CRISE NA EFETIVIDADE DE DIREITOS SOCIAIS À LUZ DO CONSTITUCIONALISMO DIALÓGICO

CRISE NA EFETIVIDADE DE DIREITOS SOCIAIS À LUZ DO CONSTITUCIONALISMO DIALÓGICO

10 de dezembro de 2022 Off Por Cognitio Juris

CRISIS IN THE EFFECTIVENESS OF SOCIAL RIGHTS IN THE LIGHT OF DIALOGICAL CONSTITUTIONALISM

Artigo submetido em 8 de novembro de 2022
Artigo aprovado em 9 de novembro de 2022
Artigo publicado em 10 de dezembro de 2022

Cognitio Juris
Ano XII – Número 44 – Dezembro de 2022
ISSN 2236-3009
Autores:
Alexandre de Freitas Carpenedo[1]

RESUMO: O presente trabalho versa sobre a atuação do Estado na superação da crise de implementação de direitos sociais, por meio da análise dos seus três “poderes” (funções), a partir das bases teóricas levantadas por Roberto Gargarella acerca do constitucionalismo dialógico. A fim de situar a posição dos direitos sociais (direito fundamentais de segunda dimensão), inicia-se pela diferenciação entre os conceitos de direitos do homem, direitos humanos e direitos fundamentais. Após a abordagem crítica da expressão “geração” de direitos, são definidos os direitos de primeira, segunda e terceira dimensão, destacando-se que todos são onerosos Estado, embora os de segunda dimensão sejam, de fato, aqueles custosos “por excelência” e, em tese, os mais expostos à crise de inefetividade. A partir de então, procura-se verificar se os poderes estabelecidos procuram atingir alguma forma de diálogo na solução destas crises de inefetividade ou se apenas mantêm um embate entre si. Verificada a postura de autodefesa típica do sistema de freios e contrapesos, identificam-se os problemas no comportamento dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário que justificam tal forma de agir. O trabalho é construído pela metodologia indutiva (narrativo-descritiva), desenvolvido através de obras doutrinárias nacionais e estrangeiras, artigos, legislação, e julgados do ordenamento jurídico nacional.

PALAVRAS-CHAVE: Direitos sociais; efetividade; crise; constitucionalismo dialógico.

ABSTRACT: The present work deals with the State’s action in overcoming the crisis of implementation of social guidelines, through an analysis of two three “powers” ​​(functions), based on the theoretical bases raised by Roberto Gargarella on the dialogic. constitutionalism. In order to position two social guidelines (fundamental guidelines of the second dimension), the differentiation between the concepts of human guidelines, human guidelines and fundamental guidelines begins. It proposes a critical approach to the expression of “generation” of directives, defined as directives of the first, second and third dimensions, highlighting that all are from an onerous State, but of a second dimension are, in fact, costly “par excellence” and thesis, the more exposed to a crisis of inefficiency. From there, it tries to verify the powers that have been established, trying to reach some form of dialogue in the solution of these crises of inefficiency or just to maintain an offensive among themselves. Having verified the position of self-defense typical of the system of checks and balances, we identified problems in the position of two branches of the Executive, Legislative and Judiciary that justify this form of agitation. The work was constructed using the inductive (narrative-descriptive) methodology, developed through national and foreign doctrine works, articles, laws and legislations of the national legal system.

KEYWORDS: Social rights; effectiveness; crisis; dialogical constitutionalism.

INTRODUÇÃO

Buscando romper com as restrições vigentes no período ditatorial, a Constituição da República de 1988 trouxe um abundante catálogo de direitos e garantias em face do Estado. Direitos ditos de primeira, segunda e terceira dimensão espalham-se ao longo do texto constitucional, mas sua concretização passou a ser um desafio aos “poderes” (funções) instituídos, notadamente no que se refere aos direitos sociais, tidos como aqueles “dispendiosos por excelência”.

Este numeroso rol de direitos previstos na Constituição, somado à interpretação brasileira que se deu ao neoconstitucionalismo e à inércia dos demais poderes, bem como de suas ações nem sempre de caráter republicano, implicou o surgimento de fenômenos como o da explosão de litigiosidade, do avanço extremo do ativismo judicial e da chamada “judicialização da política”. A partir do momento em que constitucionalmente garantidos, temas e direitos que antes não eram levados ao Poder Judiciário passaram a ser parte do quotidiano forense. Vê-se, cada vez mais, a autotransferência, pelos juízes, da autoridade nas tomadas de decisão dos domínios da política.

A situação parece piorada pelo déficit de representatividade de que sofrem poderes Legislativo e Executivo e pela crise na implementação dos direitos sociais por parte destes poderes. Isso traz à tona um outro problema: a maneira com que as instituições dialogam entre si nesta situação de crise.

Não só o ganho de força pelo ativismo judicial, desde a promulgação da Constituição de 1988, mas o próprio sistema de freios e contrapesos pouco tem favorecido a cooperação política, de acordo com Roberto Gargarella. Esta realidade se mostra particularmente agravada em sua versão “desequilibrada”, aplicada na América Latina (GARGARELLA, 2013, p. 14).

Apesar disso, existem tentativas de mostrar que o sistema de freios e contrapesos é compatível à promoção dos diálogos institucionais (GARGARELLA, 2013, p. 15). Assim, tomando-se por base a situação problema (para resolver a crise na implementação dos direitos sociais, o Brasil adota, de forma efetiva, o constitucionalismo dialógico?), o objetivo do presente artigo é analisar se as instituições, para concretizar os direitos sociais, têm procurado buscar algum diálogo ou se mantêm um embate constante entre si.

Esta visão de constitucionalismo, estudada, aqui, partir das bases teóricas desenvolvidas por Roberto Gargarella, promotora de diálogo tanto entre as instituições quanto entre estas e a sociedade, mostra-se de grande relevo na efetivação dos direitos sociais, notadamente em tempos de crise: uma série de condutas compatíveis entre si, visando a um fim comum, por certo, mostra-se muito mais eficiente do que condutas colidentes.

O artigo é dividido em três partes. A primeira se dedica à conceituação e à diferenciação entre os direitos do homem, direitos humanos e direitos fundamentais, com a síntese de suas origens e lugares de aplicação. Na segunda parte, são analisadas as três “gerações” (dimensões) de direitos fundamentais, explicando a problemática da expressão historicamente utilizada. Nesta segunda parte, também são objeto de exame os custos dos direitos, dando-se destaque que, embora provavelmente (muito) mais custosos, os de segunda dimensão não são os únicos que oneram o Estado. Verificado que os mais sujeitos a ameaças em tempos de crise são os direitos fundamentais (positivados no ordenamento jurídico interno do país) de segunda dimensão (direitos ditos “sociais”), na terceira parte, busca-se averiguar se os três poderes procuram dialogar entre si para resolver este tensionamento decorrente da inefetividade dos direitos sociais (notadamente no dilema “reserva do possível x proteção insuficiente”), em adequada aplicação do constitucionalismo dialógico, ou não.

O artigo é construído pela metodologia indutiva (narrativo-descritiva), desenvolvido através de pesquisa bibliográfica e documental (obras doutrinárias nacionais e estrangeiras, artigos, legislação e julgados do ordenamento jurídico nacional).

2. DIREITOS DO HOMEM, DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS

Antes de adentrar na temática propriamente dita, faz-se necessária uma (ainda que breve) digressão acerca do instituto direitos fundamentais. Para tanto, igualmente necessário diferenciá-lo dos direitos humanos e dos direitos do homem.

Os ditos direitos do homem têm origem no jusnaturalismo, corrente jusfilosófica para a qual as pessoas possuiriam direitos inerentes à sua própria condição de seres humanos. Exatamente porque inerentes à condição humana, independeriam de positivação pelo ordenamento jurídico para serem efetivados. Seriam, assim, “valores ético-políticos ainda não positivados” (MARMELSTEIN, 2014, p. 23).

Resultado da reação liberal ao despotismo da Idade Média, os direitos do homem dependeriam da mera condição de ser humano para sua implementação, ainda que inexistente norma protetiva positivamente assegurada (por exemplo, o direito à vida haveria de ser respeitado independentemente de qualquer previsão normativa neste sentido).

Referida expressão, no entanto, não é imune a críticas. Neste sentido, assim observa Ramos (2018, p. 53):

a locução ‘direitos do homem’ retrata a mesma origem jusnaturalista da proteção de determinados direitos do indivíduo, no momento histórico de sua afirmação em face do Estado autocrático europeu no seio das chamadas revoluções liberais, o que imprimiu um certo caráter sexista da expressão, que pode sugerir preterição aos direitos da mulher. No Canadá, há o uso corrente da expressão ‘direitos da pessoa’, apta a superar o sexismo da dicção ‘direitos do homem’.

Por outro lado, tanto os direitos fundamentais quanto os direitos humanos possuem previsão expressa em textos normativos. Assim, a partir do momento em que positivamente estabelecidos, a eles não mais seria empregado o vocábulo “direitos do homem”, que, por definição, prescinde de fundamento legal. Por outro lado, conquanto muitas vezes sejam tidos como sinônimos, os direitos fundamentais e os direitos humanos possuiriam diferenciações.

Ramos (2018, p. 54) destaca que o Direito Internacional não é uniforme nas definições “direitos humanos” e “direitos fundamentais”, utilizando ambas as expressões. No entanto, a doutrina tende a reconhecer os ditos direitos humanos, por sua contemporânea definição, como aqueles positivados no plano internacional. Por conseguinte, os direitos previstos, por exemplo, em tratados internacionais, passam a gozar de referida conceituação. A Constituição da República de 1988 adota o que seria o conceito técnico da expressão, referindo-se a “direitos humanos”ao abordar os direitos da pessoa no plano internacional.[2]

Por fim, direitos fundamentaisseriam aqueles cuja positivação ocorreu no plano interno de um Estado. A atual Constituição da República também adota referida expressão; há, contudo, a utilização de outras designações (sem que percam, contudo, alcunha da fundamentalidadede referidos direitos), de acordo com a natureza que lhes é inerente: direitos individuais[3], sociais[4], difusos.[5]

A diferença não ficaria apenas no plano conceitual. Ramos destaca outra diferença que seria levantada entre estes dois últimos institutos:

os direitos humanos não seriam sempre exigíveis internamente, justamente pela sua matriz internacional, tendo então uma inspiração jusnaturalista sem maiores consequências; já os direitos fundamentais seriam aqueles positivados internamente e por isso passíveis de cobrança judicial, pois teriam matriz constitucional. (RAMOS, 2018, p. 54)

O próprio autor, todavia, rechaça esta afirmação, defendendo que “os direitos previstos em tratados podem também ser exigidos e os Estados podem ser cobrados pelo descumprimento de tais normas” (RAMOS, 2018, p. 54).

2.1 Gerações (dimensões) dos direitos fundamentais

2.1.1 Definição e crítica

Desde que passaram a ser reconhecidos pelas primeiras constituições, os direitos fundamentais atravessaram relevantes transformações – seja em titularidade, conteúdo, eficácia ou efetivação. Por esta razão, fala-se em um processo de autêntica mutação histórica vivenciado pelos direitos fundamentais (SARLET; MARINONI; MITIDIERO; 2018, p. 1.590). Assim, a fim de diferenciá-los, passou a ser comum a expressão adotada por Karel Vasak, dividindo os direitos fundamentais em “gerações”.

Cabe destacar, contudo, que a expressão “gerações” é objeto de críticas na doutrina. Isso porque o processo temporal de reconhecimento de novos direitos fundamentais tem caráter “cumulativo, de complementaridade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão ‘gerações’ pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra” (SARLET; MARINONI; MITIDIERO; 2018, p. 330). Assim, tem-se preferido adotar o termo “dimensões” de direitos fundamentais, o que demonstraria esta noção de complementaridade dos direitos, e não de sucessão.

Importante lembrar que esta divisão é feita muito mais para fins didáticos, tomando-se como base a natureza jurídica e o histórico de conquista destes direitos, do que propriamente para fins de caráter prático. Como rememora Sarlet, estes direitos, embora com características distintas, e para além de sua cumulatividade e complementaridade, devem ser vistos como uma unidade e de maneira indivisível:

Em que pese o dissídio na esfera terminológica, verifica-se crescente convergência de opiniões no que concerne à ideia que norteia a concepção das três (ou quatro, se assim preferirmos) dimensões dos direitos fundamentais, no sentido de que estes […] se encontram em constante processo de transformação, culminando de múltiplas e diferenciadas posições jurídicas, cujo conteúdo é tão variável quanto as transformações ocorridas na realidade social, política, cultural e econômica ao longo dos tempos. Assim sendo, a teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta, tão-somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para além disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo especial, na esfera do moderno ‘Direito Internacional dos Direitos Humanos’. (SARLET, 2012, p. 46-47)

Tais atributos (unidade e indivisibilidade) vêm apenas reforçar o fato de que a existência de novos direitos não implica a extinção dos anteriores. Assim, até porque em consonância à doutrina moderna, passa-se a adotar, neste trabalho, a expressão dimensão de direitos fundamentais.

2.1.2 As dimensões propriamente ditas

Os direitos fundamentais de primeira dimensão encontram-se relacionados aos direitos ditos negativos, às liberdades públicas e às garantias fundamentais básicas (obrigações de não fazer ao Estado).

Alçados à condição de direitos fundamentais a partir das Constituições dos Estados Unidos, de 1787, e da França, de 1791, a defesa dos direitos de primeira dimensão surgiu como resposta da burguesia aos abusos dos monarcas no Antigo Regime (BARROSO, 2010, p. 272). De cunho fortemente individualista, não despontam a preocupação com desigualdades sociais (MENDES; BRANCO, 2018, p. 200). Situação que não deixa de ser compreensiva quando se considera que estes “direitos de liberdade”, individuais e protetivos em face do Estado, tão somente refletiam o momento histórico-político do constitucionalismo à época.

De fato, o grande objetivo da burguesia, a partir da ascensão da doutrina liberal smithiana, era que o Estado interviesse o mínimo possível na esfera individual, ao mesmo tempo em que protegesse seus interesses e criasse infraestrutura suficiente para o desenvolvimento de seus empreendimentos. Como exemplos clássicos de direitos de primeira dimensão, citem-se o direito à vida, à liberdade e à propriedade.

Os direitos fundamentais de segunda dimensão, a seu turno, têm origem no bojo dos movimentos reivindicatórios pós-revolução industrial, a partir da percepção de insuficiência das liberdades negativas, as quais, sozinhas, tenderiam a gerar desigualdades. Desta forma, passaram a atribuir ao Estado não mais um dever de cunho exclusivamente negativo, no tocante às liberdades individuais, mas também um comportamento ativo na realização da justiça social (SARLET; MARINONI; MITIDIERO; 2018, p. 332).

Consagrados nas Constituições Mexicana, de 1917, e de Weimar, de 1919[6], os direitos de segunda dimensão também são conhecidos como direitos sociais, uma vez que visam à concretização do primado da igualdade entre os indivíduos – em contexto do Estado Social ou Estado de Bem-Estar Social – Welfare State –, compreendido como um Estado que promove justiça social (SARLET, 2015, p. 463) –, através de normas que favoreçam aqueles que estejam em situações de indevida desvantagem neste campo (RAMOS, 2018, p. 679).

Assim, por sua natureza, envolvem prestações sociais, embora tenham relação, também, com as denominadas “liberdades sociais” (TATSCH, 2016, p. 05).[7] São exemplos destes direitos: direitos fundamentais dos trabalhadores (férias, salário mínimo, greve etc.), à saúde e à previdência social.

Por fim, os direitos de terceira dimensão caracterizam-se por sua natureza difusa ou coletiva, eis que concebidos para a proteção não do homem isoladamente, mas de coletividades, de grupos (MENDES; BRANCO, 2018, p. 201). Ainda sobre referida peculiaridade destes direitos:

A nota distintiva destes direitos da terceira dimensão reside basicamente na sua titularidade transindividual (ou metaindividual), muitas vezes indefinida e indeterminável, o que se revela, a título de exemplo, especialmente no direito ao meio ambiente e qualidade de vida, o qual, em que pese ficar preservada sua dimensão individual, reclama novas técnicas de garantia e proteção. (SARLET; MARINONI; MITIDIERO; 2018, p. 334).

Os direitos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à paz e ao desenvolvimento são considerados de terceira dimensão. Veja-se, dos exemplos citados, que podem transcender não apenas os indivíduos, mas até mesmo os limites territoriais do Estado, situação esta que reforça sua a característica difusa. Para Gordilho e Borges (2018, p. 206), o seu desrespeito poderia implicar ameaça a direitos das outras dimensões, como o próprio direito à vida.

Há autores que defendem a existência de uma quarta, quinta e até sexta dimensão.[8] No entanto, referida tese é objeto de críticas doutrinárias e tida como minoritária (RAMOS, 2018, p. 61), razão pela qual se opta pela separação clássica em apenas três dimensões.

2.2 O custo dos direitos fundamentais

Primeiramente, há de se afastar a falsa ideia de que os direitos de primeira dimensão não seriam dispendiosos ao Estado.

Com efeito, uma análise superficial poderia passar a impressão de que os direitos fundamentais cuja implementação é custosa seriam somente os de segunda dimensão. Neste sentido, como os de primeira dimensão envolveriam tipicamente um não fazer por parte deste ente, não teriam maiores consequências de cunho orçamentário.

Esta ideia, no entanto, é falsa. A título de exemplo, o direito ao sufrágio: o custo das eleições de 2018 foram de mais de R$ 2,5 bilhões.[9] Os custos da liberdade, por sua vez, inevitavelmente exigem a prestação de serviços de segurança pública, por certo custosa – mais de R$ 81 bilhões em 2016, somados os orçamentos da União, Estados e Municípios (GRANZOTTO, 2018). Os direitos de terceira dimensão, igualmente, implicam custos estatais (e.g., meio ambiente, cuja proteção, ao menos se adequadamente feita,[10] é indubitavelmente dispendiosa ao Estado, dependendo de um corpo técnico qualificado e de equipamentos para o cumprimento da função).

No mesmo sentido, Holmes e Sunstein (2011) destacam que os direitos são economicamente custosos. Todos eles. Independentemente de consistirem nas tradicionais liberdades à não interferência estatal, aos direitos sociais (habitualmente identificados, estes sim, como onerosos ao Estado, eis que diretamente dependentes de uma atividade estatal para sua concretização), ou àqueles de caráter transindividual e heterogêneo.

De todo modo, há de se admitir que, de fato, os direitos inerentemente custosos ao Estado são os de segunda dimensão. Neste sentido é a lição de Gustavo Amaral (Direito, Escassez e Escolha):

há direitos cuja efetividade social pode ser apenas jurídica, pois correspondem a pretensões de abstenção, ao passo que outros, para serem cumpridos, para sair do papel, necessitam intrinsecamente a existência de um aparato público, vale dizer, demandam recursos materiais (AMARAL, 2001, p. 67).

Embora os demais direitos, em maior ou menor medida, também dependam de gastos públicos, são os direitos sociais os que mais dependem destes recursos materiais para que sejam adequadamente cumpridos. Em 2020, o orçamento atualizado para a área de atuação “Previdência Social” atingiu a impressionante monta de R$ 756,10 bilhões (BRASIL, 2020). Direitos culturais, à saúde, à educação e a outras prestações positivas do Estado igualmente dependem de um orçamento relevante. Como resultado, também são eles que tendem a sofrer maiores consequências em tempos de crise econômica (SARLET, 2015, p. 463)[11].

Assim, a seguir, passar-se-á à análise, em específico, das ameaças sofridas, em tempos de crise, pelos direitos ditos sociais.

3. CRISE NA EFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS E CONSTITUCIONALISMO DIALÓGICO

É manifesto que as crises que assolam o país são, além de econômica, também de natureza social e política.[12] Até mesmo a democracia encontra-se fragilizada. Para Vieira (2018, p. 17), a atual hostilidade aos valores constitucionais dá sinais de que “nossa democracia constitucional já pode estar vivendo um momento de regressão”. Desde a redemocratização do país, foram várias crises em poucos anos, quase que num “estado permanente de crise”, ainda que de diferentes naturezas. Historicamente, as constituições brasileiras duraram poucos anos, e, mesmo atualmente, surpreende perceber que a democracia, novamente, encontra-se em risco.

A crise que se destaca no presente trabalho, todavia, é a econômica, que, na lição da Sarlet, reflete-se diretamente na redução dos níveis de prestação social:

A redução dos níveis de prestação social em tempos de crise, a ‘flexibiliza­ção’ e mesmo supressão de direitos e garantias dos trabalhadores, o agravamento do desemprego e, portanto, das condições de acesso à fruição dos demais direitos, de­safiam mecanismos de superação desse quadro e colocam em cheque a capacidade do Direito e das instituições e procedimentos do Estado Democrático de Direito de atenderem de modo adequado às dificuldades e bloquearem o déficit de efetividade dos direitos fundamentais em geral e dos direitos sociais em particular. (SARLET, 2015, p. 465)

Em um panorama de baixa efetividade de direitos sociais (todos, de alguma forma, positivamente previstos no ordenamento jurídico contemporâneo), é inevitável que o Poder Judiciário entre em cena, sendo utilizado pelos atores sociais não só como uma via de controle de legalidade e legitimidade dos atos da Administração Pública, mas também como meio rápido de execução de políticas públicas que não foram vitoriosas no parlamento, ou que ainda se encontrem pendentes de implementação.

Neste cenário, há de se ter especial preocupação com o constitucionalismo dialógico. O impasse “reserva do possível x mínimo existencial”, sabe-se, é delicado. Sendo assim, o insuficiente diálogo entre as instituições pode levar ao ingresso indevido nas funções estatais próprias do Legislativo e Executivo.

3.1 A reserva do possível e o mínimo existencial

A expressão “reserva do possível” (Der Vorbehalt des Möglichen), empregada como legítimo limite às prestações estatais, em decorrência da escassez na disponibilidade de recursos pelo Estado, teve origem e desenvolvimento na jurisprudência do Tribunal Constitucional Fede­ral da Alemanha, a partir do início da década de 1970 (SOUZA NETO; SARMENTO, 2012, p. 345). Esta teoria relaciona a efetivação dos direitos sociais à capacidade financeira do Estado, justificando, portanto, a ausência de prestação de determinados direitos, ou a sua prestação de forma mitigada. Ela passou a ter relevante aplicação no sistema jurídico brasileiro, especialmente após a promulgação da Constituição de 1988, com seu extenso rol de direitos sociais.

De fato, a cláusula da reserva do possível não é apenas uma falácia: é real e necessita ser considerada. Com efeito, o Estado (e, aqui, sem dúvida também o Brasil, cujas mazelas e deficiências de ordem financeiro-orçamentária são de conhecimento de todos) possui limitações de cunho econômico, sendo faticamente impossível a concessão geral e irrestrita de quaisquer prestações exigíveis. Portanto, nenhum direito cuja efetividade pressupõe um gasto seletivo dos valores arrecadados pelos contribuintes pode ser protegido de forma unilateral pelo poder Judiciário, sem considerações às consequências orçamentárias (AMARAL, 2001, p. 95-100).

Ainda ficando em Amaral (2001, p. 80), parece muito mais fácil desconsiderar os custos dos direitos em ações individuais, eis que, “tomada individualmente, não há situação para a qual não haja recursos”. Esta opinião é partilhada por Wang (2008, p. 558), para quem, no controle abstrato de constitucionalidade, existiria “uma maior preocupação com as consequências econômicas das decisões e é dada relevância à questão dos custos dos direitos, da escassez de recursos e da reserva do possível”, preocupação esta inexistente em ações individuais.

Por outro lado, embora limitações na prestação estatal existam, a reserva do possível não pode servir, conforme destaca Sarlet, como impeditivo a toda e qualquer política pública não cumprida adequadamente:

Também é certo que as limitações vinculadas à reserva do possível não são em si mesmas uma falácia – o que de fato é falaciosa é a forma pela qual o argumento tem sido por vezes utilizado entre nós, como óbice à intervenção judicial e desculpa genérica para uma eventual omissão estatal no campo da efetivação dos direitos fundamentais, especialmente daqueles de cunho social. (SARLET; MARINONI; MITIDIERO; 2018, p. 658)

Inevitavelmente, chega-se ao dilema “reserva do possível versus mínimo existencial”.[13] Para Barroso, a despeito da limitação da capacidade econômico-financeira do Estado, não se poderia deixar de garantir os direitos mínimos à dignidade da pessoa humana, núcleo essencial dos direitos fundamentais do qual se extrai a tutela do mínimo existencial (BARROSO, 2010, p. 291). De tal afirmação, crê-se, ninguém discorda. A problemática é definir, concretamente, em que consiste este mínimo existencial, e em que medida é o Poder Judiciário o órgão legítimo a estabelecer tal definição.[14]

É neste aspecto que adquire relevância o constitucionalismo dialógico.

3.2 A (in)aplicação do constitucionalismo dialógico no brasil

A partir da lógica do diálogo entre as instituições, é possível estabelecer parâmetros ao cumprimento de objetivos de maneira conjunta, mais democrática, entre os poderes do Estado. Para Gargarella, a linguagem dialógica apelaria a uma civilizada e respeitosa resolução de conflitos, em momentos marcados por antagonismos políticos (GARGARELLA, 2013, p. 03), mostrando-se ainda mais relevante em situações de crise.

Para o autor argentino, todavia, o que se tem verificado no sistema de freio e contrapesos é que ele não só não facilita, como dificulta o este diálogo institucional. Isso porque o próprio sistema, em si, foi pensado em uma “lógica de guerra” e de combate aos abusos praticados pelas instituições do Estado. Apresentado como uma forma de equilíbrio representado por uma proposta própria do liberalismo da época, sua principal preocupação era criar formas de se defender de indevidas intervenções entre as funções do Estado. Assim, o modelo em questão, “antes que la alentar la cooperación, buscaba contener la confrontación; antes que promover el diálogo, buscaba canalizar la agresión; antes que favorecer el aprendizaje y la ayuda mutuas, buscaba impedir la destrucción de unos a otros” (GARGARELLA, 2013, p. 15).

Por conseguinte, pode-se crer que a lógica da autodefesa dos poderes, desenvolvida no bojo do sistema de freios e contrapesos, por mais criticável que seja, acaba se mostrando justificada até os dias de hoje.

Em primeiro lugar, pela exacerbada intervenção do Poder Judiciário nas demais searas estatais.[15] O ativismo judicial se encontra cada vez mais presente no quotidiano jurídico-social. Em vez de estabelecer condições e limites, o neoconstitucionalismo, no Brasil, tem servido como pretexto para uma interferência sem precedentes do Judiciário no campo de atuação dos demais poderes.[16] Sob o argumento de que o direito “superou o positivismo”, em adoção a um antiformalismo interpretativo (ABBOUD; OLIVEIRA, 2015, p. 200), e de que se passou reconhecer a primazia dos princípios na sua formação e aplicação, hoje os juízes ingressam de forma quase ilimitada em todas as áreas de atuação. Nada fica fora do seu alcance.

Em segundo lugar, pela característica latino-americana que se deu ao sistema de freios e contrapesos: o desequilíbrio a favor do poder do presidente, que Gargarella denomina de “hiperpresidencialismo” (GARGARELLA, 2014, p. 257). No caso brasileiro, em matéria de direitos, o texto constitucional de 1988 surge para reparar as piores consequências de sua predecessora. Paradoxalmente, no entanto, esta Constituição mantém um Poder Executivo muito forte, o que não ocorria na Constituição de 1946[17], mas foi retomado pelo governo militar.

Assim, para Gargarella, isso mostra que o Brasil se preocupou mais com a garantia de direitos do que com a forma com a qual a organização dos poderes foi definida.[18] Esta concentração de poderes no Executivo deturpa o sentido original do sistema de checks and balances – Gargarella (2013, p. 15) a denomina versão “desbalanceada” do sistema na América Latina – e naturalmente cria nos demais poderes uma função defensiva.

Por fim, em terceiro lugar, pelo crescente déficit de representatividade de que sofre Poder Legislativo (SOUZA NETO; SARMENTO, 2012, p. 145-146). Acerca do tema, discute-se muito o déficit de representatividade do Judiciário, que, de fato, é indiscutível. Com efeito, os juízes realmente não são eleitos pelo povo, razão pela qual não teriam, em um primeiro momento, legitimidade representativa para realizar escolhas de índole política.

Por outro lado, é evidente que a inércia dos parlamentares e as constantes atitudes praticadas em evidente conflito de interesses geraram descrédito popular no Poder Legislativo, situação que acabou por abrir caminho para que os juízes assumissem responsabilidades que vão muito além de suas atribuições originalmente previstas – e do que a separação entre as funções do Estado autorizaria.

Isso tudo faz com que se dificulte ainda mais a aplicação do constitucionalismo dialógico no país. As três funções estatais mantêm-se num constante tensionamento. Não se busca o diálogo para a resolução de problemas comuns, mas, ao contrário, adota-se ou uma posição de autodefesa constante, ou uma posição ofensiva em relação aos demais poderes, ocasião em que qualquer tentativa de consenso (aqui incluída a busca da efetividade dos direitos sociais) é substituída pela pura e simples intervenção no campo de atuação das demais funções do Estado.

Este cenário parece reforçado em condições de crise, em que os efeitos deletérios da inércia do Legislativo e do Executivo, na implementação de direitos sociais e políticas públicas, são com mais força percebidos. A isso, segue-se o aumento da judicialização, que tem por consequência o também aumento do ativismo judicial, registrando-se “centenas de milha­res de ações judiciais, grande parte acolhida pelo Poder Judiciário e resultando na imposição de obrigações positivas aos respectivos governos” (SARLET, 2015, p. 472).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O abundante catálogo de direitos previstos na Constituição da República de 1988, somado à interpretação brasileira que se deu ao neoconstitucionalismo, implicou o surgimento de fenômenos como o da explosão de litigiosidade, do avanço extremo do ativismo judicial e da chamada “judicialização da política”. A partir do momento em que constitucionalmente garantidos, temas e direitos que antes não eram levados ao Poder Judiciário passaram a ser parte do quotidiano forense; vê-se, cada vez mais, a autotransferência, pelos juízes, da autoridade nas tomadas de decisão dos domínios da política.

Não se critica toda e qualquer invasão à esfera de competência dos demais poderes. É notória e de grande relevância a atuação do Poder Judiciário na garantia de direitos a minorias que não se encontram devidamente representadas no Legislativo. Tanto pela demora quanto pelos casos de absoluta inércia do parlamento, é fato, também, que o ingresso diretamente em juízo, postulando a implementação de direitos sociais, constitui medida muito mais célere e menos custosa. Nada disso se ignora.

O fato é que a pura e simples ordem de e implementação de direitos sociais, pelos juízes, de maneira desenfreada e sem considerar a importância de sua limitação e controle quando do exercício deste mister, também não se mostra adequada à solução do problema. A análise acerca da existência de recursos suficientes à implementação de determinada política pública deve se dar, tanto quanto possível, de forma universal. Não se deve avaliar se existem recursos apenas para pagar a prestação do que se está pleiteando em uma ação individual, mas sim se há valores disponíveis para pagar para todos que estejam em idêntica situação, sob pena de violação ao princípio da igualdade. Lembre-se de que não se está, na hipótese, diante de mera relação comutativa, mas sim de justiça distributiva, multilateral.

Este exacerbado ativismo judicial deturpa o equilíbrio entre as funções do Estado e agrava o problema da falta de diálogo entre as instituições. Não bastasse isso, o desrespeito à concretização dos direitos sociais pelos poderes Legislativo e Executivo e os constantes embates que travam entre si e com o Judiciário também só demonstram como o país ainda tem um longo caminho a percorrer na adoção do constitucionalismo dialógico.

Assim, retomando a situação problema relatada na introdução (“para resolver a crise na implementação dos direitos sociais, o Brasil adota, de forma efetiva, o constitucionalismo dialógico?”), é possível concluir que não: o sistema de freios e contrapesos no Brasil, em sua forma “desequilibrada” típica das sociedades latino-americanas, somada à deficiência na efetivação dos direitos sociais, à crise de representatividade que circunda também as esferas do Legislativo e Executivo, e ao exagerado ativismo judicial existente,[19] aumenta o tensionamento entre os poderes estatais e dificulta o diálogo entre as instituições, ou mesmo entre estas e a sociedade.

É evidente que não se vislumbra uma solução simples e a curto prazo para a crise de efetividade dos direitos sociais. Todavia, é fato que a adoção do diálogo entre as instituições, com a busca de um fim comum e o respeito à esfera de atuação das demais funções do Estado, possibilitaria, no mínimo, a mitigação da problemática apontada neste estudo.

REFERÊNCIAS

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[1] Procurador Federal. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Especialista em Direito Público, com ênfase em Direito Constitucional. Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

1 E.g., art. 4º, inciso II; art. 5º, § 3º; art. 109, § 5º.

2 Art. 60, § 4º, inciso IV.

3 Art. 6º.

4 Art. 129, inciso III.

5 Há registros de Constituições anteriores prevendo, em seu texto, direitos de segunda dimensão: Constituições Francesa de 1793 e 1848, brasileira de 1824 e alemã 1849 (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2018, p. 332). Todavia, foi a partir do século XX que, de fato, esses direitos passaram a ser efetivamente concretizados.

6 Ricardo Luís Lenz Tatsch. Direitos sociais, crise econômica, proibição de retrocesso social e o orçamento público. ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET. Curitiba, Ano VIII, n. 14, p. 05, 2016.

7 A esse respeito, ver Bobbio (2004) e Bonavides (2004).

8 Este valor foi apenas o destinado a partidos políticos. (A GAZETA, 2018).

9 Afora para o ano de 2021, em que o orçamento para o Ministério do Meio Ambiente e entes vinculados foi de R$ 1,72 bilhão, o montante destinado à pasta nunca foi menor que R$ 2,9 bilhões desde 2000, em valores atualizados (UOL, 2021).

10 No mesmo sentido, Mendes e Branco (2018, p. 1.025), para quem, notadamente “em períodos de recessão financeira, não há como negar que a função do Estado de assegurar direitos sociais poderá estar limitada por restrições de cunho orçamentário”.

11 Ao desenvolver as razões que dificultam a implementação de prestações sociais, Sarlet separa as crises em: crise de identidade, crise de efetividade e crise de confiança (SARLET, 2015, p. 463-468).

12 O clássico e mais representativo exemplo se encontra na explosão de demandas que tratam do direito à saúde: “Se, por um lado, a atuação do Poder Judiciário é fundamental para o exercício efetivo da cidadania, por outro, as decisões judiciais têm significado um forte ponto de tensão perante os elaboradores e executores das políticas públicas, que se veem compelidos a garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área de saúde e além das possibilidades orçamentárias” (MENDES; BRANCO, p. 1.027-1.028).

13 Souza Neto e Sarmento (2012, p. 345) citam o caso do salário mínimo nacional, que, embora seja anualmente fixado em valores insuficientes às necessidades elencadas no art. 7º, IV, da Constituição da República, não poderia ser alterado pelo STF, uma vez que isso “implicaria impor mudanças econômicas das quais o Judiciário não pode ser protagonista, até por não possuir os meios necessários para avaliar os efeitos práticos de uma decisão que proferisse nessa questão”.

14 O Supremo Tribunal Federal, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 45 estabeleceu os seguintes requisitos que justificariam a legitimidade da intervenção do Judiciário em políticas públicas: natureza constitucional da política pública sua fundamentalidade e injustificada omissão pela Administração, ou implementação deficiente do direito pleiteado. Estas exigências apresentam alguns problemas, contudo. Primeiro: ao menos em matéria de direitos sociais, todos podem ser considerados como constitucionalmente previstos – seja pelo extenso rol elencado (e.g., arts. 6º e 7º, IV), seja porque todos poderiam ser incluídos em princípios abrangentes como os da igualdade, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana. Segundo: a análise quanto ao cumprimento destes requisitos pode ser absolutamente subjetiva, variando muito de acordo com quem julga. A inespecificidade dos requisitos, ao fim, dá carta branca ao Poder Judiciário para a ampla e irrestrita intervenção em matéria de políticas públicas.

15 De acordo com Couvre, Alves e Caldas (2020, p. 175), o que se tem verificado é que, no Brasil, a equivocada e superficial utilização da teoria da argumentação de Alexy e da jurisprudência de valores alemã criou uma nova forma de neoconstitucionalismo (“neoconstitucionalismo à brasileira”), por meio da qual as decisões Poder Judiciário, camufladas sob o manto deste fenômeno político-jurídico, “em verdade expressam decisões subjetivas e antidemocráticas”.

16 Para Gargarella (2014, p. 272), este forte presidencialismo das Constituições de 1967 e 1988 talvez seja fruto justamente de um “trauma” da Carta de 1946, que teria criado um presidente débil, incapaz, por exemplo, de combater as oligarquias locais, que teriam também o controle do Congresso.

17 O que Gargarella (2014) chama de “sala de máquinas” da Constituição.

18 Como lembra Barroso, “o ativismo judicial, até aqui, tem sido parte da solução, e não do problema. Mas ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura” (BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. [Syn]Thesis, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 32, 2012.