DISCURSO DE ÓDIO NAS REDES SOCIAIS COMETIDOS EM DESFAVOR DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

DISCURSO DE ÓDIO NAS REDES SOCIAIS COMETIDOS EM DESFAVOR DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

1 de março de 2022 Off Por Cognitio Juris

HATE SPEECH ON SOCIAL NETWORKS IN FAVOR OF PEOPLE WITH DISABILITIES

Cognitio Juris
Ano XII – Número 39 – Edição Especial – Março de 2022
ISSN 2236-3009
Autores:
Márcio Magliano Barbosa[1]
Romulo Rhemo Palitot Braga[2]

RESUMO: O presente artigo visa analisar os estudos sobre o discurso do ódio, os traços característicos que se permeiam pela propagação de ideias que incitam o sentimento de exclusão social e de intolerância de um determinado grupo minoritário por outro ou outros, pertencentes ao grupo majoritário e como esse mesmo discurso, vem alcançando mais adeptos nas redes sociais, que em razão de alguns controles ainda precários não conseguem conter o avanço desta nociva prática social cometida, especialmente às pessoas com deficiência, que são alvos dos mais adjetos exemplos de hostilização, mesmo com toda a evolução legislativa pátria e internacional de sua proteção. Adotou-se na pesquisa a metodologia referencial bibliográfica utilizando-se de livros, artigos científicos, obras e legislação brasileira e internacional a respeito do tema ora estudado.

Palavras chaves: Discurso do ódio. Redes Sociais. Deficiência.

ABSTRACT: This article aims to analyze the studies on hate speech, the characteristic features that permeate the propagation of ideas that incite the feeling of social exclusion and intolerance of a certain minority group by the majority group and how this same speech has been gaining ground in the social networks that, due to some controls that are still deficient, are unable to contain the advance of this harmful social practice committed especially to the disabled who are targets of the most adjective examples of harassment, even with all the national and international legislative evolution of their protection. The bibliographic referential methodology was adopted in the research, using books, scientific articles, works and Brazilian and international legislation on the subject studied here.

Keywords: Hate speech. Social networks. Disabled Persons.

O DISCURSO DO ÓDIO

O discurso do ódio tem seus contornos delineados pela doutrina mais precisamente pelo Direito Constitucional como uma manifestação de ideias que incitam o ódio, a hostilização, a repulsa e a indiferença gerando em determinadas pessoas o sentimento de exclusão social em virtude de sua cor de pele, etnia, gênero, sexualidade entre tantos outros atributos que os fazem distintos dos demais grupos sociais.

MEYER-PFLUG (2009), define o discurso do ódio como a manifestação de “ideias que incitam a discriminação racial, social ou religiosa em determinados grupos, na maioria das vezes, minorias.”

Na conceituação apresentada, esta prática tem como objetivo incitar a discriminação sendo este o seu núcleo e assim, a intensificando este discurso. Logo, percebe-se que o discurso doódio possui fases preparatórias que visam estimular as ideias de intolerância do grupo dominante ao grupo minorante para afastá-los ou expurgá-los socialmente como se tal discurso atuasse como uma nova modalidade da famigerada e espúria ideia de supremacia ou eugenia.

No mesmo sentido, SARMENTO (2006) define o fenômeno do discurso do ódio como uma manifestação de desprezo ou intolerância contra determinados grupos sociais motivados por preconceitos que vão muito além da discriminação racial, social ou religiosa afirmada por Meyer-Pflug. O autor aduz que além dessas discriminações as ideias de intolerância estão também relacionadas a etnia, o gênero, a orientação sexual, a deficiência física ou mental além de outros fatores que gerem ao individuo ou determinado grupo social sentimentos de exclusão ficando  “à margem” da sociedade.

Isto é, o individuo que não estiver dentro das características estipuladas pelo grupo dominante sujeitar-se-á a tal prática, sendo estereotipados de monstros ou aberrações pelo simples fato de serem diferentes.

Portanto, os efeitos da propagação dessas ideias requerem um tratamento jurídico, seja uma resposta constitucional adequada com privilégio dos direitos fundamentais sobre a liberdade de expressão, seja com a determinação dos contornos em que esta poderá ser realizada com previsão de sanção penal a ser aplicada aos grupos e indivíduos que pratiquem ou propagem essas ideia não inclusiva e destoante do primado de nossa Constituição Federal que tem como um de seus fundamentos principais a dignidade da condição humana (art.1º, III/CF).

TRAÇOS CARACTERÍSTICOS E TIPOS DE DISCURSO

O discurso do ódio, nas palavras de RIOS(2008) está dirigido a ideia do estigma, da marca e da escolha de um “inimigo da sociedade”, um alvo que na visão do grupo dominante deve ser eliminado pois sua permanência contamina a própria noção do Estado Social.

E para que essa ideia possa ser repassada, se utiliza de uma linguagem sedutora, com um discurso comovente ao grupo dominante que exalta as suas qualidades e seus feitos heroicos, disfarçado por argumentos de proteção moral e social, incutindo a ideia de que esta é a única forma de salvação e manutenção do Estado.

A história possui importantes registros vívidos de como esse discurso se tornou uma destacada ferramenta para perpetuação do autoritarismo e dos regimes de intolerância que imperaram nos séculos XVI a XX como justificativa das mais diversas atrocidades, tais como exemplo: a escravidão dos povos africanos, o nazi-fascismo, os movimentos de supremacia racial nos Estados Unidos (Ku Klux Kan), o desprezo dos povos refugiados, homossexuais, deficientes e etc.

Pois bem, quanto ao seu tipo, a doutrina divide o discurso do ódio em dois: o hate speech in form e o hate speech in substance. O primeiro  são as manifestações explicitas de ódio e intolerância praticado entre os indivíduos, muitas delas motivadas por atos de violência real ou psicológica, ou seja, a ofensa irrogada em razão da sexualidade, da orientação sexual entre outros elementos que permeiam, no âmbito penal, os crimes contra à honra, em especial, quando se fala da injuria em razão da ofensa subjetiva da honra de um individuo por outro.

Já o segundo apresenta-se de forma disfarçada de argumentos de proteção moral e social disseminando o ódio, a intolerância e a discriminação a outros grupos, notadamente, aos mais vulneráveis. E assim, corrompendo valores anteriormente consagrados no texto constitucional.

CONVENÇÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS: UMA LUZ AO COMBATE DA INTOLERANCIA.

Determinado o conceito, caracterização e tipos de discurso do ódio delimitados nos itens anteriores, surge o questionamento: Como buscar uma proteção a nível mundial e de repressão aos atos motivados pelo discurso do ódio?

Em âmbito internacional a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, possui aptidão para fornecer um conceito jurídico do que vem a ser o discurso do ódio e convergindo a um direito antidiscriminatório.

SCHAFER (2013), explica como se daria o seu funcionamento: “O funcionamento do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, cujos órgãos centrais são a Comissão (CIDH) e a Corte Interamericana de proteção aos direitos humanos (Corte IDH) sendo esta é órgão jurisdicional do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, com competência limitada aos Estados-partes da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 que reconheceram expressamente sua jurisdição consolidada.”

E de acordo com PIOVESAN (2012): “trata-se de um constitucionalismo regional que tutela os direitos humanos das populações da região possuindo um duplo proposito: a) promover os direitos humanos no plano interno dos Estados; b) prevenir recuo e retrocessos de proteção a esses direitos.”

Conforme os autores citados, tal legislação internacional em muito pode contribuir no Brasil para o debate e esclarecimento sobre o tema que tem se tornado tão atual nos últimos tempos devidos as manifestações de intolerância, tendo como exemplo o caso Elwanger, um dos primeiros a discorrer sobre o discurso do ódio, a marcha da maconha em São Paulo ocorrida em 2016 e do Especial de Natal do Canal Humorístico Porta dos Fundos que embora não reconhecidos como discurso do ódio pelo STF, mas exercício do direito à liberdade de expressão, fomentou e impulsionou o debate sobre o tema e levando a nossa suprema a corte a mais uma vez se manifestar como o discurso do ódio se manifesta no âmbito interno do Estado.

Essa compreensão parte da noção de que o Brasil está inserido no cenário internacional de proteção aos direitos humanos, integrando o Sistema Interamericano, visto que em suas relações internacionais deverá zelar pela solução pacífica de conflitos, prevalência dos direitos humanos, repudio ao terrorismo e ao racismo e a cooperação entre povos para o progresso da humanidade (art.4º II, VII, VIII e IX/CF).

Logo, a convenção interamericana constitui um modelo jurídico que pode proporcionar as respostas ao discurso do ódio, pois, como dito antes, indica os conceitos jurídicos determinados que vem a descrever os  seus efeitos; oferece proteção aos grupos vulneráveis já que estabelece os critérios de proibição de discriminação e de promover o respeito e estimular o reconhecimento e o desen­volvimento da identidade – cultural, linguística, sexual e de gênero – de todo individuo, conforme delineado em seu artigo 4º:

Os Estados comprometem-se a prevenir, eliminar, proibir e punir, de acordo com suas normas constitucionais e com as disposições desta convenção, todos os atos e manifestações de discriminação e intolerância, inclusive:

  1. apoio público ou privado a atividades discriminatórias ou que promovam a intolerância, incluindo o seu financiamento;
  2. publicação, circulação ou difusão, por qualquer forma e/ou meio de comunicação, inclusive a internet, de qualquer material que:
  3. defenda, promova ou incite o ódio, a discriminação e a intolerância;
  4. tolere, justifique ou defenda atos que constituam ou tenham constituído genocídio ou crimes contra a humanidade, conforme definidos pelo Direito Internacional, ou promova ou incite a prática desses atos.
  5. A violência motivada por qualquer um dos critérios estabelecidos no art.1.1.

O referido dispositivo apresenta uma série de elementos informativos que indicam a construção, o conceito e as bases  de sua manifestação do discurso do ódio a qual devem ser combatidas.

O DISCURSO DO ÓDIO NAS REDES SOCIAIS

Diante dos avanços tecnológicos e da expansão dos meios de comunicação propiciando o acesso de mais pessoas à informação um novo fenômeno digital ocorreu nos últimos 20 anos: o surgimento das redes sociais.

As redes sociais são uma plataforma digital onde os seus usuários organizam seus contatos, postam fotos e vídeos, veem notícias e artigos, além de interagir com outros indivíduos em vários cantos do mundo e tendo se tornado numa importante ferramenta do mercado, seja para os produtores de conteúdo e anunciantes, seja para os usuários/consumidores criando um novo nicho mercadológicos onde todos os indivíduos sociais estão sujeitos.

Desta forma, as redes sociais geraram um efeito positivo para sociedade, qual seja, a ampliação de acesso de uma gama maior de pessoas a informação e o surgimento de novos mercados. De outro lado, desencadeou efeitos negativos, tais como a cultura do cancelamento onde uma pessoa, em determinado período de tempo, seja de forma permanente ou temporária, é excluída do convívio na respectiva rede, funcionando como um tipo de “morte virtual”, seja por determinados acontecimentos que tiveram relevância na sua vida virtual ou pela disseminação de algum pensamento contrário a política da plataforma ou que resultou em desagrado aos seus usuários.

Ou ainda, pela propagação de ideias que gerem a intolerância ou discriminação a determinados grupos, isto é, a publicação de post, vídeos, reels, curtidas e demais publicações elaboradas ou compartilhadas por outros usuários que propagem o discurso do ódio, muitas vezes confundido por estes mesmos usuários como sendo liberdade de expressão.

Todavia, deve-se deixar claro que nas redes sociais a manifestação de pensamento não é absoluta devendo ter limites para que determinados pensamentos ou conteúdos sensíveis aos demais usuários ou as diretrizes da própria plataforma das redes sociais possam ser combatidas e assim evitar a proliferação do discurso do ódio resultando na censura do comentário ou vídeo e até, em casos mais graves, o banimento do usuário.

Isso acontece porque o ambiente das redes sociais trazem a sensação de impunidade, ou seja, o que acontece no mundo virtual não haverá repercussão no mundo real e com isso, o usuário do discurso do ódio sente-se livre para postar e compartilhar qualquer informação ou ideia sem pensar nas consequências de sua mensagem ofensiva ou discriminatória.

Assim, as ferramentas para conter o discurso do ódio vem aumentado nas redes sociais principalmente pelo controle de canais, mensagens, possibilidade de denúncia de conteúdos sensíveis feitos pelos próprios usuários e a constante revisão de sua política de termos realizada pela própria plataforma através de de algoritmos cada vez mais avançados que buscam rastrear canais, mensagens de usuários que se utilizam de tal discurso.

A razão disso é única: o “ódio” não é bom para os negócios realizados nas redes sociais, quando se quer as grandes marcas de seus anunciantes ou por que, não condiz com os demais postulados de civilidade, sociabilidade e respeito que se deve ter entre os usuários.

Entretanto, em que pese o uso desses algoritmos a tarefa para combater ou extirpar o discurso do ódio se parece mais como “enxugar gelo”. Pois, assim, como as redes sociais se modificam para combater esse discurso, as técnicas atinentes aos discurso do ódio também se modificam, tornando-se mais sutis, incapazes de serem perceptíveis de pronto, apresentando-se de forma camuflada, que acaba por passar pela análise destes algoritmos que, muitas vezes não são bem calibrados, acabam sendo compartilhada pelos usuários sem que ao menos esses tenham ciência de seu conteúdo de preconceito e de intolerância.

A título de exemplo, em 2019, o Youtube chegou a eliminar vários vídeos de professores e canais de história de suas plataformas que incluíam imagens de Hitler a qual estes explicavam a origem do nazismo e de todo o contexto da Segunda Guerra Mundial.

Ora, não há como explicar o contexto político e as causas que levaram a eclosão da segunda guerra mundial sem que acabe se debruçando pelos horrores perpetrados pelo nazismo e pelo fascismo. E assim demonstrando – como dito antes – que muitas vezes os filtros e algoritmos de combate ao discurso do ódio acabam sendo mal calibrados.

Em suma, não há nas redes sociais um padrão claro de combate ao discurso do ódio o que acaba por gerar muita confusão quanto ao que é e o que não é causa de intolerância ou pensamento que incite a discriminação, pois nem sempre é fácil distinguir o que é e o que não é discurso do ódio praticado nas redes sociais.

O DISCURSO DO ÓDIO CONTRA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA.

Estabelece a convenção interamericana para eliminação de todas as formas de discriminação contra pessoas portadoras de deficiência:

ARTIGO I:  Para os efeitos desta Convenção, entende-se por:

2. Discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência:

  1. o Termo “discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência” significa toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, consequência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais.

Ademais tal convenção, foi ratificada pelo Brasil, um de seus países signatários, através do decreto 6.949/2009 que veio a garantir o seu cumprimento no âmbito da legislação brasileira interna.

AS INOVAÇÕES DO ESTATUTO DA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Com a ratificação da convenção interamericana dos direitos as pessoas com deficiente surgiram projetos de lei visando mudar o atual cenário de exclusão e inacessibilidade  existente no Brasil.

No ano de 2015 foi publicada a Lei 13.146 também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência que alterou vários diploma legais e permitindo a inclusão e a acessibilidade de seus destinatários a serviços públicos como: saúde, educação, habilitação, transporte, turismo e lazer transformando-se em um dos mais importantes instrumentos de emancipação civil e social para essa parcela da sociedade, avançando nos princípios da cidadania e de concretização da dignidade da pessoa humana.

Tal lei ordinário gerou alterações no Direito Civil como: a revogação de alguns artigos, como os relativos a capacidade, ou seja, os portadores de deficiência não mais serão enquadrados como incapazes para os atos da vida civil, além das alterações a matérias de casamento, sucessão, interdição e curatela.

No âmbito Eleitoral também teve mudanças, agora as pessoas com deficiência passaram a ter o direito assegurado de votar e de serem votadas, isto é, houve a alteração do conceito de sufrágio universal e consequentemente garantido a acessibilidade ao local de votação de participação nas pautas eleitorais e nos projetos relativos ao seu interesse, bem como, a obrigatoriedade do intérprete de libras quando da realização da propaganda eleitoral.

Destaca-se ainda mudanças significativas no Código de Transito Brasileiro onde foi-se permitido e facilitado ao acesso de veículos adaptados, bem como no Código de Defesa do Consumidor com a disponibilização da publicidade e de normas relativas a etiquetação de produtos, com observância da linguagem em braile e de libras e ainda, na Consolidação das Leis Trabalhistas e demais legislação extravagante que visam a garantir o acesso ao trabalho dos portadores de deficiência e melhoramento dos institutos correlatos, tais como: a readaptação.

No âmbito da Administração Pública, também houve mudanças, como a previsão de percentual das vagas destinadas aos portadores de deficiência em concursos públicos e de políticas de incentivo para contratação de deficientes.

E por fim, o Estatuto das Cidades e a Lei de Mobilidade Urbana, leis de natureza urbanística que visam a elaboração e alteração do plano diretor das cidades, também foram alterados para determinar a inclusão de melhorias de acessibilidade no perímetro urbano, tais como:  criação de rampas de acesso, calçadas rebaixadas, indicadores em braile, semáforos sonoros e acentos adaptáveis em transporte públicos, entre outros.

Entretanto, diante de todo este significativo avanço ainda não temos mecanismos efetivos de combate ao preconceito e a intolerância contra deficientes cometidos nas redes sociais que acabam sendo alvos das mais famigeradas barbáries desde alegações de que são aberrações ou monstruosidades como desejos de morte a estes. Especialmente, as crianças portadoras de deficiência que são as mais afetadas pelo discurso do ódio.

As pessoas que se utilizam das redes sociais para disseminar o discurso do ódio contra os portadores de deficiência buscam propagar ideias eugênicas e gerar sentimentos de repulsa e marginalização, não muito diferentes das ideias de supremacia racial ou de superioridade espalhadas e combatidas até então.

Ressalte-se ainda que tal conduta – propalar discurso do ódio contra deficientes – é um tipo penal especial previsto no próprio Estatuto da Pessoa com Deficiência com pena de reclusão podendo chegar de 2 a 5 anos, além de multa[3].

Some-se a isso que o Brasil anteriormente ao Estatuto da Deficiência, aprovou a Lei 12.965/2014, também conhecida como o marco civil da internet, que teve ampla discursão popular e com a participação de instituições e organizações da sociedade civil e provedores para determinar os contornos e estabelecer uma política de neutralidade e convivência no mundo virtual e especialmente para conter os abusos e mensagens de intolerância disfarçadas de liberdade de expressão.

Ou seja, a internet já não seria mais uma terra sem lei mas, um ambiente de regras de conduta e civilidade a serem seguidas pelos usuários e fiscalizadas pelos provedores e das plataformas das redes sociais, sob pena de responsabilização de conteúdos que venham a propagar essas ideias de ódio e que se encontra prevista em seu artigo 19.[4]

Logo, percebe-se que  o discurso de ódio proferido nas redes sociais ultrapassa as fronteiras da tanto na sua origem quanto na sua finalidade do que vem a ser civilidade e de todos os fundamentos que formam o Estado Democrático de Direito.

O ódio, o ato de odiar alguém, infelizmente é algo que faz parte do ser humano, seja de forma consciente ou não. Mas o discurso do ódio seja com deficientes ou com qualquer outra pessoa se concretiza pela externalidade desse sentimentos ou pensamentos na forma de ação física, verbal ou por qualquer outro meio de comunicação. Medida esta que deve ser combatida com rigor.

CONCLUSÃO

Portanto, ao final deste trabalho, verifica-se que o Brasil avançou muito na política de inclusão social das pessoas portadoras de deficiência e que o discurso do ódio é um grande mal a ser combatido em nossa sociedade, seja no ambiente físico, seja no ambiente virtual pois ideias de intolerância, racismo, preconceito e de superioridade não podem prevalecer na nossa sociedade plural a qual é definida hoje.

É preciso a união de esforços para combater tais atrocidades a todos os indivíduos, principalmente aos portadores de deficiência que já são penalizados pelas suas limitações estando em desigualdade com os demais e devem ter reconhecido o seus direitos e respeito como seres humanos com regras claras de combate e prevenção a qualquer forma de preconceito a eles cometidos e com uma punição de eventuais abusos e transgressões a esses direitos, sejam no ambiente virtual, sejam no ambiente físico.

De certo, há muito a se fazer para o combate ao discurso do ódio, mas os primeiros passos já foram dados e o Brasil, acertadamente, já demonstrou os primeiros mecanismos de combate a esse mal social que não mais condiz com os padrões de civilidade de nossa sociedade e nem com um estado democrático de direito.

REFERÊNCIAS

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_______. Lei 13.146/2015. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil (Marco Civil da Internet). Brasília. Senado Federal. acesso em 10 de Fevereiro de 2021.

_______. Decreto 6.949/2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Brasília. Senado Federal. acesso em 10 de Fevereiro de 2021.

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[1] Mestrando em Direito e  Desenvolvimento pelo Centro Universitário de João Pessoa – PPGD/UNIPÊ; Advogado.

[2] Doutor em Direito Penal pela Universitat de València- Espanha; Professor Permanente do Programa de Pós-graduação em Ciências Jurídicas da UFPB – PPGCJ-UFPB, e do Programa em Direito e Desenvolvimento do Centro Universitário de João Pessoa – PPGD/UNIPÊ; Advogado; Presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal – ANACRIM-PB, e Procurador de Justiça do Superior Tribunal de Justiça Desportiva – STJD, da Confederação Brasileira de Automobilismo – CBA.

[3] Art. 88. Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência:

    Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caputdeste artigo é cometido por intermédio de meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

[4] Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá́ ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providencias para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.