DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 80/2014: EFETIVIDADE DA DEFESA GRATUITA NO BRASIL

DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 80/2014: EFETIVIDADE DA DEFESA GRATUITA NO BRASIL

30 de setembro de 2024 Off Por Cognitio Juris

OF CONSTITUTIONAL AMENDMENT N. 80/2014: EFFECTIVENESS OF FREE DEFENSE IN BRAZIL

Artigo submetido em 23 de setembro de 2024
Artigo aprovado em 28 de setembro de 2024
Artigo publicado em 30 de setembro de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 56 – Setembro de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Glauce Teodoro Martins Dias[1]

RESUMO: Considerando a necessidade de assistência jurídica às populações hipossuficientes, especialmente às pretas e pardas, este artigo se propõe a levantar ponderações acerca da efetividade da defesa gratuita dessas populações. Dessa forma, o artigo parte do sistema interamericano e interno de Direitos Humanos, descreve e faz observações acerca da atuação da Defensoria Pública no Brasil, dos convênios de assistência judiciária e busca uma aferição da força da defesa gratuita contrabalanceada ante a força do Ministério Público no país a partir de dados das suas estruturas. Partindo dos crescentes casos de erros judiciários dos últimos anos, disserta ainda sobre o recente e emergente papel ativo da família dos acusados na defesa destes e de profissionais e institutos antirracistas. Conclui que o Estado não efetivou integralmente a disposição da Emenda Constitucional n.º 80/2014 — que determinou oito anos para que União, os Estados e o Distrito Federal disponham de defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais — e que os convênios de Assistência Judiciária da Defensoria firmados com instituições como a OAB não exigem experiência jurídica semelhante ao pedido aos defensores, como também não seguem as tabelas de honorários advocatícios ditados pela OAB.

Palavras-chave: Assistência jurídica; assistência judiciária; populações negras e pardas.

ABSTRACT: Considering the need for legal assistance to underprivileged populations, especially black and brown populations, this article proposes to raise considerations about the effectiveness of the free defense of these populations. In this way, the article starts from the inter-American and domestic human rights system, describes and makes considerations about the performance of the Public Defender’s Office in Brazil, the legal aid agreements and seeks to assess the strength of the free defense counterbalanced against the strength of the Public Prosecutor’s Office in the country based on data from its structures; Observing the growing cases of miscarriages of justice in recent years, she also discusses the recent and emerging active role of the family of the accused in the defense of these and of anti-racist professionals and institutes. It concludes that the State has not fully implemented the provision of Constitutional Amendment No. 80/2014 – which determined eight years for the Union, the States and the Federal District to have Public Defenders in all jurisdictional units – and that the Legal Aid Agreements of the Public Defender’s Office signed with institutions such as the OAB do not require legal experience similar to the request to the Defenders, as well as the tables of attorneys’ fees dictated by the OAB.

Keywords: Legal assistance; legal assistance; black and brown populations.

1 INTRODUÇÃO

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, datada de 1948, como também a Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988 (CFRB/1988) e a consequente legislação infraconstitucional determinam, essencialmente, que todo acusado penal sofrerá processo judicial com ampla defesa e contraditório.

Considerando o crescente número de erros judiciários noticiados nos últimos anos no país[1] e a atuação de novos atores[2] nesse cenário, este artigo propõe-se a levantar ponderações acerca da efetividade da defesa penal da pessoa hipossuficiente no país, destacando-se, notoriamente, que grande parte dessas pessoas é de raça negra ou parda.

A Declaração Universal de Direitos Humanos dispõe em seu texto, no artigo 11, que: “toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas”.

O Estado democrático de direito difere dos tempos das monarquias absolutas. Nessas, o rei concentrava todos os poderes, podendo, assim, acusar, processar e condenar ou absolver seus súditos conforme suas relações de interesse, afetos e inimizades, culminando esse cenário geral de poder absoluto na Carta Magna de 1215, na qual há uma limitação dos poderes do rei frente a determinado grupo de indivíduos. Por outro lado, no Estado Democrático de Direito não há crime sem lei anterior que o defina, como também ninguém será levado à prisão se não houver processo e julgamento por juiz competente, com plenitude de defesa e contraditório.

Embora o contexto histórico daquele momento de formação da Carta Magna na Inglaterra indique que os direitos ali pleiteados não eram amplificados para todos os seres humanos e procuravam garantir poderes a grupo determinado, trata-se de um importante precedente histórico para que se alcançasse o que hoje se nomeia de “devido processo legal”.[3]

Os direitos humanos estão, portanto, fixados, no plano externo, por declarações, cartas, tratados, pactos e convenções internacionais de direitos humanos, como também no plano interno dos Estados, pelas Cartas Magnas. No Brasil, os direitos fundamentais estão positivados na Constituição. Dessa forma, os direitos e as garantias fundamentais estão elencados no artigo 5º, dentre os quais está o inciso LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Destarte, o processo penal é o instrumento necessário para restabelecer a paz social quando um crime é praticado, perseguindo-se a verdade real, a fim de se alcançar o responsável e penalizá-lo. Para tanto, devem ser observados os princípios constitucionais e penais e todo o arcabouço legislativo, além dos documentos ratificados pelo Estado, com o fim de evitar a condenação de uma pessoa inocente.

É importante realçar que, na Agenda Global, definida pelas Nações Unidas, está o objetivo de desenvolvimento sustentável 16 que propugna paz, justiça e instituições eficazes: “Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”.[4]

Com efeito, o cidadão que sofrer acusação penal e que dispuser de condições financeiras deverá arcar com as despesas de contratação de um advogado, podendo escolhê-lo livremente, ainda que tal escolha seja, possivelmente, condicionada a seu poder aquisitivo. Já os acusados em situação de vulnerabilidade financeira, os chamados hipossuficientes, deverão ter acesso à assistência jurídica prestada pelo Estado.

A assistência jurídica gratuita é um dos direitos fundamentais garantidos ao indivíduo e está previsto no artigo 5º, inciso LXXIV[5] da Constituição Federal da República do Brasil de 1988, sendo o comando constitucional de que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.

Logo, o referido instituto abarca a assistência judiciária ao indivíduo processado penalmente e que não disponha de meios próprios para arcar com sua defesa sem que haja prejuízo à sua sobrevivência e sua dignidade.

Assim, a assistência jurídica gratuita objetiva possibilitar que o indivíduo, por meio de defensores públicos ou advogados dativos, oriundos de convênios, tais como os concretizados com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), possa também exercer, com plenitude e efetividade, o contraditório e a ampla defesa em face da acusação do Estado. Com esse fim, a Carta Constitucional Brasileira determinou, no seu artigo 134, a criação das Defensorias Públicas. A Defensoria Pública é uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, devendo promover os direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais, de forma integral e gratuita, aos necessitados.[6]

Considerando-se, portanto, com base nas estatísticas oficiais,[7] que a maior parte da população preta e parda está inserida em comunidades e locais periféricos, sem grandes aportes financeiros e, em razão disso, carentes de recursos para efetivar sua defesa jurídica, o presente artigo indaga se há efetividade, no Brasil, do direito de defesa dessas populações no processo penal brasileiro e o motivo da ascensão e do papel ativo das famílias dos acusados, de profissionais antirracistas e de institutos, como o Instituto de Defesa do Direito de Defesa, no cenário brasileiro.

2   Do Sistema Interamericano de Direitos Humanos e da proteção interna do Estado

            Há barbáries entre os homens, tantos as que aconteceram há muito tempo quanto as mais recentes. No entanto, foi a partir das atrocidades das duas guerras mundiais ocorridas no século 20 que a humanidade voltou seus olhos para a pessoa humana e a sua dignidade. Em relação à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), podemos citar as atrocidades cometidas pelo Império Turco-Otomano contra o povo armênio, sendo que, até hoje, os países que sucederam o referido império se recusam a reconhecer esse primeiro holocausto. Em relação à Segunda Guerra Mundial, já foram reconhecidas a violência contra judeus, negros, homossexuais, ciganos e as pessoas com limitações físicas, nos horrendos campos de concentração e de extermínio, e as bombas atômicas lançadas contra as populações japonesas das cidades de Hiroshima e de Nagasaki.

A Declaração Universal de Direitos Humanos é de fundamental importância no que se chama de construção histórica dos Direitos Humanos. Foi a partir dela que se buscou dar um caráter universal e amplo aos referidos direitos, alcançando-se, portanto, toda a pessoa humana, independentemente do território que ocupe, a raça à qual pertença, o credo que professe ou deixe de professar. Contudo, não basta declarar direitos; mais do que isso, é necessário efetivá-los.[8]

Assim, a necessidade de se fiscalizar e tornar concretos os direitos nela estabelecidos, como também os assegurados em diversos outros documentos internacionais, fortaleceu o Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos, liderado pela Organização das Nações Unidas (ONU), mas também desencadeou a instalação dos sistemas regionais de proteção aos direitos humanos consagrados nos continentes.

Dessa maneira, desenvolveram-se o Sistema Europeu, o Sistema Africano, o Sistema Asiático, ainda que este último se encontre em estado muito inicial, e o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, que abarca o Estado Brasileiro. Com efeito, a proteção de Direitos Humanos se dá, portanto, de maneira multinível, a fim de deter as violações desses direitos.

O Sistema Interamericano de Direitos Humanos — solidificado por intermédio da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica),[9] datada de 1969, mas que já se iniciava por meio da Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Declaração Americana — tem como seus órgãos principais a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos encarrega-se de promover a observância e a defesa dos direitos humanos, conforme dispõe a notável Convenção em seu artigo 41. Também faz parte das suas atribuições e funções a promoção da consciência dos direitos humanos, a efetivação de recomendações aos governos dos Estados-membros, a elaboração de estudos e relatórios, a solicitação de informações aos governos desses mesmos Estados, o atendimento às consultas, a atuação com respeito às petições e outras comunicações e a apresentação de relatório anual à Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos.

Já a Corte Interamericana de Direitos Humanos, conforme o artigo 62.3, ocupa-se de conhecer qualquer caso relativo à interpretação e à aplicação das disposições da Convenção que lhe seja submetido, desde que os Estados-partes no caso tenham reconhecido ou reconheçam a referida competência por declaração especial ou convenção especial.

            Primariamente, portanto, cabe aos Estados responderem às suas demandas internas, protegendo os direitos de suas populações e da pessoa humana estrangeira no seu território, tanto com ações positivas quanto negativas, atuando a fim de impedir violações de tais direitos e, em havendo, agindo fortemente para responsabilizar os violadores e promover as reparações necessárias e possíveis.

            No entanto, se houver omissão estatal na defesa dos direitos a que se obrigaram os países que ratificaram os documentos internacionais, esgotadas as vias domésticas, as vítimas poderão recorrer aos sistemas regionais a fim de que estes efetivem esses direitos chamando tais Estados à responsabilidade.

            Na América Latina, observa-se que as violações se relacionam às profundas desigualdades econômica, política, social, cultural e ambiental entre as populações. Trata-se da região com mais desigualdades do globo, havendo, muitas vezes, a provocação do Sistema Interamericano de Direitos Humanos a fim de efetivar direitos violados.

Entre os diversos tipos de violência que desafiam o Sistema Interamericano e seus Estados-partes, figuram graves violações de direitos humanos contra as populações pretas e pardas e, especialmente, contra homens negros jovens e periféricos, decorrentes de racismo estrutural e sistêmico. Quanto ao Brasil, a ONU vem recomendando, há alguns anos, o combate ao racismo estrutural, à violência policial e ao perfilamento racial contra essa população.[10]

Tal cenário nos remete à Diáspora Africana, evento em que pessoas negras, oriundas do continente africano, foram forçosamente deslocadas para as Américas por homens brancos europeus com a finalidade de escravizá-las. A escravidão encerrou-se,[11] séculos depois de seu início, mas sem que houvesse qualquer tipo de reparação em favor dos que foram escravizados e seus descendentes ou respeito à dignidade dessas populações.

O caso Simone André Diniz em face do Brasil,[12] enfrentado pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos, é emblemático, uma vez que reflete a problemática do racismo no país e a violação de direitos humanos das referidas populações. O resultado disso são o não acesso a vagas profissionais decentes, a insegurança alimentar, a baixa ou nenhuma escolaridade, a miséria e pobreza na habitação, dentre outras decorrências. No caso em tela, Simone foi impedida de acessar vaga profissional em razão do critério imposto pela empregadora de que a pessoa teria de ser branca.

Diante disso, é possível concluir que a não assistência e a não reparação dessas populações as fizeram ocupar os territórios periféricos, uma vez que a Lei de Terras estabeleceu diretrizes para impedir que pessoas negras obtivessem terras no país,[13] fazendo com que se tornassem parte dos grupos de pessoas vulneráveis economicamente. Por causa disso, essas populações acabam por depender da atuação da Defensoria Pública ou de quem lhe faça as vezes.

3 Da Defensoria Pública

Com a finalidade de assistir juridicamente as populações vulneráveis economicamente, quais sejam, aquelas que não dispõem de recursos financeiros para efetivar a defesa de seus direitos sem prejuízo à sua dignidade, como também concretizar o acesso à Justiça, o constituinte previu, em 1988, a Defensoria Pública em nosso ordenamento jurídico.

Anteriormente, no Brasil, a Lei n.º 1060, datada de 1950,[14] já dispunha quanto à assistência judiciária aos necessitados, a qual abarca custas, despesas processuais e honorários advocatícios. No entanto, a remissão histórica nos permitirá observar que, em diversos tempos e em diversas sociedades, houve algum tipo de assistência jurídica aos pobres, sendo possível citar, na antiguidade, a sociedade ateniense e a sociedade romana, como também nas ordenações Afonsinas e Filipinas.[15]

Na contemporaneidade, observam-se Estados que optaram por prestar assistência jurídica por meio de profissionais de direito pagos pelos referidos países, mas não necessariamente havendo uma instituição própria para o desempenho da tarefa.

No Brasil, a escolha foi compor uma instituição com quadro de profissionais de direito próprio e com autonomia, não havendo necessariamente um vínculo com o governo, com o fim de garantir o livre exercício das atividades do defensor sem que houvesse quaisquer constrangimentos para ele. Assim, a organização se faz em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.

Faz-se necessário frisar, contudo, que, na impossibilidade de atendimento da Defensoria Pública, o cidadão será assistido por advogados que fazem as vezes dos referidos defensores, sendo provido o atendimento gratuito com pagamento público dos trabalhos do advogado dativo.

Dessarte, a Defensoria Pública é instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado. Ela é expressão e instrumento do regime democrático e tem como competência a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa — em todos os graus, judicial e extrajudicial — dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, oferecida aos necessitados que comprovarem insuficiência de recursos.

Embora a Constituição promulgada tenha imposto a necessidade de lei complementar para a organização da Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e a prescrição de normas para a organização das Defensorias dos Estados em 1988, a determinação apenas se concretizou seis anos depois, em 1994, com a edição da Lei Complementar n.º 80.

A referida Lei Complementar determina, portanto, a organização da Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e impõe normas gerais para a sua organização nos Estados. Desse modo, a Defensoria Pública abrange a Defensoria Pública da União, a Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios e as Defensorias Públicas dos Estados.

Ressalta-se que a Emenda Constitucional n.º 80 de 2014 erigiu, como princípios institucionais da Defensoria Pública, a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

No ano de 2009, a Lei Complementar n.º 132 incluiu os seguintes objetivos da Defensoria: a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais, a afirmação do Estado democrático de direito, a prevalência e a efetividade dos direitos humanos e a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Observa-se que a referida lei buscou harmonizar o papel da Defensoria e sua atuação com foco na pessoa humana, reafirmando o Estado democrático de Direito e a prevalência e a efetividade dos direitos humanos e, especialmente, a garantia dos referidos princípios da ampla defesa e do contraditório. O defensor tem capacidade postulatória, bastando-lhe a nomeação e a posse no cargo público.

As funções da Defensoria Pública estão positivadas no artigo 4º da lei de sua organização e não se trata de um rol exaustivo, mas exemplificativo: prestar orientação jurídica e exercer, em todos os graus, a defesa dos necessitados; promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos; promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico.

Também a Defensoria prestará atendimento interdisciplinar, por meio de órgãos ou servidores de suas carreiras de apoio, para o exercício de suas atribuições; exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a ampla defesa e o contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias, ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de propiciar a adequada e efetiva defesa de seus direitos.

Constam, ainda, dentre as suas funções: representar ante os sistemas internacionais de proteção dos Direitos Humanos, postulando perante seus órgãos; promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes; exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, conforme comprovação de insuficiência de recursos. Ainda, deverá impetrar habeas corpus, mandado de injunção, habeas data e mandado de segurança ou qualquer ação em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução; promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela; exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado.

Deve a Defensoria acompanhar inquérito policial, até mesmo com a comunicação imediata da prisão em flagrante pela autoridade policial, quando o preso não constituir advogado; patrocinar ação penal privada e a subsidiária da pública; exercer a curadora especial nos casos previstos em lei; atuar nos estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescentes, visando assegurar às pessoas, sob quaisquer circunstâncias, o exercício pleno de seus direitos e garantias fundamentais; atuar na preservação e reparação dos direitos de pessoas vítimas de tortura, abusos sexuais, discriminação ou qualquer forma de opressão ou violência, propiciando o acompanhamento e o atendimento interdisciplinar das vítimas.

A Defensoria atua ainda nos Juizados Especiais; participa, quando tiver assento, dos conselhos federais, estaduais e municipais afetos às funções institucionais da Defensoria Pública, respeitadas as atribuições de seus ramos; executa e recebe as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, incluindo quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores.

Destaque-se que os direitos dos assistidos estão explicitados no artigo 4º-A da referida lei complementar e se somam aos previstos na legislação estadual ou em atos normativos internos: a informação sobre a localização e horário de funcionamento dos órgãos da Defensoria Pública; sobre a tramitação dos processos e os procedimentos para a realização de exames, perícias e outras providências necessárias à defesa de seus interesses.

A qualidade e a eficiência do atendimento; o direito de ter sua pretensão revista no caso de recusa de atuação pelo Defensor Público; o patrocínio de seus direitos e interesses pelo defensor natural; a atuação de Defensores Públicos distintos, quando verificada a existência de interesses antagônicos ou colidentes entre destinatários de suas funções também deverão estar presentes no atendimento ao assistido.

Destaca-se ainda que a Emenda Constitucional n.º 80[16] também incluiu, no artigo 98 do Ato das Disposições Constituições Transitórias, a determinação de que o número de defensores públicos na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população. Impõe, além disso, o prazo de oito anos para que a União, os Estados e o Distrito Federal e Territórios se ajustem à ordem constitucional.

No decurso do referido prazo, os defensores públicos deveriam ser lotados, prioritariamente, nas regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional.

Contudo, a pesquisa nacional da Defensoria Pública[17] aponta que a referida emenda não foi cumprida integralmente já que faltam defensores públicos para atender à demanda crescente. Nesse cenário, os defensores públicos são constantemente desafiados pelo enorme volume de trabalho e pela necessidade da expansão e do fortalecimento de suas atuações no país, seja em nível nacional, estadual ou local.

Com efeito, na esfera criminal, cabe à Defensoria e a quem lhe faz as vezes contribuir com sua atuação para o encontro da verdade real e para que a resposta penal justa seja dispensada no processo: a condenação e penalização do acusado que infringiu verdadeiramente a legislação ou a absolvição do acusado inocente.

Em que pese todos os obstáculos que os defensores enfrentam, a Defensoria Pública, no Brasil, tem desempenhado importante papel na defesa dos vulneráveis e, notadamente, dos Direitos Humanos. Nesse sentido, nos ensinam Pedro Paulo Lourival Carriello e Renato Campos Pinto de Vitto:[18]

No campo criminal, a Defensoria tem desafiado a máxima de que os Tribunais estão fechados para os pobres, ao obter vitórias expressivas e alavancar mudanças relevantes na jurisprudência, trazendo um enfoque marcado pela constatação de que o encarceramento em massa atinge de forma mais dramática os jovens negros e periféricos.

3.1 Da Defensoria Pública da União – DPU

A Defensoria Pública da União (DPU) possui órgãos de administração superior, órgãos de atuação e órgãos de execução. Nos primeiros, estão a Defensoria Pública-Geral da União, a Subdefensoria Pública-Geral da União, o Conselho Superior da Defensoria Pública da União, o Conselho Superior da Defensoria Pública da União e a Corregedoria-Geral da Defensoria Pública da União.

Já no segundo, órgãos de atuação, estão as Defensorias Públicas da União nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios e os Núcleos da Defensoria Pública da União. Por fim, nos órgãos de execução, estão os Defensores Públicos Federais nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios

O defensor público-geral, que deverá contar com mais de 35 anos de idade, é o chefe da Defensoria Pública da União, sendo nomeado pelo presidente da República, dentre os membros estáveis da carreira. A escolha se faz por lista tríplice a partir do voto direto, secreto, plurinominal e obrigatório de seus membros, após a aprovação pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal.

A atuação da DPU se fará nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, junto às Justiças Federal, do Trabalho, Eleitoral, Militar, aos Tribunais Superiores e às instâncias administrativas da União.

A Lei Complementar n.º 98 de 1999[19] incluiu disposições acerca do dever da DPU de firmar convênio com as Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal. Essas devem atuar, em seu nome, junto aos órgãos de primeiro e segundo graus de jurisdição em que a DPU tem competência para tanto.

A Lei dispõe ainda que, não havendo na unidade federada Defensoria Pública constituída nos moldes dessa Lei Complementar, é autorizado o convênio com a entidade pública que desempenhar essa função até que o órgão próprio seja ali criado.

Dessa forma, ficou priorizada a prestação de assistência judiciária pelos órgãos próprios da Defensoria Pública da União perante o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais superiores.

Em que pese a Emenda Constitucional n.º 80, de 2014, e a disposição do artigo 80, a Defensoria Pública da União dispõe de 700 defensores públicos para atender o Estado Brasileiro.[20]

3.2 DA DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS

A Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios é organizada e mantida pela União e dispõe de órgãos de administração superior, órgãos de atuação e órgãos de execução. Conta com defensor público-geral e subdefensor público-geral do Distrito Federal e dos Territórios e exerce suas funções institucionais por intermédio de núcleos.

Os referidos núcleos são dirigidos por defensores públicos-chefes. Estes devem prestar, no Distrito Federal e nos Territórios, assistência jurídica, judicial e extrajudicial, integral e gratuita aos necessitados; integrar e orientar as atividades desenvolvidas pelos defensores públicos que atuem em sua área de competência; remeter, semestralmente, ao corregedor-geral, relatório de suas atividades e exercer as funções que lhe forem delegadas pelo defensor público-geral.

O ingresso em seus quadros também se fará por concurso público de provas e títulos, havendo garantia de inamovibilidade, exceção feita à remoção compulsória. Além disso, gozam de direitos, garantias e das prerrogativas inerentes ao desempenho de defensores públicos, como também têm deveres, proibições, impedimentos e responsabilidades funcionais.

3.3 DA DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL

As Defensorias Públicas Estaduais (DPE) devem seguir as normas gerais disciplinadas na já mencionada Lei Complementar 80, sendo assegurada a autonomia funcional, administrativa e iniciativa para a elaboração de sua proposta orçamentária, dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias.

As Defensorias Públicas devem abrir concurso público e prover os cargos de suas carreiras e dos serviços auxiliares, organizar estes últimos, praticar atos de gestão, ter órgãos de administração superior e de atuação, elaborar suas folhas de pagamento e expedir os competentes demonstrativos.

Devem ainda praticar atos e decidir sobre situação funcional e administrativa do pessoal ativo e inativo da carreira e dos serviços auxiliares, organizados em quadros próprios; e, ainda, exercer outras competências que são decorrentes de sua autonomia.

Deverá ainda contar com defensor público-geral e com o subdefensor público-geral do Estado, como também com a Corregedoria-Geral da Defensoria Pública do Estado e Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado.

A instituição prestará assistência jurídica aos necessitados, em todos os graus de jurisdição e instâncias administrativas do Estado, cabendo ainda a interposição de recursos aos Tribunais Superiores.

A Defensoria Pública do Estado deve incluir atendimento interdisciplinar, bem como a tutela dos interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos. Pode a DPE atuar por intermédio de núcleos ou núcleos especializados, devendo haver prioridade, de todo modo, às regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional.

Os cargos, da mesma forma, são providos por concurso público de provas e títulos, possuindo os defensores direitos, deveres, proibições, prerrogativas, garantias, responsabilidades funcionais e a inamovibilidade, em regra.

3.4 DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA E DO CONVÊNIO COM A OAB

Conforme Pesquisa Nacional,[21] observa-se o não cumprimento da Emenda Constitucional n.º 80, de 2014, sendo necessário sempre o estabelecimento de convênios, como os firmados com a Ordem dos Advogados do Brasil,[22] a fim de concretizar o comando constitucional de prestação de assistência jurídica, estando, nela, abarcada a judiciária. Destarte, há continuamente a abertura de editais pela Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil.

De acordo com a tabela de honorários da Ordem de Advogados de São Paulo[23] e a da Defensoria Pública do Estado de São Paulo,[24] ressalta-se que os valores indicados para a atuação de advogado dativo nos convênios não seguem e nem se aproximam da tabela de honorários advocatícios indicada pela primeira. Ainda que haja porcentagens de aumentos nas referidas tabelas dos convênios nos últimos anos, os aumentos não são significativos em relação à tabela da OAB.

Analisando os editais de abertura de inscrição para advogado dativo,[25] regulamentos[26] e resoluções[27] expedidos pela OAB e suas seções, observa-se que não são os mesmos critérios exigidos para tornar-se defensor público, sobretudo quanto à comprovação de atividade jurídica, normalmente fixada em três anos.

Com efeito, a tabela de honorários expedidas pela OAB não observa os referidos convênios, como também não exige significativa experiência jurídica, e, por consequência, a defesa jurídica, sobretudo a penal, é campo atrativo, essencialmente, para os profissionais que iniciam a advocacia.

4 Considerações acerca da Defensoria e do Ministério Público

Inicialmente, é necessário afirmar que o Ministério Público está previsto na Carta Brasileira, em seu artigo 127, sendo instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, cabendo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

            Dentre as diversas funções que são confiadas ao Ministério Público pela Constituição, está a de promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei, cabendo-lhe, portanto, também o papel de contribuir para a busca da verdade real com a finalidade de promover a responsabilidade daquele que infringiu a norma e a absolvição do inocente ou daquele em quem remanesçam dúvidas quanto à conduta.

            Ao contrário da Defensoria Pública, o Ministério Público encontra-se expandido por todo o território brasileiro. Com razão, já que há necessidade de forte estrutura física e humana da referida instituição, uma vez que possui competências legítimas e que buscam manter a paz social do Estado. Contudo, a limitação da estrutura física e humana de instituições como a Defensoria Pública também impacta na atuação das outras instituições democráticas, já que aquela deve contribuir para que a verdade real seja alcançada.

Conforme dados estatísticos,[28] os procuradores e promotores de justiça no Brasil totalizam mais de 13 mil, 82% são brancos, a maioria dos servidores também são de pessoas brancas (65%); a maior presença de negros é encontrada entre estagiários, os quais totalizam cerca de 32%; entre os estagiários e servidores, há mais mulheres. O promotor de justiça percebe entre R$ 24.258,00 e R$ 34 mil. Já os procuradores da República percebem entre R$ 19 mil e R$ 49 mil.

Conforme a Pesquisa Nacional da Defensoria,[29] os defensores, no Brasil, totalizam 7.413. A maioria dos defensores são mulheres; 87,1% dos defensores se declaram brancos; 9,2% se declaram pardos; 1% se declara preto e 1% se declara amarelo.

Apenas 1.315 comarcas no país têm atendimento regular da Defensoria Pública. Já o atendimento excepcional ou parcial é observado em outras 200 comarcas. Um número de 1.050 comarcas não dispõe de atendimento da Defensoria. Quanto aos órgãos criminais das Defensorias dos Estados e a do Distrito Federal, dos 7.491 órgãos, há somente 2.223 criminais.

Aponta-se, no ano de 2023, com base nos dados dos últimos dez anos, que o país tem 178.682.075 habitantes com renda de até três salários mínimos, sendo 88% da população, ou seja, havendo 7.413 defensores, há um para cada 33.796 habitantes. A média de remuneração entre os defensores estaduais é de R$ 10 mil e R$ 25 mil. Já os defensores federais percebem até R$ 35 mil.

A Pesquisa Nacional da Defensoria[30] ainda aponta os seguintes dados:

Não obstante o crescimento apresentado pela Defensoria Pública ao longo das últimas duas décadas, a análise comparativa revela significativa diferença entre o quantitativo de membros da Defensoria Pública e do Ministério Público, sendo o quadro de Promotores(as) / Procuradores(as) de Justiça 77,9% maior que o quadro de Defensores(as) Públicos(as); quando a comparação é realizada em relação ao Poder Judiciário a discrepância é ainda maior, sendo o quadro de Juízes(as) / Desembargadores(as) / Ministros(as) 144,9% maior que o quadro de Defensores(as) Públicos(as).

No que se refere à diversidade de raças, destaca-se ainda o fato de o parquet ser composto essencialmente de pessoas brancas — 82% dos procuradores e promotores, havendo semelhança com a Defensoria Pública, em que 87,1% dos defensores públicos brasileiros declaram-se brancos.

A mencionada pesquisa da Defensoria ainda indica que a maioria dos defensores não compartilha a origem humilde daqueles a quem atendem. Essa mesma realidade pode ser observada no quadro de promotores e procuradores. Nesse sentido, no prefácio da pesquisa de 2023, Bryant Garth disserta:[31]

A pesquisa também aborda um tópico que é relativamente novo na literatura sobre acesso à justiça. Em termos de legitimidade do sistema de justiça, sabemos que existe uma preocupação entre as minorias em particular de que elas deveriam ser defendidas, julgadas e orientadas por pessoas que sejam semelhantes a elas e, também, que tenham origens em classes sociais similares, facilitando a empatia com aqueles que são julgados, defendidos ou orientados. Essa aspiração está longe de ser uma realidade em qualquer país por mim estudado. Esta pesquisa, singular entre outras desse tipo, faz perguntas relevantes para essas questões. De acordo com os dados levantados no estudo, 27,5% dos(as) Defensores(as) Públicos(as) provêm de famílias com renda de 10 a 20 salários mínimos e 26,4% advêm de famílias com renda acima de 20 salários-mínimos. Esses resultados mostram que os relativamente mais privilegiados possuem muito mais propensão para se tornarem Defensores Públicos, mas pelo menos há alguma diversidade. O mesmo padrão foi encontrado ao analisar cor / raça / etnia. Talvez ainda mais impressionante, 74% dos Defensores Públicos são brancos, enquanto a população brasileira é predominantemente composta por indivíduos pardos.

Também destoam os dados da Defensoria e do Ministério Público no que se refere ao gênero: 52,8% dos defensores públicos são mulheres e 47,2% são homens, enquanto, no quadro de acusação, prevalece o gênero masculino entre procuradores e promotores.

Portanto, os dados apontados pela Pesquisa Nacional da Defensoria nos anos de 2023 e 2024 ( perfil dos defensores, perfil econômico dos assistidos, estrutura orçamentária, física, humana da Defensoria, do Judiciário e do Ministério Público) demonstram o descompromisso do Estado brasileiro com a defesa das populações economicamente vulneráveis do país.

5 DO PAPEL ATIVO DAS FAMÍLIAS DOS ACUSADOS E DOS PROFISSIONAIS ANTIRRACISTAS

No ano de 2020, no período pandêmico, Gabriel Silva Santos[32] dirigiu-se a uma agência bancária em Salvador, Bahia. Ele tinha como fim sacar o seguro-desemprego. Na saída do banco, sofreu abordagem policial. Em razão de ter as características de negro, cabelos loiros e apresentar tatuagens, sofreu encarceramento.

A acusação era de que o jovem, que falava ao celular quando foi abordado, teria roubado um veículo em 10 de junho e estava pressionando o proprietário para que efetuasse pagamento de valor para a devolução do bem. Ainda que não tenha sido reconhecido pelas vítimas, o jovem foi preso em flagrante. A família compareceu ao local e informou que o jovem não sabia dirigir e era inocente, mas isso não foi o suficiente para declarar sua inocência.

Nos dias seguintes, a família e os amigos organizaram um protesto. Após a notícia ganhar espaço nas redes sociais, foi levantada a campanha #soltemGabriel, que viralizou e ganhou apoio de vários ativistas antirracistas.

Os advogados Dandara Amazzi Lucas Pinho, Paulo Cessar dos Santos Junior, Maria Eugenia Damasceno Pinto, Alberto Mariano e Filipe Pinheiro impetraram habeas corpus e Gabriel recebeu alvará de soltura.

Conforme os dados do IBGE, cerca de 51,48% da população brasileira é composta de mulheres, 9,1% da população se declara preta e outras 47% de pessoas se declaram pardas.

Nas últimas décadas, foi possível observar o aumento de pessoas declarando-se pretas e pardas, e as estatísticas refletem isso. Observa-se que, nas sociedades atuais, há um movimento de reconhecimento da negritude, em todas as suas manifestações, além de um avanço nos estudos e pesquisas relativos à matéria. Tal movimento e tais avanços, como também a morte de George Floyd nos Estados Unidos, no dia 25 de maio de 2020, assassinado cruelmente por policiais, puseram em foco o conhecimento e a publicização de dados estatísticos sobre o encarceramento em massa de pessoas pretas, as injustiças cometidas no processo penal contra essas populações e o racismo estrutural que está arraigado nas sociedades que receberam as populações da forçosa Diáspora Africana.

Conforme já se mencionou, a ONU vem recomendando, há alguns anos, o combate ao racismo estrutural, à violência policial e ao perfilamento racial contra essa população. Infelizmente, no território brasileiro e em outras partes do mundo, não é possível dissertar sobre populações pretas e pardas sem mencionar o conceito de racismo estrutural[33] e as consequências da fixação forçada dessas populações nesses territórios após a Diáspora Africana.

Assim, diante da notícia de prisão e/ou processamento possivelmente ou escancaradamente injusto,[34] a ação ativa da família e de profissionais de Direito, muitas vezes pretos, aos quais se convencionou nomear de militantes antirracistas, tem-se mostrado capaz de interromper o prolongamento dessas barbaridades.

Os casos de erros judiciários que cerceiam a liberdade de inocentes não é fenômeno exclusivo do Brasil, sendo também muito noticiado no território norte-americano.[35] Assim como nos EUA,[36] instituições como o Instituto de Defesa do Direito de Defesa e o Innocence Project Brasil têm se destacado em esclarecer casos de erros judiciários contra a população negra e parda.

Promover a essas populações o acesso à justiça por meio da assistência jurídica, que abarca a Judiciária, é fundamental no Estado democrático de direito. Não sem razão, os movimentos negros e os militantes da causa antirracista costumam afirmar que onde há racismo não há democracia. Como no experimento americano, é preciso que caminhemos na construção de uma democracia multirracial[37] que respeite efetivamente todos os indivíduos.

6 Considerações finais

A questão da efetividade da assistência jurídica, especialmente a assistência judiciária, a populações hipossuficientes, sobretudo pretas e pardas, é complexa e deve ser entendida a partir da democracia e dos direitos fundamentais e humanos.

A prestação estatal, quando determinada por comando constitucional, deve ser efetiva tanto no sentido de dispor o serviço ao público como no sentido de esse serviço ser eficaz, ou seja, de produzir o efeito desejado. Não basta, por exemplo, dispor de espaço físico para uma Defensoria, é necessário dispor de defensores públicos suficientes e de todos os recursos que são inerentes à prestação defensiva.

Inicialmente, é possível notar que o Estado não cumpriu, e está longe de cumprir, a determinação da Emenda Constitucional n.º 80, de 2014, que, no ato das disposições constitucionais transitórias, determinou que o número de defensores públicos na unidade jurisdicional deve ser proporcional à efetiva demanda de serviço da Defensoria Pública e à respectiva população.

Trata-se de comando constitucional imperioso, mas que é desrespeitado pelo Estado brasileiro. Pode-se observar que a demanda por assistência jurídica cresceu nos últimos anos e, embora tenha havido certo crescimento no número de defensores e a instalação de outras unidades, não se trata de crescimento apto a resolver a questão.

É preciso frisar, ainda, que o texto constitucional declara ser a instituição Defensoria Pública essencial para a função jurisdicional do Estado.

Dessa forma, o papel ativo das famílias dos acusados e o surgimento de profissionais antirracistas e de institutos com finalidades voltadas à defesa dos acusados na seara penal têm relação com o reconhecimento do racismo estrutural e, sobretudo, com as lacunas deixadas pelo Estado ao não expandir a atuação da Defensoria Pública no país.

Também é forçoso reconhecer que o Estado acusador está mais bem aparelhado do que a Defensoria, dispondo de mais recursos orçamentários e financeiros, apresentando quadro de servidores e expansão territorial maiores pelo país. Destaque-se também que tanto o Ministério Público como a Defensoria não apresentam diversidade de raças no seu quadro funcional e que a falta de representatividade de outros grupos raciais — e de outros grupos sociais também — pode conduzir à desconsideração da diversidade de valores nas vivências sociais, culturais, econômicas etc.

Desse modo, focando no cumprimento da disposição constitucional de prestação de assistência judiciária e buscando alcançar as populações pretas e pardas, como as pobres e vulneráveis em geral, a Defensoria tem efetivado continuamente convênios de referida assistência, tais como os concretizados com a Ordem dos Advogados do Brasil.

Contudo, analisando-se regulamentos, resoluções e editais que regulam o ingresso de advogados dativos nesses convênios, observa-se que a maioria dos concursos exigem menos de três anos de atividade jurídica para acessar tais vagas, diferentemente do exigido, em regra, para os cargos de defensores e promotores.

Do mesmo modo, os honorários advocatícios não alcançam nem sequer os valores indicados nas tabelas da Ordem dos Advogados do Brasil, diferentemente das quantias angariadas por defensores e promotores. Ressalte-se ainda que não há uma legislação voltada para a atuação de advogados dativos.

Depreende-se, assim, que as vidas das populações hipossuficientes, pretas, pardas e/ou pobres, e as demais que necessitem de assistência judiciária, estão dependentes de novos profissionais sem experiência, que só fizeram cursos, ou com pouca experiência jurídica, que se submetam a trabalhar com pagamento de valores abaixo dos estipulados pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Além desse cenário, deve-se considerar que os defensores públicos, ainda que cumpram as determinações de ingresso na carreira, respondem por grande volume de trabalho, o que certamente os impede de dedicar-se a todos os casos concretos em que atuam.

Destaca-se, portanto, o papel ativo que as famílias dos acusados têm desempenhado na busca da defesa deles, especialmente de casos concretos absurdos, e os profissionais e institutos antirracistas que têm se especializado nas peculiaridades e na realidade que as populações pretas e pardas enfrentam diante do racismo.

Conclui-se, assim, com base nos dados observados, que há, no Brasil, um Estado acusador muito forte e, do outro lado, há um indivíduo enfraquecido face às limitações e à alta demanda que as Defensorias e os advogados dativos enfrentam. Tal cenário aponta para a realidade de que a democracia brasileira não está tão longe das monarquias absolutistas, nas quais o rei é muito forte em relação aos indivíduos, não se efetivando, desse modo, plenamente a prestação estatal.

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[1] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ. Grupo de trabalho reconhecimento de pessoas. Brasília, DF: CNJ, 2022. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/05/relatorio-gt-reconhecimento-de-pessoas-v5-17-10-2022.pdf. Acesso em: 25 set. 2024.

[2] INSTITUTO DE DEFESA DO DIREITO DE DEFESA – IDDD: https://iddd.org.br/.

[3] “Mais do que isso, porém, a Magna Carta deixa implícito pela primeira vez, na história política medieval, que o rei acha-se naturalmente vinculado pelas próprias leis que edita. Quinhentos anos antes, Santo Isidoro (560-636), bispo de Sevilha, já havia defendido a ideia de que o príncipe devia submeter-se às próprias leis que ele próprio promulgara, pois “só quando também ele respeita as leis, pode-se esperar que elas sejam obedecidas por todos (Sententiae III, 51.4).” “A cláusula 39, geralmente apontada como o coração da Magna Carta, desvincula da pessoa do monarca tanto a lei quanto a jurisdição. Os homens livres devem ser julgados pelos seus pares e de acordo com a lei da terra. Eis aí, já em sua essência, o princípio do devido processo jurídico (due processo of law), expresso na 14ª Emenda à Constituição norte-americana e adotada na Constituição brasileira de 1988 (art. 5º, LIV: ‘ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’). O princípio é reafirmado para determinadas situações particulares, nas clausulas 52 e 55.” (COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 12. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 91 e 94).).

[4] NAÇÕES UNIDAS. Brasil. Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16: paz, justiça e instituições eficazes. [20–?]. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/16. Acesso em: 28 set. 2024.

[5] Art. 5, LXXIV: o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Disponível em: BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 28 set. 2024.

[6] Art. 134: A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 80, de 2014). Disponível em: BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 28 set. 2024.

[7] CAVALLINI, Marta. Proporção de pretos e pardos entre os pobres chega ao dobro em relação aos brancos, mostra o IBGE. G1, Rio de Janeiro, 11 nov. 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/11/11/proporcao-de-pobres-pretos-e-pardos-chega-ao-dobro-em-relacao-aos-brancos-mostra-o-ibge.ghtml. Acesso em: 28 nov. 2023.

[8] “[…] que o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não era mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los” (BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 2. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2022. p. 25).

[9] BRASIL. Decreto n.º 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Diário Oficial da União. Brasília, DF, ano CXXX, n. 214, 9 nov. 1992. Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=1&data=09/11/1992. Acesso em: 27 set. 2024.

[10]   NAÇÕES UNIDAS. Visita da Relatora Especial sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância relacionada Sra. Ashwini K.P ao Brasil 5 a 16 de agosto de 2024: Declaração de fim de visita. Disponível em: https://www.ohchr.org/sites/default/files/documents/issues/racism/sr/statements/20240816-eom-stm-brazil-sr-racism.pdf. Acesso em: 21 set. 2024.

[11]BRASIL. Lei n.º 3.353, de 13 de maio de 1888. Declara extincta a escravidão no Brazil. Diário Oficial da União. Rio de Janeiro, seção 1, 14 maio 1888. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/leimp/1824-1899/lei-3353-13-maio-1888-533138-publicacaooriginal-16269-pl.html. Acesso em: 28 set. 2024.

[12]COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório n.º 66/06. Caso 12.001. Mérito: Simone André Diniz. Brasil, 21 out. 2006. Disponível em: https://www.cidh.org/annualrep/2006port/BRASIL.12001port.htm. Acesso em: 28 set. 2024.

[13]BRASIL. Lei n.º 601, de 18 de setembro de 1850. Dispõe sobre as terras devolutas do Império. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim581.htm. Acesso em: 27 set. 2024.

[14] BRASIL. Lei n.º 1.060, de 5 de fevereiro de 1950. Estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados. Diário Oficial da União. Brasília, DF, seção 1, p. 2.161, 13 fev. 1950. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1950-1959/lei-1060-5-fevereiro-1950-363465-norma-pl.html. Acesso em: 27 set. 2024.

[15] GONÇALVES, Rogério de Melo. Do assistencialismo à assistência jurídica integral na Constituição Federal de 1988: breves notas históricas e recomendações. Brasília, DF: Senado Federal, [20–?]. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/outras-publicacoes/volume-iii-constituicao-de-1988-o-brasil-20-anos-depois.-a-consolidacao-das-instituicoes/poder-judiciario-e-acesso-a-justica-do-assistencialismo-a-assistencia-juridica-integral-na-constituicao-federal-de-1988-breves-notas-historicas-e-recomendacoes. Acesso em: 5 dez. 2023.

[16] BRASIL. Emenda Constitucional n.º 80, de 4 de junho de 2014. Altera o Capítulo IV – Das Funções Essenciais à Justiça, do Título IV – Da Organização dos Poderes, e acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal. DOU. Brasília, DF, 5 jun. 2014. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc80.htm. Acesso em: 1 nov. 2024.

[17] Defensoria Pública – Pesquisa Nacional: pesquisanacionaldefensoria.com.br.

[18]SADEK, Maria Tereza; BOTTINI, Pierpaolo; KHICHFY, Raquel; RENAULT, Sérgio (org.). O Judiciário do nosso tempo. Grandes nomes escrevem sobre o desafio de fazer justiça no Brasil. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2021. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/server/api/core/bitstreams/17ab85b9-adc7-4a49-97da-df27b24ea6c4/content. Acesso em: 1 nov. 2024.

[19] BRASIL. Lei Complementar n.º 98, de 3 de dezembro de 1999. Altera dispositivos da Lei Complementar n.º 80, de 12 de janeiro de 1994. DOU. Brasília, DF, 6 dez. 1999. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp98.htm#:~:text=LEI%20COMPLEMENTAR%20N%C2%BA%2098%2C%20DE%203%20DE%20DEZEMBRO%20DE%201999&text=Altera%20dispositivos%20da%20Lei%20Complementar,1o%20Os%20arts. Acesso em: 1 nov. 2024.

[20]   SENADO FEDERAL. Disponível  em:

https://www12.senado.leg.br/noticias/noticias/materias/2023/11/24/defensores-publicos-pedem-ampliacao-do-acesso-da-populacao-a-justica.  Acesso em 25 set. 2024.

[21]  Ver pesquisanacional.com.br.

[22] DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Termos de convênios. Disponível em: https://www.defensoria.sp.def.br/transparencia/convenios/oab/termos-de-convenios. Acesso em: 27 set. 2024.

[23]  OAB-SP. Tabela de honorários advocatícios 2024. Disponível em: https://www2.oabsp.org.br/asp/dotnet/Index/tabelas/OAB-SP-tabela-de-honorarios-2024.pdf. Acesso em: 28 set. 2024.

[24] Id. Tabela de honorários – Convênio OAB.

Disponível em: https://www.defensoria.sp.def.br/transparencia/portal-da-transparencia/convenios/convenio-oab/tabela-de-honorarios-oab. Acesso em: 6 dez. 2023.

[25]OABSP. Comunicação social e assessoria de imprensa. Disponível em: https://www.defensoria.sp.def.br/institucional/defensoria-publica-geral/coordenadorias/coordenadoria-de-comunicacao-social-e-assessoria-de-imprensa. Acesso em: 1 dez. 2024.

[26]OAB-PR. Regulamento da advocacia dativa. Disponível em: https://advocaciadativa.oabpr.org.br/wp-content/uploads/2023/01/2022-12-20-regulamento-da-advocacia-dativa.pdf. Acesso em: 6 dez. 2023.

[27]ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Seção de Goiás. Resolução n.º 18/2018-CS. Dispõe sobre os critérios para a nomeação de advogados para atuarem como dativos nos processos em trâmite perante o Poder Judiciário do Estado de Goiás, e dá outras providências. Disponível em: https://www.oabgo.org.br/arquivos/downloads/resolucao-18-99035.pdf. Acesso em: 6 dez. 2023.

[28]BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público. Perfil étnico-racial do Ministério Público brasileiro. Brasília: CNMP, 2023. Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/2023/pesquisa_etnico-racial.pdf. Acesso em:

22 set. 2024.

[29]BRASIL. Defensoria Pública Nacional. Análise Nacional 2024. Brasília, DF. Disponível em: https://pesquisanacionaldefensoria.com.br/pesquisa-nacional-2020/analise-nacional/#:~:text=A%20Defensoria%20P%C3%BAblica%20possui%20atualmente,da%20Defensoria%20P%C3%BAblica%20(2024). Acesso em: 28 set. 2024.

[30]Ibid.

[31] pesquisanacionaldefensoria.com.br

[32] VASCONCELOS (PONTE), Caê. Gabriel foi preso por roubo. A única prova foi a cor de sua pele. El País, [S. l.], 15 jun. 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-06-15/gabriel-foi-preso-por-roubo-a-unica-prova-foi-a-cor-de-sua-pele.html. Acesso em: 6 dez. 2023.

[33]“[…] o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural” (ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019. (Feminismos plurais).).

[34]STJ. STJ vê falha grave em reconhecimento fotográfico e manda soltar porteiro acusado em 62 processos. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/10052023-STJ-ve-falha-grave-em-reconhecimento-fotografico-e-manda-soltar-porteiro-acusado-em-62-processos.aspx. Acesso em: 6 dez. 2023.

   ALENCAR, Itana. Com mais de mil prisões na BA, sistema de reconhecimento facial é criticado por “racismo algorítmico”; inocente ficou preso por 26 dias. G1, Rio de Janeiro, 1 set. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2023/09/01/com-mais-de-mil-prisoes-na-ba-sistema-de-reconhecimento-facial-e-criticado-por-racismo-algoritmico-inocente-ficou-preso-por-26-dias.ghtml. Acesso em: 6 dez. 2023.

Ver também nota 33.

[35]BBC BRASIL. O homem que passou 38 anos preso nos EUA por um crime que não cometeu — e que foi ordenado por Pablo Escobar. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cyvpgyg39e8o#:~:text=BBC%20L%C3%AA-,O%20homem%20que%20passou%2038%20anos%20preso%20nos%20EUA%20por,foi%20ordenado%20por%20Pablo%20Escobar&text=%22Sou%20inocente.%22,que%20era%20um%20homem%20inocente. Acesso em: 26 set. 2024.

[36]Innocence Project: https://innocenceproject.org/

[37] “Hoje os Estados Unidos estão envolvidos em outro experimento igualmente ambicioso: a construção de uma vasta democracia multirracial. Mais uma vez, o mundo observa” (LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como salvar a democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 2023. p. 205).