DADOS SOBRE O ÓBITO DE MULHERES COM NOTIFICAÇÃO DE VIOLÊNCIA POR PARCEIRO ÍNTIMO EM MARABÁ

DADOS SOBRE O ÓBITO DE MULHERES COM NOTIFICAÇÃO DE VIOLÊNCIA POR PARCEIRO ÍNTIMO EM MARABÁ

30 de junho de 2024 Off Por Cognitio Juris

DATA ON THE DEATH OF WOMEN REPORTED OF VIOLENCE BY AN INTIMATE PARTNER IN MARABÁ

Artigo submetido em 03 de junho de 2024
Artigo aprovado em 17 de junho de 2024
Artigo publicado em 30 de junho de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 55 – Junho de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Ana Júlia Sanches Sousa Fortunato[1]
Plinio Rocha Fernandes[2]
Tony Rinaldi Vargas[3]

RESUMO: O artigo aborda a questão dos óbitos de mulheres vítimas de violência por parceiros íntimos em Marabá (2022-2023), destacando jovens de baixa escolaridade como as mais vulneráveis. Discute fatores de risco, como a gravidade e frequência da violência, a presença de armas de fogo, histórico de violência, isolamento social e problemas de saúde mental das vítimas e agressores. Avalia a eficácia da Lei Maria da Penha, a atuação da DEAM e do CRAM, e a importância de políticas integradas para enfrentar as causas estruturais da violência de gênero. Ressalta a necessidade de educação sobre direitos humanos e igualdade de gênero, além de melhor coordenação entre agências governamentais e organizações da sociedade civil para reduzir essas tragédias. O artigo oferece insights valiosos para a formulação de políticas mais eficazes e a implementação de medidas preventivas.

Palavras-chave: Femincídio, Violência de Gênero, Políticas Públicas

ABSTRACT: The article addresses the issue of deaths among women victims of intimate partner violence in Marabá (2022-2023), highlighting young, low-educated women as the most vulnerable. It discusses risk factors such as the severity and frequency of violence, the presence of firearms, history of violence, social isolation, and mental health issues of both victims and perpetrators. The study evaluates the effectiveness of the Maria da Penha Law, the roles of DEAM and CRAM, and the importance of integrated policies to address the structural causes of gender-based violence. It emphasizes the need for education on human rights and gender equality, and better coordination between government agencies and civil society organizations to reduce these tragedies. The article provides valuable insights for formulating more effective policies and implementing preventive measures.

Keywords: Femicide, Gender-based violence, Public policies, Marabá

1 INTRODUÇÃO

O óbito de mulheres vítimas de violência é uma tragédia que, muitas vezes, está relacionada a uma interseção complexa de fatores como, por exemplo, a violência por parceiro íntimo (VPI). Um dos fatores centrais associados a esse cenário trágico é a gravidade da violência infligida, no qual mulheres expostas a formas mais intensas e frequentes de abuso enfrentam um risco significativamente maior de sofrer lesões fatais (Pinto et al., 2021).

A VPI é um problema na história das mulheres ao longo do tempo, seja por conhecer alguém ou alguma situação tal ou por experiência própria. Movimentos feministas, bem como constituição de leis que visam sanar este problema se mostram cada vez mais evidentes, seja na política, jornais ou histórias que se ouve falar dentro da vizinhança (Pinto et al., 2021).

Alguns fatores podem corroborar para o acontecimento dessas tragédias, como a disparidade de poder nas relações, situações em que o agressor exerce controle desproporcional sobre a vítima criam um ambiente propício para o aumento da violência, aumentando assim o risco de óbito. A presença de armas de fogo também desempenha um papel relevante, intensificando a letalidade da violência doméstica e elevando as chances de um desfecho trágico (Nery et al., 2024).

O histórico de violência é um fator preditivo preocupante, mulheres que têm um histórico contínuo de exposição à violência, especialmente aquelas que foram vítimas de tentativas anteriores de homicídio, enfrentam um risco ainda maior. O isolamento social, decorrente da falta de uma rede de apoio, contribui para a vulnerabilidade, tornando as vítimas mais suscetíveis a situações perigosas.

Problemas de saúde mental, tanto da vítima quanto do agressor, podem estar intrinsecamente ligados à dinâmica da violência, aumentando o risco de óbito. Barreiras ao acesso a recursos essenciais, como abrigos e aconselhamento, sejam elas econômicas, culturais ou geográficas, também desempenham um papel significativo na perpetuação da violência e no aumento do perigo para as vítimas (Nery et al., 2024).

Além disso, a resposta institucional inadequada por parte das instituições, quando por vezes a vítima procura para fazer a notícia crime, incluindo sistemas judiciais e de aplicação da lei, pode falhar em proteger adequadamente as vítimas e responsabilizar os agressores (Pinto et al., 2021).

Assim, a abordagem eficaz desses fatores requer uma resposta integrada, abrangendo a prevenção, intervenção e apoio às vítimas, visando criar ambientes mais seguros e reduzir os trágicos índices de óbito relacionados à violência contra as mulheres (Nery et al., 2024).

Diante disso, é conspícuo a necessidade de entender mais sobre este problema, bem como questionar: após a notícia crime essas mulheres possuem alguma proteção?

Desse modo, este trabalho visa utilizar de bancos de dados para fazer o levantamento acerca deste problema e sanar a pergunta de pesquisa proposta, de mesmo modo identificar fatores e características que possam alertar e predizer alguma possível agressão/óbito evitável.

Como objetivos específicos o artigo visa descrever as políticas públicas das redes de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica e o perfil das mulheres vítimas de feminicídio em Marabá.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

No que se refere a questão do feminicídio sob uma perspectiva antropológica e sociológica, examinando as raízes culturais e sociais desse fenômeno, autoras como Segato (2018) explica que ainda que se leve em conta que o aumento da violência pode ser atribuído ao aumento das denúncias por parte das mulheres ou à melhoria no registro de feminicídios pela polícia, ainda assim, é evidente que não conseguimos contê-la completamente.

Como Segato (2018) alerta, o conjunto de ideias sobre gênero que está por trás desses eventos, como um ambiente propício, permanece inalterado. Não há indícios de que outros tipos de violência não letal estejam sendo contidos pelas leis ou pelas nossas lutas dentro do sistema estatal, pelo contrário, a letalidade relacionada ao gênero aumentou, assim como a crueldade dos crimes.

Por outro lado, os traços de masculinidade, conforme ressaltado por Segato (2018), são construídos com base em uma série obrigatória de atributos: sexual, físico, econômico, intelectual, moral e político. No entanto, em sociedades capitalistas, especialmente aquelas orientadas pelo neoliberalismo financeiro, com alta disparidade de renda e desigualdade, um número cada vez menor de homens concentra esses atributos, pois são os que possuem os meios econômicos para tal.

Rita Laura Segato chama esse fenômeno de “mandato de masculinidade”, que é a obrigação de demonstrar-se homem sem ter os meios necessários para isso (SEGATO, 2018). É por isso que, como destacado por Rita Segato, o feminicídio é um crime que carrega uma assinatura e transmite uma mensagem, não apenas para a mulher específica que teve sua vida ceifada, mas para todas as mulheres em geral. O corpo feminino se torna um texto e um território onde o poder masculino é inscrito, sendo uma forma através da qual ele busca recuperar a autoridade perdida (SEGATO, 2005; 2017; MAIA, 2019).

Considerar essas formas de masculinidade como uma obrigação, um mandato, não implica em retirar dos homens a capacidade de tomar decisões ou a responsabilidade por suas ações. Pelo contrário, significa destacar como eles utilizam sua posição de poder e autoridade, e principalmente, enfatizar que a violência contra as mulheres precisa ser entendida em um contexto mais amplo, que envolve a compreensão das políticas governamentais em relação à vida (biopolítica) e aos efeitos negativos do neoliberalismo (necropolítica) (SEGATO, 2017).

No livro “Las estructuras elementares de la violencia“, Rita Segato destaca que “o gênero tem uma temporalidade tão antiga quanto a própria espécie, uma temporalidade extremamente lenta, muito mais lenta do que a história das mentalidades. É uma temporalidade quase cristalizada, que parece natural, por isso é tão difícil modificar a opressão de gênero” (SEGATO, 2018, p. 153).

Para verdadeiramente acabar com essa opressão e conter a violência contra as mulheres, é crucial “quebrar o cristal rígido do gênero”. Uma forma de fazer isso é através da educação, em seu sentido mais amplo (SEGATO, 2018, p. 153).

       Ao aprofundar sobre o assunto, vale citar que a Legislação conhecida como Lei Maria da Penha, consciente da relevância da instrução na prevenção e eliminação da violência de gênero, estipula em seu artigo 8º orientações para combater a violência doméstica e familiar contra mulheres (BRASIL, 2012). Essas orientações envolvem uma série coordenada de medidas que abrangem não apenas o governo federal, estadual e municipal, mas também organizações não governamentais, todas elas abordando a educação.

     Embora o Supremo Tribunal Federal tenha decidido de forma definitiva pela inconstitucionalidade desses projetos – muitos dos quais já tinham sido aprovados em diversos municípios brasileiros -, tais propostas atrasaram o diálogo por muitos anos. Elas geraram uma certa resistência às discussões sobre as disparidades de gênero e, de fato, impediram que esse tema fosse devidamente integrado nos currículos escolares, como determinado pela Lei Maria da Penha (MAIA, 2020).

O engajamento do movimento feminista em redes tanto nacionais quanto internacionais de direitos humanos potencializou uma atividade incisiva de defesa que abordou de forma contundente as leis internas discriminatórias, a sugestão de novos paradigmas normativos e a aplicação dos meios de direitos humanos para reportar e apurar transgressões aos direitos humanos das mulheres (PITANGUY, 2002).

 É possível afirmar que a agenda dos direitos humanos no que se refere as mulheres teve impacto significativo no discurso político no país e foi responsável pelo desencadeamento de políticas públicas, especialmente nos domínios da saúde sexual e reprodutiva, dos direitos trabalhistas e previdenciários, dos direitos políticos e civis, e no combate à violência de gênero (PIOVESAN, 2012).

 Acerca do Gênero, Feminicídio e Direitos Humano, a partir da promulgação da Declaração Universal de 1948, o Direito Internacional dos Direitos Humanos começou a ser desenvolvido, através da adoção de numerosos tratados internacionais destinados a proteger os direitos humanos, no âmbito das Nações Unidas (PIOVESAN, 2016).

Esse sistema normativo é composto por instrumentos de abrangência geral, como os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, e por instrumentos de abrangência específica, como as Convenções Internacionais que buscam abordar violações específicas dos direitos humanos, como tortura, discriminação racial, discriminação contra mulheres, violações dos direitos da criança, entre outras formas de violações (PIOVESAN, 2016).

Torna-se crucial a individualização do sujeito de direito, que passa a ser considerado em suas características únicas e distintas. Sob essa perspectiva, certos sujeitos de direitos, ou determinadas violações de direitos, demandam uma resposta específica e diferenciada. Assim, as mulheres devem ser compreendidas levando em conta as particularidades e singularidades de sua condição social. É essencial o respeito pela diferença e pela diversidade, garantindo-lhes um tratamento especial (PIOVESAN, 2016).

Essa medida visa principalmente evitar a trivialização desses crimes devido à simplificação das punições, bem como impedir a criação de um ambiente ainda mais hostil para as mulheres. Isso ocorre porque, em tais situações, surge frequentemente o sentimento de impunidade devido à monetização das agressões, o que não contribui para a reeducação e conscientização do agressor. (ÁVILA, 2007).

Nesse mesmo sentido, a mencionada legislação retirou a competência dos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/95) para lidar com os casos de violência doméstica e atribuiu essa responsabilidade aos Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, unindo as competências cível e criminal (BRASIL, 1995).

Essa alteração não apenas facilita o acesso à justiça para mulheres em situação de vulnerabilidade, que anteriormente precisavam lidar com diferentes órgãos jurisdicionais, mas também reconhece que a especialização é crucial para a eficácia das medidas. Portanto, ela contribui para abandonar a “cultura do arquivamento” e a minimização da violência, que estão presentes nos Juizados Especiais comuns. (BIANCHINI, 2018; ÁVILA, 2007).

É importante mencionar que a Lei Maria da Penha introduziu mudanças significativas que proporcionam uma maior proteção para mulheres em situação de vulnerabilidade, tal fato ocorre porque, até recentemente, a violência de gênero não era adequadamente abordada pela legislação, que anteriormente focava principalmente na preservação da honra familiar e no papel tradicional da mulher na sociedade.

Desse modo,

A Lei Maria da Penha trouxe inovações em diversos aspectos para proteger as mulheres e evitar sua revitimização, especialmente no que diz respeito à prevenção e repressão desses crimes. No que tange à prevenção, uma das soluções apresentadas foi a oportunidade de acompanhamento psicossocial, reconhecendo que tais delitos carregam consigo uma carga social e histórica significativa, que alimenta a continuidade de comportamentos agressivos fundamentados no gênero e na subordinação das mulheres.

              Portanto, o objetivo não foi buscar a conciliação a qualquer custo, mas sim esclarecer para todas as partes envolvidas a gravidade das situações de violência doméstica e ressaltar a importância de soluções que ofereçam uma resposta eficaz ao cerne do problema da violência, com o intuito de garantir a integridade de todos os envolvidos (GOMES, 2018).

3 METODOLOGIA

A pesquisa é baseada em uma análise de dados mista, tanto quantitativa quanto qualitativa, sobre óbitos de mulheres com notificações de violência por parceiro íntimo em Marabá nos anos de 2022 e 2023, decifrando o que as vítimas tinham em comum, para termos então um perfil que caracterize a vítima de feminicídio em Marabá.

Foram analisados os inquéritos policiais das vítimas e as ações penais quando necessário para uma melhor pesquisa e resultado.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os dados foram obtidos foram coletados a partir da delegacia especializada no atendimento à mulher de marabá (DEAM), com a finalidade de conhecer os fatores associados ao óbito de mulheres com notificação de violência por parceiro íntimo em Marabá nos últimos 02 (dois) anos (2021 a 2023).

  • VÍTIMA 01

    Data do mês de março de 2023, com idade 21 anos e sem filhos. O local de residência é a zona rural de marabá na vila nova esperança. Não possui informações acerca da escolaridade e da sua profissão e em relação a religião, o cadastro do SISP não fornece tal campo;

  • VÍTIMA 02

Data do mês de novembro de 2023, com idade de 38 anos, e com dois filhos. O local de residência é a cidade nova, no bairro Jardim União. Com escolaridade apresenta o 2° grau completo, além disso a profissão não informada e a religião o cadastro do SISP não fornece tal campo.

  • VÍTIMA 03

      Data do mês de fevereiro de 2023, com idade de 36 anos, não apresenta informações sobre filhos. O local de residência é o bairro morada nova, com a escolaridade de 1°grau. A profissão não foi informada e a religião o cadastro do SISP não fornece tal campo.

  • VÍTIMA 04

Data do mês de julho de 2022, com idade 26 anos, sem informações sobre filhos, com a escolaridade do ensino fundamental. O local de residência é o bairro São felix pioneiro, sendo que a profissão não informada. Em relação a religião o cadastro do SISP não fornece tal campo.

  • VÍTIMA 05

Data do mês de maio de 2022, com idade de 32 anos. Possui um filho, tem a sua escolaridade do superior completo e o local de residência e o bairro nova marabá. A profissão não informada e a religião o cadastro do SISP não fornece tal campo.

  • VÍTIMA 06

Data do mês de abril de 2022, com idade 26 anos, com quatro filhos, tem a escolaridade o 2° grau completo. O local de residência é o bairro Nossa senhora Aparecida, na Nova Marabá. A profissão não informada e a religião o cadastro do SISP não fornece tal campo.

Nesse contexto, entende-se que as mulheres que sofrem violência por parceiro íntimo enfrentam uma série de desafios que podem aumentar o risco de óbito. Entre os fatores associados a essas tragédias estão a falta de acesso a recursos de segurança, apoio social limitado, barreiras para buscar ajuda devido ao medo ou à dependência financeira do agressor, além de questões relacionadas à saúde mental, como depressão e ansiedade (Santos; Carmo, 2023).

Em trabalho realizado por Dias et al. (2021) foi observado que o consumo de drogas e/ou álcool por parte da mulher ou do agressor, baixa escolaridade, situação socioeconômica precária, histórico de violência intrafamiliar durante a infância, início precoce da vida sexual, infância sem brincadeiras e afeto, ausência de suporte familiar e dependência financeira do agressor foram identificados como fatores de risco. Esses ações podem contribuir para a criação de intervenções voltadas ao combate da violência contra a mulher.

No que diz respeito ao perfil da Violência Contra a Mulher (VCM), o estudo está em consonância com os achados da revisão apresentada, pois também destacou uma maior prevalência (57,72%) entre mulheres jovens, negras e pardas (63,80%), e gestantes (12,20%), em relação ao estado civil, as mulheres solteiras apresentaram uma taxa de 47,64%[4].

Em outro estudo, Pinto et al. (2021) identificaram que no Brasil, entre 2013 e 2018, foram registradas 195.144 notificações de mulheres de 15 a 59 anos que sofreram violência por parte de parceiro íntimo nos serviços de saúde. Destas, 2.238 mulheres foram a óbito até setembro de 2017, sendo que o tempo médio entre a notificação da violência e o óbito foi de 474 dias, com 25% das vítimas falecendo em até dois dias, e a mediana sendo de 230 dias[5]

Os resultados demonstraram ainda que os óbitos se concentraram principalmente nos seguintes capítulos da CID-10: Causas externas (47,72%) e Doenças crônicas não transmissíveis (40,80%). Os principais grupos de causas básicas de óbito foram: 35,05% por agressões; 5,59% por doenças causadas pelo vírus da imunodeficiência humana; e 4,29% por doenças cerebrovasculares (Pinto et al., 2021).

De acordo com Pinto et al. (2021) as mulheres notificadas por violência de parceiro íntimo faleceram, principalmente, devido a causas crônicas e externas, com destaque para o feminicídio.

Vale frisar que a integração das bases de dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) é essencial para entender as repercussões da violência de parceiro íntimo (VPI) na mortalidade das mulheres (Pinto et al., 2021). O setor de saúde, conhecendo esses casos de violência, pode desenvolver estratégias para a rede de serviços visando à prevenção de óbitos anunciados e evitáveis.

Latuf et al. (2020) ao analisarem casos de violência sobre mulheres, notaram que municípios com maior número de óbitos por agressão e registros de violência doméstica, sexual e outras violências contra mulheres também tendiam a apresentar um maior número de mulheres como chefe de família com filhos menores de 15 anos, maior taxa de fecundidade, maior porcentagem de mulheres de 10 a 17 anos que tiveram filhos, e menor renda per capita.

Foi observado também que, nos municípios com maior número de óbitos de mulheres por agressão, as mulheres tendiam a ter salários mais baixos e um maior número de empregos. Outro aspecto esteve em relação ao aumento no número de óbitos de mulheres por agressão revelou um comportamento oposto, cujo municípios onde as mulheres tinham salários mais altos, mas um menor número de empregos (Latuf et al., 2020).

Nesse contexto, a violência contra a mulher não apenas representa um problema de saúde pública, mas também constitui uma grave violação dos direitos humanos (Latuf et al., 2020).

Em ensaio clínico realizado por Nery et al. (2024) evidenciaram que as taxas padronizadas de homicídios revelaram que as mulheres pardas e negras foram as mais vitimadas, em comparação com as brancas. No entanto, essa situação está associada a outras variáveis importantes, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e a taxa de analfabetismo.

Inclusive mulheres mais pobres, com baixa escolaridade, de origem étnica preta e parda têm quase o dobro de chances de serem vítimas de homicídio em comparação com aquelas mais privilegiadas social e economicamente, com níveis mais elevados de educação (Nery et al. 2024).

Pinto et al. (2021) refletem que o que tem acontecido no Brasil se reflete nos países latino-americanos, onde mais de 50% das mulheres relataram casos de violência física ou sexual ao longo da vida, perpetrados por parceiros íntimos. Algumas características das mulheres vítimas de homicídio são amplamente discutidas na literatura, sendo em sua maioria jovens, com baixa escolaridade e de origem negra (Meneghel, 2019). 

No estudo de caso de Soares et al. (2023) revelou um alto percentual de feminicídio, sendo que os fatores de risco associados ao óbito foram: idade entre 30 e 39 anos; agressão por arma de fogo ou objeto perfurocortante. Como fatores de proteção, foi observado que ser casada ou em união estável, ter mais de cinco anos de escolaridade e residir em municípios com população superior a 100 mil habitantes.

A análise de sobrevivência revelou que os principais fatores de risco associados ao óbito de mulheres notificadas por violência pelo parceiro íntimo durante a gravidez incluíram idade, deficiência/transtorno, estar no primeiro trimestre de gestação, sofrer agressão por arma de fogo ou objeto perfurocortante e ter mais de uma notificação de violência. O feminicídio foi identificado como a principal causa de óbito, representando 45,7% dos casos (Soares et al., 2023).

A pesquisa evidenciou a significativa relevância da violência durante a gravidez na compreensão das causas de morte entre as mulheres brasileiras, possibilitando a identificação de situações que as tornam mais vulneráveis e as expõem a um maior risco de óbito. Além disso, destacou que a morte materna por feminicídio, apesar de sua importância, tem sido negligenciada nas estatísticas de mortalidade (Soares et al., 2023).

Diante disso, entende-se que melhorar os sistemas de informação e fortalecer a vigilância, monitoramento e avaliação das mortes durante a gravidez e o pós-parto permitem identificar oportunidades mais eficazes para propor e avaliar políticas públicas que visam prevenir mortes evitáveis, incluindo aquelas relacionadas à violência de gênero.

Em Marabá, no estado do Pará, as políticas públicas voltadas para a proteção das mulheres vítimas de violência doméstica são implementadas por meio de uma série de iniciativas e serviços oferecidos pela rede de proteção municipal e estadual (Henriques, 2023).

 Algumas dessas políticas e programas incluem a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM), órgão especializado que tem como objetivo proporcionar um atendimento diferenciado às mulheres vítimas de violência doméstica. A delegacia oferece serviços de registro de ocorrência, investigação de crimes e encaminhamento para serviços de apoio (Henriques, 2022).

 O Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM) no qual é um espaço que oferece atendimento psicossocial e jurídico às mulheres em situação de violência. Este centro é um ponto de apoio essencial onde as mulheres podem receber orientação e acompanhamento especializado (Henriques, 2023).

Diante disso, os serviços de assistência social em Marabá incluem acompanhamento por assistentes sociais e psicólogos que ajudam na recuperação emocional e no planejamento de uma nova vida para as vítimas de violência (Henriques, 2023).

Assim, as vítimas de violência doméstica em Marabá têm acesso a medidas protetivas de urgência, que podem ser solicitadas junto ao Judiciário. Essas medidas incluem o afastamento do agressor, a proibição de contato e a proteção da integridade física e emocional da vítima (Henriques, 2022).

Em detrimento disso, o município realiza campanhas de conscientização e prevenção da violência contra a mulher, com o objetivo de educar a população sobre os direitos das mulheres e os recursos disponíveis para aquelas que sofrem violência (Meireles, 2023).

Nesse sentido, além de medidas de proteção imediata, existem projetos que visam o empoderamento econômico e social das mulheres, como cursos de capacitação profissional e programas de inserção no mercado de trabalho (Meireles, 2023).

Estas iniciativas são fundamentais para garantir a proteção e o suporte necessário às mulheres vítimas de violência doméstica em Marabá, contribuindo para a construção de uma sociedade mais segura e igualitária.

Portanto, a violência contra as mulheres representa uma grave invasão e violação dos direitos humanos, ameaçando o direito fundamental à vida, até porque, viola o direito à saúde, à integridade física, moral, psicológica e sexual. Tirar a vida de uma mulher muitas vezes equivale a destruir uma família e quando o crime é motivado por questões de raça/cor, isso implica numa desumanização da vítima (Nery et al., 2024). 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo analisou os dados sobre o óbito de mulheres com notificação de violência por parceiro íntimo em Marabá, mostrando dados como idade, escolaridade, renda e residência.

Não foi possível estabelecer um perfil claro das vítimas nos 6 casos propostos, uma vez que os dados obtidos foram insuficientes. Porém, o que podemos observar das mulheres vítimas de feminicídio em Marabá é a idade de 21 e 38 anos, a maioria com filhos, não eram chefe de famílias, no entanto, duas apresentavam algum grau de escolaridade, seja ensino fundamental até graduação.

A análise desses dados juntamente com a discussão de artigos demonstra que as vítimas sofreram violência doméstica, sexual e outras violência que contribuem para a mortalidade das mesmas destacando a necessidade urgente de criação de políticas públicas, como o caso da DEAM no município de Marabá, que tem como finalidade de atendimento as mulheres que sofrem esse tipo de situação.

Dessa forma, a reincidência de violência e a escalada da gravidade dos episódios agressivos podem ser considerados fatores recorrentes em diversos casos, indicando uma falha no sistema de proteção e suporte às vítimas.

Outro fator significativo refere-se à ausência de uma rede de apoio social e familiar robusta. Muitas vítimas permanecem em relacionamentos abusivos devido à dependência econômica, emocional ou social, agravando a sua exposição ao risco de morte. Além disso, a falta de intervenções eficazes por parte dos serviços de saúde e segurança pública pode auxiliar para a tragédia desses casos.

Diante disso, é importante políticas públicas mais efetivas e integradas, que incluam campanhas educativas e de conscientização para prevenir a violência desde as suas raízes culturais e sociais, além da melhoria e expansão dos serviços de suporte às vítimas, incluindo abrigos, assistência legal, psicológica e econômica.

Portanto, a redução dos óbitos de mulheres vítimas de violência por parceiro íntimo em Marabá depende de um compromisso conjunto de todas as esferas da sociedade, incluindo governo, instituições de apoio, comunidades e famílias.

Somente por meio de uma abordagem holística e integrada será possível criar um ambiente seguro e de justiça para todas as mulheres, prevenindo a violência e salvando vidas.

REFERÊNCIAS

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[1] Bacharelanda em Direito, Faculdade Carajás, Marabá/PA – fortunato09anajulia@gmail.com

[2] Bacharelando em Direito, Faculdade Carajás, Marabá/PA – pliniorocha.fer@ gmail.com.

[3] Professor Mestre, tony.vargas@carajasedu.com.br.

[4] DIAS, L.B., PRATES, L.A., CREMONESE, L. Perfil, fatores de risco e prevalência da violência contra a mulher. Sanare. 20(1):102- 114, 2021.

[5] PINTO, I.V. Fatores associados ao óbito de mulheres com notificação de violência por parceiro íntimo no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 26(3), 975–985, 2021. https://doi.org/10.1590/1413-81232021263.00132021 .