AS TENSÕES ENTRE DIREITO TRIBUTÁRIO E TECNOLOGIA: ANÁLISE DA TRIBUTAÇÃO SOBRE SERVIÇOS DE VOIP À LUZ DA SEFAZ-PB E DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PARAÍBA
30 de dezembro de 2024TENSIONS BETWEEN TAX LAW AND TECHNOLOGY: ANALYSIS OF TAXATION ON VOIP SERVICES IN LIGHT OF SEFAZ-PB AND THE COURT OF JUSTICE OF PARAÍBA
Artigo submetido em 21 de outubro de 2024
Artigo aprovado em 04 de novembro de 2024
Artigo publicado em 30 de dezembro de 2024
Cognitio Juris Volume 14 – Número 57 – Dezembro de 2024 ISSN 2236-3009 |
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Autor(es): Juliana Coelho Tavares Marques[1] |
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RESUMO: O artigo analisa um caso concreto envolvendo a tributação do serviço de VoIP no estado da Paraíba, Brasil. São examinadas tanto a atuação da administração tributária do Estado da Paraíba, ao autuar a empresa e imputar-lhe o recolhimento do ICMS-Comunicação e do FUNCEP, quanto as estratégias processuais e decisões judiciais emanadas pelo Tribunal de Justiça da Paraíba em virtude do ato administrativo ilegal. O estudo tem como objeto a qualificação jurídico tributária do serviço de VoIP enquanto serviço de valor adicional. Busca-se tensionar a proteção consolidada no ordenamento jurídico brasileiro ao desenvolvimento tecnológico e as condutas do Fisco que, além de serem causadoras de insegurança jurídica, geram obstáculos à inovação.
PALAVRAS-CHAVE: Tributação; ICMS; Serviços de VoIP
ABSTRACT: The article analyzes a real case involving the taxation of the VoIP service in the state of Paraíba, Brazil. Both the conduct of the tax administration of the State of Paraíba, when charging the company and imputing the collection of ICMS-Communication and FUNCEP, as well as the litigation strategies and judicial decisions issued by the Court of Justice of Paraíba due to the illegal administrative act, are examined. The object of the study is the legal tax qualification of the VoIP service as an additional value service. It seeks to stress the protection consolidated in the Brazilian legal system to technological development and the conduct of the Tax Authorities, which, in addition to causing legal uncertainty, creates obstacles to innovation.
KEYWORDS: Taxation; State Sales tax; VoIP services
1 INTRODUÇÃO
O presente ensaio relata um estudo de caso que tem por objeto a qualificação jurídico-tributária dos Serviços de Valor Adicionado (SVA), representado pelo fornecimento de serviço VoIP (voice over internet protocol). De logo, merece destaque que os julgados que formam este trabalho mostram-se relevantes, considerando, por um lado, o ineditismo dos temas em discussão perante o Judiciário Paraibano, como também, ser tal polêmica reiterada noutras instâncias judiciais, inclusive no STF, tendo em vista a quantidade de serviços e tecnologias que podem ser considerados SVAs.
A pesquisa orbita no dilema entre a proposta lançada pelo Estado, ao proteger o desenvolvimento tecnológico e, noutro polo, a conduta da Administração Tributária ao criar entraves a esse mesmo desenvolvimento. Ou seja, não se pode apartar o Direito Tributário, do mandamento constitucional da proteção à inovação.
Sendo assim, surge a seguinte questão norteadora da pesquisa: a administração tributária estaria autorizada pelo ordenamento constitucional a abraçar entendimentos restritivos ao desenvolvimento tecnológico, aumentando, sobremaneira, os custos relacionados à atividade e a insegurança jurídica?
Em verdade, o que se tem visto neste estudo e noutras decisões conexas, é uma conduta administrativa que provoca, simultaneamente, o entrave do desenvolvimento e o enfraquecimento da segurança jurídica, pilares fundamentais ao exercício da liberdade econômica.
O trabalho, pois, metodologicamente, insere-se como exploratório e descrito, construído a partir do método hipotético-dedutivo. Utiliza-se da pesquisa documental e bibliográfica, a partir da análise de textos jurídicos e, em especial, de decisões focais da administração e do Poder Judiciário Paraibano.
Para tanto, o trabalho resta dividido em três partes. A primeira traça as bases da proteção à inovação no âmbito do direito brasileiro e de que forma se dá o rebatimento dessa macrovisão no âmbito da qualificação tributária, com ênfase nos novos desafios que estão sendo enfrentados para regulamentação através do Direito Tributário. As partes que seguem tratam do estudo caso, sendo que, num primeiro momento, cuida-se de conceituar o protocolo VoIP, de maneira técnica e jurídica, através da Lei Geral de Telecomunicações, bem assim das regulamentações da ANATEL. Por fim, detalha-se como a administração tributária paraibana procedeu diante dessa novel figura e de que forma o Tribunal de Justiça da Paraíba abraçou tese favorável ao contribuinte, privilegiando o aspecto inovador do serviço fornecido.
Desponta a importância da pesquisa, a partir da tentativa de, por um lado, evidenciar uma dicotomia intraestatal quanto ao problema da inovação e do desenvolvimento tecnológico e, noutro lado, apresentar um padrão hermenêutico para casos futuros que privilegie a proteção aos valores da Constituição Tecnológica.
2 O CENÁRIO DA REGULAÇÃO DA INOVAÇÃO NO BRASIL E O DIREITO TRIBUTÁRIO
Desde 2010 estamos vivenciando, a nível mundial, a Quarta Revolução Industrial (SCHWAB, 2016), que representa um novo passo na relação entre a sociedade e a tecnologia e é capaz de causar profundas mudanças econômicas, sociais e culturais. A revolução digital é caracterizada por meio da crescente interação entre os meios físico, digital e biológico, através da internet, inteligência artificial, robótica, tecnologias neurais, internet das coisas, blockchain, aprendizado de máquina, big data, entre outros.
O mundo 4.0 é reconhecido por suas 4 principais características: volatilidade, incerteza, complexidade (infinidade de dados disponíveis e variáveis interconectadas), e ambiguidade (impossibilidade predizer comportamentos e situações futuras amparados em decisões passadas). Em decorrência da nova configuração tecnológica, a esfera da economia é reestruturada, e passa a ser generativa (ARTHUR, 2009): um sistema complexo em constante evolução. Seu foco muda da otimização de operações fixas para a criação de novas combinações e novas ofertas configuráveis, cujos elementos – consumidores, investidores, empresas, autoridades governamentais – reagem aos padrões que esses elementos criam. Em suma: ordem e equilíbrio cedem espaço a abertura e indeterminação e surgimento de novidades perpétuas.
O Direito de tradição linear e cartesiana, com processos burocráticos e demorados, se torna incapaz de garantir equilíbrio econômico e social, e precisa ser redesenhado e repensado em sua observação e produção normativa em face das novas tecnologias e do novo paradigma da velocidade, complexidade e disrupção que a era digital traz consigo. Com efeito, diversas tecnologias que surgem diariamente não possuem equivalente normativo ou regulamentação específica, o que gera um grande ruído no mundo jurídico.
Nota-se, então, que a velocidade do progresso tecnológico e suas consequências econômicas e sociais ensejam uma nova forma da norma se compatibilizar com a realidade fática, num jogo entre regulação que permita a inovação, mas que também não ponha em risco os seus usuários. As tecnologias disruptivas estabelecem uma agenda urgente de reforma legal para que seja possível gerenciar os riscos e consequências deste novo paradigma.
O descompasso entre a atuação e as novas formas de funcionamento de mercado e da sociedade tem reflexos na intervenção estatal especialmente quanto a sua oportunidade, momento, forma e justificativa. Bennett (2013, p. 6) diagnostica três aspectos que desafiam a normatização estatal: conexão regulatória (harmonização do arcabouço normativo já existente com o cenário fático atual); problema de andamento (risco de regulação abrangente demais ou muito cautelosa, capaz de inviabilizar a tecnologia); e o momento mais eficiente para regulação, se logo quando a disrupção acontece ou se após o seu estabelecimento na sociedade.
No Brasil, a função regulatória e normativa do Estado, além de estar disposta no artigo 174 da Constituição Federal, é também delineada pela Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019[2]). Este diploma normativo reforça a proteção ao livre exercício da atividade econômica através de uma atuação estatal subsidiária e excepcional.
Destaque-se que a Lei de Liberdade Econômica insere como conteúdo da liberdade de iniciativa, a liberdade de inovar, ao dispor que é direito de pessoas físicas e jurídicas inserir no mercado novas modalidades de produtos ou serviços quando as normas infralegais se tornarem desatualizadas por força de desenvolvimento tecnológico, bem como, quando configura ser abuso de poder regulatório, redigir enunciados que impeçam ou retardem a inovação tecnológica.
Um ponto de atenção bastante relevante para o presente estudo é o de que a Lei de Liberdade Econômica limita sua própria aplicação ao ramo do Direito Tributário, ao prever em seu artigo 1º § 3º que, justamente, o arcabouço principiológico disposto nos capítulos I a III (Disposições Gerais, Declaração de Liberdade Econômica e Garantias de Livre Iniciativa) não se aplica a este ramo do Direito.
A ciência, tecnologia e inovação no Brasil, gozam de um status diferenciado desde a edição da EC nº 85/2015, que deu nova redação aos artigos 218 a 219-B da Constituição Federal. Fica disposto ser dever do Estado promover o desenvolvimento científico, pesquisa, tecnologia e inovação, voltando-se para a solução dos problemas brasileiros e o desenvolvimento produtivo nacional e regional[3], a partir da articulação entre todos os entes federativos e empresas privadas, inclusive por meio de parques e polos tecnológicos.
O direito tributário não fica imune às interações com as novas tecnologias e tem sido pauta de decisões judiciais, inclusive no Supremo Tribunal Federal. Para ilustrar a situação, temos o julgamento do STF na ADI 1945, que por maioria, reconheceu a constitucionalidade da incidência de ISS sobre contratos de licenciamento ou cessão de direito de uso de softwares desenvolvidos para clientes de forma personalizada ou “de prateleira”. O voto condutor, proferido pelo Ministro Dias Toffoli, deixou claro o afastamento da tributação via ICMS. Após esta decisão, tem-se que a tradicional distinção entre software de prateleira (padronizado) e por encomenda (personalizado) não é mais suficiente para a definição da competência para a tributação dos negócios jurídicos que envolvam programas de computador em suas diversas modalidades.
Outras questões relativas aos desafios da tributação na era digital seguem acaloradas, especialmente quando pensamos em classificação de serviços. Um bom exemplo são as dificuldades envolvendo a tributação da internet das coisas (IoT). Carmo (2021) assevera que ao analisar o Plano Nacional de Internet das Coisas e a Consulta Pública 39/2019 da Anatel, extrai-se que os principais desafios para tributar IoT são a determinação da classificação dos serviços, a possibilidade de guerra fiscal e a elevada carga tributária incidente sobre esse ecossistema, que pode levar até mesmo a inviabilizar modelos de negócio. No mesmo sentido, Uhdre (2021) ressalta a questão que ainda permanece sobre operações complexas de OIT, acerca do momento de incidência do ISS e/ou do ICMS.
Não se pode deixar de mencionar o atual debate sobre a dinâmica que envolve a tributação no metaverso (URBIETA, 2022). Este ambiente pode ser conceituado, de forma muito simplória, como um mundo virtual que replica a realidade através de dispositivos digitais. Desse contexto surgem questões sobre como tributar bens digitais (imateriais e transmissíveis via licença de uso) e criptoativos, pairando dúvidas, por exemplo, sobre a incidência de ISS ou mesmo de ICMS. Além disso, surge um grande dilema: onde tributar, ou seja, de quem é a competência tributária, levando em conta a crescente desterritorialização e fragmentação desse novo mundo.
Como forma de propiciar eficiência e resiliência às empresas que aportam novas tecnologias, imperativo, outrossim, que tenhamos políticas tributárias que se alinhem ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 9, alusivo à indústria, inovação e desenvolvimento, em sua meta 9.b, ajustada ao Brasil, pugnando pelo “apoio ao desenvolvimento tecnológico, a pesquisa e a inovação nacionais, por meio de políticas públicas que assegurem um ambiente institucional e normativo favorável para, entre outras coisas, promover a diversificação industrial e a agregação de valor às commodities” (ODS 9 – Indústria, Inovação e Infraestrutura – Ipea – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável).
3 ANÁLISE DA TRIBUTAÇÃO SOBRE VoIP: SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÃO OU SVA?
O esforço para determinar qual tributo incide sobre o modelo de negócio que se embasa em tecnologia tem reflexos claros no dia a dia e na organização empresarial. A partir do estudo do caso da empresa D.S.C Ltda, podemos observar que a atuação do Fisco muitas vezes fere entendimentos já consolidados por tribunais regionais, no caso do TJPB e até mesmo superiores, como o STJ e o STF.
A D.S.C Ltda é uma empresa que se especializou no desenvolvimento de soluções que auxiliam a comunicação para empresas (B2B), inclusive por meio do uso da tecnologia “Voz sobre IP” ou “VoIP”. A funcionalidade primordial da solução oferecida pela empresa é a conexão de linhas telefônicas pré-estabelecidas de seus clientes com os sistemas de atendimento ao consumidor (CRM), permitindo que o usuário originador de chamadas telefônicas destinadas aos seus clientes seja prontamente identificado, viabilizando um atendimento personalizado, levando em conta todo um histórico de relacionamento do cliente.
Além disso, as centrais telefônicas (PABXs) e softwares fornecidos pela D.S.C Ltda, permitem que seus clientes utilizem uma rede de telecomunicações preexistente para estabelecer uma comunicação entre ramais telefônicos situados em filiais distintas, situadas em locais diversos. Neste ponto, é importante esclarecer que a solução não compreende o fornecimento de quaisquer linhas telefônicas, sejam elas fixas ou móveis. O serviço de telefonia deve ser contratado pelos próprios usuários diretamente junto às operadoras desse serviço. Importante destacar que este serviço não se confunde com provimento de acesso à internet, nem, tampouco como serviço de telecomunicação, conforme será visto no decorrer deste tópico.
Diante de tal modelo de negócio, a primeira questão que poderíamos fazer é se a empresa se enquadra no conceito de serviço de telecomunicação. Consoante entendimento esposado pelo Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, em caso que discutia as bases de definição se determinada empresa de Serviço de Comunicação Multimídia, estava ou não prestando serviço de telecomunicações, o colegiado do órgão fixou o entendimento de que a prestação de serviço de telecomunicações se caracteriza pelo oferecimento e a contratação de uma determinada “capacidade” de transmissão, emissão ou recepção de sinais, a uma determinada velocidade:
3.2.4 Sobre o mérito, vejamos o que dispõe o informe n.º 350/PVSTP/PVST/SPV, de 20/04/2012, cujos fundamentos adoto como razão de decidir:
[…]
5.2.4 Nesse sentido, vale registrar que somente empresas autorizadas pela Anatel podem fornecer “capacidade” de transmissão, emissão ou recepção de informações (arts. 60 e 131, ambos da LGT). Por exemplo, caso uma pessoa física ou jurídica deseje contratar uma certa capacidade de transmissão ou recepção (ex.: 200 kbps; 256 kbps; 300 kbps; 1 Mbps, etc.) seja ela banda estreita ou banda larga, deverá contratá-la de empresa devidamente autorizada pela ANATEL.
Assim, de acordo com a perspectiva da própria ANATEL, órgão que regula o setor de telecomunicação, a D.S.C Ltda não fornece qualquer “capacidade” de transmissão, emissão ou recepção de informações. Portanto, apenas caberia a imputação de pagamento do ICMS se a D.S.C Ltda fornecesse a referida “capacidade”, o que não é o caso. E como se classificariam, então, os serviços de VoIP, para fins de tributação?
A resposta é que os serviços fornecidos são considerados serviços de valor adicionado (SVA), nos termos do art. 61 da Lei n. 9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações), regulamentada pela Resolução Anatel nº 73, de 25 de novembro de 1998:
Lei n. 9.472/1997 – Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.
§ 1º Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.
Res. Anatel 73/1998 – Art. 3º. Não constituem serviços de telecomunicações:
(…)
III – os serviços de valor adicionado, nos termos do art. 61 da
Lei 9.472 de 1997.”
Neste sentido, inclusive, o Supremo Tribunal Federal já assentou que os SVAs efetivamente distinguem-se dos serviços de telecomunicações. Nos autos da ADI-MC nº 1.491/DF, o Ministro Relator Carlos Veloso asseverou que, ontologicamente, o serviço de telecomunicações não se identifica com o serviço de valor adicionado. Este último nada mais é que “um acréscimo de recursos a um serviço de comunicações que lhe dá suporte, criando novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação e recuperação de informações”.
Em síntese, o SVA corresponderia a uma “mera adição de valores a serviços de comunicações já existentes”, não incidindo, portanto, o pagamento de ICMS. É exatamente essa a natureza do serviço de VoIP da D.S.C Ltda: a empresa fornece a seus clientes serviços que apenas se consolidam mediante uma prévia instalação de rede de comunicação estabelecida, com operadores distintos e feitos mediante escolha própria, caracterizando o objeto da prestação dos serviços como serviços de valor adicionado e, portanto, não submetidos à incidência do ICMS-Comunicação.
Sendo considerado serviços de valor adicionado (SVA), não há possibilidade de imputação do ICMS – telecomunicação, esse é o entendimento que vem sendo adotado no âmbito Supremo Tribunal Federal – STF, Superior Tribunal de Justiça – STJ, e do Tribunal de Justiça da Paraíba – TJPB. Neste ponto, tendo em vista o a Súmula n. 334, cabe destacar que o entendimento do STJ é de que a não incidência do ICMS sobre o provimento de acesso à internet deve-se justamente ao fato de que este é um serviço de valor adicionado e não de telecomunicações – mesma hipótese dos serviços prestados pela D.S.C Ltda.
O ICMS – Comunicação, por sua vez, é previsto no Art. 155, inciso II, da Constituição Federal e encontra-se regulamentado pela Lei Complementar nº 87/96, Art. 2º, inc. III:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;”
Art. 2° O imposto incide sobre:
III – prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;
Portanto, conforme se depreende dos dispositivos legais expostos, para que haja a incidência do ICMS-Comunicação, é indispensável que: i) exista relação comunicativa (formada por cincos elementos: emissor, receptor, meio de transmissão, código e mensagem transmitida); ii) a comunicação seja viabilizada por um terceiro, mediante remuneração. Ausentes quaisquer dos requisitos acima, não há que se falar em incidência do ICMS. Portanto, se os serviços ofertados pela D.S.C Ltda não se prestam a promover uma efetiva relação comunicativa, são meros usuários da infraestrutura de telecomunicações e, logo, considerados “Serviços de Valor Adicionado” (SVA).
Apesar da pouca jurisprudência sobre o assunto no âmbito do TJ/PB, em acórdão proferido no Agravo Interno interposto pela Fazenda Estadual, tombado sob o n. 0026451-31.2013.815.2001, sob relatoria do Desembargador João Alves da Silva, a corte aplica e reforça o posicionamento do STJ sobre o assunto:
AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO TRIBUTÁRIA. PROCEDÊNCIA. ICMS. SERVIÇOS DE PROVEDOR DE ACESSO À INTERNET. NÃO INCIDÊNCIA. ENTENDIMENTO SUMULADO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (SÚMULA 334/STJ). DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA. DESPROVIMENTO DO RECURSO. –
Não incide o ICMS sobre o serviço prestado pelos provedores de acesso à internet, uma vez que a atividade desenvolvida por eles constitui mero serviço de valor adicionado, nos termos do art. 61 da Lei Federal n. 9472/97 e Súmula n. 334 do egrégio STJ (Súmula n. 334. O ICMS não incide no serviço dos provedores de acesso à Internet) (TJPB – ACÓRDÃO/DECISÃO do Processo Nº 00264513120138152001, 4ª Câmara Especializada Cível, Relator DES. JOÃO ALVES DA SILVA, j. em 21-05-2019).
O caráter tormentoso relativo à tributação do SVA foi, recentemente, reafirmado pelo Min. Nunes Marques, no julgamento da ADI 6199, em 16.08.22. O Ministro, em julgamento de questão que envolvia a inconstitucionalidade de Lei do Estado de Pernambuco que proibia operações econômicas de SVA de forma conjunta à operadoras de telefonia, reconheceu que a qualificação tributária do SVA não é de fácil solução. Isso porque o ICMS não incide em serviços de provedores de acesso à internet, mas, tampouco está previsto na lista da Lei Complementar n.116/2003, que dispõe sobre o Imposto sobre serviços, donde a atividade acabaria livre de qualquer tributação.
Se há conceituação possível e efeitos tributários claros (não incidência de ICMS) dentro do ordenamento jurídico posto para classificação dos serviços da D.S.C Ltda, na modalidade de SVA, inclusive com posicionamentos das cortes superiores e da agência regulamentadora, poder-se-ia pensar que a matéria está pacificada e sequer seria necessário maior aprofundamento sobre a questão. Mas, não é isso que se vê na prática, conforme será exposto no próximo tópico.
4 TENSIONAMENTO ARGUMENTATIVO ENTRE A ATUAÇÃO DO FISCO PARAIBANO E O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PARAÍBA
No caso das operações da D.S.C Ltda, o Fisco Estadual da Paraíba, autuou a empresa, fundamentando-se na premissa de que a ela prestaria serviços de telecomunicação, ainda que de natureza intermediária e adicionada, embasando tal autuação na Cláusula Primeira do Convênio ICMS 69/98, que prevê que:
se incluem na base de cálculo do ICMS incidente sobre prestações de serviços de comunicação os valores cobrados a título de acesso, adesão, ativação, habilitação, disponibilidade, assinatura e utilização dos serviços, bem assim aqueles relativos a serviços suplementares e facilidades adicionais que otimizem ou agilizem o processo de comunicação, independentemente da denominação que lhes seja dada. (grifo nosso)
É interessante destacar que o Convênio do ICMS que fundamentou a autuação da administração tributária é do ano de 1998, legislação, portanto, anacrônica, se levarmos em consideração que o VoIP chegou ao mercado em 2000 e, no Brasil, apenas começou a ser comercializado em larga escala no ano de 2007. Ou seja: já houve tempo suficiente para atualização das normas tributárias sobre a matéria, com adequação a realidade fática do desenvolvimento tecnológico, porém ao optar pela permanência do Convênio sem ajustes, o Fisco obriga os contribuintes à buscarem o Judiciário para ver seus interesses analisados à luz do presente, e, não do passado.
No caso, foram lavrados dois autos de infração, que geraram, por conseguinte, dois processos administrativos tributários (PATs), um cobrando o ICMS-Telecomunicação (Processo Administrativo n. 1358442017-2) e o outro, como consectário lógico, cobrando os valores devidos a título de recolhimentos para o FUNCEP (Processo Administrativo 1358492017-5).
Ao apreciar a defesa administrativa em decisão monocrática no PAT sobre o FUNCEP, em 23/08/2019, a Administração Fiscal julgou procedente o auto de infração entendendo que a prestação de serviços intermediários e adicionados necessários à conclusão da comunicação, assim como os serviços a ela agregados, se submetem no recolhimento do ICMS[4], utilizando-se como fundamentação da decisão do caso em estudo, precedente firmado no Acórdão n. 402/2017 do CRF/PB, que assim dispôs:
ICMS COMUNICAÇÃO. FALTA DE RECOLHIMENTO. SERVIÇOS ERRONEAMENTE CLASSIFICADOS PELO CONTRIBUINTE COMO ISENTOS OU NÃO TRIBUTADOS. PRELIMINAR. VÍCIO FORMAL. INEXISTÊNCIA. ILICITUDE CARACTERIZADA. ICMS. AJUSTES. AFASTADA EM PARTE A APLICAÇÃO DA MULTA RECIDIVA. AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE. MODIFICADA DECISÃO RECORRIDA QUANTO AOS VALORES. RECURSO HIERÁRQUICO DESPROVIDO E VOLUNTÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO.
[…]
– A prestação de serviços intermediários e adicionados necessários à conclusão da comunicação, assim como os serviços a ela agregados se submetem ao recolhimento do ICMS. Ilação à Cláusula Primeira do Convênio ICMS 69/98, onde se lê que “se incluem na base de cálculo do ICMS incidente sobre prestações de serviços de comunicação os valores cobrados a título de acesso, adesão, ativação, habilitação, disponibilidade, assinatura e utilização dos serviços, bem assim aqueles relativos a serviços suplementares e facilidades adicionais que otimizem ou agilizem o processo de comunicação, independentemente da denominação que lhes seja dada. […]
Diante da decisão monocrática, em 10/10/2019, a D.S.C Ltda interpôs Recurso Voluntário, sustentando que o entendimento se encontrava em dissonância com a jurisprudência do STF, STJ, e do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB). O recurso foi então julgado pela Primeira Câmara de julgamento do CRF/PB, que manteve a procedência do auto de infração impugnado, por meio do Acórdão 0222/2021, prolatado em 23/06/2021, com a seguinte ementa:
FALTA DE RECOLHIMENTO DO FUNCEP – FUNDO DE COMBATE E ERRADICAÇÃO DA POBREZA. INFRAÇÃO CONFIGURADA. MANTIDA DECISÃO RECORRIDA. AUTO DE INFRAÇÃO PROCEDENTE. RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO.
– O Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza no Estado da Paraíba – FUNCEP/PB, cujo valor corresponde a um adicional de 2% sobre o valor da prestação, incide sobre as operações de serviço de comunicação.
– As prestações de serviços auxiliares, de valor adicionado e intermediários, essenciais ao serviço de comunicação, estão no campo de incidência do ICMS e, consequentemente, do FUNCEP, nos termos da Cláusula Primeira do Convênio ICMS 69/98. (Grifo nosso)
Diante da relevância que tal acórdão tem para este estudo, opta-se pela transcrição integral de alguns trechos da fundamentação do Acórdão da Sefaz/PB:
[…] Considerando que a recorrente admite que o fornecimento dos Links de dados caracteriza a prestação de serviços de comunicação, a discussão da presente lide centraliza nas prestações de serviço de “Voz sobre IP” […] Sobre estes pontos, como bem observado pela instância a quo, a natureza dos serviços prestados se adequa ao conceito de “valor adicionado”, devendo ser tratados como serviços onerosos de comunicação, consoante se extrai do art. 3º, III, da Lei nº 6.379/96, que acompanha o que disciplina a LC nº 87/96, pois, extrai-se da citada norma que as prestações onerosas de comunicação por qualquer meio ou de qualquer natureza, incide ICMS, consequentemente, sujeitando-se também à incidência do FUNCEP. […]
[…] Todavia, embora haja jurisprudência ao contrário, conforme citado pela recorrente, esta Corte Administrativa tem entendimento diverso em relação aos serviços adicionais onerosos ao de comunicação, pois estes caracterizam sim fato gerador do ICMS, e consequentemente do FUNCEP. É cediço que um serviço de telecomunicação consiste na disponibilização onerosa dos meios necessários a viabilizar a oferta de comunicação entre os usuários.
Com isso, são partes integrantes do serviço de telecomunicação os equipamentos e atividades operacionais essenciais ao funcionamento dessa rede de equipamentos. Logo, todas as atividades, sejam de instalação, manutenção ou controle, necessárias para prover e manter o serviço dentro de padrões definidos nos acordos de nível de serviços, aí compreendidas a disponibilização de equipamentos, na medida em que demostrem serem essenciais para prover a estrutura e as atividades necessárias mantendo o seu funcionamento, configuram partes indissociáveis do serviço de telecomunicação, devendo seus custos serem computados na base de cálculo do ICMS sobre o serviço, bem como sobre o FUNCEP.
Neste sentido, as receitas decorrentes dos serviços de “Voz sobre IP”, caracterizado como serviços suplementares ou facilidades adicionais, bem como o fornecimento de software, links de dados, que são fornecidos com utilização da estrutura de telecomunicação da empresa, devem compor a base de cálculo do ICMS–Comunicação e FUNCEP, por força da Cláusula Primeira do Convênio ICMS nº 69/98, que se encontra em pleno vigor, portanto, produzindo os efeitos que lhes são próprios.
Portanto, não visualizamos inconvenientes para classificar os serviços de valor adicionado como serviços de telecomunicação, haja vista neles estarem presentes a onerosidade, a utilização de um canal entre o emissor e o receptor e a transmissão da mensagem por símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, que agilizem ou otimizem o processo de comunicação.
Sobre o disposto no §1º do art. 61 da Lei Geral das Telecomunicações, de que os serviços de valor adicionado não constituem serviços de telecomunicação, estabelecemos primazia pelo que dispõe a norma tributária, supracitada, já que se cuida aqui de caso de exigência dos tributos estaduais sobre os serviços de telecomunicação. Assim, tendo em vista a plena vigência do Convênio ICMS nº 69/98, considero acertada a inclusão das receitas referentes aos serviços suplementares e facilidades adicionais na base de cálculo do FUNCEP.
Observe-se que da fundamentação do Acórdão 0222/2021 é possível concluir que: i) a empresa efetivamente prestou serviços de valor adicionado (SVA) na modalidade de VoIP e ii) a existência de legislação específica (art. 61 da Lei de Telecomunicações) e jurisprudência sedimentada contrária ao entendimento da SEFAZ-PB seria desconsiderada naquele momento em virtude do Convênio ICMS 69/98 e das próprias decisões administrativas do Fisco Paraibano, possibilitando, assim, a cobrança de ICMS em serviços de valor adicionado, mantendo-se, por fim, a imputação do auto de infração relativo ao FUNCEP.
Este caso guarda ainda mais uma peculiaridade. O processo administrativo de número 1358442017-2, referente a cobrança de ICMS-COMUNICAÇÃO, continua, até o momento da finalização deste artigo, pendente de julgamento de um recurso especial administrativo, porém, ainda assim, a administração fiscal imputou valores a título de FUNCEP à D.S.C Ltda, em total violação do princípio de que o acessório (valores devidos a título de FUNCEP) seguem o principal (valores devidos a título de ICMS – Comunicação) e não o contrário.
A discussão envolvendo a cobrança de ICMS em serviços de VoIP foi levada ao TJPB através de dois processos. O primeiro, um Mandado de Segurança, impugnando a decisão relativa à cobrança de FUNCEP (Processo n. 0800653-20.2022.8.15.2001), em trâmite na 2ª Vara da Fazenda Pública de João Pessoa- PB. O outro, uma Ação Anulatória, que tem como objeto a autuação relativa à cobrança do ICMS-Telecomunicação (Processo n. 0813839-13.2022.8.15.2001), em trâmite perante a 5ª Vara da Fazenda Pública de João Pessoa-PB.
No Mandado de Segurança, foi concedida a medida liminar, pela magistrada Silvanna Pires Moura Brasil, para suspender os efeitos do Auto de Infração e, por decorrência do PAT 1358442017-2, fundamentando sua decisão no fato de que por prestar serviço de valor adicionado, não é possível se falar em incidência do ICMS e, por decorrência lógica, não estaria submetido ao recolhimento do FUNCEP:
[…] Pois bem, verifica-se que os serviços prestados pela impetrante são considerados Serviços de Valor Adicionado, nos termos do art. 61 da Lei n. 9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações) […] Logo, caracterizando o objeto da prestação dos serviços DIGIVOX como serviços de valor adicionado, conclui-se pela não incidência do ICMS-Comunicação e, por decorrência lógica, não submetidos à contribuição FUNCEP […]
A Fazenda Estadual interpôs Agravo de Instrumento e, posteriormente Agravo Interno, que foram desprovidos pela 1ª Câmara Cível do TJPB, mantendo-se a decisão de primeiro grau, conforme fundamentação abaixo:
AGRAVO INTERNO. IRRESIGNAÇÃO. SUSPENSÃO DA COBRANÇA DE ICMS SOBRE SERVIÇO DE PROVEDOR DE INTERNET (SVA). NÃO INCIDÊNCIA DE ICMS SOBRE SERVIÇO PRESTADO PELOS PROVEDORES DE INTERNET. INTELIGÊNCIA DO ART. 61 DA LEI 9.472/97 E SÚMULA 334 DO STJ. MANUTENÇÃO DA DECISÃO E DESPROVIMENTO DO AGRAVO INTERNO. – Não incide o ICMS sobre o serviço prestado pelos provedores de acesso à internet, uma vez que a atividade desenvolvida por eles constitui mero serviço de valor adicionado, nos termos do art.61 da Lei Federal n.9472/97 e Súmula n.334 do egrégio STJ [Agravo Interno em Agravo de Instrumento de n. 0801664-73.2022.8.15.0000].
Nos autos da Ação Anulatória, também foi concedida a tutela antecipada com o fim de suspender a exigibilidade do crédito tributário relativo ao ICMS- Comunicação. O Magistrado em tal decisão, trouxe uma fundamentação robusta sobre a natureza de SVA do serviço de VoIP:
Com se vê, não se constitui fato gerador de ICMS-Comunicação qualquer outro serviço de telecomunicação ofertado que não se enquadra no conceito de serviço de telecomunicação definido pela LGT no art. 60, a exemplo do “Serviço de valor adicionado”, conforme se extrai do art. 61 do mesmo diploma legal […]
Analisando a lei supracitada, o serviço prestado pela promovente (VoIP -Voice over Internet Protocol) apenas utiliza da infraestrutura de empresas de telefonia para prestar serviços de comunicações entre ramais telefônicos. Não há definição pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) que tal serviço se enquadre como um serviço próprio de telefonia, havendo diversas discussões a respeito de que o serviço se trata apenas de uma “tecnologia” e que se amolda a ideia de “Serviço de valor adicionado”. […]
De modo que, as atividades exercidas pela promovente pode ser qualificada, até então, como um serviço de valor adicionado.
Como se viu acima, aLei nº 9.472/1997 ao definir o serviço de telecomunicações, excluiu o serviço de valor adicionado, que se caracteriza comoatividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.
[…]
O fisco estadual, por outro lado, tem entendido que os serviços prestados pela promovente, compreendido como de valor adicionado,são atividades quese conectam aos serviços de comunicação/telecomunicação, o que deveincidira cobrança deICMSsobre tais serviços.
Todavia, muito embora o ente público preveja a qualificação desse serviço como serviço de comunicação, não há como se afirmar que o serviço prestado por tecnologia “VoIP” se enquadra a serviço de comunicação e, consequentemente, seja tributado pelo ICMS.
O serviço de valor adicionado é um serviço não-telefônico cobrado do assinante toda vez que é usado ou na forma do contrato assinado entre as partes, caracterizando uma atividade que acresce ao serviço de comunicação lhe dando um determinado suporte.
Portanto, não como se cogitar que o serviço prestado por tecnologia “VoIP” constitui base de cálculo do ICMS. […]
Como se vê, há evidente discrepância entre o ICMS cobrado pelo Fisco Estadual e a hipótese de incidência descrita na lei e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF, Superior Tribunal de Justiça – STJ e Tribunal de Justiça da Paraíba – TJ/PB, gerando insegurança jurídica para os contribuintes paraibanos, que seguem sujeitos à autuações arbitrárias, em uma verdadeira guerra tributária entre Município (que cobra o ISS) e Estado (através da cobrança do ICMS).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Daquilo que foi exposto nas partes precedentes, restou evidenciada a necessidade de uma equalização entre setores da administração pública, a partir de um único vetor constitucional.
Com efeito, é preciso que o Estado se apresente ao produtor de novas tecnologias com um único discurso. E essa abordagem deve sempre ser presidida por um espírito que privilegie o desenvolvimento tecnológico. Pensar diferente é incrementar custos de transação e inibir a aparecimento de novas soluções para o mercado, em vários setores, particularmente o da comunicação de voz e dados.
O estudo de caso revelou que a administração tributária ainda não está preparada para promover uma qualificação de novas tecnologias, a partir daquilo que elas realmente significam e emprestam ao consumidor, lançando mão, muitas vezes, de regulamentos ultrapassados que não se adequam ao novo cenário. Por mais que seja restritiva a aplicação da norma tributária, não podemos nos furtar ao fato que ela não pode acompanhar pari passu o surgimento do novo.
E, como tal, novas soluções jurídicas devem ser construídas, com coragem e sensibilidade. Desta forma, confirma-se a hipótese eleita, a revelar esse comportamento dessincronizado entre as esferas administrativas, sendo emergencial, o desenvolvimento de uma cultura de inovação, igualmente voltada para o Direito Tributário, este que não pode viver apartado, como se fosse um subsistema autônomo, a encarar o fenômeno da inovação a partir de um prisma antigo. Notadamente, há gap tecnológico que nos separa de outras economias desenvolvidas e, permanecer atrelados às visões do passado, em nada ajudará na sua superação.
REFERÊNCIAS
ARTHUR, W. Brian. The Nature of Technology: What It Is and How It Evolves. Nova York: Free Press, 2009.
BENNETT, Lyria Moses, How to Think About Law, Regulation and Technology: Problems with ‘Technology’ as a Regulatory Target (2013). (2013) 5(1) Law, Innovation and Technology 1-20, UNSW Law Research Paper No. 2014-30. Disponível em : https://ssrn.com/abstract=2464750 .
CARMO, Eduarda Erbiste do. Desafios tributários na regulamentação da Internet das Coisas. Revista de Direito Tributário Contemporâneo. vol. 28. ano 6. p. 41-53, 2021. Disponível em: https://dspace.mj.gov.br/bitstream/1/6507/1/RDTC_N28_P41-53.pdf
UHDRE, Dayane de Carvalho. Internet das coisas e seus desafios tributários: ISS e/ou ICMS? Eis a questão. Revista FESDT, n. 09, 2021. Disponível em: https://www.fesdt.org.br/docs/revistas/9/artigos/1.pdf
URBIETA, Celso Reic. O fato gerador nos metaversos. In: SOUZA, Bernardo de Azevedo e (Coord). Metaverso e direito: desafios e oportunidades. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022. SCHWAB, Klaus. La Cuarta Revolución Industrial. Bogotá: Foro Económico Mundial/ El Tiempo Casa Editorial, 2016. [ebook – kindle version].
[1] Doutora em Ciências Jurídicas pelo CCJ/UFPB, na área de concentração em Direitos Humanos e Desenvolvimento, linha de pesquisa em Direitos Sociais, Regulação Econômica e Desenvolvimento. Email: juliana.coelho@academico.ufpb.br
[2] Art. 1º/ Lei nº 13.874/2019 Fica instituída a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, nos termos do inciso IV do caput do art. 1º, do parágrafo único do art. 170 e do caput do art. 174 da Constituição Federal.
Art. 2º Lei nº 13.874/2019 São princípios que norteiam o disposto nesta Lei:
I – a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas; […]
III – a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; […]
Art. 3º Lei nº 13.874/2019 São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal: […] VI – desenvolver, executar, operar ou comercializar novas modalidades de produtos e de serviços quando as normas infralegais se tornarem desatualizadas por força de desenvolvimento tecnológico consolidado internacionalmente, nos termos estabelecidos em regulamento, que disciplinará os requisitos para aferição da situação concreta, os procedimentos, o momento e as condições dos efeitos;
Art. 4º/Lei nº 13.874/2019 É dever da administração pública e das demais entidades que se vinculam a esta Lei, no exercício de regulamentação de norma pública pertencente à legislação sobre a qual esta Lei versa, exceto se em estrito cumprimento a previsão explícita em lei, evitar o abuso do poder regulatório de maneira a, indevidamente: […] IV – redigir enunciados que impeçam ou retardem a inovação e a adoção de novas tecnologias, processos ou modelos de negócios, ressalvadas as situações consideradas em regulamento como de alto risco;
[3] Art. 218 § 2º A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.
[4] FUNDO DE COMBATE E ERRADICAÇÃO DA POBREZA (FUNCEP) – FALTA DE RECOLHIMENTO – DENÚNCIA COMPROVADA. – As prestações de serviços auxiliares, de valor adicionado e intermediários, essenciais ao serviço de comunicação, estão no campo de incidência do ICMS e, consequentemente, do FUNCEP, nos termos da Cláusula Primeira do Convênio ICMS 69/98. AUTO DE INFRAÇÃO PROCEDENTE.