DIFUSÃO E CONTROLE DA INFORMAÇÃO

DIFUSÃO E CONTROLE DA INFORMAÇÃO

30 de junho de 2024 Off Por Cognitio Juris

DIFFUSION AND CONTROL OF INFORMATION

Artigo submetido em 19 de junho de 2024
Artigo aprovado em 26 de junho de 2024
Artigo publicado em 30 de junho de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 55 – Junho de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Felipe Camilo Costa Ernesto[1]

RESUMO: De modo a investigar a emergência de um novo poder, proposto decorrente da aliança entre a mídia e os três poderes clássicos – Executivo, Legislativo e Judiciário –, o presente artigo buscou avaliar as consequências da difusão de informações no Estado e entre os cidadãos. Ao elucidar o Princípio da Publicidade, buscou-se demonstrar a importância da divulgação adequada das informações, visto que a ordem e a estabilidade se relacionam com a confiança da sociedade nas instituições. Nesse sentido, a análise concentrou-se em avaliar como a transparência excessiva recairia em transgressões das garantias constitucionais e causaria danos à cidadania dos indivíduos. Dessa maneira, por meio do método dedutivo e do procedimento histórico-comparativo, ponderou-se de que forma a difusão poderia ou não ser restringida. Com isso, ao identificar a mídia como um instrumento, se extraiu a conclusão de que é necessário conscientizar eticamente os que a utilizam.

Palavras-chave: Princípio da Publicidade; Difusão; Quarto Poder.

Abstract: In order to investigate the emergence of a new power proposed as a result of the alliance between the media and the three classical powers – Executive, Legislative, and Judiciary – this article sought to assess the consequences of information dissemination within the State and among citizens. By elucidating the Principle of Publicity, the aim was to demonstrate the importance of proper information disclosure, considering that order and stability are linked to society’s trust in institutions. In this sense, the analysis focused on evaluating how excessive transparency could lead to violations of constitutional guarantees and harm the citizenship of individuals. Thus, through deductive methods and historical-comparative procedures, it was considered in what way the dissemination could be restricted or not. Therefore, by identifying the media as a tool, the conclusion was drawn that there is a need to ethically educate those who use it.

Keywords: Principle of Publicity; Diffusion; Fourth Power.

1 INTRODUÇÃO

Com o intuito de investigar como a divulgação alimenta a mídia de forma a elevá-la a um quarto poder, se buscará avaliar os efeitos da difusão no Estado e nos cidadãos e, além disso, ponderar até que ponto restringir ou não a publicidade poderia colocar em risco os direitos dos cidadãos e a democracia. Para tanto, inicialmente será feito um resgate histórico da origem da mídia como difusora de informações e dos processos que levaram à atual elitização da informação no Brasil, a fim de evidenciar o impacto da publicidade na implementação de políticas públicas e na formação cidadã.

Nesse sentido, se discutirá a segurança jurídica como requisito à estabilidade do Estado e o surgimento do Princípio da Publicidade pela necessidade de cessar a instabilidade social gerada pelo desconhecimento dos atos administrativos. Desse modo, se destacará a capacidade da divulgação em gerar tanto efeitos positivos, como uma maior transparência do Estado, quanto negativos, como a divulgação de informações prejudiciais à sociedade. Tais efeitos seriam potencializados pela aliança entre o Estado e um quarto poder, a difusão, que se alimenta do amplo acesso cedido ao setor midiático e impacta tanto ao realizar punições de maneira mais célere, quanto ao permitir que os cidadãos fiscalizem as decisões do Estado.

Assim, se questionará o caráter instrumental da difusão ao lidar com informações oriundas da sociedade, bem como o limiar das restrições que o Princípio da Publicidade poderia sofrer em face do poder midiático, haja vista a complexidade em lidar com dados sensíveis na busca por uma sociedade informada e participativa.

2 A IMPORTÂNCIA DA INFORMAÇÃO

Historicamente, Disraeli (1835, p. 128-133) aponta que a ideia dos jornais adveio da Itália onde os primeiros artigos eram venezianos, com frequência mensal e publicados pelo governo a fim de manter a sociedade informada. Neste contexto, os primeiros jornalistas eram chamados de minantis – expressão do latim que sugere ameaça ou intimidação – devido a pretensão em espalhar reflexões difamatórias, e acabaram proibidos no país. De acordo com o autor, durante um período de apreensão dos ingleses em relação à Espanha no final do século XVI, os primeiros jornais começaram a ser produzidos pela monarquia britânica a fim de incentivar o patriotismo contra os espanhóis e contornar o risco de informações falsas ou divergentes.

A partir disso, houve uma popularização dos jornais impressos por toda a Europa durante o século XVII, que permitiu o surgimento da imprensa brasileira apenas dois séculos mais tarde com as transformações sociais e econômicas decorrentes da chegada da família real portuguesa no Rio de Janeiro (SOUSA, 2004, p.148-198). Por conseguinte, houve gradual disseminação de jornais brasileiros devido a abolição da censura régia em 1821, seguido por modelos autoritários durante a Ditadura Militar e, atualmente, o país incorpora o modelo ocidental de jornalismo.

Impulsionada pela tecnologia, a mídia alcança cada vez mais espaço no cotidiano popular ao difundir uma gama de informações divulgadas pelo Estado. Contudo, em decorrência do alto custo da tecnologia, os modernos meios de comunicação no Brasil ficaram restritos a determinados grupos com maior poderio financeiro, que passaram a concentrar mais da metade dos veículos informacionais, são eles: Globo, Bandeirantes, Macedo (Record), Regional RBS e Folha (MEDIA OWNERSHIP MONITOR, 2023).

Em decorrência da elitização da informação, houveram momentos em que o governo brasileiro abdicou da utilização da mídia para difusão. No início do século XX, o país testemunhou um exemplo de implementação inadequada de políticas públicas em que, devido à urbanização, a cidade do Rio de Janeiro experimentava um crescimento desordenado e a ausência de saneamento básico facilitava a propagação de diversas doenças. Com o intuito de promover uma reforma sanitária na região, o então presidente Rodrigues Alves nomeou o sanitarista Oswaldo Cruz para liderar a iniciativa que reverteria esse cenário por meio de medidas como a entrada forçada em lares para combater mosquitos e, principalmente, a obrigatoriedade da vacinação (CRESCÊNCIO, 2008, p. 57-73).

Por se tratarem de ações involuntárias e que não adotaram meios informativos que visassem conscientizar a população local sobre a importância da vacinação, em pouco tempo a lacuna da desinformação foi preenchida por informações falsas de que o governo buscava inocular doenças para dizimar os cidadãos de baixa renda. Essa percepção equivocada desencadeou uma revolta popular conhecida como a Revolta da Vacina, em que o descontentamento foi intensificado pela falta de diálogo e pela abordagem coercitiva da campanha de vacinação. Nesse sentido, ao implementar políticas públicas torna-se evidente a importância da comunicação transparente, com a publicidade dos atos e decisões, para que a população exercite de forma ativa a cidadania.

Em contrapartida, no ano de 1934 fundou-se o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, por meio do advogado Mário Augusto Teixeira, com o propósito de coletar informações sobre o desenvolvimento populacional e econômico do país (IBGE, 2023), visto que dados confiáveis são cruciais para conscientizar a população e formular políticas públicas, ao direcionar ações adequadas conforme se compreendiam as diferentes realidades e necessidades dos cidadãos.

Inicialmente, foi necessário conhecer as condições sanitárias, educacionais e sociais dos diferentes grupos sociais. Conforme se verificava a qualidade e a importância desses dados, as atividades do instituto deixaram de se restringir aos aspectos populacionais e passaram a coletar dados agropecuários do Brasil. Nesse sentido, a expansão proporcionou mecanismos de controle do abastecimento alimentar do país e uma percepção apurada das áreas que necessitavam de estímulo ou maior fiscalização.

Para tanto, o parágrafo único do Art. 1º da lei nº 5.534, de 1968, estabeleceu que as informações coletadas pela Fundação IBGE devem ser tratadas como sigilosas e não podem ser utilizadas como provas em demandas judiciais. Logo, os dados coletados podem ser empregados apenas para fins estatísticos, proteção que confere aos cidadãos a liberdade de participar de forma voluntária e permite o levantamento de dados precisos sem o receio de restrições ou punições futuras. Assim, trata-se de um exemplo em que a regulamentação visou assegurar a integridade do processo estatístico, a fim de promover uma coleta de dados precisa e confiável que reflita a realidade socioeconômica do país.

3 O PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

Entende-se que a segurança jurídica parte da necessidade de clareza e compreensibilidade das ações do Estado, de modo que a sociedade conheça os procedimentos relativos à tomada de decisão, aceite-os e evite a disseminação de desconfiança, para preservar a estabilidade do modelo político em vigor. De modo análogo, transparência e acesso às informações no sistema jurídico não só garantem a justiça, bem como contribuem para a confiança e coesão social, elementos fundamentais para preservar a ordem e o equilíbrio na sociedade contemporânea. Para ilustrar os impactos da falta de transparência, pode-se recorrer à situação hipotética de um concurso público no qual o edital não foi publicado ou foi divulgado de maneira a omitir informações essenciais; a desconfiança gerada entre os participantes seria tão intensa que o vencedor dificilmente poderia usufruir de sua vitória e, portanto, os demais participantes tenderiam a censurá-lo ou buscar meios de inviabilizar todo o processo.

Nesse sentido, a fim de fortalecer a segurança jurídica, ao encerrar a instabilidade que o desconhecimento e a falta de transparência podem gerar, surge o Princípio da Publicidade, previsto na Constituição Federal

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (…). (BRASIL, 1988).

Esse princípio assegura a divulgação adequada das informações pelo Estado e visa promover a confiança da sociedade nas instituições, ações essenciais para a manutenção da ordem e da estabilidade no cenário político. Ao garantir a publicidade dos atos administrativos, busca-se construir uma base sólida de confiança entre governo e cidadãos, para mitigar os efeitos corrosivos da corrupção ao integrar de forma ativa e informada os indivíduos na vida política do país. Contudo, o Estado apresenta uma preocupação de que a publicidade possa vir a ser uma maneira de causar dano a outrem e que esse dano possa ser irreversível.

4 O QUARTO PODER

Devido a não existência de tecnologias para promover a eficácia plena das atividades estatais, o Estado muitas vezes acaba por executar seu poder investigativo e punitivo de modo incompleto. Isso o tem motivado a se aliar a uma espécie de quarto poder para legitimar processos investigativos e, em alguns casos, convocar a mídia para punir moralmente e socialmente, além de receber auxílio na obtenção de provas e informações. Ainda, é visto que o judiciário se utiliza de publicidade seletiva por meio da ausência nas restrições para lograr objetivos próprios, em que impõe (REDAÇÃO, 2017) ou levanta (PIRES, 2017) o sigilo por conveniência para engajar a participação popular com intermédio da mídia.

Para exemplificar a atuação da mídia como um quarto poder, tem-se o caso do ex-jogador de futebol Robinho em que se aguardava a conclusão dos trâmites referentes à homologação da sentença estrangeira de 2020 por crime de estupro ocorrido na Itália (GAMA, 2023). Nesse ínterim, a mídia ocupou a lacuna deixada pelo Estado em garantir que jogador cumprisse a condenação e passou a buscar por justiça de maneira independente. Para tanto, valeu-se da difusão do acesso aos dados processuais do caso obtidos com exclusividade na Itália, que incluíam até mesmo áudios do próprio réu capazes de incriminá-lo de forma direta (WILKSON; CESAR, 2023). Dessa maneira, as informações compiladas e divulgadas no podcast Histórias: os grampos de Robinho foram capazes de impactar mais o cotidiano do réu que o próprio processo judicial (GARCIA, 2023).

Embora o poder da mídia possa se aliar em momentos distintos ao poder executivo, legislativo e judiciário há em comum a utilização do Princípio da Publicidade como combustível, visto que se nenhum ato do Estado fosse divulgado nada restaria a ser difundido à população. Dessa aliança surge um novo poder, que age de forma a amplificar a voz do Estado como um megafone que amplifica a de um indivíduo, e dessa própria ressonância, haure força para sua sustentação.

À primeira vista, a mídia é frequentemente percebida como uma ferramenta ausente de pontos negativos, que proporciona um aumento de força ao Estado e serve como fonte de conhecimento aos cidadãos. Nesse contexto, é vista como a esperança da população para proteção e informação, especialmente em casos onde não haveria a possibilidade de acompanhar diretamente os atos dos governantes eleitos.

Por outro lado, a mídia se beneficia do próprio ato, e em grande escala, ao alimentar-se da informação e realizar a difusão para uma rede de tecnologia informacional; trata-se do setor que mais recebe vantagens financeiras com a divulgação. Logo, é questionado se ocorreria algum dano à população e ao próprio Estado decorrente dos incentivos exclusivos ao setor midiático, perspectiva que remonta ao criticado tratado de Methuen – Tratado dos Panos e Vinhos – acordo comercial entre Portugal e Inglaterra, em 1703. Nele, a Inglaterra se ateve a colher boa parte das riquezas do vínculo entre Portugal e Brasil, assim como a Imprensa vem a colher os frutos da relação entre Estado e cidadão.

No caput e no § 1º do Art. 792 do Código de Processo Penal, nota-se a preocupação do legislador com a necessidade de tornar público os atos processuais, porém é reforçado o receio dos impactos danosos de uma publicidade exacerbada.

Art. 792.  As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados.

        § 1º Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes. (BRASIL, 1941)

Nesta perspectiva, as consequências tornam-se extremamente prejudiciais se o Estado ultrapassa limites e promove uma publicidade com abertura para que a mídia intensifique a difusão. Para exemplificar, recorda-se o caso ocorrido em São Paulo, no ano de 1994, onde os proprietários da Escola Base tiveram suas vidas profundamente lesadas após serem acusados erroneamente de abuso sexual contra crianças (RIBEIRO, 1995). Além disso, há o caso internacional em que os danos causados pela antecipação de informações ainda em curso de investigação, e que posteriormente demonstraram-se equivocadas, motivaram os pais da criança desaparecida Madeleine McCann a mover processos contra a polícia e os jornais (REDAÇÃO, 2015).

Assim, compreende-se que ao expor os cidadãos e violar permanentemente a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, o inciso X do Art. 5º da Constituição Federal (BRASIL, 1988) é violado. No caso Escola Base, em especial, a restrição da publicidade dos atos processuais seria necessária para a defesa da intimidade e até mesmo a proteção dos investigados. Entretanto, o que ocorrera foi uma intervenção estatal errônea aliada à mídia, ao utilizar a publicidade para cometer diversas violações.

5 DAS POTENCIAIS RESTRIÇÕES

Com o avanço da tecnologia da informação, torna-se cada vez mais incoerente desconsiderar a correlação existente entre os princípios administrativos e a mídia, marca da singularidade da Administração Pública contemporânea. Logo, isso permite questionar até que ponto o Princípio da Publicidade pode sofrer restrições em face do poder midiático, visto que a ponderação entre a liberdade de imprensa, o direito à informação e a necessidade de garantir a transparência e o accountability na Administração Pública é complexa (ROCHA, 2011, p. 82-97).

Nesse sentido, enquanto restringir demasiadamente a publicidade pode prejudicar a capacidade do público de compreender e avaliar as ações governamentais, a falta de restrições pode levar a manipulações com o objetivo de influenciar a percepção pública de maneira tendenciosa. Portanto, encontrar o equilíbrio é um desafio na busca por uma sociedade informada e participativa.

Além disso, torna-se crucial não restringir o Princípio da Publicidade em relação à mídia, a fim de evitar formas de censura e a criação de instrumentos para a utilização do quarto poder em objetivos exclusos do governante. Essa preocupação surge do receio de que a censura possa ser direcionada não pelo judiciário ou legislativo, mas pelo executivo.

Nesta perspectiva, houve a revogação da lei nº 5.250/67 pelo Supremo Tribunal Federal em 2009, conhecida como Lei da Imprensa e editada durante a Ditadura Militar, por ser incompatível com a Constituição Federal

Art. 7º No exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de informação não é permitido o anonimato. Será, no entanto, assegurado e respeitado o sigilo quanto às fontes ou origem de informações recebidas ou recolhidas por jornalistas, radiorrepórteres ou comentaristas.

        § 1º Todo jornal ou periódico é obrigado a estampar, no seu cabeçalho, o nome do diretor ou redator-chefe, que deve estar no gôzo dos seus direitos civis e políticos, bem como indicar a sede da administração e do estabelecimento gráfico onde é impresso, sob pena de multa diária de, no máximo, um salário-mínimo da região, nos têrmos do art. 10.

        § 2º Ficará sujeito à apreensão pela autoridade policial todo impresso que, por qualquer meio, circular ou fôr exibido em público sem estampar o nome do autor e editor, bem como a indicação da oficina onde foi impresso, sede da mesma e data da impressão.

        § 3º Os programas de noticiário, reportagens, comentários, debates e entrevistas, nas emissoras de radiodifusão, deverão enunciar, no princípio e ao final de cada um, o nome do respectivo diretor ou produtor.

        § 4º O diretor ou principal responsável do jornal, revista, rádio e televisão manterá em livro próprio, que abrirá e rubricará em tôdas as fôlhas, para exibir em juízo, quando para isso fôr intimado, o registro dos pseudônimos, seguidos da assinatura dos seus utilizantes, cujos trabalhos sejam ali divulgados. (BRASIL, 1967)

Contudo, é crucial observar que grande parte dos artigos visavam identificar e responsabilizar os autores das publicações. Entende-se que essa abordagem busca facilitar ao cidadão ofendido a identificação dos responsáveis e, de maneira mais sutil, refletir uma possível motivação do Estado, especialmente durante o regime militar, de promover a censura.

Embora o caput do artigo reforce a proteção ao sigilo das fontes jornalísticas, os parágrafos seguintes estabelecem mecanismos que podem ser interpretados como restrições à liberdade de imprensa. Logo, o equilíbrio entre o direito à informação e a responsabilização por eventuais abusos converte-se em um desafio ao interpretar a legislação, bem como torna-se compreensível a inquietação diante das tentativas de restrição aos meios informativos brasileiros.

Cabe ressaltar que a Administração Pública tem como objetivo primordial promover o bem da sociedade e, nesse contexto, surge a necessidade de avaliar se há uma demanda real em impor restrições à mídia. Para tanto, é preciso considerar não somente os potenciais riscos, como também os benefícios dessas restrições, a exemplo da redução de propagandas excessivas direcionadas às crianças e de produtos prejudiciais à saúde como o cigarro (FONTES JUNIOR, 2001). Para além, tem-se o caso retratado por Nery Junior (2010, p. 641 – 674), com um alerta sobre a publicidade enganosa e abusiva no mercado de cerveja. Nele, o autor expõe a veiculação de inúmeros comerciais que promoviam uma marca de cervejas com lacre inovador, a ser retirado e a cerveja consumida diretamente devido suposta garantia de total proteção contra microrganismos. Entretanto, após estudos técnicos conduzidos pela CE-TEA/ITAL, foi constatado que o lacre ao invés de evitar a contaminação aumentava a aderência da água contaminada com a lata, o que gerava maiores riscos para a saúde do consumidor. Portanto, constata-se como a difusão de informações errôneas pode prejudicar e impactar a saúde do cidadão, em virtude da comprovação de que diversas doenças poderiam ser transmitidas pela ausência de uma publicidade correta, o que é corroborado pelo artigo 37 do Código do Consumidor que proíbe a prática da publicidade enganosa ou abusiva (BRASIL, 1990).

6 CONCLUSÕES

Ante ao exposto, infere-se que a transparência excessiva se torna um poder insuportável quando aplicada de forma individualizada ao cidadão, de modo que a exposição acarreta danos em sua vida, especialmente devido à sua vulnerabilidade, uma característica intrínseca ao conceito de cidadania.

Contudo, outro aspecto que permeia a discussão é que nem mesmo o Estado consegue suportar a total transparência, pois isso diminuiria excessivamente a velocidade da implementação de políticas, principalmente devido à burocracia. Essa consideração enfatiza a complexidade da busca pelo equilíbrio entre a transparência, a proteção do cidadão e a eficiência do Estado.

As restrições de informações, ao mesmo tempo em que impõem limites ao Estado, o resguardam, por exemplo quando relacionadas à segurança nacional. Neste sentido, a transparência estatal é uma salvaguarda contra abusos de poder, os quais podem resultar na ineficácia das políticas públicas, devido à necessidade de cumprir uma série de requisitos decorrentes da burocracia excessiva.

Constatou-se que a restrição de informações estatais é crucial para proteger a sociedade, apesar do risco de ser utilizada como uma justificativa enganosa para atividades ilegais. Ou seja, alegar ser para a preservação da segurança nacional ou a proteção dos cidadãos, enquanto, secundariamente, busca-se atender aos interesses pessoais e ilegais do governante.

A divulgação de informações pessoais, embora possa garantir que nenhum cidadão seja privilegiado, torna-se uma situação emblemática pois, ao ser realizada de maneira equivocada, pode resultar em danos à imagem do cidadão. Apesar disso, salienta-se que a utilização de forma ética pode preservar as garantias constitucionais.

Paralelamente, a mídia se apresenta como um mecanismo de difusão das informações estatais, o que a revela como a maior beneficiária entre a relação Estado e cidadão. Nesse sentido, foi possível observar como a mídia possui um poder condenatório mais intenso do que o do judiciário, ao se revelar rápida e ilimitada como no caso de Robinho, em que a perseguição midiática gerou mais danos do que a sentença condenatória.

Assim, em alguns momentos o poder se mostrou errôneo, como no caso Escola Base, o que leva à questão da necessidade, ou não, de restringir o acesso à informação e de exercer um controle sobre a mídia. Portanto, entende-se que em qualquer instrumento a solução não residiria em destruí-lo ou impedi-lo de ser utilizado, mas sim em conscientizar eticamente aqueles que o empregam, com o objetivo de minimizar os eventuais danos.

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Especialista em Estado Democrático de Direito pela Fundação Escola do Ministério Público do Paraná (FEMPAR). Especialista em Direito Público pela Faculdade Adelmar Rosado.