DIREITOS DA PERSONALIDADE DE CRIANÇA CONCEBIDA POR INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL CASEIRA: ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DO REGISTRO CIVIL DA DUPLA MATERNIDADE

DIREITOS DA PERSONALIDADE DE CRIANÇA CONCEBIDA POR INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL CASEIRA: ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DO REGISTRO CIVIL DA DUPLA MATERNIDADE

1 de março de 2022 Off Por Cognitio Juris

RIGHTS OF THE PERSONALITY OF A CHILD CONCEIVED BY HOME-USE ARTIFICIAL INSEMINATION: JURISPRUDENTIAL ANALYSIS OF THE DUAL MATERNITY CIVIL REGISTRY

Cognitio Juris
Ano XII – Número 39 – Edição Especial – Março de 2022
ISSN 2236-3009
Autores:
Dirceu Pereira Siqueira[1]
Anara Rebeca Ciscoto Yoshioka[2]
Vivian Ayumi Iwai Ridão[3]

Resumo: A Constituição Federal de 1988 revolucionou o direito das famílias, pois adotou como princípios a pluralidade das entidades familiares e o livre planejamento familiar, possibilitando o reconhecimento jurídico das famílias homoafetivas e de seu direito à formação do projeto parental. Neste cenário, objetiva-se perquirir como o ordenamento jurídico brasileiro tem se posicionado a respeito do registro civil da dupla maternidade de filhos advindos por inseminação artificial caseira. Para tanto, foi realizada uma revisão não sistemática de literatura em livros jurídicos e artigos publicados em periódicos qualificados, normas, jurisprudência e em reportagens acerca dos temas da “família homoafetiva”, “filiação socioafetiva”, “reprodução humana assistida”, “inseminação caseira”, “dignidade da pessoa humana” e “direitos da personalidade”. Após foi realizada uma pesquisa documental, cujos documentos selecionados foram acórdãos de tribunais publicados no sítio eletrônico JUSBRASIL no dia 27.08.2021, onde foram digitados “dupla maternidade inseminação caseira”, obtendo-se 11 resultados. Aplicando-se os critérios de inclusão e exclusão, e foram selecionados 05 acórdãos para compor a amostra do estudo. Dos cinco acórdãos, todos eles analisaram preliminares de mérito como inadmissibilidade da inicial, competência, ou questões de prova. Apesar disso, houve análise do mérito da parentalidade para fundamentar o julgamento.  Conclui-se que diante da falta de regulamentação jurídica do tema, há dificuldade de enquadramento do vínculo de filiação pela jurisprudência, o que acaba violando os direitos da personalidade da criança e do casal homoafetivo que utiliza da técnica de reprodução caseira. 

Palavras-chave: Direitos da personalidade; Inseminação artificial caseira; Livre Planejamento familiar; Registro civil da dupla maternidade.

Abstract: The Federal Constitution of 1988 revolutionized the right of families, since it adopted as principles the plurality of family entities and free family planning, enabling the legal recognition of homo-affective families and their right to the formation of the parental project. In this scenario, the objective is to investigate how the Brazilian legal system has positioned itself regarding the civil registration of double maternity of children arising from artificial home insemination. Therefore, a non-systematic literature review was carried out in legal books and articles published in qualified journals, norms, jurisprudence and in reports on the themes of “homoaffective family”, “socio-affective affiliation”, “assisted human reproduction”, “home insemination ”, “dignity of the human person” and “personality rights”. Afterwards, a documental research was carried out, whose selected documents were court rulings published on the JUSBRASIL website on 27.08.2021, where the descriptors “double maternity home insemination” were typed, obtaining 11 results. Applying the inclusion and exclusion criteria, 05 judgments were selected to compose the study sample. Of the five judgments, all of them analyzed preliminary on the merits as inadmissibility of the initial or jurisdiction, or questions of proof. Despite this, there was an analysis of the merits of parenting to support the judgment. It is concluded that given the lack of legal regulation of the subject, there is difficulty in framing the bond of affiliation by jurisprudence, which ends up violating the rights of the personality of the child and the couple.

Key words: Personality rights; Home Artificial Insemination; Free Family Planning; Civil registration of dual maternity hospitals.

1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 inovou o conceito de família, trazendo o afeto como base necessária para a formação da família e suas relações com os membros que a compõe. Diante disso, adotou os princípios do livre planejamento familiar e da pluralidade das entidades familiares, sendo possível o reconhecimento e a proteção jurídica das famílias homoafetivas.

Neste sentido, em virtude do desejo a efetivação do projeto parental, muitas famílias, diante da falta de recursos financeiros para custeares as técnicas de reprodução humana assistida em clínicas especializadas, acabam se socorrendo aos métodos mais acessíveis como a inseminação artificial caseira.

No entanto, quando a família é homoafetiva, somando-se a técnica caseira realizada, dificuldades no registro de nascimento dos filhos advindos acabam decorrendo em virtude da falta de regulamentação específica sobre o tema. Nestes casos, acabam-se prevalecendo a verdade biológica em detrimento da filiação socioafetiva, necessitando-se de ação judicial para ser possível o reconhecimento da parentalidade da pessoa que não gestacionou e nem doou o material genético.

Assim, a presente pesquisa objetiva perquirir como o ordenamento jurídico brasileiro e, especialmente o Poder Judiciário, tem se posicionado a respeito do registro civil da dupla maternidade, quando a criança é advinda de inseminação artificial caseira. Para tanto, foram utilizados dois métodos: a revisão não sistemática de literatura e a análise documental baseada em acórdãos de tribunais de justiça estaduais sobre a temática “dupla maternidade inseminação caseira”.

A pesquisa é relevante, pois não há legislação específica que trate sobre a inseminação artificial, bem como o duplo reconhecimento de maternidade de crianças advindas desta técnica. Assim embora haja normativas no campo da medicina, não há força de lei, havendo na prática um limbo jurídico o qual, deve-se observância aos princípios da dignidade da pessoa humana, do livre planejamento familiar e da pluralidade das entidades familiares, impondo-se ao ordenamento jurídico brasileiro a tutela e promoção dos direitos da personalidade da criança advinda dessa técnica e dos autores ou das autoras do projeto parental.

2. METODOLOGIA

Este artigo apresenta uma revisão não sistemática e bibliográfica de literatura sobre a inseminação artificial caseira e o posicionamento do Poder Judiciário brasileiro a respeito do registro civil da dupla maternidade quando as crianças advêm dessa técnica. Buscando-se entender essa problemática, inicialmente foi esboçado um estudo sobre a evolução do Direito de Família nos dois últimos séculos no Brasil. Após, foram analisados alguns julgados, a fim de pesquisar o posicionamento do Poder Judiciário sobre a questão.

Para a pesquisa bibliográfica, buscou-se em periódicos qualificados pela CAPES, em livros jurídicos de autores relevantes, normas legais e infralegais, jurisprudências e em reportagens sobre os temas “inseminação caseira”, “registro civil da dupla maternidade”, “filiação socioafetiva”, “família homoafetiva”, “dignidade da pessoa humana” e “direitos da personalidade”, conforme resultados citados no corpo do texto e colacionados nas referências do artigo. A amostra é composta por 27 textos revisados.

Para a análise jurisprudencial, no dia 27.08.2021 realizou-se a pesquisa bibliográfica no sítio eletrônico “JusBrasil”, que contém um banco de jurisprudências gratuito e acessível ao público em geral, onde se digitaram os termos “dupla maternidade inseminação caseira”, sendo obtidos 11 resultados.

Foram utilizados como critérios de inclusão apenas acórdãos de casos julgados pelos Tribunais de Justiça Estaduais que tratassem da temática proposta. Foram utilizados como critérios de exclusão decisões de primeiro grau (n=5) e acórdão que apareceu em duplicidade (n=1). Portanto, a amostra é composta por 05 resultados.

Os resultados foram relacionados em uma tabela no programa Microsoft Word 365, com base nos seguintes critérios: a unidade federativa do Poder Judiciário; o tipo do recurso; a decisão; o fundamento jurídico utilizado e a data da publicação da decisão. Então, a partir da análise desses julgados, se desenharam os resultados da pesquisa.

Por conseguinte, os atos processuais, via de regra serem públicos, alguns processos correm em segredo de justiça, onde os acessos aos dados do processo ficam limitados às partes e seus advogados, como foi o caso dos processos encontrados, pois dizem respeito a filiação e demais direitos da personalidade. Então, para a contextualização e análise dos casos, por se tratarem de processos que discutem direitos da personalidade, foram aplicados a todos os processos encontrados, o direito ao sigilo (art. 189, do CPC). Desta forma, a análise do caso concreto se limitou apenas ao inteiro teor dos acórdãos encontrados, não havendo juízo de valor quanto aos documentos, peças e depoimentos eventualmente juntados aos autos.

A escolha destes métodos se justifica, pois, esta temática é muito recente no Direito brasileiro e as demandas vêm sendo absorvidas primeiro pelo Poder Judiciário em virtude do princípio da inafastabilidade da jurisdição.

3 REVISÃO NÃO SISTEMÁTICA DE LITERATURA

3.1. DA PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE DAS FAMÍLIAS HOMOAFETIVAS

          No Brasil, o instituto da família já passou por diversas transformações ao longo de suas Constituições. Assim, para a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934, segunda constituição da República, somente tinha a especial proteção do Estado a família formada pelo vínculo indissolúvel do casamento. Na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937, outorgada no período do Estado Novo, foi reproduzida a ideia de união indissolúvel do casamento, de filhos legítimos e ilegítimos, trazendo a proteção da prole na necessidade de educação, igualdade entre os filhos naturais e legítimos em relação aos pais, dever de cuidado e proteção da infância e da juventude pelo Estado (OLIVEIRA, 2002).

Adiante, após a Segunda Guerra Mundial, a dignidade da pessoa humana foi incorporada ao discurso jurídico, mediante tratados, documentos internacionais e em diversas constituições nacionais. Dentre estes documentos, cite-se a Carta das Nações Unidas (1945) e Declaração Universal de Direitos Humanos (1948) (BARROSO, 2014, p. 19-20). Diante disso, a Constituição Federal de 1946, passa a prever os direitos sociais, a proteção da família (ainda formada pela união indissolúvel do casamento) e da maternidade e da infância (OLIVEIRA, 2002).

Na Constituição Federal de 1967, no Período da Ditadura Militar no Brasil, não houve alterações significativas na parte da família, maternidade e infância em relação à anterior. Apenas com a Emenda Constitucional nº 07/1977, revoga-se a indissolubilidade do casamento, vínculo constituidor da família até então, criam-se critérios para a dissolução e o tema foi remetido à regulamentação ordinária, originando-se a Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/1977) – um avanço em termos de Direito de Família. Após, houve a Emenda Constitucional de 1969, que em nada alterou no Direito das Famílias, apenas tornou mais rígido o regime militar (OLIVEIRA, 2002).

Portanto, as Constituições Brasileiras que precederam a atual protegiam e conceituavam a família unicamente formada pelo vínculo indissolúvel do casamento. Além disso, o Código Civil de 1916 – vigente no período – trazia dispositivos no mesmo sentido: “Art. 229. Criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos” (BRASIL, 1916). Portanto, perante o Direito, a família era entendida como aquela formada por um casamento, indissolúvel, havendo distinção na filiação, se originados no vínculo conjugal ou no extramatrimonial.

Nestes termos, o Direito reproduzia o mito da “família tradicional brasileira”, formada por um casal heteroafetivo, casados entre si e que possuem filhos apenas havidos dentro do casamento. Esse modelo familiar era essencialmente patriarcal e machista, como se verifica no Código Civil de 1916 na sua redação original, quando coloca a mulher casada na condição de relativamente incapaz (art. 6º, II), o marido como o chefe da sociedade conjugal, incumbindo-lhe a administração dos bens comuns e particulares da mulher e o direito de autorizar a profissão da mulher e sua residência fora do teto conjugal (art. 233), além de que, diversos outros atos também dependiam da autorização do marido, como o exercício do direito de aceitar ou renunciar à herança (art. 242) (BRASIL, 1916).

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, passou-se a tutelar e proteger a pessoa humana (artigo 1º, inciso III), tendo a família sido elevada a status de “base da sociedade”, detentora de especial proteção do Estado (artigo 226, caput). Além disso, inovou ao promover a igualdade entre os cônjuges (artigo 226, §5º) e entre os filhos (artigo 227, §6º). Ademais, prevê a união estável, o casamento e a monoparentalidade como formas de constituição familiar (artigo 226, §1º ao §4º), mantendo-se a dissolubilidade do casamento (artigo 226, §6º) (BRASIL, 1988). Portanto, adotou-se o princípio da pluralidade das entidades familiares.

Diante disso, leciona o Dr. José Sebastião de Oliveira (2002, p. 224):

Essa nova dimensão é prova da crucial e sensível evolução por que passou a família: de um núcleo manipulável pelo Estado e que seguia valores por ele ditados passou a um núcleo de realização pessoal, que desempenha importantíssimas funções e, por essa razão, interessa ao Estado que as relações entre os seus membros se desenvolvam dentro de um ambiente democrático, sadio e harmonioso.

[…] à importância da família para o Estado, não se seguiu uma ingerência indevida em seu interior. De maneira contrária, o Estado desempenha papel de auxílio paralelo às várias espécies de família.

Neste sentido, Rodrigo da Cunha Pereira defende que o rol de entidades familiares expresso no texto constitucional é apenas exemplificativo e aduz que: “a família passou a ser, predominantemente, locus de afeto, de comunhão do amor, em que toda forma de discriminação afronta o princípio basilar do Direito de Família” (PEREIRA, 2004, p. 118). Assim, “tornou-se imperioso o tratamento tutelar a todo grupamento que, pelo elo do afeto, apresenta-se como família, já que ela não é um fato da natureza, mas da cultura” (PEREIRA, 2004, p. 119).

Tomando-se por base o entendimento de que o rol de famílias expresso no artigo 226, da Constituição Federal de 1988 era meramente exemplificativo, somado à proibição do preconceito e discriminação em razão da orientação sexual, direito à liberdade sexual, intimidade e vida privada, dignidade da pessoa humana, princípio de igualdade, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132 – Rio de Janeiro (ADPF nº 132/RJ) e na Ação Declaratória de inconstitucionalidade 4.277 – Distrito Federal (ADI n.º 4.277/DF), provocou uma releitura do termo “família”, passando a reconhecer proteção do Estado também às famílias homoafetivas (BRASIL, 2011):

A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação  tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil (BRASIL, 2011, p. 3).

Portanto, fundado no princípio da pluralidade e solidariedade familiar, da não discriminação, no objetivo de promoção do bem de todos sem preconceitos, a partir da Constituição Federal de 1988, o conceito de família deixa de ser a união indissolúvel entre homem e mulher formada pelo casamento civil ou religioso e passa a ser o vínculo entre pessoas constituído pelo afeto. Assim, tem-se o reconhecimento das mais diversas formas de constituir família, dentre elas a família homoafetiva formada por pessoas do sexo feminino.

Neste sentido, a ementa dos precedentes da ADPF n. º 132/RJ e da ADI n. º 4.277/DF, destaca que o termo “entidade familiar” insculpida no artigo 226, § 3º, da Constituição Federal de 1988 é sinônimo de família e que não há a vedação constitucional à formação de família por pessoas do mesmo gênero (BRASIL, 2011).

Além disso, após o referido precedente, passou a ser reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça, até a edição de lei a respeito do tema, a possibilidade de habilitação para o casamento de pessoas do mesmo gênero, sendo inaceitável qualquer discriminação em razão da orientação sexual, conforme Recurso Especial n. º 1183378/RS, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 25.10.2011[4] (BRASIL, 2012).

Embora esses precedentes sejam um avanço para as famílias homoafetivas, Letícia Baptista Rosa e Valéria Silva Galdino Cardin (2012, p. 234-235) alertam que tais entendimentos podem representar uma inovação legislativa realizada pelo Poder Judiciário, afrontando-se a Constituição Federal, pois não é função dos tribunais superiores criar leis.

Apesar disso, salienta-se que ainda não houve o reconhecimento expresso pelo Poder Legislativo da possibilidade de união estável ou casamento homoafetivos, não havendo nenhuma alteração constitucional ou infraconstitucional no sentido de modificar a expressão “homem e mulher”, respectivamente, do artigo 226, §3º, da Constituição Federal de 1988[5] e nem dos artigos 1.723[6] e 1.514[7]do Código Civil de 2002.

Diante disso, na linha do Superior Tribunal de Justiça, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução n. º 175, de 14.05.2013, que veda “a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2013, s.p.).

Portanto, atualmente, apesar da ausência de alterações legislativas, a partir da releitura do Direito de Família trazida pela Constituição Federal de 1988, é possível o casamento homoafetivo no Brasil.

Desta forma, também é possível a estas famílias a realização do projeto parental, por meio do princípio do livre planejamento familiar insculpido no artigo 226, §7º, da Constituição Federal de 1988:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas (BRASIL, 1988, s.p.).

 Conforme Diego Fernandes Vieira e Carlos Alexandre Moraes (2021, p. 324-325), o princípio do livre planejamento familiar tem natureza promocional e, por isso, deve se resumir a ações de prevenção e educação para a população, garantindo acesso a informações, meios métodos e técnicas envolvendo a fecundidade, não podendo ter natureza de coerção ou limitação de direitos. Trata-se de princípio correlato aos direitos humanos de primeira geração, ligado à liberdade do indivíduo, que limita a ação do Estado diante de particulares. Em outras palavras, este direito se relaciona com a liberdade de autodeterminação do cidadão, ensejando uma posição abstencionista do Estado.

Assim, o projeto parental se relaciona com o direito de procriação, de formação de uma família formada por laços de afetividade e na finalidade de realização de todos os entes familiares. Portanto, cabe ao casal decidir quantos filhos irão ter, como irão educar, de que forma realizarão o projeto parental, não podendo haver interferências do Estado. Ao Estado cabe apenas a criação de políticas públicas para orientar, educar, prevenir e conscientizar as pessoas acerca de como realizar o planejamento familiar, pois este está vinculado ao princípio da dignidade da pessoa humana e da parentalidade responsável (ROSA; CARDIN, 2012, p. 236).

Nesta senda, verifica-se que os direitos sexuais e reprodutivos decorrem do princípio do livre planejamento familiar e da dignidade da pessoa humana e se constituem como direitos da personalidade, pois as decisões referentes à formação de uma entidade familiar são inerentes ao ser humano e fazem parte de seu projeto de vida e sua realização pessoal.

Salienta-se que a Constituição Federal de 1988 não apenas inovou no campo da família, como também, absorvendo a orientação que já vinha sendo seguida pelos Tribunais – e pelos demais países, principalmente após o fim da Segunda Guerra Mundial (1945), passou a atribuir a responsabilidade da proteção da dignidade da pessoa humana ao Estado, cabendo a este o papel de propiciar as condições necessárias para que as pessoas possam desenvolver seu potencial e, por conseguinte, possam viver com dignidade e serem dignas (FERMENTÃO, 2006, p. 244).

Consoante André Vinicius Rosolen e Dirceu Pereira de Siqueira (2015, p. 6) dignidade da pessoa humana: 

[…] é um princípio jurídico constitucional – norma jurídica – que enuncia direitos e reconhece os meios de responsabilidade de respeito e proteção aos valores intrínsecos do ser humano, ou seja, o sentido normativo implica no tratamento condizente da pessoa em razão da própria condição de ser humano e de assegurar a mínima respeitabilidade do indivíduo. 

Diante disso, a Constituição Federal de 1988 tratou a personalidade como o valor máximo do ordenamento jurídico. Assim, confere prioridade à cidadania e à dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. I e III), adota como princípio a igualdade substancial (art. 3º, inc. III, da CRFB/1988), a isonomia formal (art. 5º, caput) e uma cláusula aberta, de garantia residual (art. 5º, §2º), que se irradiam para toda a legislação infraconstitucional. Logo, a dignidade da pessoa humana é tida como cláusula geral de tutela e proteção do indivíduo (TEPEDINO, 2004, p. 50), e, por conseguinte, dos direitos da personalidade.

Os direitos da personalidade são “reconhecidos como direitos subjetivos, protegidos pelo Estado, surgindo assim um encontro de grandeza jurídica entre o direito privado, a liberdade pública e o direito constitucional, verdadeiro paradigma que se constituiu como fruto de lutas pela tutela dos direitos personalíssimos” (FERMENTÃO, 2006, p. 244).

Diante disso, citam-se as lições de Maria de Lourdes Cavalcanti, Ivan Dias da Motta e Oscar Ivan Prux (2019, p. 266):

 […] a personalidade juridicamente reconhecida pela entidade estatal enseja ações e omissões daquela mesma entidade a partir da parcela de renúncia da liberdade individual de cada cidadão livre e solidário na composição do amplo e proclamado indissolúvel mosaico sob o qual se infirma o poder soberano que não mais está fundado no divino ou no sobrenatural, mas no grande e copioso pacto social.

Nesta senda, a dignidade da pessoa humana como cláusula geral dos direitos da personalidade implica Estado, sociedade e indivíduo, ao mesmo tempo, uma dimensão negativa, um não fazer por parte do Estado, gerando direitos fundamentais que impedem a funcionalização da pessoa humana em razão da ação própria e de terceiros; e uma dimensão positiva, prestacional, que impõe um fazer por parte do Estado, de tutelar e proteger a dignidade, assegurando o devido respeito e promoção da pessoa humana (SARLET, 2009, p. 29).

Logo, desde que observados os princípios da parentalidade responsável, do melhor interesse da criança e do adolescente e da proteção integral da criança e da própria dignidade da pessoa humana, o planejamento familiar deve ser assegurado a qualquer casal, independentemente da orientação sexual dos autores do projeto parental (ROSA; CARDIN, 2012, p. 237-238), devendo o Estado propiciar meios para que sejam concretizadas as escolhas dos cidadãos. Ocorre que com a falta de lei específica sobre a temática da realização do projeto homoparental, os casais homoafetivos têm tido grandes dificuldades em relação à sua realização, como no caso do registro da dupla maternidade, quando a criança foi concebida mediante inseminação caseira. 

3.2 DA TÉCNICA DE INSEMINAÇÃO CASEIRA COMO POSSIBILIDADE DE FAMÍLIA

Como visto, com o advento da Constituição de 1988, o conceito e abrangência do termo família, apresentou profundas mudanças, ganhando novos significados e tutelando-se a família homoafetivas, já conhecidas e presentes em nossa sociedade. Com o olhar protetivo dado pelo Estado às famílias, o artigo 226, §4º da Constituição Federal elevou a família ao patamar estruturante da sociedade, que se estende para as entidades familiares constituídas por qualquer um dos genitores e de seus filhos.

Desta forma, houve a possibilidade de que qualquer um de seus integrantes, independentemente de seu gênero, pudessem, com base nos princípios da dignidade humana e da parentalidade responsável, escolher questões envolvendo a formação de sua própria família, quando constituí-la, e até mesmo, no que tange à filiação e possibilidades no mundo contemporâneo.

Com as novas técnicas envolvendo a reprodução humana através da inseminação artificial, questões sobre o reconhecimento de dupla maternidade do nascituro vieram à tona, expondo consigo, lacunas jurídicas impensáveis anteriormente. Segundo Renata Malta Vilas-Bôas, a técnica se divide em duas categorias: fertilização in vitro, procedimento o qual a concepção do óvulo ocorre em uma proveta de laboratório, portanto, externo ao corpo da pessoa gestante, já a fertilização in vivo, descreve como a concepção que se desenvolve inserindo o material genético no corpo da pessoa que irá gestar, podendo neste caso ser homóloga, quando utiliza-se gametas exclusivamente do casal que pretende ter filhos, ou heteróloga, quando utilizado material genético de terceiro doador desconhecido, seja sêmen ou óvulo. (VILLAS-BÔAS, 2011, p. 1-20).

Ocorre, que em famílias compostas por duas pessoas do sexo feminino, ou masculino, gera perplexibilidade e indagação social na medida em que, além dos parâmetros tradicionais de família, a filiação, procriação rompem o liame natural das relações humanas, de modo que, carente de legislação específica as técnicas de reprodução humana assistida pautam-se basicamente nas resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM), que não possuem, entretanto, força normativa.

Em 2005, por meio da Portaria nº. 426/2005 do Ministério da Saúde, houve a instituição da Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, os repasses do governo para que os atendimentos fossem realizados de maneira gratuita em alguns hospitais públicos conveniados[8], foram iniciados apenas em dezembro de 2012, com a entrada em vigor da Portaria nº. 3.149/2012 e a inclusão de fertilização in vitro e/ou injeção intracitoplasmática de espermatozoides. Todavia, embora o SUS forneça tal procedimento de maneira gratuita, a espera para a realização pode levar anos, retardando a concretização do projeto parental de muitos casais homoafetivos.

 Assim, a alternativa encontrada pelos casais com o sexo feminino, foi a inseminação artificial caseira, também chamada de inseminação doméstica ou ainda, autoiseminação. Sobre isso, Lara Pinto Tibúcio, explica que é um método que está se popularizando nas redes sociais, como uma solução acessível para aquelas famílias que desejam ter filhos e não dispõem de verba necessária para realizar os métodos de inseminação em clínicas especializadas de fertilização humana. (2018, p. 2). Segundo reportagem publicada em 27 de maio de 2019, pela Forbes Brasil e escrita por Boyadjian, estima-se que os custos para a reprodução humana assistida variam de R$ 5 mil reais a R$ 15 mil reais (2019, online), valor que pode servir de óbice para casais financeiramente hipossuficientes, além da submissão aos protocolos de segurança, prescrições farmacológicas, avaliações médicas, que afastariam grande parte da população que deseja realizar tais procedimentos.

A autoinseminação é procedimento relativamente simples, pois consiste na coleta e implantação do sêmen sem, contudo, a averiguação de um profissional da área da saúde, e em âmbito doméstico, sem análise detalhada do material biológico possibilitando-se possíveis transmissões de doenças sexualmente transmissíveis. Basicamente, em casais de pessoas com o sexo feminino, buscam realizarem o projeto parental por meio de um doador de esperma, sem qualquer intenção que este participe afetivamente ao projeto parental, podendo ser conhecido ou não, exigido ou não uma contraprestação pelo sêmen. Com a retirada do material, o qual é coletado em um recipiente esterilizado ou até mesmo em um preservativo e, em seguida com o auxílio de uma seringa ou aplicador, é introduzido na cavidade vaginal da pessoa, que deverá estar nos dias do seu período fértil. (CORRÊA, 2012, p. 101).

Embora a técnica caseira demonstre simplicidade em sua realização, e não seja legalmente vedada, possui muitas críticas no âmbito da medicina. Segundo a Secretária-geral da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, a ginecologista Nilka Fernandes Donadio em entrevista à BBC Brasil, afirma que:

Quando a gente pensa em inseminação, sabe que ela deve ser feita em laboratório e o sêmen deve passar por um processamento, que elimina fatores que podem trazer consequências graves à saúde da mulher. Na inseminação caseira, ela pode sofrer infecção no colo do útero ao injetar o sêmen por meio de uma seringa. Além disso, quem garante que os exames feitos pelo doador estão corretos? É difícil chancelar uma indicação para esse procedimento (2017, online)

Sobre o assunto a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), em abril de 2018, publicou um comunicado em sua página oficial, alertando sobre o procedimento doméstico de reprodução:

Como são atividades feitas fora de um serviço de Saúde e o sêmen utilizado não provém de um banco de espermas, as vigilâncias sanitárias e a Anvisa não têm poder de fiscalização. Do ponto de vista biológico, o principal risco para as mulheres é a possiblidade de transmissão de doenças graves que poderão afetar a saúde da mãe e do bebê.  Isso se dá devido à introdução no corpo da mulher de um material biológico sem triagem clínica ou social, que avalia os comportamentos de risco, viagens a áreas endêmicas e doenças pré-existentes no doador, bem como a ausência de triagem laboratorial para agentes infecciosos, como HIV, Hepatites B e C, Zika vírus e outros.(ANVISA, 2018, online).

A resolução do Conselho Federal de Medicina, nº. 2.168/2017 tratava sobre as normas éticas de utilização de técnicas de reprodução humana assistida (RA), tornando-se um dispositivo deontológico seguidos por médicos. Atualmente, após modificação pela resolução nº. 2.294 de 27 de maio de 2021, houve a sua atualização e delimitação das técnicas de RA, podendo haver candidatas à gestação com idade máxima de 50 anos. (Item 3.1, artigo I, Resolução nº. 2.294/21 CFM) e a idade limite para doação de gametas é de 37 anos para mulheres e de 45 anos para homens. (Item 3, artigo IV, Resolução nº. 2.294/21 CFM.

 Além disso, manteve-se a permissão expressa do uso das técnicas de RA para pessoas transgêneros, homossexuais e heterossexuais sendo possível, também, a gestação compartilhada[9] em união homoafetiva (item 3, artigo II, Resolução nº. 2.294/21, CFM). Além disso, dispôs a obrigatoriedade às clínicas, centros ou serviços pelo controle de doenças infectocontagiosas, pela coleta, manuseio, conservação, distribuição, transferência e descarte do material biológico humano dos pacientes submetidos às técnicas de RA (artigo III, Resolução nº. 2.294/21, CFM). Não podendo a doação do material biológico ter caráter comercial ou lucrativo, devendo-se ainda, a obrigatoriedade no sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores, havendo ressalva do item 2 do Capítulo IV da referida resolução.

Para Ana Thereza Meireles Araújo (2020, p. 115), “a doação de gametas somente poderia ser concretizada em observância à necessária proteção à diversidade biológica, advinda da tutela constitucional do patrimônio genético humano”. As técnicas de reprodução humana, não podem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo ou qualquer característica biológica do futuro filho, exceto para evitar doenças no possível descendente. (Item 5, artigo I, Resolução nº. 2.294/21, CFM). Além disso, a resolução prevê, que a escolha das doadoras de oócitos são de responsabilidade do médico assistente, que dentro do possível, deverá garantir que a doadora tenha a maior semelhança fenotípica com a receptora. (Item 9, artigo IV, Resolução nº. 2.294/21, CFM).

Isso não quer dizer que a doação do material genético deva “representar uma busca incessante por padrões genéticos e estéticos capazes de institucionalizar um processo de seleção dos seres humanos, embasado em critérios que exalarão perspectivas racistas e discriminatórias” (ARAÚJO, 2020, p. 116). Para a autora, essa possibilidade apenas poderia ser possível em unidades especializadas capazes de considerar tal pressuposto (ARAÚJO, 2020, p. 116).

Quanto as consequências jurídicas quanto a inobservância das resoluções do Conselho Federal de Medicina, no âmbito do reconhecimento da filiação em virtude de inseminação caseira em casal de pessoas do sexo feminino, é figura pouco conhecida e consequentemente carente de regulação, desafiando-se os operadores do direito nos casos práticos. No entanto, a filiação, enquanto matéria de ordem pública, não está condicionada apenas à vontade das partes que a almejam. Para Ana Thereza Meireles Araújo, o “Estado deve interferir estabelecendo regras concernentes à filiação, considerando inclusive a situação de vulnerabilidade dos concebidos e nascidos, incapazes de fato”. (ARAÚJO, 2020, p. 116).

Desta forma, a Corregedoria Nacional de Justiça, editou o Provimento nº. 63/2017, no intuito de unificar o registro e emissão de certidão de nascimento, casamento e de óbito, independentemente de prévia autorização judicial. Dispôs na secção III, sobre os registros de nascimento de filhos advindos das técnicas de RA, representando avanço expressivo, mas, não contemplou em seus dispositivos, a situação no que tange à inseminação doméstica. Em virtude disso, os pais/mães devem apresentar a declaração de nascido vivo (DNV), declaração com firma reconhecida do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando que a criança foi gerada por reprodução assistida heteróloga, assim como o nome dos beneficiários. Além disso, condiciona os pais/mães à apresentação de certidão de casamento, certidão de conversão de união estável em casamento, escritura pública de união estável ou sentença em que foi reconhecida a união. (Art. 17, incisos I, II e III do Provimento nº. 63/2017).

Como a falta de reconhecimento legal da dupla maternidade advinda de inseminações caseiras, faz com que o status de família seja sempre desafiado e conforme Islas (2007, apud CORRÊA, 2012, p. 136), enquanto o papel da mãe que engravida parece intrínseco, o da mãe que não engravida parece que deve ser construído e negociado permanentemente. É o que declara uma das entrevistadas do seu estudo, que na época estava passando por uma batalha judicial para conseguir a guarda compartilhada de seu filho, e ao analisar o caso o juiz assim proferiu à entrevistada: “A senhora tá aqui fazendo todo esse transtorno por causa de um pedaço de papel, pelo seu egoísmo de por o seu nome em um pedaço de papel e expor ele ao preconceito? ” (CORRÊA, 2012, p. 161).

Pode parecer que para fins formais, seja somente um simples pedaço de papel, todavia, para mulheres lésbicas e seus filhos representa legitimidade e proteção (CORRÊA, 2012, p. 161). É poder ter direito sobre o patrimônio deixado por suas mães em caso de falecimento[10], é não ser uma pessoa “estranha que ganhou o direito de visita” (CORRÊA, 2012, p. 161). Note, que a única diferença formal encontrada entre o reconhecimento da dupla maternidade em virtude de filhos advindos por autoinseminação e o provimento nº. 63/2017 do CNJ no que tange ao reconhecimento da dupla maternidade por técnica de RA realizada em clínicas e centros especializados, foi a necessidade de apresentação de documento com firma reconhecida do diretor técnico da clínica onde foi realizada o procedimento de reprodução humana assistida ao cartório de registo civil (Art. 17, incisos II do Provimento nº. 63/2017).

Para Carlos Alexandre Moraes e Diego Fernandes Vieira, a parentalidade hoje já “não está mais vinculada somente com a reprodução ou com a continuação de um nome simplesmente, mas está voltada para uma decisão racional e lógica, pensada e, principalmente, planejada, seja com ou sem um (a) parceiro (a) ”. (2021, p.315).

Desta forma, antes da análise fria do postulado, é preciso compreender que a dupla maternidade só é mais uma das formas de se constituir uma família que, “[…]como qualquer outra forma que vá em direção oposta aos moldes familiares impostos socialmente, sofre com a resistência e a discriminação no âmbito público e no privado[…] (MORAES; VIEIRA, 2021, p.316).  Sobre isso, uma das entrevistadas do estudo de Maria Eduarda Cavadinha, manifestou:

Porque na verdade, se você for pensar, um casal heterossexual, […]. Se o homem for infértil e a mulher fizer um tratamento pra engravidar e usar um doador anônimo, você concorda que na hora de nascer, ninguém vai questionar quem ele é o pai? Ele vai sair no registro, mesmo que biologicamente não seja o pai. […]. Então, no nosso caso, se tem duas pessoas casadas que tem um filho, supõe que o filho é das duas. (CORRÊA, 2012, p. 161)

Assim, consubstanciado ao fato de que o fundamento da família tem se modificado, e “cada vez mais se dá importância ao afeto nas relações familiares”” (GROENINGA, 2008, p. 28). Carlos Alexandre Moraes em sua obra “Responsabilidade Civil dos Pais pela Reprodução Humana Assistida” entende que:

Ser pai e mãe é um privilégio, todavia gera inúmeras responsabilidades, por isso, a parentalidade responsável não é uma das tarefas mais simples, pois exige antes de tudo tempo dos pais para com seus descendentes, principalmente na atualidade, quando os pais não têm tido tempo para viver e conviver com seus filhos. (2019, p.123).

Por conseguinte, independentemente da forma o qual a família é constituída, havendo filhos, seja de forma programada, incidental, planejada a dois ou até mesmo solo. Havendo responsabilidade parental, atrelada ao desejo de se constituir uma filiação parental, demonstra que essa pessoa está disposta a exercer um amparo afetivo, material, intelectual, espiritual a este novo ser. Razão pela qual, não parece coerente não reconhecer a esta família o direito da dupla maternidade de filhos advindos de inseminação caseira.

4 RESULTADOS: DA IMPLICAÇÃO JURÍDICA DECORRENTE DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL CASEIRA

Com a demora na efetivação do direito à inseminação artificial no sistema único de saúde, atrelado aos elevados custos na realização de inseminações artificiais em clinicas especializadas, os casais com o sexo feminino viram na inseminação caseira, uma alternativa de efetivar o planejamento familiar destas. No entanto, como visto nos tópicos anteriores, a omissão legislativa no que tange ao método caseiro e suas complicações jurídicas ocasiona demandas de ações judiciais com o intuito do Poder Judiciário proporcionar o reconhecimento do método e, consequentemente, a declaração da dupla maternidade de filhos concebidos por inseminação caseira.

Os resultados encontrados se resumem a cinco casos de tribunais de justiça estaduais, que foram sistematizados conforme a tabela 1, a seguir:

Tabela 1 – Acórdãos que tratam sobre o tema do registro civil da dupla maternidade em casos de inseminação artificial caseira nos Tribunais de Justiça Estaduais – amostra coletada em 28.08.2021

CasoTribunalNº do ProcessoÓrgão JulgadorResultadoData da Publicação
01TJ – PR0001178-13.2020.8.16.017917ª Câmara CívelRecurso de Apelação conhecido e provido deferindo o pedido inicial à dupla maternidade de filho advindo por autoinseminação21/09/2020
02TJ – RJ0018425-41.2021.8.19.000018ª Câmara CívelRecurso de Agravo de Instrumento negado em razão da competência das Varas de Registros Públicos13/03/2021
03TJ – RJ0089314-54.2020.8.19.000011ª Câmara CívelRecurso de Agravo de Instrumento negado em razão da inadmissibilidade recursal19/05/2021
04TJ – GO0428265-56.2015.08.09.01752ª Câmara CívelRecurso de Apelação conhecido e provido para o retorno dos autos a fase de instrução e necessidade de  prévio estudo psicossocial29/05/2018
05TJ – SP2101032-19.2020.8.26.00009ª Câmara Cível de Direito PrivadoRecurso de Agravo de Instrumento conhecido e provido para a busca da dupla maternidade, devendo ser analisado pela Vara de Família18/06/2021

O caso 01, trata-se do caso que tramitou na 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná –TJPR. Julgado há menos de um ano, o recurso de apelação foi interposto por duas mães, que, inconformadas com o indeferimento da petição inicial o qual, extinguiu o feito sem resolução do mérito, face à ausência de interesse processual em virtude da criança na época ainda estar sendo gerada por uma das apelantes. Consequentemente, ainda não havia negativa de registro da criança oriunda do método de autoinseminação.

 As apelantes sustentaram em seu recurso, que o artigo 226, §7º da Constituição Federal, contempla o direito constitucional ao planejamento familiar, que embora o STF em julgamento da ADIN nº. 4.277/DF, já tenha reconhecido a união homoafetiva como entidade familiar, os mesmos direitos e deveres deveriam ser aplicados a todos. Assim, postularam em juízo o reconhecimento da dupla maternidade oriunda de inseminação caseira, antes mesmo da criança nascer, alegando-se que o item II do artigo 17 do Provimento nº. 63/2017 do CNJ, afronta o princípio da igualdade e viola o direito das apelantes ao planejamento familiar, devendo desse modo ser reconhecido o método de concepção doméstica, requerendo assim, que fosse anotado no registro de nascimento do nascituro, conforme art. 17 do CPC, cumprindo-se, portanto, o interesse e legitimidade processual.

Sobre o caso, a Procuradoria Geral de Justiça se manifestou pelo reconhecimento do interesse processual, requerendo a reforma da sentença, com o regular prosseguimento da demanda, vez que, as Apelantes no percurso após a sentença prolatada pelo Juízo de primeiro grau, apresentaram documento comprobatório de nascido vivo e de negativa registral para inclusão do nome de ambas as mães. Por conseguinte, foram reconhecidos os requisitos de admissibilidade recursal, de modo que o recurso das mães foi conhecido e provido, com o fundamento de necessidade de pronunciamento do judiciário, sob pena de violação do princípio da inafastabilidade de jurisdição do Poder Judiciário.

 Além disso, foi pontuado que, com o arquivamento do feito, a manutenção da sentença de primeiro grau obrigaria as apelantes ajuizarem uma nova ação instruída com os mesmos documentos que foram juntados aos autos. Deste modo, em observância aos princípios da economia e celeridade processual e, presente o interesse processual antes mesmo da negativa registral, por unanimidade de votos, houve o deferimento da petição inicial com a cassação da decisão do juiz de primeiro grau.

No caso 02, houve a interposição de Agravo de Instrumento contra decisão interlocutória da 1ª Vara de Família da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, que declinou a competência para a Vara de Registros Públicos para processar e julgar casos de pedidos de declaração de dupla maternidade. Embora o núcleo atacado no recurso seja de direitos procedimentais de competência, as agravantes, mães do menor alegaram que vivem em união homoafetiva e nutriam o anseio de se tornarem mães, quando adveio o filho pelo método de inseminação caseira com a doação de gameta masculino. Destacaram as agravantes que a questão envolve direito de família e, portanto, a demanda deveria ser processada e julgada pelo juízo correspondente da Vara de Família.

Quanto à análise da competência agravada, o Desembargador do órgão julgador entendeu que a simples retificação do registro para inclusão da dupla maternidade já possui norma regulamentar fazendo menção ao Provimento nº. 63/2017 do CNJ, bem como direito reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal em Recurso Extraordinário nº. 898.060. Assim, denotando o caráter eminentemente registral da questão carente de qualquer conflito familiar entre as partes agravantes, motivo pelo qual negou provimento ao recurso, conforme art. 932 do CPC, cumulado com o artigo art. 31, inciso VIII, alínea ‘b”, do Regimento Interno do TJRJ.

O caso 03, trata-se de um recurso de Agravo de Instrumento tramitado na 11ªCâmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, contra a decisão proferida pelo Juízo da 3ª Vara de Família da Comarca de Nova Iguaçu-RJ, que dispôs o seguinte entendimento:

[…] Como se vê, a pretensão deduzida em Juízo visa o reconhecimento da maternidade socioafetiva da requerente DANIELA, haja vista que a maternidade biológica é da requerente FERNANDA (fls. 70). Nada mais justo. Ocorre que, para a declaração da maternidade socioafetiva impõe-se a realização de estudo social (fls. 94), conforme se depreende de serena jurisprudência já sedimentada em nossos Tribunais. Sublinhe-se aqui que este Juízo não determinou a realização de estudo psicossocial conforme restou consignado nos Embargos de fls. 96/99, mas sim de estudo social que, como se sabe, têm finalidades distintas. Apesar da ação ter sido nominada de “Expedição de Alvará” – com a devida vênia, equivocadamente – o que se busca, em verdade, é uma manifestação declaratória deste Juízo no sentido de que DANIELA também é mãe de MANUELLA, haja vista que uma decisão aqui proferida, ao que tudo indica, irá alterar um registro público, mais precisamente a certidão de nascimento da menor. Não existe em nosso ordenamento jurídico pretensão que autorize a procedência liminar do pedido sem a devida instrução processual. Neste prisma, apesar da notória boa intenção das requerentes, não nos é possível desprezar o disposto na Lei. 3 – Portanto, em razão de todo o exposto, ao estudo social conforme já determinado às fls. 94.”(BRASIL, 2021, p.20)

Inconformadas com a decisão, esclareceram que vivem juntas desde o ano de 2007 e que é desejo de ambas constituírem uma família, no entanto, em razão da impossibilidade de arcarem com os ônus de uma clínica especializadas em inseminação artificial, sonharam, planejaram e idealizaram juntas ter um filho, o que foi feito por meio de inseminação caseira. Argumentam que no âmbito de uma família heterossexual tradicional, é aplicável a presunção trazida no artigo 1. 597, inciso V do Código Civil de 2002[11], devendo esta mesma presunção ser igualmente aplicada a casais homossexuais, sob pena de tratamento desigual, preconceituoso e discriminatório, em desrespeito aos princípios de isonomia, igualdade e dignidade da pessoa humana. Desta forma, sustentaram que não há que se falar em necessidade social, requerendo a antecipação dos efeitos da tutela recursal para reforma da decisão recorrida que determinou a realização de estudo social, devendo o feito prosseguir com as provas já carreadas aos autos, constando assim, o registro da dupla maternidade.

Sobre as questões levantadas em sede de recurso, ao proferir o seu voto, o relator Desembargador Fernando Cerqueira Chagas, se limitou a analisar as regras processuais constantes no Novo Código de Processo Civil, que em seu art. 1.015, delimita as decisões interlocutórias passíveis de impugnação mediante recurso de agravo de instrumento. Assim, considerou que a decisão alvejada não se inclui no rol taxativo do referido dispositivo legal e, portanto, não poderia ser impugnada por meio de Agravo de Instrumento, o que inviabiliza que se ultrapasse o juízo de admissibilidade recursal, deixando de reconhecer do recurso, sem, contudo, analisar a questão de mérito do pleito.

No 04 caso, trata-se de um Recurso de Apelação julgado pelos integrantes da 2ª Turma Julgadora da 1ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás, que em unanimidade dos votos conheceram e deram provimento ao recurso de duas mães que interpuseram em sede de recurso a reforma da sentença proferida pelo juízo da 3ª Vara de Família e Sucessões da cidade de Goiânia, nos autos da ação declaratória de dupla maternidade cumulada com o pedido de alteração de registro civil. As apelantes manifestam-se que são uma das entidades familiares reconhecida pelos tribunais superiores, e que, inclusive são casadas civilmente desde março de 2015, e que realizaram o método caseiro de inseminação, no intuito de gerar seus descendentes, o qual, adveio o nascimento da menor primogênita do casal.

Embora a íntegra do acórdão do caso 04 não discorra sobre os motivos da cassação da sentença de primeiro grau, restou demonstrado que os autos deveriam ser retornados à instância inferior para a fase de instrução e realização de estudo psicossocial de convivência entre a menor e as apelantes. Pois, segundo o entendimento dos desembargadores, embora não exista dispositivo legal acerca do registro do menor, o reconhecimento da filiação não deve ser somente genético, mas também aquela pautada na relação de afeto estabelecida entre os ascendentes e descendentes. Assim, utilizaram-se da analogia da adoção de crianças por casais homossexuais, ocasião em que o registro do menor é lavrado mediante dupla maternidade ou paternidade de modo a proporcionar o melhor interesse da criança.

 Deste modo, o Tribunal ao julgar o recurso, manifestou-se pela viabilidade do reconhecimento da dupla filiação mediante demonstração que seu deferimento trará reais vantagens à criança. Condicionando-se às apelantes realizarem estudo psicossocial de convivência entre a menor e estas.

No último caso trazido, trata-se de duas mães que realizaram em conjunto o projeto familiar mediante utilização do método caseiro de inseminação. Ajuizaram ação de investigação de maternidade socioafetiva para o reconhecimento da mãe que não gerou nos registros de nascimento da menor. No entanto, foi necessário agravar de decisão proferida pelo juízo de primeiro grau face ao afastamento do reconhecimento de vínculo afetivo entre a menor e a mãe postulante, sob o entendimento do pouco tempo de vida da criança, declinando-se a competência ao Juízo da Infância e Juventude para a apreciação do pedido, o qual entendeu ser uma adoção unilateral.

Ocorre, no entanto, que a menor M.J.N. nasceu em 22.8.2019, o que impossibilita constatar se há o vínculo afetivo entre ela e a correquerente F.K.D.S. Observo, contudo, que a pretensão das requerentes pode ser satisfeita pela adoção unilateral prevista no art. 41, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, cuja competência absoluta é do Juízo da Infância e da Juventude desta Comarca.

Indignadas, as mães sustentaram que são civilmente casadas e que ambas decidiram pelo método o qual sobreveio a menor. Trouxeram aos autos, declaração de amigos, e até mesmo da médica responsável pelo pré-natal, bem como fotografias registradas antes, durante e após o nascimento da menor, tudo no intuito de demonstrar ao juízo o desejo de reconhecimento da filiação, vez que, após o nascimento da criança as agravantes encontraram dificuldade para a realização do registro da criança com a inclusão do nome das duas mães.

Além disso, sustentaram que a adoção unilateral não seria a medida mais coerente, tampouco respeita a vontade das partes, pois o que se pretende é que seja dada a declaração de reconhecimento do vínculo maternal de filho que é fruto de um projeto familiar mútuo.  Apesar da sua natureza similar, alegaram as partes que, a adoção seria um ato de aceitação, na qualidade de filho, de pessoa a ela estranha, o que por sua vez não coincide com a realidade dos fatos demonstrados ao juízo de família. Ao decidirem o caso, os desembargadores pontuaram que o reconhecimento de vínculo socioafetivo é diverso da adoção, não havendo razão para os autos serem remetidos a Vara da Infância e Juventude, devendo a ação ter seu regular prosseguimento perante da Vara de Família e Sucessões, onde a ação foi ajuizada.

Conforme desprendeu-se da análise dos julgados selecionados, a possibilidade de reconhecimento da dupla maternidade de filhos advindo de inseminação caseira, apenas é possível discutir no âmbito do Poder Judiciário. De modo que, não há consenso entre os Tribunais de Segunda Grau analisados, fato que se atribuiu também a inexistência de normativas que tratem sobre o tema, pairando-se várias inseguranças jurídicas, inclusive a questões processuais como a de competência para julgar e analisar casos com pedido de reconhecimento de dupla maternidade, com a consequente retificação documental da criança oriunda de inseminação caseira.

Notou-se que, embora o intuito principal das partes que demandaram em juízo seja o reconhecimento da dupla maternidade, em todos os julgados analisados houveram divergência quanto à peça inaugural utilizada para pleitear o direito ao livre planejamento familiar, o qual na prática foi declinado a competência para processamento e julgamento da questão, como ocorreu no caso 02- Ação de Expedição de Alvará, requerendo alvará para identificação de ambas genitoras no registro de nascimento de menor concebido por técnica de inseminação caseira, declinou-se a competência ao juízo da Vara de Registros Públicos processar e julgar o caso, sendo o caso 05 – Ação de Investigação de Maternidade Socioafetiva, atribuída a competência à Vara de Família processar e julgar o caso. 

Além disso, embora o caso 03 os desembargadores não tenham citado à necessidade do estudo psicossocial, houve a manutenção do entendimento do juízo de primeiro grau quanto à realização do estudo social, fato este, que não ocorreu no caso 04, que cassou a sentença do juiz de primeiro grau, retornando os autos à fase de instrução para análise do vínculo socioafetivo por meio de estudo psicossocial de convivência entre a criança e suas mães.

Além disso, após análise dos julgados, notou-se que em todos os recursos houveram as mesmas alegações das partes requerentes, qual seja, falta de recursos suficientes para custear os procedimentos de inseminação artificial em clínicas especializadas, livre exercício do direito ao projeto familiar, desejo mútuo das partes em realizar a inseminação caseira, necessidade de reconhecimento e igualdade de direitos e tratamentos de entidade familiares homossexuais, omissão normativa sobre o tema e a negativa extrajudicial de cartórios de registro civil ao registro duplo maternal. Sobre esta questão, o caso 01 mostrou-se ser possível pleitear em juízo mesmo diante da concepção do nascituro, de modo que inexistindo documento comprobatório de nascido vivo e de negativa registral para inclusão do nome de ambas as mães, não deve ser óbice para afastar a análise do Poder Judiciário, sob pena de violação ao princípio da inafastabilidade de jurisdição do Poder Judiciário, devendo este, analisar o caso concreto.

Assim, contrariando-se o entendimento proferido pelo Desembargador Carlos Eduardo da Fonseca Passos, relator do caso 02 analisado acima, o Provimento nº. 63/2017 do CNJ, não faz menção expressa ao reconhecimento da dupla maternidade de filhos advindos de inseminação caseira, o que na prática inviabiliza o seu reconhecimento.  No entanto, no âmbito de uma família heterossexual tradicional, há presunção da parentalidade que é aplicada sem maiores entraves, ou provas da relação de afeto e estado de filho (Art.1. 597, inciso V do Código Civil de 2002). Todavia, o mesmo não se visualizou nas relações familiares homoafetivas, o qual, não houve igualmente aplicado tal presunção, sendo um tratamento desigual, preconceituoso e discriminatório, em desrespeito aos princípios de isonomia, igualdade e dignidade da pessoa humana.

Isto posto, independentemente da forma o qual a família foi constituída, havendo filhos, seja de forma programada, incidental, planejada com ou sem inseminação caseira. O que se deve prevalecer são os princípios da parentalidade responsável, o melhor interesse da criança e do adolescente e o livre planejamento familiar deve ser assegurado a qualquer casal, independentemente da orientação sexual destes.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos princípios da pluralidade das entidades familiares, da parentalidade responsável e da dignidade da pessoa humana é possível o reconhecimento da formação de uma família homoparental em relação aos filhos advindos de inseminação caseira, gerados por um casal homoafetivo, ainda que não haja regulamentação legal ou infralegal a respeito.

Contudo, no caso específico faltam normas que reconheçam e regulamentem a questão, havendo dificuldade do Poder Judiciário em questões simples como o recebimento da inicial ou a competência, bem como em questão de mérito, como o enquadramento em presunção de parentalidade (conforme artigo 1.597, do Código Civil), o que dispensaria qualquer estudo social ou psicossocial; adoção unilateral ou parentalidade socioafetiva.

Assim, embora o princípio da inafastabilidade de jurisdição imponha ao Poder Judiciário resolver os conflitos advindos da temática, posto que não há regulamentação legal ou infralegal, por questões processuais ou materiais, o próprio Poder Judiciário acaba violando os direitos da personalidade da criança, como o direito à filiação e ao nome, e dos autores do projeto parental, como o livre planejamento familiar. Logo, a verdade biológica impera sobre o vínculo de afeto.

Assim, cria-se uma discriminação injusta aos casais homoafetivos que realizam a inseminação caseira, posto que em relação aos casais heteroafetivos basta a aplicação da presunção de parentalidade do artigo 1.597, do Código Civil, não se investigando se há um vínculo biológico de ambos os pais em relação à criança, bem como não se necessita de estudo psicossocial ou social para tanto. Além disso, mesmo se a criança é concebida por técnica de reprodução humana assistida realizada em serviços especializados, apenas se necessita de uma declaração do diretor do local com firma reconhecida para que haja o registro, nos termos do artigo 17, inciso II, do Provimento 63, de 14.11.2017, do CNJ.

Diante disso, é imperioso que o Poder Judiciário passe a tratar a questão com vistas à realização dos direitos da personalidade dos autores do projeto parental e da criança, bem como que haja a regulamentação do tema, a fim de que não ocorram injustiças.

REFERÊNCIAS

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BOYADJIAN, Beatriz. Quanto custam os tratamentos de reprodução assistida. Forbes, 2019. Disponível em: https://forbes.com.br/colunas/2019/05/quanto-custam-os-tratamentosde-reproducao-assistida/ Acesso em: 02 de agosto de 2021.

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[1] Coordenador e Professor Permanente do Programa de Doutorado e Mestrado em Direito da Universidade Cesumar, Maringá, PR (UniCesumar); Pós-doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal), Doutor e Mestre em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino – ITE/Bauru, Especialista Lato Sensu em Direito Civil e Processual Civil pelo Centro Universitário de Rio Preto, Pesquisador Bolsista – Modalidade Produtividade em Pesquisa para Doutor – PPD – do Instituto Cesumar de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICETI), Professor nos cursos de graduação em direito da Universidade de Araraquara (UNIARA) e do Centro Universitário Unifafibe (UNIFAFIBE), Professor Convidado do Programa de Mestrado University Missouri State – EUA, Editor da Revista Direitos Sociais e Políticas Públicas (Qualis B1), Consultor Jurídico, Parecerista, Advogado. Endereço profissional: Universidade Cesumar, Av. Guedner, 1610 – Jardim Aclimacao, Maringá – PR, 87050-900, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9073-7759. CV: http://lattes.cnpq.br/3134794995883683. E-mail: dpsiqueira@uol.com.br.

[2] Mestre em Ciências Jurídicas pela UniCesumar – Universidade Cesumar. Pós-Graduada em Direito Civil, Processual Civil e Direito do Trabalho pelo UniCesumar – Universidade Cesumar. Pós-Graduanda em Direito de Família e Sucessões pelo Damásio Educacional. Bacharel em Direito pela Universidade Paranaense – UNIPAR, Campus Paranavaí. Endereço eletrônico: anara_pvai@hotmail.com.

[3] Mestre em Ciências Jurídicas pela UniCesumar – Universidade Cesumar; Pós-Graduada em Direito Civil, Processual Civil e Direito do Consumidor pelo Instituto de Direito Constitucional e Cidadania – IDCC; Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC, Campus Londrina. Endereço eletrônico: vivian_ayumi@hotmail.com. 

[4] DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N. 4.277/DF. […] 8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil de 2002, não vedam expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar. 9. Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a maioria, mediante seus representantes eleitos, não poderia mesmo “democraticamente” decretar a perda de direitos civis da minoria pela qual eventualmente nutre alguma aversão. Nesse cenário, em regra é o Poder Judiciário – e não o Legislativo – que exerce um papel contramajoritário e protetivo de especialíssima importância, exatamente por não ser compromissado com as maiorias votantes, mas apenas com a lei e com a Constituição, sempre em vista a proteção dos direitos humanos fundamentais, sejam eles das minorias, sejam das maiorias. Dessa forma, ao contrário do que pensam os críticos, a democracia se fortalece, porquanto esta se reafirma como forma de governo, não das maiorias ocasionais, mas de todos. 10. Enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro, não assume, explicitamente, sua coparticipação nesse processo constitucional de defesa e proteção dos socialmente vulneráveis, não pode o Poder Judiciário demitir-se desse mister, sob pena de aceitação tácita de um Estado que somente é “democrático” formalmente, sem que tal predicativo resista a uma mínima investigação acerca da universalização dos direitos civis. 11. Recurso especial provido. (REsp 1183378/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/10/2011, DJe 01/02/2012) (BRASIL, 2012)

[5] Art. 226, CF/1988. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento (BRASIL, 1988, s.p.).

[6]  Art. 1.723, CCB/02. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. (BRASIL, 2002, s.p.)

[7] Art. 1.514, CCB/02. O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.

[8] De acordo com a Portaria nº. 3.149/2012 do Ministério da Saúde, são 9 unidades: Centro de Reprodução Assistida do Hospital Regional da Asa Sul (HRAS), antigo HMIB, em Brasília, vinculado à Secretaria de Saúde do DF; Hospital das Clinicas da UFMG em Belo Horizonte – MG; Hospital Nossa Senhora da Conceição e Hospital das Clínicas em Porto Alegre – RS; Hospital das Clínicas São Paulo, Centro de Referência da Saúde da Mulher São Paulo – Pérola Byington, Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto- SP; Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira- IMIP em Pernambuco e a Maternidade Escola Januário Cicco no Rio Grande do Norte.

[9] É permitida a gestação compartilhada em união homoafetiva feminina. Considera-se gestação compartilhada a situação em que o embrião obtido a partir da fecundação do (s) oócito (s) de uma mulher é transferido para o útero de sua parceira.

[10] Art.1784, CCB/02. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

[11] Art.1.597, CCB/02.  Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.