CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E IMPOSTOS INDIRETOS

CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E IMPOSTOS INDIRETOS

30 de junho de 2024 Off Por Cognitio Juris

CONTRIBUTION CAPACITY AND INDIRECT TAXES

Artigo submetido em 15 de junho de 2024
Artigo aprovado em 24 de junho de 2024
Artigo publicado em 30 de junho de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 55 – Junho de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Leonardo Brito de Macedo[1]
Fernanda Matos Fernandes de Oliveira Jurubeba[2]

RESUMO: No vertente ensaio científico buscou-se apresentar uma análise explicativa da incidência do princípio da capacidade contributiva nos impostos indiretos. A efetiva aplicação desse princípio nos impostos indiretos gera certas controvérsias e peculiaridades na base doutrinária, em que se verificam alguns entraves. Valendo-se de uma análise explicativa e expositiva, o estudo aborda individualmente diversos pilares do direito tributário, e em seguida busca discorrer sobre o tema principal, mostrando os obstáculos e soluções que o Estado pode estabelecer, de maneira efetiva, a justiça tributária e o Estado Democrático de Direito idealizado na Constituição Federal de 1988.

Palavras-chave: Capacidade Contributiva; Contribuinte de fato; Impostos indiretos, Isonomia; Seletividade.

ABSTRACT: In the scientific essay aspect, we sought to present an explanatory analysis of the incidence of the principle of contributory capacity in indirect taxes. The effective application of this principle in indirect taxes generates certain controversies and peculiarities on the doctrinal basis, in which some obstacles arise. Using an explanatory and expository analysis, the study individually addresses several pillars of tax law, and then seeks to discuss the main theme, showing the obstacles and solutions that the State can effectively establish tax justice and the Democratic State of Law idealized in the Federal Constitution of 1988.

Keywords: Contributory Capacity; De facto taxpayer; Indirect taxes, Equality; Selectivity.

1 INTRODUÇÃO

No escopo de identificar a importância e aplicabilidade dos princípios constitucionais tributários, bem como dos seus objetivos dentro do ordenamento jurídico brasileiro, e no que concerne à desigualdade social e busca pela construção de um estado social justo, a capacidade contributiva surge como uma esperança.

A Constituição Federal elencou objetivos e deveres fundamentais para a construção de uma sociedade justa e igualitária, buscando a redução das desigualdades sociais no território nacional.

O princípio da isonomia, basilar do ordenamento jurídico brasileiro, se manifesta no âmbito tributário estabelecendo que os contribuintes que se encontram em situação equivalente não podem ser tratados de forma desigual e, essa desigualdade será aferida pela capacidade contributiva que ostentam, prevendo o texto constitucional que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Ou seja, em regra, pode-se concluir que os tributos devem ser pautados com base no princípio da capacidade contributiva a fim de que seja concretizada a isonomia.

O referido princípio se aplica de maneira perfeita aos pessoais; de modo imperfeito nos impostos reais (por meio da seletividade e progressividade). No caso dos impostos indiretos, entanto, o princípio se depara com o empecilho do repasse da repercussão financeira ao consumidor final.

Em decorrência dos entraves pragmáticos para a sua efetiva observância, o Estado encontra dificuldades em garantir a isonomia descrita no texto constitucional. Nesse caso em tela, por meio de uma abordagem explicativa, serão levantadas as possibilidades de incidência da capacidade contributiva nos impostos indiretos e possíveis soluções para os entraves existentes.

2 O PODER DE TRIBUTAR DO ESTADO E SUAS LIMITAÇÕES

O sistema tributário desempenha um papel crucial no que concerne ao desenvolvimento econômico, garantia de justiça fiscal e na redistribuição de recursos. Portanto, o Estado, como único ente soberano, detém o poder de impor tributos sobre os cidadãos e entidades jurídicas, para que possa financiar e exercer suas obrigações para com a sociedade.

Nesse sentido, o doutrinador Hugo de Brito Machado desenvolve: “No exercício de sua soberania o Estado exige que os indivíduos lhe forneçam os recursos de que necessita. Institui o tributo. O poder de tributar nada mais é que um aspecto da soberania estatal, ou uma parcela desta.” (Machado, 2010, p. 33).

Destarte, o Estado, ao exercer a sua soberania, impõe aos sujeitos passivos da relação jurídico-tributária que lhe forneçam recursos para que possa fazer a máquina pública girar. No entanto, esse poder de tributar possui limitações, estando grande parte delas previstas no texto constitucional, e deve observar a isonomia e equidade no seu território.

Nesse sentido, ao se comprometer a exercer suas atividades essenciais em busca da efetivação de uma ordem social justa, o Estado deverá estabelecer uma tributação democrática, respeitosa e equilibrada.

Entrementes, percebe-se que embora ele detenha o dever de assegurar a justiça tributária, garantindo a isonomia entre os cidadãos, como dispõe o artigo 150 da Carta Constitucional, falha ao adotar uma estrutura tributária em que a carga tributária recai de forma mais onerosa a pessoas menos favorecidas.

Para tanto, forçoso elucidar alguns conceitos basilares para a adequada compreensão da temática enfrentada neste ensaio.

  • Competência tributária

O termo “Competência tributária”, em sua essência, traz a ideia de Direito: tem competência quem recebe atribuição outorgada pelo ordenamento jurídico. Nela se verifica limitação ao poder de tributar do Estado sobre os seus contribuintes,  visto que o tributo deve ser instituído por meio de lei e aplicado mediante atividade administrativa plenamente vinculada pelo ente federativo agraciado constitucionalmente com a competência tributária.

Nesse sentido, num país democrático regido pelo Estado de direito, a tributação deve funcionar dentro de certos limites para poder ser exercida legalmente. Portanto, o conceito de competência tributária corresponde ao poder do Estado de tributar, que é legalmente limitado pela própria Constituição. (COSTA, 2022, p. 80).

Para que ocorra a repartição de competências, divide-se o próprio poder de tributar entre os entes da federação. Os artigos 153 a 156 da Constituição Federal trata da atribuição  facultativa conferida pela Carta Magna aos entes federativos, que consiste na autorização  de estabelecer determinados tributos em seu território, determinando quais ônus fiscais  cada ente pode instituir.

A referida repartição de atribuições fiscais são indelegáveis e irrenunciáveis e estão fixadas na Constituição Federal, não podendo ser alteradas por outro meio legislativo.

Conforme disposto no artigo 7º do Código Tributário Nacional, pode-se constatar que é possível a delegação ao que se refere a fiscalização e arrecadação (capacidade tributária ativa), mas nunca no que diz respeito à legislação ou instituição do ônus tributário. Veja-se:

Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição.

Por outro viés, o ente federativo tem o poder da tributação em suas mãos, e o fato  de, caso queira, permanecer inerte quanto à instituição dessa onerosidade, não culmina na perda dessa competência. Ou seja, a norma não está sujeita a qualquer lapso temporal, face à inexistência de prazo para exercício da atribuição a ele assegurada. (art. 8º CTN).

2.2 Princípios constitucionais tributários

Todo o ordenamento jurídico tributário é baseado em um conjunto de preceitos e normas comuns a todos os entes da federação, denominados princípios constitucionais tributários. O direito é um instrumento de defesa contra a supremacia e a arbitrariedade do Estado, e essa parte do direito positivo traz a busca pela proteção dos cidadãos contra o abuso de poder.

O princípio da igualdade garante isonomia a seus cidadãos perante a lei, observadas as suas diferenças materiais. O referido princípio está previsto na Constituição  Federal de 1988 no art. 5º, caput, que estabelece que a tributação deve ser aplicada de forma igualitária aos contribuintes, sem que haja discriminação arbitrária ou tratamento diferenciado injustificado entre indivíduos que se enquadrem nos mesmos critérios.

Segundo Anis Kfouri, a igualdade não é tratar a todos de forma igual, mas igualar os desiguais a ponto de que possam de fato ser comparáveis, (KFOURI, 2018, 173).

Esse princípio está amplamente ligado ao principal objeto deste estudo, já que o ônus financeiro do Estado deve ser financiado pela sociedade e a capacidade contributiva deve estabelecer a melhor forma de repartir esse ônus tributário entre os sujeitos passivos da relação jurídico-tributária.

Regina Helena Costa discorre que o princípio da capacidade contributiva é “a aptidão, da pessoa colocada na posição de destinatário legal tributário, para suportar a carga tributária, sem o perecimento da riqueza lastreadora da tributação” (COSTA, 2012, p. 101)

Essa premissa constitucional exige, portanto, um tratamento desigual entre os contribuintes, na medida em que as pessoas não são iguais na riqueza disponível para satisfazer suas necessidades, sendo dever do Estado selecionar, entre os patrimônios mais aptos, aqueles sobre os quais o ônus fiscal deve recair de forma mais intensa.

Destarte, apesar da teoria desse princípio ser amplamente aplicada no sistema tributário brasileiro, ela nem sempre incide de forma eficaz quando se trata de impostos indiretos, tributos que incidem sobre o consumo, afetando principalmente a parcela da população de menor poder aquisitivo, afetando a justiça jurídica e fiscal, fato que será abordado com maior profundidade ao longo do presente trabalho.

  • LINEAMENTOS DOS IMPOSTOS

Em análise preliminar, a estrutura organizacional da tributação, é um elemento da política fiscal que molda a maneira pela qual o Estado arrecada receitas para financiar suas operações e programas sociais, atuando legitimamente dentro de certos limites legais estabelecidos pela competência tributária.

Essa estrutura tributária é a espinha dorsal das finanças governamentais em todo o mundo, uma vez que essas contribuições obrigatórias, muitas vezes, são a principal fonte de receita para financiar os serviços públicos, infraestrutura e programas sociais. Portanto, eles desempenham um papel crucial na alocação de recursos, na redistribuição de riqueza e na estabilidade econômica. Os impostos, assim como as demais espécies tributárias, são estruturados e aplicados, é uma decisão de política pública que influencia diretamente a sociedade e a economia.

Destarte, os impostos são tributos de caráter compulsório, instituídos pelo Estado, de acordo com a competência tributária estabelecida pela Carta Magna de 1988 nos artigos 153 ao 155.

3.1 Classificação dos impostos

Como se vê, os impostos detêm uma importante função no que concerne à arrecadação e orçamento estatal. Constituem fonte preponderante de arrecadação estatal, possuindo relação direta com o controle da equidade fiscal entre os contribuintes.

Diante da complexidade encontrada no sistema tributário brasileiro, o conhecimento sobre o seu sistema de classificação é imprescindível para a compreensão desse importante mecanismo. Ele abarca diversos critérios, repercussão econômica e propósitos subjacentes.

3.1.1. Impostos diretos e indiretos

Os impostos diretos são aqueles que incidem sobre a renda do contribuinte, que deverá suportar o ônus tributário e abastecer os cofres públicos para a satisfação das necessidades públicas. Essa característica torna esse tipo de tributo extremamente transparente e visível para os contribuintes, uma vez que estão sob posse do ônus econômico e têm conhecimento de quanto estão contribuindo para os orçamentos públicos.

Essa tributação estabelece relação direta entre o fisco e os contribuintes de fato, sendo extremamente importante para arrecadação e financiamento de despesas públicas, além da promoção da equidade econômica na população.

Ademais, apresenta forte impacto na distribuição de renda no território nacional, visto que podem ser projetados para apresentarem onerosidade progressiva, ou seja, onde a alíquota é diretamente proporcional ao aumento de lucro ou renda dos contribuintes. Esse mecanismo tributário advém da famosa máxima aristotélica “igualdade para os iguais e desigualdade para os desiguais”. Essa expressão demonstra como funciona o referido mecanismo, onde pessoas com maior poder aquisitivo contribuem com uma parcela maior, quando comparado aos contribuintes menos favorecidos economicamente.

O Imposto de Renda é um notável exemplo para o mecanismo mencionado, uma vez que a alíquota do imposto é maior na medida que a renda ou lucro do contribuinte cresce, estabelecendo, na teoria, maior equidade econômica no território de incidência do imposto.

Por outro lado, os impostos indiretos contribuem, indiretamente, para a desigualdade. Isso ocorre porque esse tipo de tributo ostenta característica peculiar na forma de incidência sobre os contribuintes, uma vez que a carga tributária é transferida para os consumidores, por meio da cobrança e majoração de produtos e serviços. Portanto, o contribuinte não detém qualquer controle sobre essa tributação, contribuindo indiretamente com os orçamentos públicos ao adquirir produtos e serviços.

Tendo em vista que essa classificação de imposto esteja presente em uma vasta variedade de produtos e serviços, e que seja cobrada a mesma alíquota para todas as pessoas, as famílias que possuem menor poder aquisitivo tendem a gastar uma parcela maior da sua renda, quando em comparação com pessoas com rendas maiores. Logo, os impostos indiretos apresentam uma carga tributária desigual para com os consumidores, contribuindo indiretamente para a desigualdade social.

3.1.2. Impostos pessoais e reais

Como o próprio nome diz, os impostos pessoais exercem impacto e incidência diretamente em pessoas, atingindo rendas, propriedades e heranças. Essa tributação desempenha papel importante para arrecadação estatal, uma vez que essa tipificação é delineada com base na magnitude de ganhos e rendimentos financeiros, extensão de patrimônio e em casos específicos, há onerosidade sobre heranças e doações.

Nesse sentido, o parágrafo 1º do artigo 145 da Constituição Federal de 1988 define:

§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

O IR, imposto sobre a renda, é um claro exemplo de imposto pessoal, já que incide de forma direta nos rendimentos dos contribuintes.

Em outro viés, os impostos reais são instituídos em função de um objeto tributável, alheando-se das condições pessoais ou familiares dos contribuintes. Destarte, esse tipo de tributação incide, principalmente, com base na existência ou posse de bens ou ativos específicos, sem levar em consideração as condições ou características de cada contribuinte.

3.1.3 Impostos fiscais e extrafiscais

No complexo panorama fiscal instalado no Brasil, emergem dois conceitos importantes: impostos fiscais e extrafiscais. Esses elementos possuem características particulares que desempenham funções para o funcionamento do sistema fiscal, em sua totalidade, constituindo peças-chave na tributação do Estado.

Em análise preliminar, os impostos fiscais são tributos de caráter obrigatório e os contribuintes estão sujeitos a eles de acordo com as normas fiscais estabelecidas. Possuem como ideia central a aquisição de recursos financeiros, no que concerne à tributação, mantendo sua natureza de forma não vinculativa. O Estado, por sua vez, ao exercer seu poder de tributação, deverá arrecadar tais montantes financeiros, bem como possui a prerrogativa de alocá-los, de acordo com a discricionariedade.

Em outra perspectiva, os impostos extrafiscais transcendem a mera coleta de receita, uma vez que suas finalidades se estendem a objetivos mais amplos. Estes tributos, concebidos como instrumentos de política econômica, tem o propósito de alcançar metas específicas e direcionar o curso das atividades econômicas de maneira estratégica e alinhada com os objetivos governamentais.

Nesse sentido, se define como função extrafiscal do imposto quando, sob determinadas circunstâncias, se presta para algo mais que a mera obtenção de recursos.

3.1.4 Bases econômicas

Tal como explanado alhures, a competência tributária é conferida mediante indicações de situações passíveis de tributação. Nesse sentido, a Constituição Federal outorga a competência que delimita a tributação de determinadas bases econômicas, taxativamente arroladas por ela.

As bases econômicas, propriamente ditas, são um conjunto de elementos, critérios e valores que servem como referência para a incidência de determinada tributação. Elementos esses que se fazem alicerce para o cálculo dos impostos e contribuições, sendo peça-chave para os ganhos governamentais.

Os artigos 153, 155 e 156 estabelecem as bases econômicas sobre as quais cada ente político, de forma privativa, poderá instituir imposto, sem prejuízo, por certo, das competências residual e extraordinária da União, observados os seus requisitos próprios, nos termos do art. 154. Confere, assim, a tributação de determinadas riquezas à União (importação, exportação, renda, operações com produtos industrializados etc.), de outras aos Estados (circulação de mercadorias, propriedade de veículos automotores etc.) e de outras aos Municípios (prestação de serviços de qualquer natureza etc.). (PAULSEN, 2023, p. 46).

Para Leandro Paulsen, os critérios das bases econômicas ensejam um controle material no que concerne ao objeto da tributação, na análise do fato gerador, da base de cálculo e do contribuinte em face da riqueza que pode ser tributada. (PAULSEN, 2022, p. 46).

Ademais, cumpre mencionar que esses elementos e critérios presentes no ordenamento jurídico-tributário brasileiro têm relação direta com a arrecadação estatal, e consequentemente com a distribuição de renda no território de sua vigência. Isso porque as bases de cálculos determinam, de certa forma, a matéria-prima para o cálculo, a instituição dos impostos e contribuições e quem é responsável por pagá-los, afetando a tributação, a arrecadação e o financiamento dos gastos e projetos públicos.

3.1.5 Impostos progressivos, proporcionais e fixos

Em meio a esfera tributária, que por sua vez, se mostra bastante complexa, surgem três importantes conceitos que ao longo desse artigo foram tratados de forma rasa: os impostos progressivos, proporcionais e fixos.

Há tributos que a Carta Magna determina que possuam alíquotas progressivas, de modo que os contribuintes estejam sujeitos a cobranças distintas, a medida da comprovação de capacidade contributiva de cada um. Os impostos progressivos, como o próprio nome sugere, são aqueles que a alíquota de tributação majora conforme a renda ou o lucro do contribuinte também aumenta. Ou seja, à medida que o montante auferido por um indivíduo cresce, observa-se um incremento na proporção de sua renda que se submete à tributação. Leandro Paulsen define:

A progressividade é uma técnica de tributação através da qual se dimensiona o montante devido de um tributo mediante a aplicação de uma escala de alíquotas a outra escala correlata, fundada normalmente na maior ou menor revelação de capacidade contributiva. (2023, p. 77)

Nesse sentido, essa classificação de impostos visa chegar o mais próximo possível do que o princípio da capacidade contributiva busca assegurar no âmbito fiscal, visto que permite que as bases econômicas suportem alíquotas diretamente proporcionais a sua grandeza.

Os impostos proporcionais, por outro lado, encontram sua definição na carga tributária estável, já que sua principal característica é resultante da aplicação de uma alíquota fixa sobre uma base variável, isto é, a taxa de tributação permanece constante, independentemente do nível de renda do contribuinte. Ou seja, todos os contribuintes, independentemente de sua capacidade financeira, pagam a mesma proporção de sua renda ou base tributável.

Os impostos fixos, assim como o tributo supracitado, não contribuem para a resolução da problemática da distribuição de renda. Esses impostos apresentam a taxa de tributação uniforme para toda a população, tendo seu valor fixado em lei, não havendo qualquer distinção de classe ou renda entre os contribuintes.

3.1.6 Impostos seletivos

Dentre os mecanismos de tributação que se direcionam através da análise da capacidade contributiva, está a seletividade, onde a alíquota do imposto pode majorar de acordo com a natureza ou finalidade de determinados bens e serviços. Os impostos seletivos, detêm uma função extrafiscal e constitui uma ferramenta de política fiscal, que visa desestimular o consumo de determinados meios de serviços, bens ou direitos.

Conforme especificações e entendimentos doutrinários, a seletividade é diretamente dependente da essencialidade do produto ou objeto tributado. Nesse sentido, Paulsen ensina que:

A seletividade se presta para a concretização do princípio da capacidade contributiva ao implicar tributação mais pesada de produtos ou serviços supérfluos e, portanto, acessíveis a pessoas com maior riqueza. Certo é, em regra, que os produtos essenciais são consumidos por toda a população e que os produtos supérfluos são consumidos apenas por aqueles que, já tendo satisfeito suas necessidades essenciais, dispõem de recursos adicionais para tanto. A essencialidade do produto, portanto, realmente constitui critério para diferenciação das alíquotas que acaba implicando homenagem ao princípio da capacidade contributiva. (2023, p.78)

Desta forma, resta evidenciado que ao afirmar que a seletividade irá recair sobre algum bem ou serviço, é dizer que a tributação vai incidir nesse objeto tributável de forma mais gravosa, principalmente em produtos menos essenciais.

4 APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NOS IMPOSTOS INDIRETOS 

Os Princípios, no âmbito da disciplina jurídica, assumem caráter abrangente que por sua vez constitui bases e estruturas que assentam institutos e normas jurídicas, estabelecendo um ideal a ser diligentemente buscado. Os referidos princípios assumem funcionamentos basilares para o Direito, formando concepções centrais que norteiam a interpretação jurídica acerca de determinado assunto.

Tal como apontado anteriormente, a Constituição Federal de 1988 estabelece limites ao poder do Estado de tributar, e o princípio da capacidade contributiva surge no texto constitucional de maneira expressa em seu §1º do art. 145.

Para Leandro Paulsen, a capacidade contributiva não constitui apenas um critério de justiça fiscal capaz de fundamentar tratamento tributário diferenciado de modo que seja considerado como promotor e não como violador da isonomia. Configura verdadeiro princípio a orientar toda a tributação, inspirando o legislador e orientando os aplicadores das normas tributárias. (PAULSEN, 2023, p. 32)

O princípio da isonomia tributária firma a ideia no ordenamento jurídico, como dito anteriormente neste ensaio científico, que todos os contribuintes que se encontram em uma situação equivalente devem ser tratados de forma igual perante a lei, estabelecendo um notório comparativo e semelhança ao princípio da capacidade contributiva.

Nesse sentido, ao princípio da Capacidade contributiva se hospeda nos conceitos oriundos do princípio da igualdade, e ajuda a realizar os ideais democráticos no campo tributário.  (CARRAZZA, 2009)

No que concerne o princípio da capacidade contributiva, Luís Eduardo Schoueri denota que “na visão utilitarista, se os ricos têm maior capacidade contributiva que os pobres, podem eles pagar maior quantidade de tributos, já que a utilidade marginal da renda seria decrescente.” (2023, p. 117)

Em complemento, Leandro Paulsen afirma que o princípio da capacidade contributiva tem importante papel social, verbis:  

Se projeta nas situações extremas, de pobreza ou de muita riqueza. Impõe, de um lado, que nada seja exigido de quem só tem recursos para sua própria subsistência e, por outro lado, que a elevada capacidade econômica do contribuinte não sirva de pretexto para tributação em patamares confiscatórios. (2023, p. 83)

Através da observância e obediência desses princípios surgem os denominados impostos progressivos, nos quais tem suas alíquotas majoradas conforme a base de cálculo aumenta. Nesse esteio, Paulsen discorre:

Decorre desse princípio, basicamente, que o Estado deve exigir das pessoas que contribuam para as despesas públicas na medida da sua capacidade econômica, de modo que os mais ricos contribuam progressivamente mais em comparação aos menos providos de riqueza.” (2023, p. 82)

No tocante às espécies tributárias, surgem os impostos indiretos. A principal característica dessa classificação de tributos é a forma pela qual a carga econômica recai de fato sobre os contribuintes. Diferente de outros tipos de tributação que incidem sobre a renda do contribuinte diretamente, os impostos indiretos atingem o consumo de bens e serviços, sem identificar o real poder aquisitivo e de contribuição dos cidadãos. Ou seja, os impostos indiretos têm como característica a possibilidade de serem repassados para o preço do bem ou serviço, ou seja, o ônus financeiro é transferido ao consumidor.

No entanto, no âmbito do direito tributário, e com base nos princípios da isonomia e da capacidade contributiva, encontramos uma grande problemática, uma vez que essa modalidade de imposto, cujo destinatário final, denominado contribuinte de fato, consome os produtos e serviços com imposto já embutidos, o que impossibilita a análise real da capacidade contributiva do destinatário final dessa onerosidade

 Essa estrutura de tributação permite o aumento da tributação regressiva, onde a carga tributária que incide no consumo de produtos e serviços seja mais onerosa a pessoas de baixa renda. A tributação regressiva, por sua vez, afeta de forma mais intensa os grupos sociais de menor renda, na medida em que a carga tributária recai, em maior proporção, sobre o consumo, prejudicando, assim, os mais pobres.

No entanto, no complexo paradigma que se encontra o Brasil, onde o sistema tributário desempenha um papel essencial na mitigação da desigualdade social, não é possível graduar a alíquota dos impostos com base na capacidade contributiva de cada contribuinte, e nem que se retire o ônus tributário do contribuinte de fato em relação aos impostos indiretos, uma vez que os mesmos incidem sem qualquer averiguação econômica.

Destarte, conclui-se que o princípio da capacidade contributiva não alcança a referida modalidade de impostos, graduando e majorando as alíquotas à medida que o poder aquisitivo dos contribuintes aumentem.

No entanto, embora os impostos indiretos, que abrangem bens e serviços, não possam ser aplicados mediante o princípio da capacidade contributiva, eles podem, eventualmente, serem valorados com base no princípio da seletividade. 

Assim como a progressividade, a seletividade pode ser considerada como um subprincípio da capacidade contributiva, ou como entende Fábio Canazaro, a essencialidade possui uma autonomia adiante da própria capacidade contributiva, e se faz subprincípio da igualdade. Sobre a questão Leandro Paulsen destaca que:

A seletividade se presta para a concretização do princípio da capacidade contributiva ao implicar tributação mais pesada de produtos ou serviços supérfluos e, portanto, acessíveis a pessoas com maior riqueza. Certo é, em regra, que os produtos essenciais são consumidos por toda a população e que os produtos supérfluos são consumidos apenas por aqueles que, já tendo satisfeito suas necessidades essenciais, dispõem de recursos adicionais para tanto. A essencialidade do produto, portanto, realmente constitui critério para diferenciação das alíquotas que acaba implicando homenagem ao princípio da capacidade contributiva. (2023, p. 85)

Nessa perspectiva, o doutrinador prossegue, pontuando que a Carta Magna determina “como critério para a seletividade, a essencialidade do produto, mercadoria ou serviço, tendo como pressuposto, portanto, a presunção de que produtos supérfluos são adquiridos por aqueles com maior capacidade contributiva”. (2023, p. 85)

Por outro lado, cumpre mencionar que o legislador não é livre para identificar o que é ou não essencial como fator indicativo para quais produtos e serviços devem ser valorados de acordo com a sua essencialidade. Canazaro afirma que, sob o ponto de vista jurídico, “Mercadorias e serviços essenciais, […], são aquelas cujos valores constitucionais denotam ser indispensáveis à promoção da liberdade, da segurança, do bem-estar, do desenvolvimento, da igualdade e da justiça.” (2015, p.154).

Destarte, conclui-se que o princípio da essencialidade, sob influência e incidência do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, aplica alíquotas seletivas de acordo com a essencialidade do produto ou serviço.

Desse modo, os impostos indiretos, cujo contribuinte de fato é o destinatário final, não são abarcados quando se trata de capacidade contributiva, sendo impossível a distinção de capacidade contributiva entre os cidadãos. Em outro plano, o princípio da essencialidade pode, de certa forma, corrigir essa “falha” na matriz tributária. 

Portanto, o poder público, por sua vez, tem o dever de identificar e quantificar a carga tributária dos impostos de acordo com a sua essencialidade, valorando as alíquotas dos produtos e serviços mais utilizados por pessoas de menor poder aquisitivo, os denominados essenciais. Assim, por meio do princípio da seletividade, a isonomia tributária poderá ser alcançada de maneira efetiva, no que diz respeito aos impostos indiretos, a aplicação da capacidade contributiva e a concretização do conceito de “Estado de bem-estar social” idealizado pela Constituição Federal de 1988.

5 CONCLUSÃO

A Carta Magna, instituída em 1988 trouxe consigo princípios basilares para o Estado Democrático de Direito. Ao instituir o princípio da Capacidade Contributiva, a Constituição Federal o estabeleceu como critério de necessária observância visando alcançar a justiça e equidade tributária.

Nessa esteira, a capacidade contributiva se hospeda nas dobras do princípio basilar da igualdade, que estabelece que a tributação deve ser aplicada de forma igualitária aos contribuintes, sem que haja discriminação arbitrária ou tratamento diferenciado injustificado entre indivíduos que se enquadrem nos mesmos critérios. Portanto, busca oferecer ao legislador ferramentas para a persecução da justiça tributária. 

No entanto, apesar de buscar incessantemente a isonomia entre os contribuintes, o referido princípio encontra obstáculos para se fazer eficaz quando diz respeito aos impostos indiretos.

Diante de notória impossibilidade da aplicação desse princípio no instituto tributário dos impostos indiretos, surge a necessidade da aplicação em massa do princípio da seletividade, que determina a que uma alíquota seja majorada ou não de acordo com a essencialidade do produto ou serviço, buscando alcançar o mesmo fim por instrumento diverso. 

Deveras, a utilização do princípio da seletividade, por meio da essencialidade, busca sanar a problemática. Por meio dele alcança-se o mesmo fim visado pelos princípios basilares do ordenamento jurídico, ajudando na busca incessável dos objetivos do Estado Democrático de Direito para com seus contribuintes.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei nº 5.172, de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Brasília, DF: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acesso em: 29 nov. 2023.

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[1] Discente do oitavo período de Direito da Universidade Estadual do Tocantins – Unitins, campus Palmas. Estagiário da Defensoria Pública do Estado do Tocantins – E-mail: Leonardobrito@unitins.br

[2] Doutora em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR/CE); Mestre em Direito Ambiental pela Universidade Estadual do Amazonas (UEA/AM); Professora de Direito Tributário da Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS). e-mail: fernandamatos1@hotmail.com