DIREITOS AUTORAIS NA PÓS-MODERNIDADE, PENSAMENTO SISTÊMICO E ERA DO IMPACTO

DIREITOS AUTORAIS NA PÓS-MODERNIDADE, PENSAMENTO SISTÊMICO E ERA DO IMPACTO

1 de junho de 2021 Off Por Cognitio Juris

COPYRIGHT IN POSTMODERNITY, SYSTEMIC THINKING AND ERA OF IMPACT

Cognitio Juris
Ano XI – Número 35 – Junho de 2021
ISSN 2236-3009
Autores:
Jéssica Jane de Souza[1]
João Paulo Jamnik Anderson[2]

Resumo: O presente artigo se destina ao estudo dos Direitos Autorais dentro de uma nova economia, com foco na perspectiva da mudança de paradigmas social e epistemológico. Para tanto, a pesquisa analisará o processo contemporâneo de disruptura, a partir das visões de: James Marins, que defende a Era do Impacto como uma economia que deixa de ser neutra para se preocupar com problemas sociais; Manuel Castells, que apresenta o conceito de Sociedade da Informação, na qual a  informação é compreendida como matéria prima, e a lógica cibernética permite a emergência da Sociedade em Redes; Paul Manson, que explica sua visão de Pós-Capitalismo; e Maria José Esteves de Vasconcellos, que explica a epistemologia contemporânea pela perspectiva da intersubjetividade, da complexidade e da instabilidade, demarcando a mudança de paradigma. A metodologia empregada é a crítico-reflexiva que se opera através da revisão bibliográfica. Os resultados até então obtidos são a demonstração da importância do estudo do Direito Autoral a partir das novas tecnologias, bem como que esse ramo do Direito deve modificar suas análises no contexto duma sociedade mais horizontalizada, não sendo possível se legitimar a partir de sistemas hierárquicos e piramidais.  Por isso mesmo, é importante a veiculação científica, para o aprofundamento e a troca de informações sobre os Direitos Autorais na pós-modernidade, com a comunidade científica e geral.

Palavras-Chave: Direitos Autorais; Economia de Impacto; Pós-modernidade.

Abstract: This article is intended for the study of copyright within a new economy, focusing on the perspective of the change of social and epistemological paradigms. To this end, the research will analyze the contemporary process of disruption, based on the views of: James Marins, who defends the Age of Impact as an economy that is no longer neutral to worry about social problems; Manuel Castells, who presents the concept of Information Society, in which information is understood as raw material, and cyberlogic allows the emergence of the Society in Networks; Paul Manson, who explains his view of Postcapitalism; and Maria José Esteves de Vasconcellos, who explains contemporary epistemology from the perspective of intersubjectivity, complexity and instability, demarcating the paradigm shift. The methodology used is the critical-reflexive methodology that operates through the literature review. The results obtained so far are the demonstration of the importance of the study of copyright from new technologies, as well as that this branch of law should modify its analyses in the context of a more horizontalized society, not being possible to legitimize itself from hierarchical and pyramidal systems.  For this reason, it is important to publicise scientific, deepen and exchange information about copyright in postmodernity, with the scientific and general community.

Keywords: Copyright; Impact Economy; Postmodernity.

Sumário: Introdução; 2. Direito novo-paradigmático e alteridade em redes; 2.1 simplificação, estabilidade e objetividade ; 2.2 complexidade, instabilidade e intersubjetividade; 2.3 sociedade em redes e a crise do Direito Moderno, 3. A economia ortodoxa, amoral e moderna e os Direitos Autorais; 3.1 Tecnologias e os Direitos Autorais; 3.2 Pós capitalismo e Direitos Autorais; 3.3 economia do impacto; Conclusão; e Referências.

INTRODUÇÃO

O autor James Marins afirma que estamos vivendo uma transformação na economia, a Era do Impacto, quando ela deixa de ser neutra e se torna “eticamente direcionada para resolver problemas sociais e socioambientais” (MARINS, 2019, p. 53).

Mais especificamente, afirma que passamos a entender que todo desenvolvimento deve ser sustentável, bem como, em breve, todo empreendedorismo será sinônimo de empreendedorismo social; isto no contexto de “evoluções incoercíveis nos designs de nossas estruturas econômicas”  (MARINS, 2019, p. 54). Conflui para tal transformação, ainda, uma mudança de consciência, no caminho do desfazimento do ego (MARINS, 2019, p. 62).

Para o autor, chegamos a este patamar pois (MARINS, 2019, p. 63):

Dispomos finalmente de ferramentas para colaborar, com liberdade, tecnologia e consciência, e para construir nossa própria ética de impacto, percebendo que nossas  opções, nossas escolhas, nossas ações são componentes de algo muito maior. Temos que aceitar que não existe resposta mágica apresentada por governos ou corporações – não há coelho na cartola -, e que não há resposta centralizada que sirva para todos.

É possível compreender que o pensamento do autor está inserido num modo de pensar “Novo-Paradigmático”, termo utilizado por Maria José Esteves de Vasconcellos, ou mesmo Pensamento Sistêmico  (VASCONCELLOS, 2002). É uma nova visão de mundo (paradigma), que substitui os preceitos da Modernidade (quais sejam: a simplificação, a estabilidade e a objetividade). Nas ciências sociais, chama-se tal mudança de Pós-Modernidade (como faz o autor Boaventura de Sousa Santos (SANTOS, 1989)).

Em obra que teve sua primeira edição em 1980, Jair Ferreira dos Santos já tratava de conceituar o pós-modernismo como (SANTOS, 1991, p. 7-8):

o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950, quando, por convenção, se encerra o modernismo (1900-1950). Ele nasce com a arquitetura e a computação nos anos 50. Toma corpo com a arte Pop nos anos 60. cresce ao entrar pela filosofia, durante os anos 70, como crítica da cultura ocidental. E amadurece hoje, alastrando-se na moda, no cinema, na música e no cotidiano programado pela tecnociência (ciência + tecnologia invadindo o cotidiano com desde alimentos processados até microcomputadores), sem que ninguém saiba se é decadência ou renascimento cultural.

Na lição do historiador Perry Anderson, embora alguns autores apontem que a pós-modernidade tem sua emergência no pós-guerra (1945), “só com a viragem dos anos setenta é que se preparou o terreno para uma configuração inteiramente nova” (ANDERSON, 2005, p. 113).

Para ele, esta ascensão está ligada a três coordenadas históricas. A primeira, o destino da classe dominante, ou seja, a mudança no conceito de burguesia Moderna ou Clássica conhecida no início do marxismo (ou mesmo o “emburguesamento da classe operária no Ocidente” (ANDERSON, 2005, p. 115)).

A segunda, a evolução tecnológica, carregada especificamente pela televisão a cores. Melhor dizendo, se “o modernismo foi seduzido por imagens de maquinaria; agora, o pós-modernismo era a predisposição para uma maquinaria de imagens” (ANDERSON, 2005, p. 118). No cenário pós-moderno, continua o autor, “as máquinas vertem uma torrente de imagens, com cujo volume nenhuma arte pode competir” (ANDERSON, 2005, p. 119), sendo a nova mídia “máquinas de emoção perpétua que são uma ideologia ubíqua, no sentido forte do termo” (ANDERSON, 2005, p. 119).

Por fim, as mudanças política. Ou melhor: quando o capitalismo alcança seu triunfo total, a modernidade chega ao seu fim por perda de seu antônimo (ANDERSON, 2005, p. 122-123).

Afirma Krishan Kumar (1997, p. 21), por sua vez, que os anos 1980 foram o grande marco da estudo que afirma a existência de uma nova sociedade, a Sociedade da Informação ou Sociedade Pós-Industrial.

Manuel Castells (1999, p. 108-110) apresenta como pressupostos desta Sociedade Informacional: a) a informação como matéria prima, ou seja, as tecnologia agindo sobre a informação e não só a informação agindo sobre a tecnologia; b) a penetrabilidade dos efeitos das tecnologias da informação em todos os processos; c) as redes passando a ser o modelo topológico de diversos tipos de processos e organizações[3]. Por isso, esta Sociedade Informacional também é chamada de Sociedade em Redes; d) a flexibilidade. Capacidade de reconfiguração sem destruição das organizações, e; e) a capacidade de convergência de sistemas, aumentando a cooperação estratégica, bem como a complexidade entre sistemas vivos e não vivos.

Para James Marins, a partir desta Sociedade da Informação (que se organiza em redes) nossa capacidade de opinião, ação, participação e colaboração jamais foi tão grande (MARINS, 2019, p. 31). No mesmo sentido, Paul Manson afirma que atualmente toda a sociedade (e não apenas a fábrica) é o local de resistência idealizado pelo pensamento de esquerda, e que, ao contrário do local físico, as redes que se formam pela Internet não podem ser silenciadas ou dispersadas (MANSON, 2017, p. 20).

Compreende-se então, a convergência entre um novo paradigma epistemológico e o advento das tecnologias da informação. Tal mudança de visão de mundo é acelerada neste ano de 2020 pela pandemia de COVID-19, responsável por transformações na forma como as pessoas trabalham e se relacionam, com as tecnologias da informação penetrando ainda mais na sociedade, abreviando mudanças que ocorreriam em mais alguns anos.

O presente artigo tem como objeto estudar a nova economia e os Direitos Autorais dentro desta contemporânea perspectiva de visão de mundo (paradigma), que para James Marins é a Era do Impacto, para Manuel Castells é a Sociedade da Informação e para Paul Manson é o Pós-Capitalismo.

Para isso, num primeiro momento será abordado o Pensamento Sistêmico, forma de visão de mundo deste novo paradigma, bem como a crise do Direito Moderno dentro deste paradigma pós-moderno. No segundo momento, a pesquisa será destinada à abordagem de como o pensamento moderno foi capaz de moldar o entendimento dos Direitos Autorais. O terceiro momento é o de apresentar como esta visão de mundo moderno deve ser substituída a partir da Era da Informação e do Impacto. A metodologia utilizada é a análise bibliográfica crítica e reflexiva.

2. DIREITO NOVO-PARADIGMÁTICO E ALTERIDADE EM REDES

Antonio Carlos Wolkmer (2015, p. 50-62) aponta quatro grandes ciclos do Direito Moderno, por ele denominado de “paradigma normativista da modernidade eurocêntrica”, que é o paradigma hegemônico do Direito contemporâneo.

Diz-se que é eurocêntrico a partir da perspectiva de que a Modernidade é uma forma de colonialismo europeu. Para Enrique Dussel, por exemplo, a modernidade tem seu nascimento na colonização da América Latina[4].

Esses quatro grandes ciclos são: a) sua formalização; b) sua sistematização; c) seu apogeu e; d) sua crise. Cada um desses ciclos está “inter-relacionado com as condições que perfazem a estrutura de poder político e o modo de produção socioeconômico” (WOLKMER, 2015, p. 50).

O primeiro ciclo, a formalização, coincide com a ascensão do Capitalismo Mercantil e do Absolutismo e declínio do Pluralismo Medieval, cuja economia era Corporativista. Já a sistematização ocorre no período entre a Revolução Francesa e o final das grandes codificações  do séc. XIX, quando a aliança entre a burguesia e o rei deixa de fazer sentido para a primeira, que descobre que a fonte de riqueza está na produção de bens e que isto não coaduna com os monopólios reais (AGUIAR, 2000, p. 58).

O Capitalismo, neste segundo momento, é Concorrencial. Ou seja, é preciso afastar a legitimidade da norma real como vontade divina para a ascensão da ideia das leis como vontade do povo. A sociedade baseada no Direito divino do reis é “suplantada pela nova organização social burguesa, que se embasa em uma ideologia jurídica de teor liberal-contratualista” (WOLKMER, 2015, p. 54-55).

Como afirma o autor António Manuel Hespanha, a partir da Revolução Francesa a Europa passa a entender que o direito é a manifestação da vontade do povo, através de representantes eleitos conforme as regras constitucionais estabelecidas (HESPANHA, 2013, p. 41). Deste modo, o Direito deixa de ser a expressão da vontade do monarca, mas a expressão da (fictícia) vontade do povo (WOLKMER, 2015, p. 52).

Mas o apogeu do Direito Moderno ocorre com a construção tecno-formal duma ciência jurídica, entre os anos 20/30 e os anos 50/60 do séc. XX. Caracteriza este momento a “purificação” do Direito e o afastamento total do “dualismo Estado-Direito, fundindo-os, de tal modo que o Direito é o Estado, e o Estado é o Direito Positivo” (WOLKMER, 2015, p. 59).

Hans Kelsen, principal autor desta fase positivista (e atualmente hegemônica) do Direito, afirma que (KELSEN, 1998, p. 1):

Quando a si própria se designa como “pura” teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental.

Portanto a positivação do direito, a partir de sua construção como ciência pura, representa o apogeu do paradigma normativista europeu, colonizado para o resto do mundo como forma de separar aquilo que era primitivo do que era civilizado.

Por isso, antes estudar o quarto ciclo do paradigma Moderno do direito apontado por Wolkmer, o da sua crise, é necessário compreender um pouco mais sobre as características da epistemologia da Modernidade, a qual o Direito positivo está inserido. Em segundo momento, verificar-se-á os pressupostos de uma ciência Novo-Paradigmática, os quais o direito contemporâneo, e os Direitos Autorais especificamente, devem se ater a partir das mudanças tecnológicas e epistemológicas.

2.1 SIMPLIFICAÇÃO, ESTABILIDADE E OBJETIVIDADE  

Boaventura de Sousa Santos já afirmava, em um texto publicado originalmente em 1985, que a ciência hegemônica encontrava-se presa ao século XIX, e que o século XXI chegaria antes que o séc. XX começasse[5].

Mas Maria José Esteves de Vasconcellos aponta, daí em obra de 2002, para a ascensão de uma ciência Novo-Paradigmática, em que os pressupostos da ciência Moderna sofrem avanços (VASCONCELLOS, 2002, p. 101).

Brevemente, a ciência hegemônica e Moderna se explica pela necessidade de afastar-se da teologia medieval, bem como o nascimento (ou ressurgimento) das preocupações com as questões humanas (humanismo) (LEVENE, 2013, p. 86-87). Quando chega o séc. XVII já é possível visualizar o afastamento das certeza medievais (como a unicidade da igreja e o poder divino do Monarca). Os argumentos agora precisavam ser apontados e comprovados (LEVENE, 2013, p. 92).

Os pressupostos desta ciência Moderna são: a (a) simplificação. René Descartes, em seu Discurso do Método, classifica tal pressuposto a partir da concretização do método da “análise”, isto é, a separação das dificuldades “em tantas parcelas quanto fosse possível e necessário para melhor resolvê-las”, método que se propõe a partir da Lógica  (DESCARTES, 2009, p. 34). Assim, separa-se o objeto a ser analisado de todo o seu contexto. Esta simplificação vai além, como na separação entre a ciência e a filosofia[6], ou da ciência, da moralidade e da arte[7].

Também a (b) estabilidade. A crença de que o mundo já contém os seus mistérios, “já é”, e que cabe à ciência encontrar e deduzir as suas leis, como as Leis de Newton, ou até mesmo a Lei da Oferta e da Demanda. O objetivo do cientista, a partir deste pressuposto, é prever, explicar e controlar fenômenos. É isto que se espera da ciência e do cientista.

Por fim, o pressuposto da (c) objetividade. Melhor é a ciência quanto mais afastado o observador (cientista) estiver do objeto observado. É a necessidade de afastar a ciência da opinião e da filosofia (VASCONCELLOS, 2002, p. 67-93).

Os pressuposto modernos no Direito, como já abordado, são observados mais intensamente a partir do momento da construção tecno-formal de uma ciência “pura” do direito, seu terceiro ciclo, que afasta do direito qualquer outro fenômeno.

Neste sentido, afirma Thomas Vesting que:

a noção hoje disseminada é a de que o direito moderno deve ser descrito como um direito “positivo”, autônomo: foi assim, afinal de contas, que o regime jurídico pós-1800 rompeu com antigas ordens normativas tais como a etiqueta, a moral, a convenção e o costume […] (VESTING, 2016, p. 21).

Outra herança do pressuposto da simplificação para o Direito é a atomização da sociedade, ou seja, o surgimento do “sujeito de direito”, em contraponto ao coletivo. Isto torna o direito egoístico (SOUSA JUNIOR, 2011, p. 49). Melhor dizendo, se a ciência tinha como método a análise, com a separação do todo em partes, o Direito Moderno faz emergir também um indivíduo (indivisível, atômico), em contraponto com a sociedade complexa.

No que se refere à ideia de estabilidade, o autor Alexandre Veronese faz uma transposição da epistemologia moderna para o Direito Moderno (VERONESE, 2006, p. 9) explicando que:

quando se pensa em modernidade e ciência, o que vem à tona é a antiga utopia de que a produção científica ofereceria teorias e engenhos para o conhecimento e para o posterior controle do mundo social e natural. Na transposição para o plano jurídico, esta diz respeito à possibilidade de um conhecimento sobre o que é o direito, como ele pode ser compreendido (descrito e interpretado) e, finalmente, como ele pode produzir referências seguras para as ações sociais (consequências).

            A partir dessa reflexão que se compreende a relação entre a pesquisa jurídica e os quatro momentos sociais, da própria noção de normatividade que valida o conceito abstrato de Direito em relação à vida social e aos valores, até o “momento analítico corresponde à análise social e/ou econômica do direito”, finaliza Alexandre Veronese (2006, p. 9).

2.2 COMPLEXIDADE, INSTABILIDADE E INTERSUBJETIVIDADE

A autora Maria José Esteves de Vasconcellos aponta que os pressupostos modernos (simplificação, estabilidade e objetividade) sofreram avanços, e que uma ciência Novo-Paradigmática surge com base nos pressupostos da complexidade, da instabilidade e da intersubjetividade.

O primeiro pressuposto é o reconhecimento de que os fenômenos não ocorrem numa consequência linear unilateral, mas sim em uma causalidade recursiva (VASCONCELLOS, 2002, p. 101). A atitude do cientista deve ser de distinção, ou seja, reconhecimento do objeto em seu contexto, porém sem isolá-lo (o que seria a atitude de disjunção). “Devemos passar a acreditar que estudaremos ou trabalharemos sempre com o objeto em contexto” (VASCONCELLOS, 2002, p. 111).

A instabilidade relaciona-se com a ideia do mundo em constante processo de tornar-se, e não um mundo já pronto (pressuposto Moderno da estabilidade). O determinismo ambiental, portanto, é substituído pelo determinismo histórico (VASCONCELLOS, 2002, p. 125); ou seja, o fator tempo passa a ser considerado (VASCONCELLOS, 2002, p. 120). A compreensão do mundo como um sistema que funciona semelhante a um relógio (ou à máquina a vapor da Sociedade Industrial[8]) passa a ser substituído pela metáfora das nuvens, “sempre abertas para novas configurações” (VASCONCELLOS, 2002, p. 129).

Já a intersubjetividade emerge com o “reconhecimento da impossibilidade de um conhecimento objetivo do mundo” (VASCONCELLOS, 2002, p. 129). Se para a ciência moderna as ideias devem ser confrontadas e superadas (como no esquema de Thomas Kuhn em sua obra “A estrutura das revoluções científicas” (KUHN, 1998)), no novo paradigma epistemológico a verdade deve ser co-criada entre os diversos observadores (VASCONCELLOS, 2002, p. 140). A dialética é substituída pela dialógica (VASCONCELLOS, 2002, p. 133).

Assim, apontados os avanços da epistemologia, que surgem a partir principalmente da física (microfísica e as contradições insuperáveis; a tendência à desordem, a partir da termodinâmica; e o princípio da incerteza, de Heisenberg (VASCONCELLOS, 2002, p. 107-109)), podemos retornar ao esquema de Wolkmer sobre os ciclos do paradigma moderno no Direito, apontando para a sua crise a partir do contexto histórico em que está inserido, qual seja, a Sociedade da Informação e até mesmo esta nova epistemologia.

2.3 SOCIEDADE EM REDES E A CRISE DO DIREITO MODERNO

Antonio Carlos Wolkmer defende que a crise do paradigma normativista da modernidade eurocêntrica se dá a partir da crise do Capitalismo monopolista e a consequente globalização e concentração de capital. In verbis (WOLMER, 2015, p. 73):

As atuais sociedades de massa integrantes do centro e da periferia capitalista passam por novas e flexíveis modalidades de produção do capital, por radicais contradições sociais e por instabilidades continuadas que refletem crises, tanto em nível de legitimidade, quanto de produção e aplicação da justiça. Ademais, importa enfatizar que o esgotamento do modelo jurídico tradicional não é causa, mas o efeito de um processo abrangente que, tanto reproduz a transformação estrutural por que passa o sistema produtivo do Capitalismo global, quanto expressa a crise valorativa que atravessa as formas de fundamentação dos diferentes setores das ciências humanas.

Melhor dizendo, a crise do Direito Moderno se dá a partir da Sociedade em Redes e da globalização, já abordada na introdução deste trabalho.

Característica da Sociedade da Informação é a utilização do modelo em redes em todos os tipos de instituição, transformando a economia a partir da reconfiguração do Estado e das corporações.

Neste sentido John Naisbitt afirmava, já em 1984, na efervescência dos primeiros estudos sobre a Sociedade da Informação, que (NAISBITT, 1984, pp. 281-282 apud KUMAR, 1997, p. 26):

Estamos começando a rejeitar hierarquias, que funcionaram bem na era industrial, centralizada. Em seu lugar, estamos colocando o modelo de rede de organização e comunicação, que tem raízes da formação espontânea, igualitária e natural de grupos de pessoas de mentes semelhantes. As redes reestruturam o poder e o fluxo de comunicação dentro da empresa, de vertical para horizontal […] O computador destruirá a pirâmide: criamos o sistema administrativo piramidal e hierárquico, porque precisávamos do mesmo para fiscalizar as pessoas e o que faziam; com o computador para encarregar-se dessas tarefas, poderemos reestruturar horizontalmente nossas instituições.

Da mesma forma, Paul Manson leciona que “ao criar milhões de pessoas interligadas em rede, financeiramente exploradas mas com totalidade da inteligência humana ao alcance de um toque de dedo, o infocapitalismo criou um novo agente da mudança na história: o ser humano instruído e conectado” (MANSON, 2017, p. 20).

José Roberto Ramos de Aguiar aponta para uma horizontalização das instituições, que se tornam “modos de respiração e sedimentação das experiências múltiplas geradas pelas redes, com respostas mais rápidas e com porosidade em relação ao que está em seu entorno” (AGUIAR, 2017, p. 38). Melhor dizendo, não só o computador, mas o próprio usuário e fornecedor da rede, o ser humano, torna o sistema moderno obsoleto (destrói a pirâmide).

O caminho das instituições que não se adaptam a esta horizontalização é o da “deslegitimação, da diminuição do significado político e social”, aspecto que pode ser observado tanto no Estado como no direito contemporâneo (AGUIAR, 2017, p. 39). Isto porque, afirmava Aguiar em texto anterior (AGUIAR, 2000, p. 89):

A forma, o rito, os tempos e os procedimentos do direito são, no máximo, do século XIX e, assim, ele não tem condições nem de reproduzir aspectos sombrios da velocidade, nem de elaborar contra-discursos e contra-práticas, aprimorando-se do instrumental tecnológico para isso. As redes, a des-hierarquização e a desformalização ainda não são o forte do direito contemporâneo, pois a velocidade não tem fronteiras e o direito tem. A velocidade não tem ritos e o direito os cultua. A velocidade constitui fatos e problemas e o direito os acompanha à grande distância, com muita resistência.

Assim, conclui-se esta primeira parte da pesquisa apontando a crise do Paradigma Moderno do Direito, baseada (a) tanto na ascensão de um pensamento sistêmico, alinhado com os pressupostos a complexidades, da instabilidade e da intersubjetividade; (b) quanto à inserção na Sociedade em Redes, globalizada, em que as relações se tornam muito mais horizontais, deslegitimando um direito e instituições que se baseiam em modelos piramidais, que bem funcionaram apenas para uma sociedade em que os valores eram modernos.

Na próxima seção aborda-se como as características do Direito Moderno são encontradas nos Direitos Autorais, para no terceiro momento verificar como estes Direitos devem ser revistos a partir da Era do Impacto.

3. A ECONOMIA ORTODOXA, AMORAL E MODERNA E OS DIREITOS AUTORAIS

Começamos este ponto analisando a Economia Moderna, pois inserida dentro dos aspectos que são levados em consideração quando se fala dos Direitos Autorais. Da mesma forma que o Direito, a Economia contemporânea também seguiu orientações da epistemologia moderna, ao retirar de seu objeto de análise a complexidade, a intersubjetividade e a instabilidade.

Para James Marins, esta construção resultou em uma visão míope, porque “seus modelos, seus designs, foram criados a partir do pressuposto fantasioso segundo o qual a economia é um fato da natureza e, portanto, seus fenômenos estão sujeitos à leis universais” (MARINS, 2019, p. 155). Tal miopia é encontrada, por exemplo, na Teoria da Escolha Racional, utilizada pela economia para analisar o comportamento do consumidor[9].

O autor denomina tal Economia Moderna de Economia Ortodoxa, pois, “como, obviamente, o comportamento econômico não segue leis fixas da natureza, uma vez que a economia é um objeto cultural, uma construção social, essas concepções científicas mais se assemelham a uma teologia fundamentalista, insusceptível de ser discutida” (MARINS, 2019, p. 155).

Desta monta, para a Economia Moderna a ética também é colocada de lado como objeto alheio àquela ciência. Ou, como afirma Roberto A. R. de Aguiar, a partir da separação entre teoria e prática (da “hipertrofia do mito da neutralidade”) ao cientista basta que seu discurso racional faça parte, seja coerente, com o discurso e a linguagem científica. A ética, a aplicação da ciência, passa a ser questão de escolha dos governantes e políticos (AGUIAR, 2000, p. 32).

De modo mais claro, nas palavras de James Marins (2019, p. 156), “o que a Economia Ortodoxa sugeria ser uma leitura científica, uma mera descrição teórica do agente econômico típico é, na verdade, a imposição de um perigoso tipo de valor: a ideia imoral de que os agentes econômicos são seres humanos sem moral, no sentido de amorais”.

Outro ponto levantado é que esta Economia Moderna está baseada na escassez, algo que não faz sentido quando se fala das novas tecnologias da informação e dos bens digitais, “uma vez que estes podem ser reproduzidos indefinidamente a custo marginal próximo a zero” (MARINS, 2019, p. 159). Estamos falando aqui de uma economia pós-escassez[10].  

Nesta seção será apresentada uma breve introdução sobre quais os fundamentos para o surgimento dos Direitos Autorais, com o intuito de indicar como eles estão relacionados com um Direito e uma Economia Moderna, e que devem ser suplantados a partir da Sociedade da Informação.

3.1 TECNOLOGIAS E OS DIREITOS AUTORAIS

Qual seria a origem dos Direitos Autorais? Conforme afirma Sérgio Said Staut Júnior, “a historia da regulamentação jurídica das manifestações artísticas, científicas e literárias é marcada profundamente pelos processos de transformação e mudança da técnica (e da tecnologia)” (STAUT JÚNIOR, 2019, p. 1). Nesse sentido, afirmam Liz Beatriz Sass e Sarah Linke que os Direitos Autorais emergem a partir da invenção da prensa (ano 1450), fato que “transformou  os efeitos da escrita sobre o pensamento e a expressão da cultura humana de forma significativa, alterando, principalmente, as noções sobre autoria e obra” (SASS; LINKE, 2018, p. 26).  Isto porque (SASS; LINKE, 2018, p. 27):

Nesse novo cenário, o livro impresso constitui elemento importante para a noção de autoria enquanto algo individual e, de outra parte, para a obra como uma estrutura acabada. Pode-se afirmar que o texto se torna fechado em um duplo sentido: por um lado, passa a ter um autor individual identificado; por outro, não está aberto para acréscimos, alterações, supressões ou comentários.

Ainda, continuam as autoras, a nova tecnologia (a prensa) repercute na mudança da cultura oral, em que o conhecimento é partilha comum, para a ideia da palavra como propriedade privada (SASS; LINKE, 2018, p. 27).

Tal ideia se consolidaria, complementam as autoras (SASS; LINKE, 2018, p. 27-28),  no Romantismo, sécs. XVIII e XIX, quando “a inspiração já não é mais compreendida como algo que vem de um ente exterior (as musas, ou deuses ou Deus, por exemplo), mas sim de dentro do próprio escritor, que passa a ser valorizado a partir das suas capacidades criativas subjetivas” (SASS; LINKE, 2018, p. 28).

Melhor dizendo, “chega-se […] à compreensão moderna da figura do gênio criador” (SASS; LINKE, 2018, p. 28). Ou seja, as autoras remetem à ideia de direito de autor à Modernidade colocada no primeiro ponto deste trabalho, isto é, a ideia de contrariedade a uma sociedade cuja metafísica controla nos fenômenos da natureza.

É por isso que, para Matheus Ferreira Bezerra, o Direito Autoral tem a intenção de disciplinar “relações jurídicas decorrentes das criações humanas ditas criações do espírito”. Para o mencionado autor tal ramo se vincula “ao fruto da atividade criadora do ser humano capaz de se constituir em uma novidade para a sociedade” (BEZERRA, 2017, p. 21). Essa inovação pode ser desde uma obra escrita ou oral, até mesmo de um software e outros mecanismos tecnológicos.

Melhor dizendo, a ideia de simplificação e individualização que abarca todo o Direito e a Economia modernos também aparece não ideia de Direito Autorais. Mas como seria um Direito de Autor a partir duma Sociedade da Informação, duma ciência Novo-Paradigmática e duma Economia de Impacto? Discutiremos tal pergunta no próximo e derradeiro momento.

3.2 PÓS CAPITALISMO E DIREITOS AUTORAIS

Perry Anderson apresenta como característica de uma arte pós-moderna a subtração do enquadramento. In verbis, “as  novas formas e práticas proliferam, que não só tomavam os meios de comunicação como materiais seus, mas, muitas vezes, estes eram fornecidos pelos próprios meios eletrónicos ou até pela moda” (ANDERSON, 2005, p. 131). Desta feita (ANDERSON, 2005, p. 83):

O que antes eram disciplinas rigidamente separadas da história da arte, crítica literária, sociologia, ciência política e história começou agora a perder suas linhas claras, a cruzar-se entre si em investigações híbridas, transversais, que já não seria fácil atribuir a este ou àquele domínio.

Portanto, observamos tanto na arte, como nas esferas que a circundam, uma ascensão da ideia de intersubjetividade, complexidade e instabilidade, demarcando a mudança de paradigma.

Quanto aos Direitos Autorais, que também são elementos que circundam às artes, assim, é muito difícil que continuem a operar na mesma linguagem do Direito (ou mesmo da Arte) Moderna. Isto porque, como aponta Juliano Maranhão (2016, p. 125):

Encarar os desafios trazidos pelo ambiente digital como o simples surgimento de um novo ramo do direito (o direito digital) e polemizar sobre sua sujeição a regulação específica não parece fazer jus ao tipo de transformação conceitual em jogo. Aparentemente, na virada para o século XXI, a revolução econômica e social trazida pela tecnologia da informação submete o direito a uma nova reconfiguração, ao afetar seu núcleo em meio à crise de uma visão de sua própria identidade.

Para o mencionado autor existem duas visões sobre a Internet e o Direito. A primeira, chamada de excepcionalista, que a vê como um campo específico, “que demanda novas soluções, construindo-se um direito próprio para o universo digital”. Já a segunda visão (não excepcionalista) apenas acredita que trata-se do mesmo direito aplicado a um novo objeto, um novo meio de comunicação (MARANHÃO, 2016, p. 100).

Com base nos estudos aqui apresentados, o excepcionalismo parece ser mais viável, por ser necessário que o campo dos Direitos Autorais reconfigure sua formulação a partir da horizontalização das relações.

Ainda, acredita-se que a Modernidade, como aponta Naisbitt, cumpriu com as necessidades de organização necessárias para o ambiente econômico em que estava inserida, mas que é essencial repensar o campo dos Direitos Autorais a partir das necessidades de interesse público de uma sociedade global, utilizando-se de suas características para uma maior inclusão e o fim das relações verticais.

Defendem Beatriz Liz Sass e Sarah Linke que a criação da figura do autor gênio e celebridade foi muito útil para os interesses econômicos que circundam os Direitos Autorais (SASS; LINKE, 2018, p. 32); porém (SASS; LINKE, 2018, p. 32):

o advento das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e da Internet acabou por trazer ainda maior fluidez e novas discussões sobre a compreensão do fenômeno da autoria. Diante desse novo contexto, muitas obras já não se apresentam a partir de uma ideia de individualidade, como tampouco estão preocupadas com a originalidade ou a genialidade do seu conteúdo. Cada vez mais pessoas se tornam produtoras de conteúdo cultural e cada vez mais isso ocorre de maneira colaborativa e despreocupada das noções tradicionais tuteladas pelo Direito Autoral.

Como exemplos desta disrupção causada pelas tecnologias da informação nos Direitos Autorais, Paul Manson (2017, p. 199-201) traz os softwares de código aberto e o Wikipédia. In verbis (MANSON, 2017, p. 201):

A Wikipédia, como o Linux, é radical em dois sentidos. Primeiro, na natureza comunal do que é produzido: é livre para o uso, mas impossível de ser tomado, possuído ou explorado. Segundo, na natureza cooperativa do processo de produção: ninguém  num escritório central decide o que serão as páginas; os empregados da Wikipédia simplesmente regulam os padrões de criação e edição e defendem a plataforma como um todo contra a erosão por hierarquias de propriedade e gestão.

Ou seja, “o maior produto de informação do mundo – a Wikipédia – é feito por 27 mil voluntários, de graça, abolindo o comércio de enciclopédias e privando a indústria publicitária de uma receita anual estimada em  3 bilhões de dólares” (MANSON, 2017, p. 17-18).

Tal produção gratuita de conteúdo, por si, já coloca em dúvida a ideia do Homo economicus da Economia Moderna,  cuja a qual o “interesse pessoal […] parece resumir-se à acumulação infinita de riquezas individuais” (MARINS, 2017, p. 161).

3.3 ECONOMIA DO IMPACTO

É James Marins quem traz o conceito de Economia de Impacto, em contraponto com a Economia Ortodoxa (Moderna, racional e alheia à moral). Para ele, são quatro fatores que levam a esta nova visão (paradigma) econômica: a) a emergência ecológica, observada pela preocupação da ONU com a confecção do relatório “Nosso Futuro Comum”, em 1987; b) a queda do Muro de Berlim, ícone da quebra de um mundo bipolarizado; c) a Crise Econômica de 2008, prova cabal da incapacidade de auto regulamentação do mercado; d) o fator tecnológico, já especificado (MARINS, 2019, p. 172).

Entre os exemplos desta Economia de Impacto, o autor apresenta as Empresas B, as startups de impacto, os coletivos (“formas de mobilização social que se configuram enquanto modalidade de ativismo social multiforme”) e o empreendedorismo de rede (“indivíduos conectados para realizar ações visando o alcance de objetivos compartilhados através de conexões ecossistêmicas”) (MARINS, 2019, p. 198-200).

Nesse sentido, o autor Marcos Wachowicz afirma que a tecnologia da informação contribuiu para redimensionar as empresas e suas hierarquias, pois permitiu a introdução de novos processos, recursos de informação, “por meio de bens informáticos” (WACHOWICZ, 2011, p.n). Com isso, há um impacto direto na economia e o surgimento de novas modalidades de serviços, disponibilidade de novos produtos e a necessidade de se repensar e atualizar legislações.

4. CONCLUSÃO

Neste trabalho tínhamos por objetivo o estudo dos Direitos Autorais dentro de uma nova economia, surgida a partir das tecnologias da informação e da Era do Impacto. Apresentados os conceitos, podemos concluir que os Direitos Autorais, como todo o Direito Moderno, devem modificar suas análises a partir de uma sociedade mais horizontalizadas, não cabendo mais legitimidade a sistemas hierárquicos e piramidais.

Dentre os preceitos sugeridos por Paul Manson para a transformação da sociedade para uma sociedade Pós-Capitalista (e porque não um Direito), a partir da constatação de que o capitalismo perdeu sua maleabilidade habitual de se adaptar às suas constantes crises, está (além de “entender as limitações da força de vontade humana”; a “sustentabilidade ecológica”; entender que “a transição não tem a ver apenas com a economia”; e “atacar o problema a partir de todos os ângulos”) o dever de “maximizar o poder da informação” (MANSON, 2017, p. 382-387).

Isto significa “criar controle social democrático sobre a informação agregada, impedindo sua monopolização ou mau uso por Estados e corporações”, socializando o conhecimento e ampliando os resultados da ação coletiva (MANSON, 2017, p. 386). 

Em 27 de julho de 2020, a BBC Brasil informou a intenção dos entregadores de aplicativos de entrega de comida pela Internet (Uber Eats, iFood e Rappi) de criarem uma cooperativa para concorrem com as empresas que atuam no setor, dos quais são “parceiros”. Conforme a notícia, os entregadores contavam com a ajuda de advogados, programadores, economistas e estudiosos do cooperativismo de plataforma (SCHREIBER, 2020)[11].

Deste modo, o caminho para um Direito Autoral que considere o interesse público como objetivo único do Direito, deve passar pelo reconhecimento de que não cabem mais aplicações Modernas ou a consideração de pressupostos econômicos que não mais fazem sentido, como as ideias de escassez e de genialidade do autor.

É necessário ter em foco que a nova economia se baseia na ideia de abundância, e que os Direitos Autorais devem cumprir a função de evitar o monopólio e o abuso do conhecimento por parte dos Estados e das organizações.

Para isso, talvez seja necessário até mesmo descolonizar o estudo deste campo jurídico, no sentido assegurar e incentivar o livre comércio, a livre iniciativa e o bom desenvolvimento social e econômico.

REFERÊNCIAS

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[1] Mestranda em Direito na área de Poder, Estado e Jurisdição pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER) com bolsa integral concedida pelo Programa de Pós-Graduação (PPGD), sob a orientação do Professor Doutor Daniel Ferreira. Pós-graduanda em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDCONST). Pós-graduada em Direito das Famílias e Sucessões pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDCONST). Bacharel em Direito pela Faculdade de Educação Superior do Paraná (FESP/PR). Advogada. E-mail: jessicasouza.ctba@gmail.com

[2] Mestrando em Direito na área de Poder, Estado e Jurisdição pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER) com bolsa integral concedida pelo Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD), sob orientação do Professor Doutor Celso Luiz Ludwig. Especialista em Direito Administrativo (UNICURITIBA) e Gestão da Saúde (UEPG). Bacharel em Direito pelo UNICURITIBA e em Comunicação Social pela Universidade Positivo (UP). Coordenador do projeto Novos Profissionais do Direito. joaop_anderson@hotmail.com.

[3] Esta ideia também é encontrada em Tim Brown: “a Internet, caracterizada por redes dispersas, descentralizadas e que se reforçam mutuamente, é mais o modelo do que o meio das novas formas de organização que vêm sendo criadas” (BROWN, 2017, p. 28).

[4] O ano de 1492, segundo nossa tese central, é a data do “nascimento” da Modernidade; embora sua gestação – como o feto – leve um tempo de crescimento intra-uterino. A modernidade originou-se nas cidades européias medievais, livres, centros de enorme criatividade. Mas “nasceu” quando a Europa pôde se confrontar com o seu “Outro” e controlá-lo, vencê-lo, violentá-lo; quando pôde se definir como um “ego” descobridor, conquistador, colonizador da Alteridade constitutiva da própria Modernidade. De qualquer maneira, esse Outro não foi “descoberto” como Outro, mas foi “encoberto” como o “si-mesmo” que a Europa já era desde sempre. De maneira que 1492 será o momento do “nascimento” da Modernidade como conceito, o momento concreto da “origem” de um “mito” de violência sacrificial muito particular, e, ao mesmo tempo, um processo de “encobrimento” do não-europeu (DUSSEL, 1993, p. 8).

[5] “[…] se fecharmos os olhos e os voltarmos a abrir, verificamos com surpresa que os grandes cientistas que estabeleceram e mapearam o campo teórico em que ainda hoje nos movemos viveram ou trabalharam entre o século XVIII e os primeiros vinte anos do século XX, de Adam Smith e Ricardo a Lavoisier e Darwin, de Marx e Durkheim a Max Weber e Pareto, de Humboldt e Planck a Poincaré e Einstein. E de tal modo é assim que é possível dizer que em termos científicos vivemos ainda no século XIX e que o século XX ainda não começou, nem talvez comece antes de terminar” (SANTOS, 2010, p. 13-14). Primeira edição publicada em 1985.

[6] Como afirma Edgar Morin, “Vivemos sob o império dos princípios de disjunção, de redução e de abstração, cujo conjunto constitui o que chamo de ‘paradigma de simplificação’. Descartes formulou este paradigma essencial do Ocidente, ao separar o sujeito pensante (ego cogitans) e a coisa entendida (res extensa), isto é, filosofia e ciência” (MORIN, 2011, p. 11).

[7] Como aponta Perry Anderson, “O projecto iluminista da modernidade tinha duas vertentes. Uma era a diferenciação, pela primeira vez, da ciência, da moralidade e da arte – não já fundidas numa religião revelada – em esferas autônomas de valor, cada qual governada pelas suas próprias normas – verdade, justiça, beleza.” (ANDERSON, 2005, p. 54).

[8] Como aponta Roberto A. R. de Aguiar, “lastreada nos séculos XVIII e XIX, a inteligência cotidiana do Ocidente vislumbra a matéria sob o ângulo do infinitamente grande e do infinitamente pequeno, tudo isso regido pela Segunda Lei da Termodinâmica. […] Essa visão gerou uma concepção mecânica do universo, com rígidas leis matemáticas que o regiam de modo determinista. Como as ciências humanas hauriam das naturais seus modelos e métodos […] a realidade, para elas, estaria submetida a leis históricas inexoráveis, que impeliriam, pelas suas forças, as sociedades em determinadas direções (ou direção). Para que essas leis operassem, era preciso trabalhar com poucas variáveis, muitas delas verdadeiras, mas que, se generalizadas para o todo, incidiriam em graves deformações interpretativas” (AGUIAR, 2000, p. 97).

[9] Para Edgar Gastón Jacobs Flores Filho e Rita de Cássia Ribeiro, “o Direito, a Economia  e outras ciências, como a Ciência dos Alimentos, pressupõem a existência de agentes racionais que conhecem e seguem as normas.” (FLORES FILHO; RIBEIRO, 2012, p. 1).

[10] Como aponta Lidia Zuin (2020) “a chamada “economia pós-escassez” é um cenário hipotético da teoria econômica em que há abundância de recursos sendo produzidos por uma quantidade mínima de mão de obra humana, o que possibilita sua comercialização a preços baixos ou, em última instância, a disponibilização gratuita”

[11] Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53551592. Acesso em 14 set. 2020.