AS DIVERSAS FORMAS DE MORRER E OS REFLEXOS NO DIREITO BRASILEIRO

AS DIVERSAS FORMAS DE MORRER E OS REFLEXOS NO DIREITO BRASILEIRO

30 de junho de 2024 Off Por Cognitio Juris

THE VARIOUS WAYS OF DYING AND THE REPERCUSSIONS ON BRAZILIAN LAW

Artigo submetido em 03 de junho de 2024
Artigo aprovado em 17 de junho de 2024
Artigo publicado em 30 de junho de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 55 – Junho de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Loany Ferreira De Jesus Medeiros [1]
Natália Costa Machado [2]
Ceres Daiane Gavioli Ramos dos Santos[3]

RESUMO: Este trabalho aborda a temática da eutanásia e suas nuances no contexto jurídico e ético, elucidando as diferenças entre eutanásia, distanásia, ortotanásia e suicídio assistido. A análise é conduzida a partir da legislação brasileira e do direito comparado, com foco em casos emblemáticos no Brasil e em outros países. Metodologicamente, a pesquisa utiliza uma abordagem qualitativa e descritiva, a partir da revisão bibliográfica e notícias sobre casos reconhecidos. A análise crítica considera a autonomia da vontade e a dignidade da pessoa humana, investigando a capacidade de decisão sobre a forma de morrer, tanto no aspecto da dor física incurável quanto na dor psicológica. É realizada uma análise comparativa destacando os países que permitem a eutanásia e os critérios adotados por cada um deles. Casos emblemáticos são descritos para ilustrar as diferenças e semelhanças nas abordagens jurídicas e éticas e como eles colaboraram para o avanço da autorização da eutanásia. Além disso, a influência da religião é brevemente analisada, considerando a predominância da cultura cristã na sociedade e seu impacto nas percepções sobre a morte assistida. O trabalho busca fornecer uma compreensão abrangente da eutanásia, considerando seus aspectos jurídicos, éticos, filosóficos e religiosos, e contribuindo para o debate sobre a autonomia e dignidade no fim da vida.

Palavras-chave: Eutanásia. Morte com dignidade. Casos emblemáticos.

ABSTRACT: This work addresses the topic of euthanasia and its nuances in the legal and ethical context, elucidating the differences between euthanasia, dysthanasia, orthothanasia and assisted suicide. The analysis is conducted based on Brazilian legislation and comparative law, focusing on emblematic cases in Brazil and other countries. Methodologically, the research uses a qualitative and descriptive approach, based on a bibliographic review and news about recognized cases. Critical analysis considers the autonomy of will and the dignity of the human person, investigating the ability to decide on how to die, both in terms of incurable physical pain and psychological pain. A comparative analysis is carried out highlighting the countries that allow euthanasia and the criteria adopted by each of them. Emblematic cases are described to illustrate the differences and similarities in legal and ethical approaches and how they contributed to the advancement of the authorization of euthanasia. Furthermore, the influence of religion is briefly analyzed, considering the predominance of Christian culture in society and its impact on perceptions about assisted death. The work seeks to provide a comprehensive understanding of euthanasia, considering its legal, ethical, philosophical and religious aspects, and contributing to the debate on autonomy and dignity at the end of life.

Keywords: Euthanasia. Death with dignity. Emblematic cases.

INTRODUÇÃO

A única certeza da vida é a morte, ela está presente em todos as formas de existência do universo, mas numa sociedade ocidental e de maioria cristã, a morte ainda é um tabu, especialmente ao serem consideradas outras formas de morrer que não aquela tida popularmente como natural, compreendidas pela comunidade médica como derrota.

Nesse trabalho será tratado sobre formas diversas de morrer em especial a eutanásia, e as diferenças com a distanásia, ortotanásia e suicídio assistindo,compreendendo o tratamento na legislação brasileira e no direito comparado. Tal análise de dará a partir da abordagem de casos emblemáticos no Brasil e no mundo, mediado por análise crítica acerca da autonomia da vontade e da dignidade da pessoa humana e sua capacidade de decisão sobre a forma de morrer, abordar a eutanásia para além da dor incurável física, mas também a dor psicológica.

Para isso é preciso conceituar de cada uma correlacionando com o direito comparado e apontando principais países que permitem a prática da eutanásia, bem como os critérios adotados por cada um deles a partir de casos emblemáticos. Por fim, de forma breve, são levantadas questões sobre a influência da religião no tema, visto estarmos em uma sociedade de maioria e cultura cristã. 

1. DISCUSSÃO TEÓRICA

O estudo da eutanásia engloba questões sociais, morais e religiosas que não podem ser ignoradas, afinal a única certeza de todos é a morte e mesmo assim evita-se falar abertamente sobre ela. O medo e a fragilidade dessa conversa são maiores do que nossa aceitação como se ao falar sobre morte a estivesse atraindo. Segundo a médica referência em cuidados paliativos no Brasil, Ana Cláudia Quintana Arantes (2016), “o sofrimento de perceber a nossa mortalidade não começa somente no processo de morrer”, mas é uma das grandes temáticas da filosofia e da religião.

Ainda que o termo em si tenha sido criado somente no século XVII, a eutanásia está presente nas sociedades mais remotas, tais como na Índia antiga, onde o destino de pessoas portadoras e doenças terminais era o Rio Ganges. Os Espartanos costumavam lançar do alto do Monte Taijeto, cordilheira situada na Grécia, os recém-nascidos que fossem deformados e os anciões, pois não estariam habilitados a cumprir suas funções como guerreiros, portanto, não tinham função naquela sociedade.

Na Grécia e Roma antiga por exemplo o direito de morrer era reconhecido, os greco-romanos permitiam que os doentes colocassem fim à sua vida, sendo comum médicos acelerarem o processo da morte, bem como se recusarem a tratar casos considerados incuráveis. Ocorre que com a chegada do cristianismo a prática passou a ser bastante criticada aduzindo que a eutanásia não era uma morte natural, mas um pecado mortal.

No Brasil, algumas culturas indígenas costumavam matar recém-nascidos portadores de deficiências ou gêmeos, na crença de que isso “seriam sinal de transgressão. Eles são vistos como perigosos e, segundo os índios, poderiam trazer males e doenças”, conforme relata a historiadora Betty Mindlin, autora de “Terra Grávida” (1999). O sacrifício de bebês, em algumas tribos indígenas brasileiras também ocorre para manter a estabilidade nas tribos, o que é respaldado pela Constituição Brasileira que assegura aos povos indígenas o direito à prática do infanticídio em bebês que nascem com algum tipo de problema grave de saúde.

A palavra eutanásia vem do grego eús, significa bom, e thanos, que se refere a morte, ou seja, uma “boa morte”. O termo proposto por Francis Bacon em 1623 citado por Goldim (2004), cuja prática consiste em provocar a morte de uma pessoa antes do previsto pela evolução natural da doença, podendo ser definida como a conduta pela qual se traz a um paciente em estado terminal, ou portador de enfermidade incurável que esteja em sofrimento constante, uma morte rápida e indolor.

Sá conceitua eutanásia como “aquele ato virtude do qual uma pessoa dá a morte a outra, enferma e parecendo incurável, ou a seres acidentados que padecem dores cruéis, a seu rogo requerimento e sob impulsos de exacerbado sentimento de piedade e humanidade” (Sá, 2005, p. 39).

Para Bonici (2013), a eutanásia pode ser compreendida em duas vertentes distintas: eutanásia ativa e a passiva. A primeira refere-se a decisões tomadas entre paciente e o médico que o assiste, com proposito de pôr fim à vida. A segunda é utilizada quando o paciente não está em condições de decidir e é realizada a interrupção total dos cuidados médicos. No último caso, não há nenhuma conduta para ocasionar a morte bem como nenhuma atitude para impedi-la.

Com a evolução da medicina e o avanço dos aparelhos tecnológicos, os médicos passaram a envidar todos os seus esforços para postergar ao máximo a vida dos pacientes, o que chamamos de obstinação terapêutica, sobre a qual o filósofo Francis Bacon apud Pessini refletiu:

Mais ainda, estimo ser ofício do médico não só restaurar a saúde, mas também mitigar a dor e os sofrimentos, e não só quando essa mitigação possa conduzir à recuperação, mas também quando se possa conseguir com ela um trânsito suave e fácil; pois não é pequena bendição essa Eutanásia que César Augusto desejava para si […]. Mas os médicos, ao contrário, têm quase por lei e religião seguir com o paciente depois de desesperançado, enquanto, a meu juízo, deveriam em vez disso estudar o modo e pôr os meios de facilitar e aliviar as dores e agonias da morte. (Bacon apud Pessini 2004, p. 105).

Ante a todo o exposto, surgem muitas indagações sobre a evolução da medicina e a capacidade dos médicos ou de terceiros de interferir na autonomia de vontade do paciente e sobre o como o próprio direito à vida implica um dever de viver, independente das condições vividas.

Ainda vale ressaltar a diferença entre a ortotanásia e distanásia. A ortotanásia é a morte por seu processo natural, vindo a ser considerada um meio termo entre as outras duas, sendo classificada por morte natural com o mínimo de sofrimento. O que diferencia ortotanásia das demais é que esta modalidade não atua como modo direto para interromper a vida ou prolongar a mesma, haja vista que seu objetivo é respeitar o processo natural, portanto, “trata-se da morte em seu tempo adequado, não combatida com os métodos extraordinários e desproporcionais utilizados na distanásia, nem apressada por ação intencional externa, como eutanásia” (Barroso; Martel, 2012, p. 25).

Em casos em que o paciente se encontra em situação na qual não possa expressar a sua vontade, três critérios devem ser analisados, são eles: dano irreversível – estágio em que não há perspectiva de recuperação ou de melhora significativa em relação ao quadro do paciente; tratamento facultativo – quando o tratamento realizado não surti efeito o paciente pode expressar a recusa em receber esses tratamentos; vontade presumida – presume-se que o paciente, se estivesse em condições de decidir, optaria por acabar com seu sofrimento através da eutanásia.

2.1 O FIM DA VIDA PELA EUTANÁSIA NO BRASIL

No Brasil, a eutanásia ainda não é tipificada penalmente, sendo interpretada por analogia como homicídio privilegiado conforme o art. 121, §1º do Código Penal, ou como auxílio ao suicídio (desde que o paciente solicite ajuda para morrer) incorrendo assim no previsto no art. 122 do Código Penal Brasileiro. No que tange o auxílio ao suicídio ou suicídio assistido, a solicitação ou consentimento do paciente não se torna uma excludente de ilicitude.

Constituição Federal traz em seu artigo 5º o direito à vida como uma garantia fundamental, todavia, tal direito não pode se resumir à mera sobrevivência, mas sim uma vida com dignidade. Assim, para Pereira:

Pensar na morte abstraindo-se do sentimento do desconhecido e da angústia daquilo que possa vir ou não depois, representa para o ser humano um eterno questionamento; as religiões e ideologias se encarregaram de dar algumas respostas. Uma coisa é certa: todo ser humano almeja uma morte digna. O desejo de morrer sem sofrimento, seja ele físico, psicológico ou espiritual, representa o anseio da humanidade. (PEREIRA. Vida, morte e dignidade humana. 2010, p.1).

Ainda que a Constituição Federal proteja o direito à vida, não deve ocorrer no sentido de compelir o ser humano a existir em pleno sofrimento, inclusive submetendo-o a condições de degradação, humilhação, dor e sofrimento físico e emocional (Fróes, 2010). A proteção jurídica à vida se estende à integridade física e moral do ser humano, é parte inerente, logo, quando uma pessoa que está em sofrimento constante, não consegue mais ter autonomia para realizar suas atividades sozinha, não tem liberdade para ir aonde quiser, não se pode considerar que ela tem sua integridade física e moral preservada.

No Brasil, porém, a prática é ilegal, inclusive o Código de ética médica veda ao médico utilizar qualquer meio para abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste (Código de Ética Médica, art. 41). Não há previsão em lei da temática, mas o Conselho Federal de Medicina trouxe a Resolução CFM n. 1.805/2006, regulamentando as ações médicas nos seguintes termos:

Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal.

Por outro lado, a distanásia constitui o prolongamento da vida que visa prolongar a vida biológica de um paciente através de tratamentos por meios artificiais/tecnológicos cujo efeito é inócuo devido ao estágio avançado da doença, podendo submeter o paciente a um sofrimento. Para Leo Pessine, podemos entender a distanásia como uma ação, intervenção ou um procedimento médico que não atinge o objetivo de beneficiar a pessoa em fase terminal e que prolonga inútil e sofridamente o processo de morrer, procurando distanciar a morte (Pessini, 2007, p.303).

A distanásia possui alguns sinónimos podendo ser chamada também futilidade médica ou obstinação terapêutica. Nesse sentido, conceitua Luís Roberto Barroso:

A obstinação terapêutica e o tratamento fútil estão associados à distanásia. Alguns autores tratam-nos, inclusive, como sinônimos. A primeira consiste no comportamento médico de combater a morte de todas as formas, como se fosse possível curá-la, em “uma luta desenfreada e (ir) racional, sem que se tenha em conta os padecimentos e os custos humanos gerados. O segundo refere-se ao emprego de técnicas e métodos extraordinários e desproporcionais de tratamento, incapazes de ensejar a melhora ou a cura, mas hábeis a prolongar a vida (Barroso, 2010, p.24).

Para o médico Christian Barnard, “o objetivo principal da medicina é aliviar o sofrimento e não prolongar a vida. E se o seu tratamento não aliviar o sofrimento, mas apenas prolongar a vida, esse tratamento deve ser interrompido” (Barnard apud Pessoa, 2013, p. 103).

A dificuldade em lidar com a morte, seja de médicos – cuja formação é voltada para prolongar a vida- ou pelos familiares, torna essa abordagem de prolongamento como a única aceitável, sem considerar a dignidade e qualidade de vida daquele paciente. Em países mais europeus, onde a eutanásia já é permitida, existe uma consciência acerca do limite de investimento tecnológico médico (distanásia) na fase final da vida. É comum haver nas cabeceiras dos doentes irrecuperáveis indicações como Decisão de Não Reanimar (DNR), para casos de paragem cardiorrespiratória cuja reanimação não deverá ser iniciada nem tentada.

Essa decisão geralmente é usada em casos em que o paciente está enfrentando uma condição médica grave e irreversível, dessa forma, o paciente pode considerar a ressuscitação inapropriada. Vale destacar que tal decisão deve ser tomada em conjunto entre paciente, seus familiares e a equipe médica, sempre levando em consideração os desejos do paciente.

Após isso, as instruções deverão constar de forma clara no prontuário do paciente para garantir que seus desejos sejam respeitados. Esse protocolo irá garantir que o paciente não receba tratamentos desnecessários ao final de sua vida. No Brasil não há amparo legal para as ordens de não ressuscitação, logo, os médicos devem realizar manobras de ressuscitação cardiopulmonar e intervenções para prolongar a vida do paciente, mesmo que isso vá contra sua vontade.

Em 1999 Mário Covas, à época governador de São Paulo, ao saber de seu diagnóstico de câncer em estágio terminal, sancionou a Lei 10.241/99 a fim de passar seus últimos dias com sua família. A Lei que ficou conhecida como “Lei Mário Covas” garante que pacientes como a Isabel manifestem seu desejo pela ortotanásia, recusando a intervenção médica de um tratamento extraordinário e doloroso que prolonguem precariamente a vida do paciente.

Recentemente ganhou repercussão com o caso da jovem Isabel Veloso (ABRALE, 2023), a qual foi diagnosticada com um tipo raro de câncer aos 15 anos de idade e tem relatado sua vivência nas redes sociais. Durante dois anos, Isabel passou por quimioterapia, transplante de medula e imunoterapia até finalmente alcançar a cura. Entretanto, o câncer voltou ainda mais agressivo após três meses, o tumor estava em seu estágio terminal e não haveria mais esperança de melhora no quadro de Isabel.

Em março de 2024 Isabel publicou que teria só mais seis meses de vida, motivo pelo qual optou por realizar apenas tratamentos paliativos – um regime que visa melhorar a qualidade de vida do paciente e de seus familiares, por meio do alívio do sofrimento – e viver intensamente seus dias, realizando sonhos ao invés ficar internada no hospital passando por procedimentos invasivos que não trariam cura para a doença, reacendendo o debate.

2.2 BREVE ANÁLISE COMPARATIVA: PAÍSES EM QUE A EUTANÁSIA É ACEITA

A aceitação da eutanásia varia significativamente ao redor do mundo, com algumas culturas mostrando mais tolerância e promovendo a legalização ou regulamentação do que outras, tais questões trazem consigo questões de ordem cultural e de compreensão da função do Estado na intervenção na manifestação de vontade.

Países como Bélgica, Canadá, Colômbia, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia e Espanha, já reconhecem o direito a uma morte digna por meio da eutanásia, contudo, estabelecem condições específicas para realizá-la. A maioria exige que o paciente esteja acometido por uma doença grave que a paralise ou que sofra dores incapacitantes, o paciente precisa consentir no momento de fazer o pedido que será feito por escrito e sem pressão externa, devendo ser repetido 15 dias depois. O Quadro 1 apresenta o comparativo com os critérios adotados por cada país:

Quando 1 – Critérios para eutanásia ao redor do mundo

PAÍSES QUE AUTORIZAM A EUTANÁSIACRITÉRIOS
  BélgicaPermitida desde 2002 para indivíduos mentalmente competentes que sofrem de condições incuráveis, incluindo doenças mentais que causam sofrimento físico ou psicológico insuportáveis. A legislação exige pedido voluntário, ponderado e repetido; sofrimento insuportável devido a uma doença incurável e grave; verificado por dois médicos diferentes. Em 2014, a restrição de idade foi removida, permitindo a eutanásia para crianças sob certas condições, com o consentimento dos pais ou responsáveis​​.
  CanadáLegalizada em 2016, a eutanásia é permitida para maiores de 18 anos que sejam capazes de tomar decisões e que sofram de condições físicas ou mentais irreversíveis devido a doenças graves e incuráveis. Necessário o consentimento voluntário, informado e persistente, e a condição deve causar sofrimento físico ou mental intolerável​​.
  ColômbiaRegulamentada desde 2015 pela Resolução 12.116/2015, que estabelece critérios como a existência de Diagnóstico de lesão ou doença incurável; dor física ou mental intensa. O pedido deve ser feito conscientemente pelo paciente e autorizado por um comitê de especialistas​​.
  LuxemburgoLegalizada em 2009, aplicadas para maior de idade, capaz e consciente; pedido voluntário, ponderado e repetido; situação médica grave e incurável sem saída; estado de sofrimento e a confirmação do diagnóstico por um segundo médico​​.
HolandaLegalizada desde 2002, é possível em caso de doença incurável; sofrimento exacerbado; sem perspectiva de melhora. O pedido deve ser voluntário, informado e persistente, e deve passar por avaliação de 2 médicos.
Nova ZelândiaLegalizada em 2020, é cabível para pessoas com doença terminal; expectativa de vida inferior a 6 meses e sofrimento insuportável. O pedido deve ser feito voluntariamente, com avaliação de um médico e a confirmação de um segundo médico​​.
EspanhaLegalizada em 2021, é autorizada para pessoas com doença grave e incurável; sofrimento físico ou mental intolerável. Requer um pedido voluntário, informado e persistente, além de avaliação por dois médicos e uma comissão de avaliação​​.

Elaborado pelas Autoras a partir de Melo, et.al (2016)

Portugal foi o país mais recente a legalizar a prática através da Lei nº 22/2023, tornando-se o sexto país da União Europeia a permitir o procedimento. Apesar de a notícia não ter agradado muitos portugueses – haja vista que grande parte da população é católica – pesquisas apontam que a maioria da população do país foi a favor do procedimento em detrimento do sofrimento do paciente.

O fato é que a mudança nas leis quanto a eutanásia é provocada, em sua maioria, por ações individuais que confrontam o sistema judiciário e trazem à tona grandes discussões que envolvem não somente questões legais, mas de ordem ética e moral, a partir de histórias de sofrimento e discussões sobre manifestação de vontade, é possível reconhecer um padrão no que pode vir a se tornar a legalização dessa prática, em geral para casos de sofrimento extremo e irreversível.

2.3 CASOS EMBLEMÁTICOS

A italiana Eulana Englaro (Vettorazzi, 2010) sofreu um grave acidente de carro em 1992, passando a viver em coma em razão das sequelas do grave acidente, pouco tempo depois seu pai travou uma batalha judicial batalha judicial para conseguir o direito a uma morte digna para Eulana, o caso envolveu inúmeros apoiantes e opositores da eutanásia. O pai da jovem entrou com um pedido para retirar o tubo de alimentação para ela morrer naturalmente, contudo, as autoridades recusaram o pedido.

Após algumas audiências e vários pedidos negados, o Tribunal de Apelação de Milão finalmente acatou ao pedido do pai e sentenciou a suspensão da alimentação e hidratação de Eulana em 13 de novembro de 2008. Esse foi o primeiro caso no qual a justiça da Itália autorizou que uma pessoa em coma pudesse ter sua alimentação e hidratação suspensas, o que gerou crítica por parte da Igreja Católica.

Embora o primeiro-ministro tenha emitido um decreto em 06 de fevereiro de 2009 a fim de forçar a continuação do tratamento de Eulana, o Presidente da República se recusou a promulgar o decreto e Eulana veio a óbito em 09 de fevereiro de 2009 após passar 17 anos em coma. A autópsia constatou que a jovem morreu devido a parada cardiocirculatória após crise de natureza eletrolítica provocada pela desidratação. Os pais sofreram ataques públicos de deputados, senadores, jornalistas e de cardeais do Vaticano e o pai chegou a ser chamado de assassino.

A eutanásia ativa permanece ilegal na Itália, no entanto, a recusa ou suspensão de tratamentos incluindo alimentação e hidratação por meio de aparelhos passou a ser autorizada a partir do precedente do caso Eluana Englaro, assim como a legislação atual (Lei n.º 219 de 22 de dezembro de 2017, da Itália) permite a que a pessoa manifeste as diretivas antecipadas de tratamento, informando a quais procedimentos deseja se submeter ou não, o que é também é conhecido no Brasil como testamento vital.

Nos Estados Unidos, em nível federal a eutanásia é ilegal, mas existem países que legalizaram o suicídio assistido, sob certas condições. A legislação mais conhecida é a chamada Lei da Morte com Dignidade (numa tradução livre) do Estado do Oregon, aprovada em 1997, para onde mudou-se a americana Brittany Maynard (Carrera, 2014). Ela sofria de um câncer no cérebro em estágio terminal e após descobrir que no local onde morava no Estado da Califórnia, não poderia realizar o procedimento, mudou-se para Oregon a fim de realizar o suicídio assistido, o que ocorreu em novembro de 2014, com suporte médico e de forma digna, evitando um definhar da vida de forma lente, dolorosa e irreversível.

No entanto, o primeiro caso de grande repercussão nos EUA foi da americana Nancy Cruzan (Supreme Court Of The United Sates. Cruzan v. Director, 1990), ela também sofreu um acidente automobilístico em 1983 e entrou em como com estado vegetativo permanente e sem possibilidade de recuperação. Diante da situação irreversível, os pais de Nancy juntamente com o marido, solicitaram ao hospital que retirassem os tubos responsáveis pela alimentação e hidratação da jovem, contudo, a equipe médica se recusou. Em seguida, os pais entraram na justiça no Estado do Missouri para conseguir tal direito e ganharam em primeiro grau, entretanto o advogado de Nancy recorreu da decisão alegando possível conflito de interesses dos pais e a vontade da jovem.

Após 8 anos de uma longa batalha judicial para alcançar o direito à morte digna para Nancy, o tribunal ordenou à instituição que acatasse o pedido da família, com base em três elementos: “no diagnóstico, na previsão legal desta demanda e na manifestação prévia da vontade pessoal da paciente”.

Os casos de Eulana Englaro e Nancy Cruzan guardam semelhanças quanto à causa da incapacidade (acidente automobilístico) e os requerentes serem familiares, ambas estando incapazes de manifestarem sua vontade direta, no entanto, ambas manifestarem para pessoas próximas antes dos acidentes que não desejariam a prorrogação da vida em condições degradantes e de sofrimento.

Um caso que causou grande repercussão, ocorreu na cidade de Haia, na Holanda no ano de em 2018, quando Aurelia Brouwers (UOL Notícias, 2021) de 29 anos, foi autorizada a ter morte assistida sancionada pelo Estado devido a uma doença psiquiátrica, algo incomum visto que essa prática é permitida em casos de doença terminal. Dentre os critérios para que a eutanásia seja permitida, encontra-se o de o médico estar convencido de que o sofrimento do paciente é insuportável e sem perspectiva de melhora.

Aurélia descreveu em uma entrevista que escolheu a eutanásia “porque tenho muitos problemas de saúde mental. Sofro de maneira insuportável e sem esperança. Cada suspiro que eu dou é uma tortura.” Além disso, relatou ainda ser cronicamente suicida, bem como tinha ansiedade, psicoses e ouvia vozes. A dor psicológica foi o fator determinante para compreender que o sofrimento da paciente não teria cura, o fato é que a eutanásia é complexa e está além das discussões meramente de ordem médica, e a compreensão de que a dor é solitária.

No fim da vida, as questões antropológicas, morais e éticas são mais decisivas do que as próprias questões fisiológicas. É comum acompanharmos casos relacionados ao fim da vida cercado de cuidados paliativos, os quais têm como estrutura uma nova forma de gestão da morte, sobre esse assunto discorre Leo Pessini:

Os Cuidados Paliativos não dizem respeito primordialmente a cuidados institucionais, mas trata-se, fundamentalmente, de uma filosofia de cuidados que pode ser utilizada em diferentes contextos e instituições. Pode ocorrer no domicílio da pessoa portadora de doença crônico-degenerativa ou em fase terminal, na instituição de saúde onde está internada ou no hospício, uma unidade específica dentro da instituição de saúde destinada exclusivamente para esta finalidade (2004, p. 319).

Nesses casos, também é comum que haja o acompanhamento de Psicólogo Hospitalar em cuidados paliativos, haja vista que a condição de adoecimento traz consigo a fragilidade tanto física quanto psicológica, tendo como objetivo acolher e preservar as condições mentais do paciente. O aprisionamento mental e a angústia de morte iminente intensificam o processo de degradação mental.

A dor é uma resposta sensitiva e emocional do sistema nervoso central (SNC) para um estímulo ou experiência que oferece perigo de alguma forma, pode danificar a integridade do corpo e da mente. Este tipo de sofrimento está ligado aos traumas psicológicos, podendo levar aos transtornos mentais tais como a depressão e a ansiedade. Logo, a dor é um sinal de que algo não está bem, devendo sempre ser considerada. 

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde mental pode ser considerada um estado de bem-estar vivido pelo indivíduo, que possibilita o desenvolvimento de suas habilidades pessoais para responder aos desafios da vida, portanto, não é isolada. Uma pessoa que está em longo processo de sofrimento psicológico pode adquirir o direito à eutanásia? Alguns países entendem que sim e foi o que aconteceu no caso da Holandesa Aurélia.

Mais recentemente, um caso emblemático ocupou os noticiários e as redes sociais: a batalha judicial da peruana Ana Estrada (Oliveira, 2021). Ana sofre desde os 12 anos de polimiosite, doença autoimune, incurável e progressiva, devido a doença perdera a maior parte dos movimentos. Aos 20 anos, devido a fraqueza muscular provocada pela doença passou a usar cadeira de rodas, vivendo com um ventilador conectado a uma traqueostomia e conseguindo respirar sozinha e permanecer na cadeira de rodas, por no máximo, quatro horas.

Em 2021, apesar do Peru não ter lei que regulamente a prática da eutanásia, o Tribunal de Lima, ao julgar o pedido de Ana Estrada, permitiu sua realização. Conforme relato da peruana em entrevista, a vontade de realizar eutanásia surgiu em 2016, quando foi internada pela segunda vez e pensou “É a última vez que vou passar por um hospital”, comunicando sua vontade à família. Sobre a reação de seus familiares, Ana descreve que: “No final, minha família disse: ‘Sempre estivemos com você, vamos te apoiar sempre’. Este é o amor que eles me demonstram. Deve ser o maior gesto de amor, um gesto de desprendimento total, aceitar a morte de uma pessoa querida”.

A decisão da Suprema Corte do Peru ratifica uma sentença do tribunal de Lima, que reconheceu o direito de Ana Estrada de uma morte assistida. Sobre a sentença, Ana afirmou:

Para mim, uma morte digna seria poder escolher morrer quando já não suporte estar na cama conectada ao respirador 24 horas por dia. Agora ainda consigo tapar a traqueostomia e sentar na cadeira. Mas vai chegar uma hora em que não vou poder fazer isso. Aí vou avaliar (Oliveira, 2021).

No dia 21 de abril de 2024, Ana Estrada realizou o procedimento médico de eutanásia.  Sua advogada, Josefina Gayoso, em comunicado à imprensa (G1, 2024) assentou que “Ana morreu nos seus próprios termos, conforme sua ideia de dignidade e em pleno controle da sua autonomia até o final”.

2.4 RELIGIÃO, SACRALIDADE DA VIDA E MORTE 

A religião é um dos fenômenos mais importantes dentre os pertencentes exclusivamente ao ser humano e a sua condição, e foi, durante muito tempo, a estrutura pelo qual a sociedade se organizou, sendo descrita pelo teólogo francês Jean-Yves Leloup citado por Hennezel da seguinte forma:

A palavra ‘religião’ tem duas etimologias possíveis: em primeiro lugar, a de religare que significa ligar-se, entrar em relação com o que se considera como um absoluto ou um essencial. Essa etimologia é o sentido habitual da palavra ‘religião’ que, posteriormente, encarnar-se-á num certo número de ritos, práticas, em que essa relação toma forma. Existe, igualmente, outra etimologia: religere que significa ‘reler’. Reler um acontecimento com o objetivo de extrair, descobrir sua significação. Nessa ordem de ideias, uma religião representa um esforço empreendido por homens e mulheres para conferirem sentido ao seu sofrimento, à sua morte e à sua existência (1999, p.97-98).

O filósofo Karl Marx (2005) entendia a religião como o reflexo de si mesmo na realidade fantástica do céu, onde buscava um super-homem. Por isso, ele afirma que a religião não faz o homem, mas, ao contrário, o homem faz a religião, logo a religião é uma projeção do homem, um reflexo daquilo que lhe falta. Para o filósofo, a religião pode ser entendida como uma forma de doutrinamento, cercado de princípios relacionados a uma fé específica que utiliza o medo do castigo divino como uma forma de estabelecer condutas e valores morais visando alienar seus seguidores, ou seja, uma ideologia:

A crítica da religião liberta o homem da ilusão, de modo que pense, atue e configure a sua realidade como homem que perde as ilusões e reconquistou a razão, a fim de que ele gire em torno de si mesmo e, assim, à volta do seu verdadeiro sol. A religião é apenas o sol ilusório que gira à volta do homem enquanto ele não circula em torno de si próprio (2005, p. 27).

 O direito e a religião andam lado a lado doutrinando e alienando o cidadão para que se enquadre nos moldes esperados pela sociedade. Por isso, existe a discussão relacionada a quem deveria morrer e como deveria morrer. A sociedade espera algo de você e você tem o dever de aceitar. A morte é o castigo mesmo que para o indivíduo seja uma solução.

     2.4.1 O Cristianismo

A grande combatente da eutanásia é a religião haja vista que a maior parte da população mundial é praticante de alguma religião as quais determinam que o Deus determina o nascimento, a vida e a morte, não cabendo ao homem alterar tal ordem natural, tratando principalmente da questão da imortalidade e mortalidade.  A Bíblia diz que o homem é um todo indivisível (Gênesis 2:7), e que nenhuma de suas partes continua existindo conscientemente separada do todo (ver Salmo 115:17; 146:4; Eclesiastes 9:5 e 10), logo, possuímos alma imortal habitando um corpo mortal.

É possível verificar a visão da vontade divina, a intocabilidade e a sacralidade da vida. Logo, espera-se que a vida seja longa e virtuosa e, quando não se tem essa resposta divina, questiona-se o porquê disso. A médica Ana Cláudia Quintana Arantes afirmou em seu livro que “Muitas vezes, a dor maior é a de sentir-se abandonado por um Deus que não se submeteu às nossas vontades e simplesmente desapareceu da nossa vida em um momento tão difícil e de tanto sofrimento” (2019, p. 54).

Quando ocorre o contrário, onde o enfermo deseja a interrupção da vida, tal decisão é considerada uma ingratidão ao dom divino que lhe foi dado. No Cristianismo, é utilizado o parâmetro de paraíso e inferno pós morte. Para ser digno do paraíso o indivíduo precisa se adequar a todos os quesitos existentes desde antes da sua própria existência, caso não se enquadre, caso tenha atitudes que entristecem o seu Deus, será condenado ao inferno. No que tange a vida, somente Deus poderá lhe dar e tirar, caso o próprio homem queira seu fim será condenado à danação eterna. Sobre a eutanásia, o II Concílio do Vaticano através do Papa João Paulo II, no dia 26 de julho de 1980, afirmou que:

Nada nem ninguém pode autorizar a morte de um ser humano inocente, porém, diante de uma morte inevitável, apesar dos meios empregados, é lícito em consciência tomar uma decisão de renunciar a alguns tratamentos que procurariam unicamente uma prolongação precária e penosa da existência, sem interromper, entretanto, as curas normais devidas ao enfermo em casos similares. Por isso, o médico não tem motivo de angústia, como se não houvesse prestado assistência a uma pessoa em perigo. 

É possível verificar que nesta afirmação existem uma postura de não sofrimento de um homem, todavia cessando os tratamentos e não, necessariamente praticando a eutanásia. A igreja católica publicou a Declaração sobre a eutanásia em 1980  aduzindo que:

Agora, a mesma Sagrada Congregação julga oportuno apresentar a doutrina da Igreja sobre o problema da eutanásia. Com efeito, embora neste campo continuem sempre válidos os princípios afirmados pelos últimos Sumos Pontífices, os progressos da medicina fizeram aparecer nestes anos mais recentes novos aspectos do problema da eutanásia que reclamam ulteriores esclarecimentos precisos no plano ético. Na sociedade hodierna, onde mesmo os valores fundamentais da vida humana frequentemente são postos em causa, a modificação da cultura influi no modo de considerar o sofrimento e a morte; a medicina aumentou a sua capacidade de curar e de prolongar a vida em condições que, por vezes, levantam problemas de caráter moral. Assim, os homens que vivem num tal clima interrogam-se com angústia sobre o significado da velhice extrema e da morte. E chegam mesmo a perguntar a si mesmos se não terão o direito de procurar, para si e os seus semelhantes, uma “morte suave” que lhes abrevie os sofrimentos e seja, a seus olhos, mais conforme com a dignidade humana (1980, p. 1).

Para os Cristãos, não se trata de cura física e sim da cura da alma, de tal modo que o sofrimento é considerado parte da condição humana e uma oportunidade para o crescimento espiritual, participando no entender cristão dos sofrimentos vividos por Jesus (Filipenses 1:29 e Colossenses 1:24), de tal modo que a justificativa para a eutanásia a respeito do sofrimento da pessoa é percebida como uma interferência desse plano divino.

Ainda nesse ínterim, não somente o Cristianismo tem posicionamentos não favoráveis à prática, pois, apesar de haver diversas religiões no mundo, pode-se considerar que todas impõem limites éticos e morais aos indivíduos que as seguem, principalmente no que tange a vida.

     2.4.2 O Islamismo

 O islamismo é uma religião monoteísta, isto é, acredita na existência de um só Deus, sendo este Allah. Atualmente, o islamismo é a segunda maior religião do mundo e possui a chamada Declaração Islâmica dos Direitos Humanos, também conhecida como Declaração de Cairo, a qual foi criada baseada no Alcorão e na Sunnah. Tal Declaração dispõe que “A vida humana é sagrada e inviolável e todo esforço deverá ser feito para protegê-la. Em especial, ninguém será exposto a danos ou à morte, a não ser sob a autoridade da Lei.” (DHNET, 1981)

O Islamismo e o Cristianismo compartilham semelhanças, pois ambos consideram a vida como algo sagrado, proveniente de uma entidade suprema que detém o poder exclusivo de concedê-la e retirá-la. Nessa perspectiva, o Islamismo rejeita a eutanásia, mas reconhece a futilidade da manutenção da vida em casos de estado vegetativo.

     2.4.3 O Budismo

O budismo é uma das maiores religiões mundiais, contando, hoje, com aproximadamente 500 milhões de adeptos. Foi fundado na Índia, por Siddharatha Gautama (480-400 aC), que foi iluminado aos 35 anos e desde então passou a ser conhecido com o título honorífico de Budda, que significa o iluminado. Buda é mais que um personagem histórico a ser reverenciado. Lembremos que a palavra Buddha vem da raiz Buddh, que significa despertar, conhecer, ir às profundezas. Buda é o desperto, estado que todos devemos aspirar e realizar (Monge Genshô, 2011).

Em muitas vertentes budistas, a ênfase é colocada na compaixão e na não violência, o que pode levar a uma posição de desaprovação em relação à eutanásia ativa, onde se interrompe deliberadamente a vida de alguém para aliviar seu sofrimento. No entanto, a compreensão budista da natureza da existência e do sofrimento também pode levar a uma visão mais flexível sobre a eutanásia passiva, onde os tratamentos médicos são retirados ou não iniciados, permitindo que a natureza siga seu curso natural. Isso é muitas vezes visto como permitir que o karma de uma pessoa se desenrole e sua vida chegue ao seu término natural.

Além disso, o Budismo enfatiza a importância da intenção por trás das ações. Portanto, a decisão de encerrar a vida de alguém deve ser feita com profunda consideração e compaixão, evitando qualquer motivação egoísta ou maliciosa. O cerne da questão, no entanto, reside na compaixão e no alívio do sofrimento, tanto para aqueles que estão morrendo quanto para aqueles que ficam para trás.

O fato é que a sociedade ocidental é fortemente influenciada pela cultura cristã em maior ou menor grau e ainda que países como o Brasil sejam laicos, é crível admitir que a doutrina religiosa influencia na modulação da sociedade, do Estado e das leis. Vide mais recente Ministro do Supremo Tribunal Federal, André Mendonça, anunciado “terrivelmente evangélico” (EL PAÍS Brasil, 2019), e um Congresso Nacional cuja representatividade maior é da chamada Bancada Evangélica, sendo os aspectos religiosos são fundamentais para entender a resistência à eutanásia nessa cultura que permeia várias facetas do Estado e da sociedade e e refletem um compromisso profundo com a sacralidade da vida, a dignidade humana, e a submissão à vontade divina.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentro da sociedade, encontramos diversas posições conflitantes acerca de outras formas de morres, do ponto de vista médico e paciente, cujo papel do profissional da saúde tende a buscar a manutenção e prorrogação da vida independente da circunstância, a posição da igreja cujos pilares estão pautados na sacralidade da vida e as dores vivenciadas também pelos familiares ao acompanharem a os sofrimentos de seus entres queridos, estejam eles em condições de manifestar sua vontade ou não.

Todas essas questões orbitam em torno da discussão da eutanásia, inclusive quando ela é objeto de análise judicial, quando a questão da legalidade versus ilegalidade é igualmente enfrentada, justamente a partir da provocação de casos que por serem emblemáticos e gerarem comoção, possibilitam modificações no status social e jurídico da eutanásia, tornando o debate sobre a autonomia do paciente e o direito de decidir sobre o próprio fim da vida tomando grandes proporções. Defensores da eutanásia argumentam que oferecer essa opção respeita a dignidade e a vontade individual, enquanto os opositores destacam as preocupações éticas, como o risco de abusos ou decisões precipitadas.

Diante de tais argumentações, insta recordar as palavras da médica Ana Cláudia Quintana Arantes que diz que “não importa quantos anos viveremos, quantos diplomas teremos, qual o tamanho da família que formaremos. Com ou sem amor, com ou sem filhos, com ou sem dinheiro, o fim de tudo, a morte, chegará. Por que não conversamos abertamente sobre essa única certeza?” (2016, p.70). Porque a morte e a eutanásia segue sendo um tabu no Brasil e no mundo, grande parte em razão da formação cultural religiosa cristã na qual está completamente inserida nossa sociedade, em que a vida serve também para suportar sofrimentos.

É importante levar em consideração as questões referentes as correntes filosóficas e a forma como cada religião aborda de diferentes perspectivas a eutanásia e a sacralidade da vida. Realizar uma análise abrangente sobre o tema auxilia a refletir questões fundamentais relacionadas à existência humana, ética e moralidade. Por fim, a autonomia da vontade do paciente, especialmente em contexto médico, é essencial para o respeito às escolhas pessoais de cada indivíduo, primordialmente no que tange o direito de poder determinar o momento e as circunstâncias da própria morte.

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[1] Graduanda do 10º semestre do Curso de Direito pela Faculdade dos Carajás. Brasil. loanyferreira@hotmail.com

[2] Graduanda do 10º semestre do Curso de Direito pela Faculdade dos Carajás, membro do Grupo de Estudos Observatório de Políticas Criminais, Cidadania e Direitos Humanos – GEOCRIM. Brasil, nataliamachado.direito@gmail.com .

[3] Mestranda no Programa de Pós- graduação em Planejamento e Desenvolvimento Regional e Urbano na Amazônia (UNIFESSPA), especialista em Educação em Direitos Humanos (FURG), especialista em Direito de Família e Sucessões (Damásio), graduada em Direito (URI campus de Santiago), advogada e professora universitária. Brasil. Profeceresamos@gmail.com