as externalidades negativas em razão de suas atividades econômicas poluidoras, e por outro lado, e  não menos importante, estimular por meio de incentivos fiscais, que os agentes econômicos desenvolvam comportamentos que não agridam o meio ambiente. Logo, denota-se que os incentivos fiscais concedidos às cooperativas de reciclagem de REEE se mostram como eficientes estímulos à indução de comportamentos socialmente responsáveis.

Explicitando essa possibilidade, o Art. 8º da Lei nº 12.305/2010 estabelece no inciso IX que os incentivos fiscais, financeiros e creditícios são instrumentos da PNRS, entre outros mencionados no artigo em questão[11]. Infere-se, por conseguinte, que o referido dispositivo possibilita aos entres federativos criarem normas tendentes a ampliar às hipóteses de incentivos fiscais e creditícios voltados para as atividades de reutilização, ao tratamento e à reciclagem de resíduos sólidos produzidos no território nacional, para projetos relacionados à responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos – prioritariamente em parceria com cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda – e para as empresas dedicadas a limpeza urbana e atividades a ela relacionadas.

Em se tratando dos resíduos EEE, as associações, ou cooperativas de catadores desses materiais, são fundamentais na sua gestão e gerenciamento, contribuindo para a redução e a quantidade, bem como o potencial poluidor desses resíduos, seja impedindo o seu descarte em ambiente ou local inadequado – evitando possível contaminação ambiental pela disposição inadequada – ou reinserindo esses resíduos no ciclo produtivo, minimizando a extração de matéria prima. Isso sem se olvidar do reaproveitamento de uma riqueza em potencial cujo destino estava fadado ao lixo.

Portanto, considerando a importância da reciclagem dos REEE, sobretudo ligada à proteção do meio ambiente e a geração de emprego e renda para os catadores – resgatando a dignidade dessas pessoas submetidas a situações insalubres e humanamente degradantes – ganha uma especial  relevância as associações e cooperativas de catadores desses materiais. Corroborando esse entendimento, J. Amilton de Souza (2011, p. 236) é enfático ao afirmar que:

A organização social dos catadores(as) em cooperativas e associações é uma realidade cada vez mais presente em inúmeras cidades brasileiras, as quais ajudam a colocar em debate a geração de emprego e renda e a questão ambiental dentro de toda a sua complexidade e diversidade, na medida em que reconstitui relações de solidariedade entre os trabalhadores e contribui para conservar e preservar a natureza.

Nesse diapasão, o Distrito Federal e os Municípios, responsáveis pela gestão integrada de resíduos sólidos urbanos produzidos em seus territórios, têm o dever de fomentar, direta ou indiretamente, a criação e o desenvolvimento de associações e cooperativas de catadores de materiais recicláveis, restando estabelecido que os incentivos fiscais é um dos principais mecanismos para o cumprimento desse objetivo.

Enfim, conclui-se que as associações e as cooperativas de catadores de REEE são instrumentos fundamentais no desenvolvimento sustentável do país, dado que, além de gerarem emprego e renda a pessoas de baixa renda e socialmente marginalizadas – o que, por si só já justificaria sua existência – ainda são responsáveis por dar destinação ambiental correta a esses resíduos, de modo que o Estado, diante dessa destacada importância, tem o dever de promover criação e o desenvolvimento dessas entidades, sobretudo através dos incentivos fiscais, dado o seu forte poder de induzir comportamento ambientalmente responsável.

4. Apontamentos sobre a Política Nacional dos Resíduos Sólidos e a Política Tributária para os Resíduos Sólidos

A política nacional dos resíduos sólidos – instituída pela Lei n.º 12.305/10 e regulamentada via Decreto nº 7.404/10 – representa um marco regulatório deveras importante no trato dos resíduos sólidos no Brasil, “esses diplomas normativos impuseram aos setores privado e público, bem como à sociedade, uma nova dinâmica de ações, medidas e procedimentos de gerenciamento ambientalmente adequado de resíduos sólidos” (SILVA FILHO; SOLER, 2019, p. 22). Amplamente debatida no cenário legislativo, essa Lei foi aprovada após muitas discussões, visto envolver interesses muitas vezes antagônicos e que não convergiam aos objetivos a que se propunha alcançar: de um lado, os interesses econômicos da indústria; de outro, os dos ambientalistas e dos organismos internacionais que pressionam os governos locais para preservarem o meio ambiente e promoverem ações que visem à sustentabilidade ambiental.

A Lei se aplica às pessoas física e jurídica de direito público ou privado, desde que responsáveis pela produção de resíduos sólidos. Diante do seu caráter interdisciplinar, ela não deve ser aplicada isoladamente, ao contrário, deve ter um olhar holístico e se coadunar com outros documentos jurídicos que dentro do ordenamento jurídico discutam temas ligados ao meio ambiente, a exemplo da Lei n.º 6.938/81, que regula a Política Nacional do Meio Ambiente; da Lei n.º 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de atividades lesivas ao meio ambiente; da Lei n.º 9.795/99, que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental; da Lei n.º 9.966/00, que aponta as normas estabelecidas nos Sistemas Nacional do Meio Ambiente, Vigilância Sanitária, Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária e Nacional de Metrologia, Normalização  e Qualidade Industrial; da Lei Complementar n.º 101/00, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal; da Lei n.º 10.650/03, que dispõe sobre o acesso público  aos dados e informações existentes nos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente; da Lei n.º 11.445/07, que trata das políticas de saneamento básico; e da Lei n.º 13.874/19, que institui a declaração de direitos de liberdade econômica, dentre inúmeras outras que tratam de temáticas que tenham relação com o meio ambiente no âmbito dos Estados, Distrito Federal e Municípios.

Nessas tintas, a Lei se refere à responsabilidade compartilhada “pelo ciclo de vida dos produtos, em que todos são responsabilizados, direta ou indiretamente, pela gestão integrada de resíduos sólidos” (CUNHA, 2018, p. 46), tanto o fabricante, o comerciante, quanto o poder público e o consumidor. Trata-se, portanto, de um sistema de colaboração para o enfrentamento dos problemas gerados pelos resíduos sólidos que, na visão de Silva Filho e Soler (2019), agrega valor econômico e social, pois possui muito potencial para gerar trabalho, renda e, sobretudo, cidadania para as pessoas que lidam com esses materiais diariamente.

Os resíduos sólidos, embora tenham várias definições, na lição de Silva Filho e Soler, podem ser compreendidos: 

[…] como material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível (SILVA FILHO; SOLER, 2019, p. 29).

Partindo dessa concepção, é objetivo dessa pesquisa compreender como a Lei n.º 12.303/10 traçou de forma abrangente e detalhada a política de manejo desses resíduos, quais as obrigações de cada ente federativo, bem como das pessoas físicas e jurídicas, envolvidas diretamente nesse processo. 

De uma detida análise de seu texto, observa-se que o manejo dos resíduos deve obedecer a todas as etapas de modo integrado – desde a indústria até o descarte do pós-uso – isso decorre porque não se trata apenas de resíduos no pós-uso, mas sim de uma compreensão mais abrangente, envolvendo o processo de fabricação do produto “além de considerar dimensões políticas, econômicas, ambiental, cultural e social, sendo executada sob controle social e com vistas ao desenvolvimento sustentável, o que reitera a necessidade de inclusão das vertentes social, ambiental e econômica” (SILVA FILHO; SOLER, 2019, p. 36). Essas dimensões estão em consonância com as legislações existentes em outros países e, também, atendem às diretrizes recomendadas por organismos internacionais. 

Ao tratar da coleta seletiva, a Lei aponta para a necessidade de que ela se dê de forma separada, para que não ocorra a contaminação dos materiais e inviabilização do seu aproveitamento de forma adequada, com o seu reuso e reciclagem, sendo que esta passa a ter um conceito mais abrangente, no qual o processo de reciclagem precisará necessariamente incluir a transformação. Assim, a alteração de finalidades e propriedades de utilização como um novo produto, bem como a logística reversa, deixando de ser entendida apenas como um processo de retorno, de um ciclo reverso, para ter uma compreensão:  

[…] que abrange as ações de devolução, coleta e retorno de resíduos para o processo produtivo, com vistas à sua valorização. A definição ainda preconiza que tal sistema objetiva promover o desenvolvimento socioeconômico – se assim não o fizer, perde sua sustentação – com expressa menção ao setor empresarial, para o qual devem ser direcionados os resíduos recolhidos pelos sistemas implementados (SILVA FILHO; SOLER, 2019, p. 38).

Por outro lado, as empresas que têm por obrigação legal implementar o sistema de logística reversa, deverão fazê-lo recolhendo os resíduos produzidos por sua marca e/ou disponibilizando-os às cooperativas que trabalham com coleta seletiva e reciclagem. Nesse sentido, a Lei inova ao integrar as cooperativas como prestadoras de serviço para a política de logística reversa, ou ainda promovendo outra destinação, a depender de sua política interna. 

Igualmente, a Lei aponta, ainda, o respeito às diferenças e desigualdades regionais quando os entes da federação forem tratar dos resíduos sólidos, sendo esse um aspecto muito importante a ser observado quanto à tributação que incide sobre os resíduos e as atividades a eles relacionadas. Segundo Rocha (2017), para o direito tributário o resíduo acaba sendo classificado em subproduto, sucata ou lixo, sendo que o subproduto pode ser compreendido como sendo a possibilidade da geração de novos produtos de forma natural, incidental e automática não planejada; a sucata, os materiais recicláveis por adaptação, conserto ou reparo e o lixo, o produto sem valor, com data de validade vencida e que será conduzido para aterro sanitário. 

Por fim, cada Estado da Federação, ao legislar sobre os resíduos sólidos e a incidência de impostos sobre eles, a exemplo do Imposto sobre Circulação, Mercadoria e Serviço (ICMS), acaba dando uma interpretação diferenciada para caracterizá-lo, o que ocorre muito no trato do resíduo sólido (eletroeletrônico). 

4.1. A Incidência do Imposto sobre Circulação, Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre os Resíduos Sólidos: Os Exemplos dos Estados de São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Ceará

A Constituição Federal de 1988, ao tratar da tributação e do Orçamento, em seu Art. 155, I, “b”, assegurou aos Estados e Distrito Federal a competência para instituir impostos sobre mercadorias e serviços, bem como o seu transporte e, dentre outras coisas, previu no § 2º, II, a possibilidade da isenção ou não incidência, salvo alguma legislação em sentido contrário. 

Por sua vez, a Lei n.º 12.305/10 assegura, em seu art. 8º, IX, os incentivos fiscais, financeiros e creditícios como parte dos instrumentos da política nacional, bem como o Art. 44, em seus três incisos, asseguram à União, Estados, Distrito Federal e aos Municípios instituir normas com o objetivo de conceder incentivos fiscais, financeiros ou creditícios, respeitadas as limitações da Lei de Responsabilidade Fiscal nº 101/00. 

Como seu corolário, os entes mencionados poderão instituir ICMS ou outro imposto no âmbito estadual, conforme políticas locais para o setor de mercadorias, serviços, transportes. Enfim, atendendo as necessidades e especificidades de cada um.

No âmbito do tratamento dado aos resíduos sólidos, cada Estado tem autonomia para fazer sua interpretação de toda a cadeia, desde o consumo, descarte, logística reversa, coleta seletiva e processos de reciclagem, definindo a incidência ou não do ICMS de acordo com sua política tributária.

A análise da incidência do ICMS para o resíduo sólido no âmbito dos Estados Indicados – São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Ceará – aponta no seguinte sentido: 

  1. No Estado de São Paulo, em resposta à Consulta nº 5785/2015, publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) em 01/06/16, caracterizou o resíduo eletroeletrônico como lixo, não incidindo, desta forma, o imposto, a não ser no seu transporte intermunicipal e interestadual;
  • Em Santa Catarina, referente à Consulta de nº 74/2010, as obrigações tributárias, principal e acessória, a respeito do lixo eletrônico, se divide em dois momentos: antes da segregação das sucatas, se o lixo for separado para venda será equiparado a mercadoria e aí incidirá o ICMS; se for entregue de forma gratuita ao reciclador, não incidirá, ou seja, sobre sucatas e resíduos que se destinarem à reciclagem ou ao reaproveitamento incidirá o imposto, os rejeitos destinados à destruição não estarão sujeitos à incidência deste;
  • No Estado do Rio de Janeiro, a Consulta nº 86/2016 decidiu, com base na Lei n.º 2.657/96, assegurando que se os resíduos sólidos forem utilizados como fonte energética, incidirá o ICMS, pois será enquadrado como mercadoria; por outro lado, se forem destinados a aterros sanitários, não possuirão natureza de mercadoria e, dessa forma, não haverá a incidência do imposto. No mesmo caso, se ocorrer a prestação de serviço de transporte interestadual ou intermunicipal, de resíduos que serão aproveitados na indústria para posterior comercialização, incidirá o ICMS. Ainda, por intermédio da aprovação do PL 3344/10, aprovado em 2010 e que isenta de ICMS a reciclagem e transporte de resíduo sólido proveniente da construção civil, o PL não fez referência ao resíduo de eletroeletrônico;
  • Em Minas Gerais, a resposta à Consulta de nº 183/2016 foi consubstanciada no art. 219 do anexo IX do RICMS/2002-MG. Segundo esse dispositivo, “para efeitos tributários, considera-se sucata, apara, resíduo ou fragmento, a mercadoria, ou parcela desta, que não se preste para a mesma finalidade para a qual foi produzida”, desta forma, a saída de sucata ou de subproduto, caracteriza fato gerador do ICMS; 
  • No Ceará (2016), a Política Estadual de Resíduo Sólido é definida pela Lei n.º 16.032, a qual traça as diretrizes estaduais para o enfrentamento dos problemas gerados pelos resíduos sólidos, inclusive, processos como coleta seletiva, reciclagem, logística reversa e outros. E, em seu art. 33, assegura que os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de eletroeletrônicos são obrigados a implementar os sistemas de logística reversa dentre outros. 

Em relação à incidência do ICMS sobre os resíduos sólidos, a Lei assegura, em seu art. 45: 

O Estado do Ceará, mediante lei específica, adotará mecanismos de desoneração total ou parcial da carga tributária, com a finalidade de estimular atividades econômicas relacionadas à reciclagem de resíduos sólidos, atendida a função extrafiscal do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS.

Na cadeia de reciclagem de resíduos sólidos o Estado do Ceará reduziu o ICMS para a reciclagem de resíduos sólidos por meio do Programa Selo Verde (CEARÁ, 2020, p. 1), também conhecido como ICMS socioambiental:

[…] criado através da Lei Estadual n. 15.086/2011, alterada pela Lei n. 15.813/2015, e regulamentado pelo Decreto n. 31.854/2015. O Selo Verde é uma certificação voluntária solicitada junto à SEMACE e possibilita uma redução de 10% (passando de 17% para 7%) na alíquota praticada em nível estadual para o empresário individual ou sociedade empresarial que utilize, em seu processo produtivo, insumos resultantes da reciclagem de resíduos sólidos.

Diante dos dados levantados acerca da incidência ou não do ICMS para os resíduos sólidos, em especial os EEE, cabe salientar que no Estado de São Paulo, como o resíduo eletroeletrônico foi classificado como lixo, não incide sobre ele o ICMS, o que ocorre apenas e tão somente em seu transporte.

Em Santa Catarina, o ICMS incidirá no caso do resíduo eletrônico ser separado para venda e, caso seja separado para doação às cooperativas de reciclagem, não haverá a incidência. No Rio de Janeiro, o tratamento dado ao ICMS para os resíduos sólidos depende da sua destinação, acaso o resíduo se destine a fontes energéticas, incidirá o ICMS; diferentemente, se se destinar a aterro sanitário, não haverá incidência. O mesmo ocorre com o transporte dos resíduos – caso sejam para aproveitamento na indústria – incidirá o imposto; caso seja para reciclagem, ficará isento.

No Estado de Minas Gerais, por sua vez, para efeitos tributários de incidência do ICMS, considera-se o fato gerador a saída de sucatas ou de subprodutos, que são considerados resíduos sólidos.

O Ceará adotou Lei de desoneração, total ou parcial da carga tributária, para estimular atividade econômica relacionada à reciclagem, atendendo a função extrafiscal do ICMS. Para esse desiderato, de forma inovadora, o Estado criou o Selo Verde, também conhecido como ICMS socioambiental, possibilitando a redução de 10% na alíquota para as empresas que utilizam em seus processos produtivos insumos provenientes de processos de reciclagem de resíduos sólidos. 

Nesse sentido, depreende-se que nos Estados abordados nesse estudo, existem alguns aspectos tributários que convergem, e outros que divergem. Há distinção entre o que é considerado resíduo, sucata e lixo, e acaba-se dando tratamento diferenciado com isenção total ou parcial quando se tratar de lixo, em alguns deles incidindo o ICMS no transporte desse material para os aterros sanitários.

Observa-se que no Estado do Ceará existe legislação expressa tratando da questão do resíduo sólido eletroeletrônico, não para os casos de incidência ou não de ICMS, mas sim de logística reversa dos produtos descartados.  No que tange ao ICMS, o Ceará inovou quando concedeu redução de 10% na alíquota para estimular o uso de matéria-prima reciclada nos processos produtivos.

Logo, patente que, a despeito de incipientes legislações tratando sobre o assunto nos Estados analisados, é de se observar que, para que esses entes possam verdadeiramente incentivar a economia circular, tal como preconizado na Lei n.º 12.305/10 e na Agenda 2030, alinhado aos objetivos do desenvolvimento sustentável, faz-se necessária uma regulação mais específica e ousada para o setor dos resíduos sólidos, notadamente com uma maior definição acerca de cada tipo de resíduo, e de que forma poderá ou não incidir o ICMS.

Fato incontroverso é que o descarte inadequado do resíduo eletroeletrônico, para além de gerar grandes prejuízos para a indústria, que poderia utilizar a matéria-prima reciclada, produz uma enorme pressão ambiental – seja pela extração dos recursos naturais ou pela contaminação oriunda de metais pesados – o que torna fundamental pensar numa regulação que contemple de modo satisfatório o setor de resíduo EEE, visto que o avanço tecnológico, a despeito de seus reconhecidos benefícios ao bem estar da população humana, de modo concomitante proporcionou um significativo aumento do descarte desses produtos, precocemente considerados obsoletos por essa nova sociedade de consumo.

Em vista disso, forçoso apontar a urgência e a necessidade de uma regulação – ou ao menos ajustes nas legislações já existentes – de modo satisfatório, que a um só tempo contemple o setor e que promova incentivos que visem suplantar a ideia do descarte prematuro do produto, estimulando, também, o reuso via processos de reciclagem.

Firme nessas premissas, após análise pormenorizada nos Estados pesquisados, restou demonstrado que, grosso modo, a política tributária existente nesses entes federativos, com um pequeno grau de variação,  no que tange ao ICMS, é insuficiente para dar conta da demanda dos resíduos sólidos, em especial os resíduos dos EEE.  

5. Afinal, Existe no Brasil uma Verdadeira Política de Incentivos Fiscais para os Resíduos Sólidos Eletroeletrônicos (EEE)?

A Magna Carta de 1988 assegurou, em seu artigo 155, §2º, II, que os Estados e o Distrito Federal poderão conceder a isenção ou não incidência do ICMS – salvo disposição em contrário expressa em lei – bem como, o inciso XII, “g”, do mencionado artigo, que faz alusão à necessidade de lei complementar regular a forma como serão concedidos ou revogadas as isenções, os incentivos e os benefícios fiscais, garantindo, para tanto, os preceitos da livre concorrência insculpidos no art. 146-A. 

Na busca pela promoção do desenvolvimento regional, desde a década de 1970, sempre esteve em discussão no Brasil a intervenção do Estado por meio de incentivos fiscais (BEVILACQUA, 2013, p. 41). Por essa razão, a depender do incentivo que foi ofertado, algumas regiões receberam um volume maior e diversificado de empresas, viabilizando um desenvolvimento mais expressivo que outras.  

Entretanto, trilhando caminho inverso, no que concerne aos resíduos sólidos, principalmente para o setor de EEE, observa-se pouca regulação para esse nicho do mercado.  Essa regulação incipiente não se mostra justificável, dado que este setor, tanto no Brasil como a nível internacional, movimenta um volume muito grande de recursos. Segundo informa Weetman (2019), só em 2013 as vendas superaram 1 trilhão de dólares. 

Conforme dito alhures, o grande avanço das tecnologias digitais, bem como outras inovações, aliado a sua maior acessibilidade, contribuiu de modo significativo para esse resultado. Outro fator importante é a obsolescência programada que faz acelerar a “necessidade” em adquirir novos e modernos objetos, o que faz aumentar sobremaneira a produção de resíduos: 

[…] o crescimento do lixo eletrônico e a complexidade da legislação estão obrigando os fabricantes de equipamentos a gerenciar os retornos […] os consumidores estão exigindo produtos com menos materiais perigosos e menor pegada de embalagem, esperando que o descarte seguro do produto seja incluído no contrato de venda (WEETMAN, 2019, p. 264).

Lado outro, diante da crise ambiental pela qual o planeta atravessa, e da qual o Brasil, infelizmente, não foge à regra, mais que nunca os aspectos de logística reversa e sustentabilidade dos EEE têm contribuído para uma reflexão acerca da necessidade de reciclagem, reuso, reaproveitamento na cadeia produtiva, em consonância com a PNRS que assegura a obrigação compartilhada entre todos os entes, bem como o fabricante.

Nessa perspectiva, indispensável pensar na extrafiscalidade da função tributária, e em que aspecto ela poderá ser incentivada, dado possuir o potencial de incentivar ou desincentivar determinadas condutas, interferindo decisivamente nos comportamentos sociais, promovendo uma baliza entre essas relações. 

Logo, é na condição de ferramenta de indução de comportamentos calcados na noção de responsabilidade social e de consecução de políticas públicas destinadas ao desenvolvimento social sustentável que se insere, no âmbito do poder de tributar, a ideia da extrafiscalidade tributária em favor da proteção do meio ambiente (CALIENDO; RAMMÊ; MUNIZ, 2014, p. 06).

Diante desse novo marco de realidade, muitos Estados criaram sua Política Estadual de Resíduo Sólido com previsão de expressa redução da carga tributária para o setor, em especial a redução do ICMS para os processos de reciclagem e de transporte. Contudo, mister que sejam observados alguns critérios fundamentais:

[…] a criação de incentivos fiscais como instrumentos da Política Nacional de Resíduos Sólidos é limitada em dois aspectos, apenas. O primeiro deles é o respeito à competência tributária de cada ente federado, porquanto no direito brasileiro não são admissíveis as chamadas isenções heterônomas. A outra condição é que os incentivos criados respeitem a Lei Complementar n.º 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), nos termos do seu art.14 (GUIMARÃES, 2012, p. 37)

Entretanto, curial que esses critérios não impliquem em pretexto para que o gestor público não dê efetividade, dentro das condições impostas por lei, a uma política de incentivos e fomentos de atividades que visem o tratamento dos resíduos sólidos, sob pena de esvaziar por completo o seu conteúdo.

Importante salientar que, a despeito dos esforços empenhados nessa pesquisa, não foi possível vislumbrar no Brasil uma política assecuratória de maneira mais efetiva e clara acerca do tema, a fim de contribuir de modo mais incisivo para o processo de transição para a EC. Na prática, esse tema começa a dar seus primeiros passos no país meio que “ao sabor da onda”, como um “modismo”, baseado em novas abordagens à gestão de resíduos, mas ainda necessitando avançar muito mais.

Nada obstante, observa-se que é possível que todos Estados e Municípios da Federação implementem, dentro de sua realidade fiscal, uma política de incentivos para os processos de logística reversa, coleta seletiva, transporte e reciclagem dos resíduos sólidos EEE.

Nesse diapasão, resta compreendido que para o sucesso desse objetivo, consoante sustentado por Freitas (2016), entende-se ser necessária uma política séria e comprometida de incentivos fiscais para as iniciativas que objetivem trabalhar com os resíduos sólidos, viabilizando a sua existência.  

[…] o sistema tributário solicita revisão adaptativa corajosa. Não se trata de postular, aqui e ali, vaga e engenhosa extrafiscalidade ou saídas fáceis típicas do populismo fiscal, mas de reconfigurar o conteúdo finalístico do modelo, a partir do escrutínio de qualidade dos impactos diretos e indiretos nos campos sociais, econômicos e ambientais (FREITAS, 2016, p. 827).

Firme nessas premissas, depreende-se que esses incentivos poderão impulsionar, a médio e longo prazos, novos modelos de negócios, à medida em que poderão fomentar vários setores da EC e servir ainda para “cumprir este papel de conformidade entre tributação, desenvolvimento e estabilidade da ordem econômica” (TORRES, 2011, p. 19), aspectos esses que devem estar associados para que haja um mínimo de equilíbrio social.

6. Considerações Finais

O estudo sobre a EC possibilitou percorrer um caminho pelo desenvolvimento sustentável, que é seu objetivo central, bem como analisar os processos necessários para o seu implemento e a mudança de paradigma dos modelos de economia linear e o que ela representa do ponto de vista do acúmulo e concentração de riquezas, bem como do processo de extrativismo de matéria-prima e da enorme quantidade de resíduos sólidos provenientes dos processos de descarte.

Nesse aspecto, considerando que a EC é um modelo de economia que busca a sustentabilidade, ela encontrou terreno fértil em alguns países, a exemplo da Holanda, que propõe uma transição de 100% no seu modelo de economia até 2050.

Compreende-se que para sua viabilidade no Brasil, são necessários o desenvolvimento dos processos de logística reversa, coleta seletiva e a reciclagem, dentre outros e que, somente a partir da efetiva garantia desses processos, é que a EC conseguirá se efetivar na prática. Acima de tudo, é preciso apostar na educação ambiental em todos os níveis de ensino para que atitudes e comportamentos menos utilitaristas com respeito ao meio ambiente possam despontar.

Identifica-se que a Constituição de 1988 optou por um desenvolvimento sustentável que considera em seu processo, além do crescimento econômico, os interesses maiores ligados aos valores sociais e à proteção ambiental. Essa opção deve nortear a formulação e a execução das políticas públicas, bem como as decisões judiciais e administrativas. 

Nesse sentido, identifica-se a importância da intervenção do Estado brasileiro no processo de definir políticas para a destinação dos resíduos sólidos. A edição da Lei n.º 12.305/10, que instituiu a PNRS, foi um marco importante no trato do tema, uma vez que assegurou de forma clara aos Estados, Distrito Federal e Municípios a possibilidade de cada ente criar sua política de acordo com as suas necessidades e especificidades, respeitando a Lei de Responsabilidade Fiscal n.º 101/00.

De igual modo, foi possível observar que o Brasil carece de uma política fiscal mais arrojada acerca dos incentivos fiscais para subsidiar a política nacional com os resíduos sólidos, em especial os EEE, foco deste estudo, por entender que o avanço tecnológico trouxe, a despeito dos benefícios amplamente conhecidos em diversas áreas, os malefícios do seu uso indiscriminado, provocado, muitas vezes, pela obsolescência planejada. O volume de resíduos produzidos com o descarte desses objetos, precocemente descartados, tem promovido uma perda enorme de recursos que poderiam ser reinvestidos no setor por meio da EC, bem como, danos irreversíveis ao meio ambiente. 

Grosso modo, observa-se que alguns Estados têm, ainda que de forma incipiente, promovido algum incentivo no setor de reciclagem dos resíduos sólidos. Todavia, não se identificou sua incidência para os EEE, o que acaba promovendo um processo de acúmulo desses resíduos em locais, muitas vezes, inadequados, contribuindo para a degradação do meio ambiente e malefícios diretos à saúde, já que muitos eletroeletrônicos utilizam metais pesados em sua fabricação.

Diante dessas ponderações, acredita-se ser a política de incentivos fiscais primordial para o processo de logística reversa e fomento da EC, uma vez que ela caminha pari passu com os interesses de um modelo econômico que favorece novos modelos de negócios sustentáveis e inclusivos, contribuindo para a manutenção da qualidade de vida no planeta, para essa e as futuras gerações.

Nada obstante, salienta-se que, nos Estados, objeto deste estudo, existe uma política fiscal que não privilegia de forma satisfatória a política de resíduo sólido, tratando-o de modo diverso e tacanho, sem dar a devida importância aos processos de reciclagem desses resíduos para fomentar os processos produtivos.  Desta forma, tais Estados precisam urgentemente adequar suas legislações, priorizando políticas de incentivos fiscais como estímulos às atividades econômicas relacionadas à reciclagem.

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[1] Mestre em Direito e aluna especial do Programa de Doutorado em Direito pela Universidade de Marília – UNIMAR, São Paulo, Brasil. E-mail: mirenicosta@gmail.com

[2] Doutoranda e Mestre em Direito pela Universidade de Marília – UNIMAR, São Paulo, Brasil. Promotora de Justiça do Estado do Acre. E-mail:  joanamartins.ac@gmail.com

[3] Doutora em Direito pela PUC/SP, Professora do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade de Marília – UNIMAR, São Paulo, Brasil. E-mail: mariadefatimaribeiro@uol.com.br

[4] A visão de uma economia em ciclos (ou economia circular) e seu impacto na criação de emprego, competitividade econômica, redução de recursos e prevenção de desperdícios.

[5] O framework Cradle to Cradle é focado no design para a efetividade em termos de produtos com impacto positivo e redução dos impactos negativos da comercialização através da efetividade.

[6] A Ecologia Industrial adota um ponto de vista sistêmico, projetando processos de produção de acordo com as restrições ecológicas locais, enquanto observa seu impacto global desde o início, e procura moldá-los para que funcionem o mais próximo possível dos sistemas vivos.

[7] Inovação Inspirada pela Natureza, define sua abordagem como uma “nova disciplina que estuda as melhores ideias da natureza e então imita esses designs e processos para solucionar os problemas humanos”. Esse modelo se baseia em três princípios fundamentais: natureza como modelo, como medida e como mentora.

[8] É um movimento open source, que reúne estudos de casos concretos, inicialmente compilados em um relatório homônimo e entregue ao Clube de Roma. Como afirma o manifesto oficial, “usando os recursos disponíveis em sistemas em cascataeamento […] os resíduos de um produto se tornam insumos para criar um novo fluxo de caixa”.

[9] ADI-MC-3540/DF (publicado em 3.2/2006 – Relator Celso de Mello)

[10] O art. 6º, IV, traz como um de seus princípios o desenvolvimento sustentável.

[11] Referido artigo destaca, também, a coleta seletiva, os sistemas de logística reversa e outras ferramentas relacionadas à implementação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, a cooperação técnica e financeira entre os setores público e privado para o desenvolvimento de pesquisas de novos produtos, métodos, processos e tecnologias de gestão, reciclagem, reutilização, tratamento de resíduos e disposição final ambientalmente adequada de rejeitos, a educação ambiental entre outros instrumentos.