COMENTÁRIOS ACERCA DO TRABALHO INFANTIL NO TOCANTINS
31 de julho de 2023COMMENTS ON CHILD LABOR IN TOCANTINS
Artigo submetido em 05 de junho de 2023
Artigo aprovado em 19 de junho de 2023
Artigo publicado em 31 de julho de 2023
Cognitio Juris Ano XIII – Número 48 – Julho de 2023 ISSN 2236-3009 |
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RESUMO: O trabalho executado por crianças afronta dispositivos constitucionais, ainda que se possa afirmar que é uma prática recorrente, ainda que o cenário tenha evoluído no sentido de reprimi-la. Mesmo com a evolução da sociedade, o trabalho infantil continua sendo encontrado por todo o Brasil quando investigado, e no cenário do estado do Tocantins não seria diferente. Pesquisas apontam que o estado mais jovem da federação lidera os rankings de exploração de mão de obra infantil, de modo que a interferir diretamente no desenvolvimento social e acadêmico do jovem que desempenha a atividade, afastando-o, por muitas vezes, de onde realmente deveria se encontrar: na escola. Através de uma pesquisa é de cunho descritivo, valendo-se do método de indução e abordagem quantiqualitativa para verificar quais são as consequências do trabalho infantil para a sociedade Tocantinense.
Palavras-chave: ECA; infantil; Trabalho; Tocantins.
ABSTRACT: The work carried out by children violates constitutional provisions, although it can be said that it is a recurrent practice, even though the scenario has evolved in the sense of repressing it. Even with the evolution of society, child labor continues to be found throughout Brazil when investigated, and in the scenario of the state of Tocantins it would not be different. Research points out that the youngest state in the federation leads the rankings of exploitation of child labor, so that directly interfering with the social and academic development of the young person who performs the activity, often moving him away from where he really should be. meet: at school. Through a descriptive research, using the method of induction and quantitative approach to verify what are the consequences of child labor for Tocantins society.
Keywords: ACE; childish; Work; Tocantins.
1. INTRODUÇÃO
É correto afirmar que o trabalho infantil e a exploração de mão de obra de crianças e adolescentes não é um tema desconhecido e novo aos olhos de todos. Sendo o mesmo discutido desde que o empregador teve a opção de aceitar trabalhadores mirins, surgiram diversos pensamentos populares e estudiosos com opiniões mais diversas ainda, porém, no presente Estado Federativo Brasileiro é considerado ilegal pelo art. 60 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
E mesmo o trabalho infantil sendo um ato ilegal e incoerente, ainda são recorrentes os casos de crianças cuja mão-de-obra é utilizada em fazendas, em casas de famílias ou em fábricas, na maior parte dos casos em busca de uma renda capaz de gerar uma complementação na renda familiar dos mesmos. O propósito do atual artigo é demonstrar como essas crianças são afetadas e têm os futuros comprometidos por não se dedicarem inteiramente aos estudos.
Não é difícil encontrar quem ache que a criança trabalhando é correto, valendo-se, muitas vezes, do argumento de que “é melhor do que estar na rua fazendo coisa errada”, mas estudos e dados estatísticos comprovam que não é exatamente assim. O cenário do trabalho infantil no Brasil ainda há de ser melhorado, uma vez que não é incomum ver crianças e adolescentes em trabalhos informais, por vezes deixando a escola de lado para executar as mais diversas funções. No estado do Tocantins não é diferente.
No estado do Tocantins, a incidência de casos é a maior já relatada no país. Mesmo que um órgão de fiscalização tenha se mostrado empenhado em cumprir a designação da tarefa de erradicar as atividades ilegais, é notável que ainda há muito a ser feito até mesmo por parte do governo do estado, pois se as crianças e jovens fossem incentivadas a seguir o caminho da educação provida pelo estudo em primeiro lugar, as ofertas de trabalho seriam recusadas com mais frequência.
Caso lhes fossem oferecidas oportunidades melhores de estudar em escolas cuja qualidade é superior, a probabilidade do jovem se envolver e manter o interesse naquilo que o encaminha para um futuro digno e com um crescimento mais seguro também seria maior, por tanto, o envolvimento do mesmo também é uma das partes que importa na luta contra a causa apresentada.
O reflexo de todo o contexto do jovem não se sentir estimulado a procurar uma educação de qualidade e resolver “por bem” se submeter a trabalhos abusivos, na maioria dos casos, é o nível de pobreza no estado, o número de vagas excedentes em escolas, a mão-de-obra desqualificada, logo, mais barata e os danos à saúde do mesmo, pois está sujeito a acidentes de trabalho e problemas que são agravados por conta das atividades praticadas.
Por fim, cabe ao atual artigo incentivar um estudo acerca do crescimento de casos nas terras tocantinenses, demonstrando como o futuro da sociedade é afetado pelos mesmos. O presente trabalho se pauta no seguinte questionamento: quais são as consequências do trabalho infantil para a sociedade Tocantinense?
Ressalta-se que a presente pesquisa tem o objetivo de ressaltar a situação em que se encontra o estado do Tocantins quando o assunto é trabalho infantil, uma vez que o estado mais novo na federação possui um dos maiores índices de trabalho infantil, segundo dados do IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, e PNAD, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Isso ainda acontece em decorrência da inexistência de políticas públicas de prevenção e erradicação do trabalho infantil, tanto em nível estadual como municipal.
Por outro lado, a erradicação do trabalho infantil ainda parece ser um sonho distante, que pode ser alcançado com a implementação de políticas públicas, campanhas sociais que visem conscientizar a sociedade, e reforçar que, como diz Palavra Cantada (1998, online), criança não trabalha, criança dá trabalho. Para haver uma eficiente fiscalização acerca dos casos, é necessário, primeiramente, que chegue demanda aos órgãos, no entanto, a ocorrência de subnotificações, um número baixo e não condizente com a realidade, interfere diretamente nisso.
Dessa forma, a presente pesquisa gera a expectativa de retratar a realidade do trabalho infantil no estado e seus efeitos, com o intuito de que as subnotificações dos casos passem a ser inexistentes, e que o Tocantins progrida em relação ao uso de mão de obra infantil em atividades listadas como perigosas. A erradicação é a proposta ideal, uma vez que cessaria as intercorrências e setores como educação e sociedade deixariam de ser diretamente afetados.
O objetivo geral é apresentar dados acerca da realidade do trabalho infantil no estado do Tocantins, e os objetivos específicos traçados para chegar ao objetivo específico são expor um breve contexto histórico sobre o trabalho infantil; consultar a bibliografia específica e compreender o que a mesma define sobre o tema; e exemplificar os principais efeitos do trabalho infantil no Tocantins.
A metodologia empregada na presente pesquisa possui cunho descritivo, valendo-se do método de indução e abordagem quantiqualitativa para verificar quais são as consequências do trabalho infantil para a sociedade Tocantinense. O primeiro capítulo a ser desenvolvido descreverá o contexto histórico do trabalho infantil no Brasil, tratando dos principais aspectos e finalizando com o panorama tocantinense. Posteriormente, será feita uma análise da bibliografia referente ao tema, incluindo a legislação vigente, e, por fim, far-se-á uma descrição da realidade do trabalho infantil no estado do Tocantins.
2. LINHA HISTÓRICA DO TRABALHO INFANTIL
Buscar definições para a palavra “trabalho” ou “trabalhar” é uma tarefa relativamente fácil. Encontra-se no Dicionário Escolar da Língua Portuguesa a definição desse verbo como “agir de maneira continuada e esforçada, a fim de obter um resultado útil; […] Exercer uma atividade profissional” (Academia Brasileira de Letras, 2008, p. 1244).
O 3º Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador traz o conceito de trabalho infantil como sendo
As atividades econômicas e/ou atividades de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro, remuneradas ou não, realizadas por crianças ou adolescentes em idade inferior a 16 (dezesseis) anos, ressalvada a condição de aprendiz a partir dos 14 (quatorze) anos, independentemente da sua condição ocupacional (BRASIL, 2018, p. 6).
Além de ser uma prática que pode ser observada em todos os cantos do país, ainda há de se falar sobre o fato de que o problema do trabalho infantil é mais antigo do que se imagina. Normalmente, ao se falar de sua origem, pensa-se nas Revoluções Industriais, época em que os trabalhadores – inclusive crianças – eram expostos a situações extremas de exploração como ferramenta de formação do ser.
Se há maus sociais que parecem não se extinguir da realidade humana, o trabalho infantil é um deles. Enquanto outros problemas normalmente passam por períodos de trégua, o trabalho infantil é constante e tem registros nos mais remotos períodos da história. É possível encontrar registros que mostram a desvalorização da infância desde a Antiguidade. Um dos mais antigos códigos de que se tem relatos já abordava de alguma forma o assunto.
O Código de Hamurabi, desenvolvido pelos Babilônicos, por volta de dois mil anos antes de Cristo, representa nitidamente o poder paternal. O art. 14º, do referido Código, dispunha que “se alguém rouba o filho impúbere de outro, ele é morto” (SILVA, 2009, p. 33). É possível constatar que o dispositivo citado não tem por objetivo proteger as crianças, mas sim proteger a propriedade do patriarca de determinada família. Esse fato nos mostra como a situação do trabalho infantil é antiga e carece de um tratamento cuidadoso.
Os relatos da Revolução Industrial são bastante difundidos e ainda assim analisados com muita frieza. Ferreira (2001) relata que a segunda metade do século XVIII trouxe diversas inovações tecnológicas à humanidade. Os métodos de produção artesanais foram substituídos pelas máquinas recém-criadas. Em um curto espaço de tempo, a humanidade passou por uma enorme transformação em sua organização social. Nesse período, homens, mulheres e crianças – sem outra opção de sobrevivência – foram para as fábricas.
Nas tecelagens, as crianças trabalhavam em pé durante 15 horas, com um pequeno intervalo ao meio-dia, situação agravada pelo pó das fibras vegetais, que provocava infecções pulmonares, escarros de sangue, tosse e insônia. As noites maldormidas (sic), as moléstias e a fraqueza, causada por uma alimentação insuficiente, acabavam por deixar os pequenos tecelões sonolentos e sem capacidade de concentração. Muitos caíam dentro das máquinas e morriam. Caso sobrevivessem, ficavam mutilados e incapacitados (FERREIRA, 2001, p. 29-30).
A exploração de mão de obra infantil é recorrente em países subdesenvolvidos e emergentes, como o Brasil. É ainda mais comum nas áreas mais pobres, pois visa trazer para a família alguma ajuda financeira. Geralmente essas famílias contam com muitos filhos e estes podem ser vistos em sinais vendendo doces e demais objetos de pequeno valor e até mesmo pedindo esmola.
No Brasil, a criança e o adolescente passaram finalmente a ser reconhecidos como sujeitos dotados de direitos a partir do advento da Constituição Federal de 1988. Posteriormente, estabeleceu o ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente, (BRASIL, 1990) que é proibido o trabalho de menores de 16 anos, de modo que, entre 14 e 16 só é permitido que o jovem exerça atividades na condição de aprendiz, que é a formação técnico-profissional, além de cumprir requisitos como a exigência de acesso e frequência dos aprendizes ao ensino regular e que não desempenhem atividades noturnas e insalubres, e que a atividade não esteja contida na lista de “piores formas de trabalho infantil”. O texto constitucional reitera o afirmado acima, em seu artigo 7º, inciso XXXIII.
A supracitada lista foi proposta pela OIT, Organização Internacional do Trabalho (1999, online), durante a Convenção 182, tendo sido convocada em Genebra no ano de 1999 pelo Conselho de Administração da Secretaria Internacional do Trabalho, tendo entrado em vigor nos anos 2000. Portanto, a lista de Trabalho Infantil Perigoso, TIP, da Convenção 182 (1999, online) determina como piores formas de trabalho infantil as seguintes:
Todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, como venda e tráfico de crianças, sujeição por dívida, servidão, trabalho forçado ou compulsório, inclusive recrutamento forçado ou compulsório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados; utilização, demanda e oferta de criança para fins de prostituição, produção de material pornográfico ou espetáculos pornográficos; utilização, demanda e oferta de criança para atividades ilícitas, particularmente para a produção e tráfico de drogas conforme definidos nos tratados internacionais pertinentes; trabalhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, são susceptíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança
Tendo sido ratificada pelo Brasil em 2008, através do Decreto nº 6.481, a referida lista conta com 93 atividades que são consideradas nocivas, no entanto, muito fáceis de serem visualizadas em lugares cuja fiscalização do MPT, Ministério Público do Trabalho, não é tão presente. A chamada Lista TIP (BRASIL, 2008, online), advinda do Decreto nº 6.481, prevê como proibidas as atividades
Agricultura, Pecuária, Silvicultura E Exploração Florestal, Pesca, Indústria Extrativa, Indústria De Transformação, Indústria De Transformação, Construção, Comércio (Reparação De Veículos Automotores Objetos Pessoais E Domésticos), Comércio (Reparação De Veículos Automotores Objetos Pessoais E Domésticos), Saúde E Serviços Sociais, Serviços Coletivos, Sociais, Pessoais E Outros, Serviço Doméstico, Trabalhos Prejudiciais À Moralidade […].
No entanto, não é incomum encontrar crianças que desempenhem atividades, especialmente em áreas rurais no Tocantins, estando totalmente em desacordo com o que preconiza a legislação. Bastos (2022, p. 12) faz a seguinte afirmação sobre a atuação do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Embora se compreenda que o ECA não garantiu que todas as suas previsões fossem cumpridas ao longo das suas três décadas de existência, ele é considerado como um grande avanço na legislação brasileira, no que concerne a proteção integral à criança e ao adolescente para garantia de seus direitos com absoluta prioridade.
Dessa forma, é evidente que o trabalho infantil ainda está longe de ser cessado com sucesso, no entanto, verifica-se que a legislação batalha arduamente para afastar crianças e adolescentes do aludido cenário, e compreende-se que é possível desempenhar um trabalho eficaz no que diz respeito à supressão de focos de trabalho infantil criminoso, basta que a sociedade se posicione contra essa prática criminosa.
3. O TRABALHO INFANTIL NO TOCANTINS
No Estado do Tocantins, de acordo com dados do PNAD 2011, a população infanto juvenil na faixa etária de 10 a 14 anos era de 148.728, sendo que 17.497 encontravam-se em situação de trabalho infantil e 1.215 em situação de trabalho infantil doméstico. A população infanto juvenil na faixa etária de 15 a 17 anos era de 93.076, sendo 30.136 em trabalho infantil e 4.131 em trabalho infantil doméstico.
A pesquisa foi realizada pelo Programa de Educação contra a Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente, PTECA. Já em 2015, conforme dados do PNAD, o estado do Tocantins constava com 21.278 crianças e adolescentes em cenário de trabalho infantil, com idades entre 5 a 17 anos.
Pesquisas em relação à situação anterior já foram feitas e apontam que trabalhar quando se deveria estar apenas sendo criança e se preocupando com adquirir uma educação de qualidade torna essa mesma criança uma das que vão abandonar os estudos. Consequentemente, ela não estará bem preparada para o mercado de trabalho e terá que aceitar um emprego que não oferece crescimento socioeconômico satisfatório, dando continuidade ao ciclo de pobreza.
Ana Lúcia Kassouf (2004) confirma que a realização de atividades que ocupem o tempo das crianças de tal modo é um malefício para o futuro das mesmas, de forma que não há o envolvimento entre criança e estudo por conta de cansaço e falta de tempo principalmente. E ainda segundo a autora, nas zonas rurais a incidência é maior ainda. Os meninos trabalhavam como lavradores e prestadores de serviços, muitas vezes sequer sendo pagos e as meninas como funcionárias dos lares e babás principalmente.
Na zona urbana não ocorrem tantos casos, e quando ocorrem é no denominado “comércio informal”. Os empregadores, em sua maioria, estão cientes dos direitos trabalhistas e sanções para descumprimentos. Logo, a fiscalização é mais intensa em zona urbana, o que não faz a responsabilidade diminuta.
Certas atividades podem impedir a criança de estudar ou interferir negativamente na escolaridade, impossibilitando-as de obter um melhor trabalho e, consequentemente, um aumento da renda, mesmo na fase adulta, uma vez que continuarão analfabetas ou lhes faltarão habilidades e conhecimento para melhor posicionamento no mercado de trabalho (KASSOUF, 2004, p.60).
Ao se referir ao estado do Tocantins em questões como trabalho e exploração da mão de obra infantil, é difícil não se espantar com todas as vezes nas quais o tema é apontado em jornais, circulares, entrevistas e estudos. Recentemente, um jornal divulgou um estudo realizado a nível nacional que o Tocantins é o líder no ranking do trabalho irregular prestado por crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos (CONEXÃO TOCANTINS, 2012).
E é importante ressaltar que ao se submeter à jornada de trabalho (sendo ela regular ou não), o jovem está abrindo mão de momentos de lazer, de momentos em que poderia estar em seu âmbito familiar estudando e desenvolvendo atividades importantes para o próprio aprendizado. Pela Constituição Federal de 1988, a idade mínima para admissão no trabalho era de 14 anos. Em dezembro de 1998 foi aprovada uma emenda que estabelece como sendo 16 anos a idade mínima para trabalhar (KASSOUF, 2002).
Trabalho infantil é todo aquele realizado por menores de 16 anos (idade mínima para realização de qualquer tipo de trabalho regular) na condição de menor aprendiz, conforme a legislação vigente no Brasil, levando em consideração que fora de tais termos é ilegal (TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, 2013). Quando se sujeita ao ato de trabalhar, seja por imposição ou por vontade própria, a criança deixa de priorizar os estudos, e então divide o tempo entre o trabalho e o estudo. A consequência disso é que o rendimento educacional acaba sendo inferior ao que poderia ser.
Em 2017 ocorreu um projeto em parceria entre o CEDECA, Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, Glória de Ivone e Universidade Estadual do Tocantins, UNITINS. O projeto tinha o intuito de assessorar 139 municípios para gerar diagnósticos pontuais sobre a realidade dos municípios. No entanto, a recusa de alguns municípios de aderirem à pesquisa chamou a atenção para um fato recorrente: as subnotificações.
Esses municípios justificaram que não participariam uma vez que não haviam casos de trabalho infantil. Essa prática negacionista é mais comum do que se imagina, uma vez que é mais fácil “tapar o sol com a peneira” que buscar uma solução efetiva para o problema. A subnotificação de casos impede que as medidas corretas sejam tomadas, e que os órgãos responsáveis tomem conhecimento dos índices corretos de trabalho infantil, interferindo, então, na atuação dos mesmos.
Também impede que a fiscalização realizada por agentes seja pobre, em razão da pouca demanda que as subnotificações geram. O Informe Sobre O Trabalho Infantil No Tocantins (2020, online) aponta que é imperativo citar que a Superintendência Regional do Trabalho do Ministério Público (SRTO) só conta com 01 fiscal para realizar as funções de fiscalização do trabalho infantil no estado. Resta mais que comprovado que não há uma fiscalização apropriada.
O Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil (PIETI) da Organização Internacional do Trabalho no Brasil (OIT) age no intuito de erradicar os casos de trabalho infantil. Entretanto, os casos nunca vêm desacompanhados, mas sim junto de indicadores de desenvolvimento, educação, saúde, e tão logo o argumento é válido, é possível predizer o resultado dessa prática das crianças.
Por fim, notas abaixo das médias escolares, desistência na área dos estudos, mão-de-obra desqualificada diante do mercado de trabalho e uma renda baixa ao atingirem a vida adulta, compõem a linha de desenvolvimento que acaba sendo decrescente. Isso gera ao Estado a condição de pobreza e mão-de-obra sem valor, empobrecendo o mesmo, ainda que a intenção por trás da negativa acerca do trabalho infantil seja puramente econômica, além de prejudicar completamente o desenvolvimento da criança.
4. ASPECTOS COMUNS DO CENÁRIO DE TRABALHO INFANTIL NO TOCANTINS
Bastos (2021) foi eficiente ao reunir dados que demonstram qual é o cenário de trabalho infantil na capital do estado do Tocantins.
De acordo com a pesquisa, foi possível identificar que o trabalho infantil é realizado por crianças e adolescentes na faixa etária de 6 e 18 anos, sendo estes em sua grande maioria pretos e pardos, realizando atividades diversas, tais como: auxiliar de peixaria nas feiras da cidade, limpando carro, vendendo doces e artesanatos, carregando compras nas feiras, vendendo picolé, engraxando sapatos, trabalhando na roça, vendas diversas nas ruas, na construção civil, agricultura, agropecuária, pesca e feiras livres. Há também trabalhos em serviços, na indústria e em serviços administrativos. Sendo que muitas dessas atividades estão inseridas na lista de piores formas de trabalho infantil, conforme pode ser observado.
A partir dessa informação, conclui-se que não existe um nicho específico ao qual o trabalho infantil seja atribuído, mas uma variável comum chama a atenção. Muitas crianças estão desempenhando atividades laborativas em ambientes de pouca fiscalização por parte do poder público, especialmente aqueles onde ocorrem atividades listadas na aludida Lista Tip.
Ainda, de acordo com o Fórum Tocantinense para Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Promoção de Aprendizagem – FNPETI (2016) verifica-se que cerca de 10.968 crianças e adolescentes, naquele ano, estavam em situação de trabalho em atividades dos setores de agricultura, pecuária, pesca e aquicultura. Isso denuncia claramente que os focos de trabalho infantil no estado do Tocantins têm uma maior incidência nas áreas rurais, onde a maior parte desse trabalho ocorre com o incentivo dos próprios familiares para garantir a subsistência.
O auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego, Jalson Jácomo do Couto, presidente do Fórum do Trabalho Infantil e Promoção da Aprendizagem – FETIPA no Tocantins destaca que a maior barreira para a erradicação do trabalho infantil no estado se pauta na questão do trabalho ser concebido como formador de caráter, reforçando a ideia de que o trabalho dignifica até mesmo a mais jovem das crianças.
Não tem muitas denúncias, elas são raras por vários motivos, a própria sociedade entende que não é crime, não é proibido, que ao contrário é importante, é bom para formação. E os empresários, que utilizam do trabalho de criança e adolescente, se beneficiam deste entendimento, os próprios pais, procuram a eles (os empresários) para dar oportunidade para seus filhos trabalharem, eles entendem que é melhor trabalhar do que estarem na rua, ou ociosos (COUTO, 2019, apud SOUZA, 2020, p.103)
O estado do Tocantins ocupa o 24º lugar no ranking dos estados mais ricos do Brasil (IBGE, 2011), demonstrando a pobreza do estado no que se refere ao seu PIB. Se um estado é considerado pobre pelos padrões de avaliação nacionais, isso significa que a população é carente e as atividades desenvolvidas serão majoritariamente de subsistência, reforçando a questão de que o cenário tocantinense encontra-se propício para que o trabalho infantil ainda seja uma questão presente, pois as famílias incentivam que os jovens estejam trabalhando para conseguir colocar comida às mesas.
Destaca-se o trabalho infantil na região mais ao norte do Estado.
No extrativismo vegetal, o trabalho de crianças e adolescentes junto às suas famílias, na produção de alimentos, é interpretado pelos adultos como uma “ajuda” indispensável. Nesse contexto, a alimentação das famílias extrativistas, interconectada com as relações de trabalho, são frutos nativos como açaí, coco babaçu, macaúba, buriti, cupuaçu, bacaba. O cultivo de: arroz, feijão, mandioca, macaxeira, abóbora, amendoim, milho, banana, cana, abacaxi. Criação de animais e seus derivados: galinha (ovos), porco, vaca (leite), peixe. Em decorrência da necessidade de alguns utensílios, ainda que rudimentares, e também de força de trabalho, as famílias produzem alguns alimentos coletivamente (…). (SOUZA, 2020, p. 108).
Conforme afirma Souza (2020), a região do Bico do Papagaio é a de maior incidência da agricultura familiar de subsistência, tendo em vista a pobreza da região, a falta de políticas públicas de incentivo que façam com que os próprios habitantes queiram reproduzir costumes diferentes destes, direcionando as crianças para escolas em vez de incentivá-las a estarem presentes nas atividades de extrativismo vegetal, principal ramo da região. Em entrevistas feitas com crianças da aludida região, Souza ainda constatou que a participação de crianças nas atividades interfere diretamente no rendimento escolar e no aparecimento de problemas de saúde, além de não serem remuneradas.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante o exposto, compreende-se que o trabalho infantil está presente nas sociedades globais desde os tempos mais antigos, não sendo diferente no Brasil. Esse costume de engrenar crianças e adolescentes em trabalhos braçais e atividades consideradas inapropriadas para a faixa etária decorre, principalmente, do pensamento de que o trabalho é o caminho mais assertivo quanto se fala de desenvolvimento social, deixando a educação de lado na maior parte das vezes, e no estado do Tocantins não é diferente.
No Tocantins, o destaque se dá para atividades relacionadas ao agronegócio e relativos, ainda que tenham sido listados na Lista TIP como de péssimas condições para crianças e adolescentes, muito disso se deve a questões econômicas, geográficas e populacionais do estado. Verifica-se que a incidência é maior longe dos centros urbanos, onde os olhos das instituições e redes de amparo a crianças não possui tanta influência e capacidade de ação reduzida.
Em breve será comemorado o dia nacional e mundial contra o trabalho infantil, na data de 12 de junho. É uma oportunidade significante para levantar bandeiras contra o uso de mão de obra infantil, explicitando as consequências de fazê-lo, principalmente quanto à desqualificação desses trabalhadores e consequências legais de empregar crianças em atividades laborais. É necessário quebrar esse conceito de que crianças podem ser bem aproveitadas em ambientes de trabalho em detrimento do ambiente escolar, pois a qualificação acadêmica deve ser incentivada acima de tudo.
Ademais, o governo do estado deve ampliar as medidas educativas contra a exploração de mão de obra infantil, além de rever os fatores que levam a subnotificações de casos correlatos e rever legislações vigentes, a fim de coibir cada vez mais a prática e viabilizar que um número cada vez maior de crianças estejam inseridas apenas no ambiente escolar, como deve ser.
Referências
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BASTOS, Maria do Socorro Soares. Caracterização do trabalho infantil na cidade de palmas no tocantins. 2022. 40 f. Artigo de Graduação (Graduação em Psicologia) – Universidade Federal do Tocantins, Miracema do Tocantins, 2023.
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BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990. Brasília, DF: Presidência da República, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em 10 set. 2022.
CEDECA. Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – Cedeca Glória de Ivone. Informe Sobre o Trabalho Infantil no Tocantins. 2 ed. Palmas: 2020. Disponível em: http://crp23.org.br/wp-content/uploads/2020/05/Informe-sobre-o-Trabalho-Infantil.pdf. Acesso em 18 set. 2022.
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SOUZA, Luzia de Kassia Rocha de. O Trabalho infantil no campo em Tocantins: agronegócio e famílias extrativistas. 2020. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MS, 2020.
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[1] Acadêmico no curso de Direito pela Faculdade Serra do Carmo – FASEC. e-mail: bruno.resplandes@energiaion.com.br.
[2] Mestre em Psicologia pela UFCSC. Bacharel em Psicologia pela Universidade do Vale do Itajaí. Docente na Faculdade Serra do Carmo – FASEC. e-mail deiaayres@yahoo.com.br