DUTY TO MITIGATE THE LOSS E SUA POSSÍVEL INCIDÊNCIA NO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO

DUTY TO MITIGATE THE LOSS E SUA POSSÍVEL INCIDÊNCIA NO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO

DUTY TO MITIGATE THE LOSS AND ITS POSSIBLE IMPACT ON BRAZILIAN FAMILY LAW

Artigo submetido em 25 de abril de 2024
Artigo aprovado em 08 de maio de 2024
Artigo publicado em 30 de junho de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 55 – Junho de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Líbera Copetti de Moura Truzzi[1]

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar o instituto do Duty to mitigate the loss ou dever de mitigar os próprios prejuízos e sua aplicabilidade na seara do direito de família brasileiro, cuja análise perpassará através do viés contemporâneo Constitucional do direito de família e sua comunicabilidade com diferentes institutos. Após, por meio da conceituação do instituto Duty to mitigate the loss e de seus aspectos históricos, analisar-se-á sua possível incidência nas relações familiares, sobre a ótica da boa-fé objetiva.

Palavras-chave: Duty to Mitigate the loss. Boa-fé objetiva. Direito Civil. Direito Civil Constitucional. Direito de Família.

Abstract: The present work aims to analyze the institute of Duty to mitigate the loss or duty to mitigate one’s own losses and its applicability in the field of Brazilian family law, whose analysis will permeate through the contemporary Constitutional bias of family law and its communicability with different institutes. Afterwards, through the conceptualization of the Duty to mitigate the loss institute and its historical aspects, its possible impact on family relationships will be analyzed, from the perspective of objective good faith.

Keywords: Duty to Mitigate the loss. Objective good faith. Civil right. Constitutional Civil Law. Family right.

Sumário: 1. Introdução. 2. O direito de família à luz do direito civil constitucional. 3 Duty to Mitigate the loss – conceito, aspectos históricos e natureza jurídica. 4 boa-fé objetiva nas relações privadas. 5. Duty to mitigate the loss e sua possível incidência nas relações familiares. 6. Considerações finais. Referências.

1  INTRODUÇÃO

O Direito de Família, por suas peculiaridades, é área que apresenta alta carga valorativa e subjetiva no ordenamento jurídico, exigindo do intérprete, um esforço hermenêutico contínuo no aprimoramento de seus conceitos e até mesmo na criação de novos institutos jurídicos, frente às situações quotidianas que desaguam no judiciário, à espera da efetiva concretização da justiça.

Referidas peculiaridades, decorrem do dinamismo que permeia as relações familiares e afetivas, que não se limitam – mas sim ultrapassam – o universo das situações classificadas ou delineadas pelas normas cogentes.

O vocábulo família é um organismo vivo, em constante evolução, e, como tal, reflete o momento histórico da própria sociedade. Novos dilemas emergem a cada dia, exigindo do direito de família, ante sua organicidade e plasticidade, uma contínua e vigilante readequação e, até mesmo, a apropriação de novas fontes, uma vez que a norma cogente sempre esteve um passo atrás dessas novas realidades, justamente diante do dinamismo das relações interpessoais.

A apropriação de institutos até então concebidos e dirigidos para outras áreas, passa a ocorrer de forma mais expressiva pós Constituição Federal de 1988, ante a nova concepção do direito de família, não mais estático e patrimonialista, mas sim, um sistema aberto, em franco diálogo com todas as fontes do direito, admitindo-se a incidência de institutos até então alheios a este ramo do direito.

O Estado liberal cede lugar a um Estado-Social, sobrepondo-se seu viés existencial ao viés patrimonial, uma vez que a dignidade humana, passa a ser o centro do ordenamento jurídico e fundamento primordial da República, cujo diálogo das fontes[2] torna-se indispensável para a harmonia do sistema.

Nesse contexto, insere-se a boa-fé objetiva como cláusula geral e inafastável do sistema, ao determinar que em quaisquer relações, sejam elas de natureza patrimonial ou existencial, devem ser guiadas sob a ótica da boa-fé objetiva, compreendida enquanto meio de promoção dos direitos fundamentais, exigindo-se um agir de forma leal e cooperativa em todas as relações, aí incluídas as familiares.

A interlocução entre institutos e a possibilidade de que áreas alheias ingressassem na seara familista sob o viés Constitucional, à exemplo do que ocorre com a responsabilidade civil e a contratualização do direito de família, ampliou como dito, a possibilidade de aplicação de institutos, sem existir, contudo, critérios balizadores e distintivos e cuja inferência dá-se não raras vezes, de forma equivocada ou desvirtuada, em especial diante da ausência de dispositivos legais específicos.

Neste sentido, o presente estudo se propõe a analisar a possibilidade de aplicação do instituto do Duty to mitigate the loss ou dever de mitigação dos próprios prejuízos, nas relações familiares, partindo-se da premissa inicial da recepção do instituto no direito brasileiro.

Referido instituto, idealizado primordialmente para relações contratuais, “impõe” ao credor, diante de um inadimplemento, a tomada de medidas razoáveis para evitar ou mitigar seus próprios prejuízos, sob pena de ter sua indenização reduzida.

Por sua vez, o presente trabalho, visa por meio de sua hipótese central, aferir acerca da possibilidade da incidência do referido instituto nas situações que envolvam o direito de família em suas múltiplas relações familiares, sejam elas horizontais ou verticais, e por sua vez, qual a natureza jurídica e fundamentos para sua possível aplicação.

A análise permeará inicialmente uma breve contextualização do direito de família e o direito civil constitucional. Posteriormente, analisar-se-á o instituto da mitigação de danos, seu contexto histórico, conceito e recepção no ordenamento jurídico brasileiro. Em seguida far-se-á uma breve análise acerca da boa-fé objetiva no sistema e por fim, a análise quanto a possibilidade de incidência do instituto sob a ótica constitucional da boa-fé objetiva inserida nas relações familiares.

2  O DIREITO DE FAMÍLIA À LUZ Do DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL

Antes da análise conceitual do instituto do Duty to mitigate the loss, faz-se necessário compreender o viés contemporâneo Constitucional do direito de família e sua comunicabilidade com diferentes institutos, como forma de promoção e efetivação dos direitos fundamentais.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, promoveu-se a ressignificação de todo ordenamento jurídico pátrio. Foi, na expressão cunhada pelo Ministro Luiz Edson Fachin, “a virada de copérnico”[3]. O Estado passa a intervir na esfera privada por meio da eficácia dos direitos fundamentais.

Ante a inserção de normas de direito privado na Constituição Federal, foi consagrada no Brasil a terminologia “Direito Civil Constitucional” pelos professores Gustavo Tepedino e Maria Celina Bodin de Moraes[4], com a influência da teoria Italiana do professor Pietro Perligieri, ante a interpretação dos institutos de Direito Civil fundados nos Princípios Constitucionais.

Os institutos do Direito Civil, assim como as demais áreas do direito, desde a promulgação da Constituição de 1988, não podem mais ser vistos de uma forma isolada, mas sim de forma sistêmica, servindo os princípios gerais contidos na Carta magna de parâmetro axiológico para a análise do ordenamento jurídico, como bem exemplifica Bodin de Morais[5]:

“A unidade do sistema do direito civil, com efeito, não pode mais ser dada pelo Código Civil. Diante da proliferação dos chamados microssistemas, é necessário reconhecer que o Código não mais se encontra no centro das relações de direito privado. Este polo foi deslocado a partir da consciência da unidade do sistema e do respeito à hierarquia das fontes normativas para a Constituição, base única dos princípios fundamentais do ordenamento jurídico.”

A constituição passa a ocupar um lugar significativo no âmbito de uma organização que Canotilho denomina “cosmos normativo”. Nesse cosmos normativo instituições como a família estão representadas em aspectos tais como: (1) um modelo de ação e padrão de comportamento; (2) um espaço de ligação do indivíduo com outras pessoas ou com a sociedade; (3) uma estrutura de socialização e estabilização dos padrões de conduta e comportamento. A promoção da unidade do ordenamento, a partir da constituição, requer a adoção de pressupostos substancialmente diferentes, destacando-se a relevância do princípio da constitucionalidade, ou, em perspectiva mais abrangente, princípio da conformidade[6]. Assim, a garantia da unidade não se dá com a constituição como “norma do centro”, mas sim como estatuto de justiça do político ou quadro moral e racional.

A hierarquia de fontes, cuja supremacia é a Constituição, atribuiu o caráter normativo dos princípios constitucionais. Os princípios, além de seu caráter axiológico, adquiriram caráter normativo, sendo positivados nas normas constitucionais, formando um verdadeiro sistema, donde se irradiam por todos os segmentos da ordem jurídica, desempenhando o papel de organizar e estruturar, harmonicamente, todas as normas jurídicas, nos diferentes ramos do direito[7].

Por sua vez, a harmonia do sistema depende igualmente do diálogo das fontes por meio da harmonia e da coordenação entre as normas do ordenamento jurídico (concebido como sistema).[8]

O Estado liberal, predominantemente patrimonial, cede lugar a um Estado social[9], mediante a valorização dos direitos fundamentais e das situações jurídicas existenciais, até então dirigida essencialmente ao patrimônio e as instituições, mediante a ressignificação da proteção do indivíduo, aí incluída a criança. A dimensão do “ser” passa a ter uma relevância maior sobre o “ter”.

A pessoa humana passa a ser o centro do ordenamento jurídico, quando o artigo 1º da Constituição estabelece que a Dignidade Humana constitui um dos fundamentos da República[10], cujo princípio, torna-se ao mesmo tempo, vetor valorativo, normativo e interpretativo do ordenamento.

Com a inversão da centralidade, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o direito torna-se constitucionalizado, urgindo-se que os institutos de Direito Civil, tivessem, por certo, um fundamento de validade constitucional, ou seja, fossem interpretados mediante uma releitura a partir dos valores e princípios constitucionais.

A coerência do sistema passa diretamente pela Constituição, cuja interpretação e aplicação, dentro das novas realidades sociais, devem promover a plena efetivação de seus valores e de seu conteúdo axiológico, cujas normas de direito de família e consequentemente a aplicação de diferentes institutos, passaram a inferir em todas as relações.

Pode-se mencionar por exemplo a incidência das regras da responsabilidade civil nas relações familiares, até então afastada pela “ausência de dispositivos legais específicos” ou por uma vetusta concepção de “imunidade familiar”[11], cuja incidência ocorre, não por um regramento próprio e específico do direito de família, mas sim pela visão sistêmica do próprio ordenamento jurídico, em especial dos fundamentos axiológicos constitucionais vigentes e pelo reconhecimento da aplicação da boa-fé objetiva em todas as relações, ai incluídas as familiares.

Contudo, essa incidência de novas fontes, deve por certo ocorrer não apenas sob o viés constitucional, mas em observância a própria natureza jurídica dos institutos, sob pena de esvaziamento tanto do próprio instituto que se pretende apropriar, quanto do conceito de dignidade humana, aplicado não raras vezes de forma generalizada.

Justamente por estas peculiaridades inerentes ao direito de família, em especial pelas situações de vulnerabilidades, o cuidado quanto a aplicação de institutos sejam eles de direito comparado ou de outras áreas, deve se dar de forma ainda mais cautelosa, sob pena de surgirem conflitos de ordem Constitucional, assim como indevida invasão na esfera pessoal, e desvirtuamentos quanto as categorias jurídicas.

De outro vértice, a aplicação cautelosa pode enriquecer e fortalecer institutos de direito de família como forma de efetivação de diretos fundamentais e solução de controvérsias cuja solução não se encontra na norma expressamente posta.

3  DUTY TO MITIGATE THE LOSS – CONCEITO, ASPECTOS HISTÓRICOS E NATUREZA JURÍDICA

O instituto do duty to mitigate the loss refere-se a um ônus do credor em tomar medidas razoáveis e possíveis, face a um inadimplemento, seja evitando ou minimizando o prejuízo que poderia advir, cuja não observância, faz com que ele não seja ressarcido do dano sofrido ou tenha sua indenização reduzida.

O “duty to mitigate the loss”, ou dever de mitigar o prejuízo, possui raízes históricas que remontam ao desenvolvimento do direito contratual.

Sua origem está ligada ao Direito Romano, conforme se depreende de situações referenciadas no Corpus luris Civilis[12], trazendo consigo a noção de que a indenização não poderá ser total, dependendo da postura adotada pelo credor. Implicitamente, há uma noção de mitigação, mesmo que incorporada pelas ideias de limitação de responsabilidade e de culpa[13].

Apesar de alguns doutrinadores afirmarem que a origem do Duty to mitigate the loss remontaria ao direito Anglo Saxão[14], corroborando com o fato de que sua tradição deriva do Direito Romano, Daniel Dias[15], menciona que o Código Civil Alemão de 1896, já previa a redução da indenização da parte lesada por negligência desta em afastar ou minorar o próprio dano, enquanto o duty to mitigate the loss, no direito Anglo-Saxão foi formulado pela primeira vez em uma decisão judicial datada de 1912.

No contexto do direito contratual, o dever de mitigar o prejuízo foi evoluindo ao longo dos séculos, ganhando reconhecimento em diferentes sistemas jurídicos. O princípio foi adotado em sistemas de common law, e, posteriormente, disseminou-se para outras jurisdições.

Nos países da common law, o duty to mitigate the loss está inserido dentro da doctrine of avoidable consequences (doutrina das consequências evitáveis), ou seja, o credor por meio de um ônus, deve mitigar o dano decorrente do inadimplemento do devedor através de razoáveis condutas positivas, ou seja, através de uma postura comissiva. Seu propósito principal é evitar as perdas econômicas do credor resultantes dos prejuízos sofridos que poderiam ter sido mitigados se tivesse agido razoavelmente[16].

O duty to mitigate the loss se apresenta como um importante instrumento de equilíbrio nas relações jurídicas obrigacionais, por meio da imputação ou incumbência de a parte prejudicada não se manter inerte e mitigar prejuízos que poderiam por ela ser evitados, evita também que a parte inadimplente seja penalizada a indenizar por perdas e danos os quais não teve participação, isto é, que apesar de terem relação com o inadimplemento, só existiram porque a parte prejudicada não agiu como teria que agir.

Assim, se um credor não toma medidas razoáveis na ocorrência do inadimplemento do devedor, seja por meio de ação judicial ou outras medidas, não poderá locupletar-se por certo, dos prejuízos suportados por sua própria inércia. Impõem-se um ônus decorrente da evitabilidade – pressuposto essencial da aplicação do instituto, na medida em que o credor deve agir com diligência para a preservação e conservação de seus direitos.

A mitigação, refere-se tanto quanto ao ato de evitar o próprio prejuízo, quanto mitigar a gravidade de seus futuros prejuízos. Trata-se da adoção de medidas inseridas em um contexto de evitabilidade e de razoabilidade.

O credor que se vê diante da dilapidação de seu patrimônio e não propõe medidas mínimas capazes de mitigar suas perdas, não poderá locupletar-se de eventual indenização. Aqui há uma lógica inserida na vedação ao comportamento contraditório, ou do termo em latim: “Nemo auditur propriam turpitudinem allegans”.

O princípio da proibição de comportamento contraditório, guarda íntima relação com a vedação de alegação da própria torpeza, tratando-se de princípio geral do direito que se irradia por todo o ordenamento jurídico brasileiro, em especial nas relações obrigacionais e contratuais.

O tema da  mitigação dos prejuízos foi expressamente acolhida na Convenção de Viena de1980, em que o Brasil é signatário, relativamente no capítulo V, que trata das “Disposições relativas às obrigações do vendedor e do comprador”, dispondo em seu artigo 77, que a parte que invoca o descumprimento contratual deve tomar medidas razoáveis para limitar a própria perda, sob pena de autorizar que a parte faltosa postule a redução das perdas e danos, no equivalente ao valor da perda que poderia ter sido diminuída.[17]

Menciona-se, outrossim, a previsão do duty to mitigate the loss na Convenção de Haia de 1º de julho de 1994, a qual versa sobre a venda internacional de objetos móveis corporais[18].

No Brasil, no ano de 2004, o tema foi objeto do Enunciado 169, aprovado pela III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal, de proposição da professora Véra Maria Jacob de Fradera, dispondo que “o princípio da boa-fé deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo”.

Fradera por meio do artigo intitulado “pode o credor ser instado a diminuir o próprio prejuízo”[19], introduziu a discussão no âmbito Nacional, defendo ser possível sua recepção, sob o fundamento do princípio da boa-fé objetiva inserido no artigo 422, que corresponderia a um dever acessório, cujo entendimento repercute nas cortes Brasileiras. Neste sentido assim leciona a autora[20]:

No sistema do Código Civil de 2002, o duty to mitigate the loss poderia ser considerado um dever acessório, derivado do princípio da boa fé objetiva, pois nosso legislador, com apoio na doutrina anterior ao atual Código, adota uma concepção cooperativa do contrato. (…) Outro aspecto a ser destacado é o da positivação do princípio da boa fé objetiva, no novo diploma civil, abrindo, então, inúmeras possibilidades ao alargamento das obrigações e/ou incumbências das partes, no caso, as do credor”.

Essa posição é também referendada por Martins-Costa[21]:

Toda relação jurídica obrigacional é relação entre situações jurídicas correlatadas, e não apenas entre direitos e deveres. Desse modo, não só o devedor está numa situação subjetiva de dever, em relação ao credor: este também está, como apontou PERLINGIERI, em situação de dever em relação ao devedor. Um dos mais prestantes serviços do princípio da boa-fé foi ter proporcionado ‘a descoberta dogmática da ocorrência, na relação obrigacional, de deveres de colaboração e lealdade imputados ambos os figurantes da relação obrigacional (CC, art. 422). Por isso mesmo, como escrevi alhures, pode o credor ofender a boa-fé pela violação do dever de não agravar os danos acaso existentes, na medida em que lhe cabe o dever de mitigação dos danos”.

Por sua vez, a doutrina vem ultrapassando os limites propostos inicialmente por Fradera, quanto a possibilidade de sua aplicação para além da responsabilidade contratual, ao apontarem os arts. 769 e 771 do Código Civil de 2002 como expressões presentes no sistema brasileiro do duty to mitigate the loss, propondo sua aplicação à responsabilidade aquiliana e ao processo civil, para além do campo do direito contratual, onde a recepção foi originariamente concebida.

Neste sentido é a lição de Fredie Didier Jr.[22], quanto a possibilidade de aplicação do duty to mitigate ao processo civil, referente à situação da parte, em juízo, a quem se destina multa cominatória (art. 461, § 4º, CPC), que permanece inerte face do aumento do seu montante.

O tema é polêmico, remanescendo em uma zona cinzenta, cujas divergências doutrinárias residem não apenas quanto a incidência do tema no sistema jurídico brasileiro, mas dissensos quanto aos seus fundamentos, ora oriundo da boa-fé objetiva, ora proveniente do abuso de direito, ou do instituto do venire contra factum proprium ou da própria responsabilidade civil, como possíveis estruturas para introdução da norma de mitigação no Brasil.

Alguns autores[23] sustentam, que a incumbência de mitigar o prejuízo encontraria fundamento na culpa concorrente, ou seja da obrigação recíproca das partes à ocorrência e à quantificação do resultado lesivo.

Todavia, entendemos tratar-se de fundamento jurídico distinto. O fundamento principal reside na boa-fé objetiva, que como cláusula geral e princípio norteador do sistema, permite sua incidência em diferentes níveis das relações jurídicas, sejam elas contratuais ou pessoais, em prol da harmonia do próprio sistema.

Da mesma forma, persiste a controvérsia acerca da possível imputação deste “dever” de conduta do credor, ou seja, qual seria a natureza jurídica do instituto – um dever jurídico propriamente dito imposto ao credor ou como um ônus cuja inobservância poderia configurar um fator de redução de eventual indenização fundado nos deveres anexos.

Dentro da concepção jurídica, “dever” é compreendido como vínculo imposto à vontade do sujeito em razão da tutela de interesse alheio, cujo descumprimento compreende um ilícito e acarreta a aplicação de sanção. Por sua vez, “ônus” é o vínculo imposto à vontade do sujeito como condição para a satisfação de seu próprio interesse e cujo descumprimento não importa aplicação de sanção, mas apenas desvantagens econômicas.[24] Consiste em “vínculo imposto à vontade do sujeito em razão do seu próprio interesse”[25].

Daniel Dias menciona que o duty to mitigate the loss no sistema da common law, não corresponde a um dever propriamente dito, mas uma norma que, conjuntamente com outras, determinam o valor da indenização da vítima de um dano contratual ou extracontratual[26].

Nos Estados Unidos, onde o instituto desenvolveu-se de forma mais contundente, a compreensão reside não em um dever propriamente dito em mitigar os próprios danos, mas em verdade um fator de limitação ou exclusão, de eventual indenização.

André Arnt[27] aduz tratar-se de “incumbência (portanto, não dever, ônus ou obrigação) de mitigar o próprio prejuízo; e (ii) que seu Leitmotiv é a boa-fé objetiva, espraiada também pela seara extracontratual pela via da vedação ao exercício disfuncional de posição jurídica”.  Conduz neste sentido o autor, à ideia de uma incumbência do credor, cujo fundamento encontra substrato contratual e extracontratual no conteúdo deôntico[28] da cláusula geral da boa-fé objetiva, à luz das circunstâncias de diversos casos concretos.

Ou seja, o instituto do duty to mitigate não poderia, em princípio, ser interpretado literalmente como um “dever” imposto à parte prejudicada pelo inadimplemento de mitigar seu próprio dano, em especial diante da ausência de norma sancionadora e da noção de autolesão que figura dentro do aspecto de liberdade e autodeterminação do indivíduo, cujas consequências diretas se encontram previstas na norma cogente, à exemplo do que se depreende da prescrição, decadência e da responsabilidade civil. Alinha-se, portanto, a ideia de uma incumbência oriunda da clausula geral da boa-fé objetiva.

Apesar da legislação brasileira não possuir dispositivo que discipline explicitamente a matéria, observa-se por meio da expressiva quantidade de jurisprudência sobre o tema, em especial do STJ, assim como pela existência do Enunciado 169 do Conselho da Justiça Federal, que o tema foi recepcionado no direito pátrio, em especial sob a ótica da boa-fé objetiva, não afastando, contudo, suas controvérsias que ainda permanecem latentes.

Por sua vez, algumas premissas vêm sendo estabelecidas pelas Cortes Superiores quanto a incidência do duty to mitigate the loss, à exemplo do que se depreende do julgamento REsp 1201672 MS, de relatoria do Ministro Lázaro Guimaraes da 4ª Turma do STJ[29], cujo referido acórdão, assentou o entendimento no sentido de que o ajuizamento de demanda próxima ao prazo do decurso do prazo prescricional, não configuraria em expectativa jurídica ou de violação do dever de informação em detrimento do devedor, e, portanto, não poderia per si ser considerado como fundamento para a aplicação do instituto:

 ” O ajuizamento de ação de cobrança muito próximo ao implemento do prazo prescricional, mas ainda dentro do lapso legalmente previsto, não pode ser considerado, por si só, como fundamento para a aplicação do duty to mitigate the loss. Para tanto, é necessário que, além do exercício tardio do direito de ação, o credor tenha violado, comprovadamente, alguns dos deveres anexos ao contrato, promovendo condutas ou omitindo-se diante de determinadas circunstâncias, ou levando o devedor à legítima expectativa de que a dívida não mais seria cobrada ou cobrada a menor.

Assim o tratamento do instituto no ordenamento Brasileiro vem paulatinamente sendo delineado pelas Cortes Superiores, fazendo-se necessário por certo, o estabelecimento de critérios e de premissas jurídicas, sob pena de desvirtuamentos conceituais ou aplicação indistinta em detrimento de outros institutos.  

4 BOA FÉ OBJETIVA NAS RELAÇÕES PRIVADAS

A boa-fé objetiva foi expressamente introduzida no Direito Civil brasileiro pelo advento do Código de Defesa do Consumidor, tendo posteriormente sido consagrada na Lei 10.406/2002, Código Civil Brasileiro, em diversos dispositivos, ora se apresentando como regra, ora como princípio ou ainda como Standart jurídico e regra de comportamento[30].

O instituto da boa-fé objetiva ergue-se, ainda, como tradução do interesse social na segurança das relações jurídicas, exigindo das partes, reciprocamente, lealdade e confiança.

Judith Martins-Costa[31] em sua célebre obra sobre a boa-fé no direito privado, aduz que a mesma, decorre de um padrão comportamental de lealdade:

A expressão ‘boa-fé subjetiva’ denota ‘estado de consciência’, ou convencimento individual de obrar [a parte] em conformidade ao direito [sendo] aplicável, em regra ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria possessória. Diz-se ‘subjetiva’ justamente porque, para sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antiética à boa-fé subjetiva está a má-fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar a outrem.

O princípio da boa-fé objetiva aparece também no Código Civil como cláusula geral no artigo 422[32], exigindo dos contratantes que observem, seja na fase pré-contratual, seja durante sua execução, o dever de probidade e de lealdade. Como cláusula geral, tal dispositivo, dentre outros espalhados no diploma civil, evidenciam que o atual Código constitui um sistema aberto, conferindo ao magistrado, como intérprete da norma, resolver o caso contrato verificando se os partícipes da relação jurídica em debate se portaram como exige tal regra.

Da boa-fé, irradiam deveres anexos ou secundários de natureza cooperativa que permeiam a relação contratual em sua totalidade, a saber, “durante o curso ou o desenvolvimento da relação jurídica, e, em certos casos, posteriormente ao adimplemento da obrigação principal”[33].

Por sua vez, como corolário máximo das relações jurídicas, a boa-fé objetiva é o esteio de todas as relações privadas, aí incluídas igualmente as relações familiares, sejam elas de natureza patrimonial quanto pessoal. Trata-se de harmonização do próprio sistema que não exclui sua aplicação nesta seara, cuja eticidade e demais deveres anexos devem ser observados pelas partes, primando pela confiança e do dever de lealdade em quaisquer relações.

A boa fé objetiva ingressa na seara privada determinando novos contornos para os institutos familiaristas sob a ótica dos valores constitucionais, em especial à dignidade da pessoa humana, cuja significação transcende a tradução da confiança, que é o esteio de todas as formas de convivência em sociedade.

À proposito do tema, esclarece Fernanda Pessanha do Amaral Gurgel[34] que a boa-fé objetiva, por conter valores essenciais, de conteúdo generalizante, deve ser posicionada como um princípio geral a ser priorizado em todo o direito e nas diversas espécies de relações jurídicas, inclusive no que concerne às relações familiares. Neste sentido conclui a mencionada autora:

A materialização da boa-fé objetiva impõe uma articulação coordenada com diversas regras e institutos jurídicos, com vistas a produzir efeitos que estejam em harmonia com os fins delineados em valores e princípios gerais. Logo, nos posicionamos no sentido de concretizar a boa-fé objetiva no direito de família por meio da aplicação conjunta de regras jurídicas de outros institutos e ramos do direito, dos quais podemos destacar a vedação ao enriquecimento ilícito ou sem causa, a responsabilidade civil, a mora, a resolução contratual, a aplicação de multa para as obrigações de fazer e não fazer, o abuso de direito, dentre outros que se fizerem necessários.

Neste sentido a noção de boa-fé objetiva extrapola os limites meramente contratuais, incidindo em diferentes níveis do ordenamento, seja como cláusula geral, seja como princípio ou regra, cuja inafastabilidade de sua aplicação no direito de família representa não apenas o esteio de todas as relações privadas, mas harmonização do próprio sistema Constitucional vigente.

5  DUTY TO MITIGATE THE LOSS E SUA POSSÍVEL INCIDÊNCIA NAS RELAÇÕES FAMILIARES

A boa-fé por conter valores e princípios de conteúdo generalizante, faz com que seu conteúdo irradie por todo o sistema, incidindo sobre todas as espécies de relações jurídicas. Os deveres anexos de eticidade, lealdade, honestidade e cooperação, quando não presentes, podem a depender a situação concreta, configurar abuso de direito.

A concretização da boa-fé objetiva nas relações familiares, infere-se quando tais deveres anexos se fizerem presentes, em especial quanto a repercussão material da dignidade humana. A propósito do tema, discorrem Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias[35]:

 A dignidade da pessoa humana é simultaneamente valor e princípio, constituindo elemento decisivo na afirmação de qualquer Estado Democrático de Direito, assumindo proporção de cláusula geral, apta a condicional e conformar todo tecido normativo. Cogitando de um sistema aberto, cuja supremacia axiológica é referida pela dignidade da pessoa humana, o Direito Civil e a Constituição manterão intenso vínculo comunicativo, com repercussão material dos princípios que lhes são comuns. Nesta constante travessa, a boa-fé é sentida como a concretização do princípio da dignidade no campo das obrigações. […]

A boa-fé objetiva transforma os deveres morais de lealdade, de respeito, de colaboração e de preservação da confiança em deveres jurídicos, de forma que o seu descumprimento faz nascer a responsabilidade civil[36].

Menciona-se neste sentido, a figura do abuso de direito esculpido no artigo 187[37], do código civil, cuja incidência decorre igualmente da violação do elemento axiológico da norma e da eticidade das relações jurídicas.

Inserido neste contexto, conjectura-se a possibilidade de aplicação do instituto do duty to mitigate the loss na seara do direito de família ante a inafastabilidade da boa-fé objetiva em tais relações e por conseguinte de todos os deveres anexos subjacentes.

Outro fundamento para sua incidência, reside igualmente na ausência de norma proibitiva, mas em especial, nas próprias regras integrativas do sistema, que permitem a utilização de outras fontes do direito para fins de solução do caso concreto, ante a ausência de normas especificas. É o que prevê expressamente a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) em seu artigo art. 4°, ao dispor que quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito[38].

As relações familiares como dito allures, são fenômenos sociais em constante transformação e exigem do julgador soluções capazes de conferir a harmonia do sistema. A situação patológica de uma relação, permitiria dentro da análise de um caso concreto a imputação de outros institutos, seja o da responsabilidade civil ou da própria mitigação de danos, cujo fundamento legal se ampara na boa-fé objetiva, insculpida na textualidade do art. 422[39] do código civil e como cláusula geral do ordenamento. Um exemplo prático que poderíamos mencionar seria a seguinte situação hipotética:

No âmbito de uma dissolução conjugal, um casal estabelece mediante acordo judicial a manutenção de condomínio de um bem imóvel, fixando um valor de aluguel e multa por atraso, assim como determinações quanto a conservação do bem, ao ex-consorte que permanece no imóvel, cujo prazo estipulado inter partes, seria até venda do bem. Passados alguns anos sem qualquer pagamento ou medida para a cobrança de tais quantias, e mesmo diante da má conservação do bem pelo possuidor, aquele que permaneceu fora da posse, próximo ao prazo prescricional, ingressa com ação de cobrança cumulada com multa e perdas e danos decorrente dos danos provenientes da ausência de conservação do bem, assim como pelos prejuízos oriundos da redução do preço venal do imóvel.

Nesta seara, compreende-se a possibilidade de aplicação do duty to mitigate the loss, relativamente a indenização pleiteada, no sentido de redução de sua eventual indenização ante a ausência de tomada de medidas razoáveis por parte do ex-consorte para mitigar seus prejuízos no período correspondente. No entanto, há que considerar-se que, em relação ao valor do aluguel e multa, estas não seriam atingidas por força do instituto, uma vez que o código civil possui regras próprias e por certo, consequências advindas de sua inércia[40].

Da mesma forma, dentro da liberdade e do exercício do livre arbítrio da parte, não poderia imputar-se uma conduta ou um dever de ingresso da demanda judicial, visto que este poderia simplesmente deixar de exercer seu direito, inclusive por questões de fundo emocional, muito presentes por certo, nas relações familiares. Outro fator refere-se a possibilidade de incidência de outros institutos como a supressio ou surrectio.

Nesta seara, observa-se que a jurisprudência de forma acanhada vem reconhecendo a aplicação do instituto nesta seara.

 Em interessante caso julgado no ano de 2022 pela terceira turma do STJ, relativamente junto ao REsp 194428 SP, cujo cerne da demanda discutia a possibilidade de reconhecimento quanto ao dever do ex-companheiro de arcar com as despesas dos animais de estimação adquiridos durante a união estável, na proporção de metade, assim como reparar os gastos expendidos pela autora com as despesas de subsistência dos pets, após a dissolução da união estável. Apesar do STJ apesar de reconhecer a existência de prescrição in casu, o juízo a quo assim como o Tribunal de origem, reconheceram a possibilidade de aplicação do duty to mitigate the loss, quando a redução da indenização pleiteada, ante a inércia da autora:     

Pelas razões expostas, o réu responde, em tese, pelo ressarcimento de r$ 39.546,67. Contudo, acolhe-se o argumento calcado na doutrina do”duty to mitigate the loss”. Trata-se do dever de mitigar a própria perda, cuja aplicação é admitida pelos tribunais como decorrência da boa-fé objetiva que deve pautar também a conduta do lesado. (…) No caso de que se cuida, a autora permaneceu inerte ao longo de vários anos, sem buscar, concretamente, junto ao réu qualquer solução definitiva para a guarda e manutenção dos animais, embora desde a data em que os cachorros passaram à posse de seu pai custeie a manutenção deles. Tal inércia avolumou sobremaneira o impacto da manutenção dos cachorros para o réu a se ver compelido ao pagamento, repentinamente e em uma única parcela, de quantia vultosa, tal ônus, que é resultante da inércia da autora, não pode ser transferido ao réu. E é inequívoco o maior impacto financeiro da obrigação exigida do réu quando comparada ao pagamento mensal de pequena quantia para manutenção dos animais, aqui o desfalque é importante com reflexo para o cumprimento de outras obrigações, enquanto o pagamento mensal pode ser administrado no orçamento doméstico. E aqui observo que a menção ao tema em correspondência eletrônica trocada não assume a natureza de providência concreta acerca da pretensão ou de solução definitiva para a guarda e manutenção dos animais. Portanto, a correspondência eletrônica noticiada pela autora não afasta a aplicação da doutrina invocada pelo réu na defesa.

No citado julgado, o entendimento para a redução das perdas e danos teve por fundamento o duty to mitigate the loss, uma vez que a autora permaneceu inerte ao longo de vários anos, sem buscar, concretamente, qualquer solução definitiva para a guarda e manutenção dos animais, avolumando-se a soma devida pelo réu, cujo pagamento pleiteado referia-se a uma única parcela, cujo ônus, resultante da inércia da autora, não poderia ser transferido ao réu.

Aventa-se igualmente a possibilidade de aplicação do instituto no campo das ações de execução de alimentos em relação a maiores e capazes (visto que em se tratando de menores e incapazes, a norma cogente atribui pela própria natureza jurídica do instituto, consequências materiais e processuais próprias), diante de uma situação em que um filho maior ou um ex-consorte não promove a execução das quantias devidas, deixando acumular de forma vertiginosa determinado valor, tornando em não raras vezes impossível seu adimplemento, ou sujeitando o executado a prisão civil por valores exorbitantes.

Há que se considerar, entretanto as particularidades inerentes à seara do Direito de Família, em especial diante de existência de vulneráveis na relação jurídica, e de todos os princípios Constitucionais incidentes.

Diante disso, entendemos ser possível a aplicação do instituto sob a ótica da boa-fé objetiva e de todos os deveres anexos que por certo incidem nas relações familiares, cuja tutela da confiança encontra seus contornos na materialização da dignidade humana.

  Contudo, diante das relações verticais ou até mesmo aquelas relações horizontais, há que se observar a existência de vulneráveis e por certo da incidência dos regramentos próprios, sob pena de esvaziamento de seus conteúdos legais e axiológicos.

6  CONSIDERAÇÕES FINAIS

O instituto do duty to mitigate the loss refere-se a um ônus/imputação ao credor em tomar medidas razoáveis e possíveis, face a um inadimplemento, seja evitando ou minimizando o prejuízo que poderia suportar, cuja não observância, faz com que ele não seja ressarcido do dano sofrido ou tenha sua indenização reduzida.

Trata-se de instituto de origem Romana, atualmente mais presente no sistema da comown law, inserindo-se dentro da doctrine of avoidable consequences (doutrina das consequências evitáveis), em que o credor por meio de um ônus, deve mitigar o dano decorrente do inadimplemento do devedor através de razoáveis condutas positivas, ou seja, através de uma postura comissiva, cuja incidência fora inicialmente contextualizada para o âmbito das relações contratuais, mas atualmente, sua aplicação vem extrapolando seu conceito inicial, à exemplo da responsabilidade aquiliana e ao processo civil.

A mitigação, refere-se tanto quanto ao ato de evitar o próprio prejuízo, quanto mitigar a gravidade de seus futuros prejuízos. Trata-se da adoção de medidas inseridas em um contexto de evitabilidade e de razoabilidade.

No Direito brasileiro, embora não haja uma norma específica que estabeleça o “duty to mitigate the loss” de maneira explícita, sua aplicação é reconhecida por meio dos princípios gerais do direito e da boa-fé objetiva. A boa-fé objetiva permeia o ordenamento jurídico brasileiro por meio de um direito civil mais flexível fundado em cláusulas gerais inspiradas em valores e princípios constitucionais, impondo às partes, em quaisquer relações, o dever de agir com lealdade, cooperação e honestidade.

Observa-se por meio da massiva jurisprudência sobre o tema, em especial do STJ, assim como pela existência do Enunciado 169 do Conselho da Justiça Federal, que o tema foi recepcionado no direito pátrio, em especial sob a ótica da boa-fé objetiva, não afastando, contudo, suas controvérsias.

Quanto a sua natureza jurídica, conclui-se que o instituto do duty to mitigate não poderia, em princípio, ser interpretado literalmente como um “dever” imposto à parte prejudicada pelo inadimplemento de mitigar seu próprio dano, em especial diante da ausência de norma sancionadora e da noção de autolesão que figura dentro do aspecto de liberdade e autodeterminação do indivíduo, alinhando-se, portanto, a ideia de uma incumbência oriunda da clausula geral da boa-fé objetiva.

No âmbito do direito de família, sob a ótica do Direito civil-constitucional, o tema adquire relevos importantes, permitindo dentro da análise de um caso concreto a imputação institutos que promovam a efetivação e concretização dos direitos fundamentais, seja o da responsabilidade civil ou da própria mitigação de danos, cujo fundamento legal se ampara na boa-fé objetiva.

Outro fundamento para sua incidência, reside nas próprias regras integrativas do sistema, que permitem a utilização de outras fontes do direito para fins de solução do caso concreto, à exemplo do direito comparado, analogia e os princípios gerais do direito.

Portanto, embora o Duty to Mitigate the Loss tenha sua origem em contextos contratuais, revela-se possível sua aplicação para além das obrigações contratuais, justamente diante do caráter axiológico do sistema jurídico vigente.

É importante ressaltar que a aplicação do “duty to mitigate the loss” no Direito brasileiro é contextual e depende das circunstâncias específicas de cada caso, cujos parâmetros vêm sendo paulatinamente trilhados pela doutrina e jurisprudência pátria.

De forma mais acurada, justamente diante de todas as peculiaridades e particularidades inerentes ao ramo do Direito de Família, sua incidência nesta seara, requer uma abordagem cuidadosa e adaptada, às nuances das relações familiares.

De outro vértice, a aplicação cautelosa pode enriquecer e fortalecer institutos de direito de família como forma de efetivação de diretos fundamentais e solução de controvérsias cuja solução não se encontra na norma expressamente posta.

REFERÊNCIAS

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[1] Mestranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Especialista em Direito de Família e Sucessões. Advogada. Professora.

[2] Sobre o diálogo das fontes: “É o chamado ‘diálogo das fontes’ (di + a = dois ou mais; logos = lógica ou modo de pensar), expressão criada por Erik Jayme, em seu curso de Haia (Jayme, Recueil des Cours, 251, p. 259), significando a atual aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas, leis especiais (como o CDC, a lei de seguro-saúde) e gerais (como o CC/2002), com campos de aplicação convergentes, mas não mais iguais. https://www.migalhas.com.br/depeso/171735/da-teoria-do-dialogo-das-fontes. Acesso em 21.11.2023

[3] TEPEDINO, Gustavo. O Supremo Tribunal Federal e a virada de Copérnico. Revista Brasileira de Direito Civil. Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, 2017. Disponível em: https://rbdcivil.ibdcivil.org.br/rbdc/
article/view/96
. Acesso em: 01 jun. 2023.

[4] Witzel, Ana Claudia Paes. Aspecto gerais da responsabilidade civil no direito de família. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12958>. Acesso em 23.11.2023.

[5] MORAES, Maria Celina Bodin De. Na medida da pessoa humana: estudos de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. P. 26.

[6] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1.144 a 1.152.

[7] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros. p. 237-238.

[8] MARQUES, Claudia Lima. Manual de direito do consumidor. 2. ed. rev., atual. e ampl. Antonio Herman V. Benjamin, Claudia Lima Marques e Leonardo Roscoe Bessa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 90.

[9] Segundo Paulo Lôbo, o “estado social, no plano do direito, é todo aquele que tem incluída na Constituição a regulação da ordem econômica e social” (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. Ibdfam, 23.03.2004. Disponível em: https://ibdfam.org.br/
artigos/129/Constitucionaliza%C3%A7%C3%A3o+do+Direito+Civil. Acesso em: 23 jun. 2023).

[10] Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […]

III – a dignidade da pessoa humana;

[11] Refere-se a chamada “imunidade familiar” cujo conceito ultrapassado, promovia uma certa imunidade a não incidência de regras de direito civil e em especial do direito de danos nas relações familiares.

[13]MARTINS. José Figueiredo de Andrade Martins. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde.4102017120248/publico/dissertacao. Acesso em 22.11.2023.

[14]  FRADERA. Véra Maria Jacob. Pode o credor ser instado a diminuir o próprio prejuízo? Revista Trimestral de Direito Civil. 19/109-119. Op. Cit.

[15] DIAS, Daniel Pires Novaes Dias. O Duty to mitigate the loss no direito civil Brasileiro e o encargo de evitar o próprio dano. Revista de Direito Privado. RDPriv 45/89. Jan-mar 2021. P. 692

[16] LOPES, Christian Sab Batista. A mitigação dos prejuízos no direito contratual. Belo Horizonte, 2011.

Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. p. 22.

[17] Art. 77 da Convenção de Viena (Convention of International Sales of Goods – CISG): “A parte que invocar o inadimplemento do contrato deverá tomar as medidas que forem razoáveis, de acordo com as circunstâncias, para diminuir os prejuízos resultantes do descumprimento, incluídos os lucros cessantes. Caso não adote estas medidas, a outra parte poderá pedir redução na indenização das perdas e danos, no montante da perda que deveria ter sido mitigada”. Texto disponível em: [www.cisg-brasil.net/doc/egrebler2.pdf]. Acesso em 10.11.2023.

[18] Art. 88. A parte que invoca a violação do contrato deve adotar todas as medidas razoáveis para mitigar a perda resultante dessa violação. Se ela deixar de adotar tais medidas, a parte em falta [que causou a violação] poderá pleitear uma redução nos danos.

[19] FRADERA, Véra Maria Jacob. id.

[20] FRADERA, Véra Maria Jacob. ibid.

[21]MARTINS-COSTA, Judith. Responsabilidade civil contratual. Lucros cessantes. Resolução. Interesse positivo e interesse negativo. Distinção entre lucros cessantes e lucros hipotéticos. Dever de mitigar o próprio dano. Dano moral e pessoa jurídica. In: LOTUFO, Renan et al. Temas relevantes de direito civil contemporâneo. São Paulo, Atlas, 2012, p. 585

[22] DIDDIER JUNIOR, Fredie. Multa coercitiva, boa-fé processual e supressio: aplicação do duty to mitigate the loss no processo civil. Revista de Processo. Vol. 171. P. 35. São Paulo: Ed. Rt, maio 2009.

[23] Cf. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2014, p. 58.

[24] Orlando Gomes distingue dever, obrigação e ônus da seguinte forma: V. Redução da Indenização. Da obrigação propriamente dita devem distinguir-se os deveres que, embora tenham o mesmo perfil, caracterizam-se pela extrapatrimonialidade da prestação. Resultam de vínculos familiares. Conquanto sejam jurídicos, não se confundem com as obrigações, de conteúdo patrimonial. São disciplinados por normas inaplicáveis a estas. Para evitar confusão, deve-se reservar o vocábulo obrigação para significar o dever de prestação correspondente a um direito de crédito. Convém insistir na distinção entre obrigação e ônus jurídico. Não devem ser confundidos porque a obrigação consiste na imposição do sacrifício de um interesse próprio em proveito de um interesse alheio, enquanto, no ônus, o sacrifício do interesse próprio é imposto em relação a outro interesse próprio.” GOMES, Orlando. Obrigações. 11. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 21.

[25] GRAU, Eros Roberto. Notas sobre a distinção entre obrigação, dever e ônus. RFDUSP. São Paulo, v.77, pp.177-183, 1982, p. 181

[26] DIAS, Daniel Pires Novais. op.cit p. 692

[27] RAMOS, A. L. A.; NATIVIDADE, J. P. K. F. DE. A mitigação de prejuízos no direito brasileiro: quid est et quo vadat?. civilistica.com, v. 6, n. 1, p. 1-20, 6 ago. 2017.

[28] Diz-se da modalidade que exprime um valor de obrigação, de um dever moral.

[29] STJ – REsp: 1201672 MS 2010/0133286-6, Relator: Ministro LÁZARO GUIMARÃES. Data de Julgamento: 21/11/2017, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/11/2017.

[30] MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado: critérios para sua aplicação. 2. Ed. São Paulo: Saraiva. 2018. P. 41

[31] MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado: sistema de tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 411.

[32] Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

[33] COUTO E SILVA, Clovis Veríssimo do. A obrigação como processo. São Paulo: José Bushatsky, 1976, p. 8-113

[34] GURGEL, Fernanda Pessanha do Amaral. Direito de família e o princípio da Boa-fé Objetiva. Curitiba: Juruá, 2009. P. 229.

[35]ROSENVALD, Nelson; Farias, Cristiano Chaves de. Direito das obrigações. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pág. 61 e 62.

[36] GURGEL, Fernanda Pessanha do Amaral. Op. Cit. P. 233

[37] Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

[38] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 156

[39] Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

[40] Menciona-se o artigo 206, §3° que dispõe acerca do prazo prescricional para a cobrança de aluguéis.