ADMISSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA CARREIRA POLICIAL MILITAR

ADMISSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA CARREIRA POLICIAL MILITAR

31 de dezembro de 2023 Off Por Cognitio Juris

ADMISSION OF PEOPLE WITH DISABILITIES IN THE MILITARY POLICE CAREER

Artigo submetido em 12 de dezembro de 2023
Artigo aprovado em 21 de dezembro de 2023
Artigo publicado em 31 de dezembro de 2023

Cognitio Juris
Volume 13 – Número 53 – Dezembro de 2023
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Ricardo Nascimento Fernandes [1]
Ana Paula Gouveia Leite Fernandes [2]

Resumo: O presente trabalho visa demostrar o direito da pessoa com deficiência em participar do processo de admissão para a carreira policial miliar.

Palavras-chave: Concurso Público. Admissão na Carreira Policial Militar. Pessoa com Deficiência. Direito fundamental ao trabalho. Convenção da ONU sobre o direito da pessoa com deficiência. Constituição Federal e o direto da pessoa com deficiência. Princípios da Administração Pública.

Abstract: The present work aims to demonstrate the right of people with disabilities to participate in the admission process for a military police career.Keywords: Admission to the Military Police Career. Person with Disabilities. Fundamental right to work. UN Convention on the Rights of Persons with Disabilities. Federal Constitution and the rights of persons with disabilities. Principles of Public Administration.

  1. INTRODUÇÃO

Historicamente, desde os tempos mais remotos, as pessoas com deficiência são vistas como incapazes de exercer atividades do cotidiano, desde as mais simples as mais complexas e, deste modo, a eugenia predominou em muitas sociedades, sempre na esperança da preleção de cidadãos perfeitas.

Nos primórdios, ao tempo em que o homem se mantinha de caça e coleta, a prática do abando ou mesmo do extermínio de pessoas que nasciam com alguma espécie de “deficiência” era absolutamente comum e praticada pelas tribos ou qualquer espécie de germe social, portanto, podendo ser entendida como ética, na medida em que o termo está relacionado aos costumes de determinado povo, ou seja, como um produto do próprio tempo.

Na era do Esparta, a educação fundamentava-se na cultura bélica, onde os homens nasciam e eram preparados para as guerras e, deste modo, imprescindível era a necessidade de pessoas categoricamente plenas em suas capacidades físicas, comprovando o desejo pela eugenia humana.

O grande historiador, filósofo e prosador, Plutarco (43 – 126) em uma de suas obras apresentou o seguinte relato:

(…) depois que a criança nascia, o pai não mais era dono dela para educá-la à vontade, mas a levava para certo lugar a ele deputado que se chamava Lesche, onde os mais antigos de sua linhagem residiam. Visitavam eles a criança e, se a achavam bela, bem formada de membros e robusta, ordenavam fosse educada, destinando-lhe nove mil partes das heranças para sua educação; mas, se lhes parecia feia, disforme ou franzina, mandavam atirá-la num precipício (…) (Plutarco, 1985, p. 01)).Grifo Nosso.

Com efeito, as crianças detentoras de qualquer espécie de “deficiência”, não tinham sequer o que hoje é assegurado pelas normas se entende pelo fundamental direito à vida, pois imprescindível era a necessidade de formação de uma “sociedade” de guerreiros, restando praticado a eugenia humana.

Atenas, Cidade destacada pela filosofia, política, artes e leis, também vivenciou os tempos voltados à guerra e neste contexto apresentava as mesmas regras até então.

Platão, renomado filósofo representado entre outras pela obra A Política, defendia a ideia no sentido de que a composição da Sociedade advinha de cidadãos plenamente saudáveis e capazes de exercer as atribuições do governo e, deste modo, também primando pela eugenia humana, entendia que crianças nascidas com alguma espécie de “deficiência”, deveriam ser expostas e deixadas para morrer. Segundo consta de sua Obra:

(…) Estes encarregados levarão os filhos dos indivíduos de elite a um lar comum, onde serão confiados a amas que residem à parte, num bairro da cidade. Para os filhos dos indivíduos inferiores e mesmo os dos outros que tenham alguma deformidade, serão levados a paradeiro desconhecido e secreto. (Platão. Livro V. p. 214) Grifo Nosso.

Embora com o advento da filosofia, é preciso destacar que a Cultura Grega ainda estava enraizada pelo conhecimento mitológico e, neste prisma, acreditava-se que uma criança com “deficiência” não era pessoa, mas coisa e sucedia de uma espécie de castigo dos deuses na medida em que a ela não era permitida a condição de ser universal e capaz.

Com a idade média, durante algum tempo, permaneceu a ideia no sentido que crianças nascidas com alguma espécie de “deficiência” eram fruto de castigo de Deus e, desde modo, estavam possuídos por demônios, devendo ser queimadas.

Entretanto, com o cristianismo inicia-se uma transformação neste pensamento, onde a criança com “deficiência” não reflete mais um castigo divino, portanto, não estava possuída por demônios, logo, deveria ter o direito à vida.

Conforme narra Pessotti:

O cristianismo modica o status do deficiente que (…) passa de coisa a pessoa. “Mas a igualdade de status moral ou teológico não correspondera, até a época do iluminismo, a uma igualdade civil, de direitos” (Pessotti. 1984. p. 4).

Na idade moderna, foi dissipada por completo a ideia no sentido de que a criança nascida com “deficiência” deveria ser morta. Entretanto, as pessoas com “deficiência” eram absolutamente estigmatizadas, negligenciadas e abandonadas pela Sociedade, fruto de um pretérito de valores postos.

No tocante ao acesso ao mercado de trabalho, como regra, também foi mantido a ideia no sentido de que a pessoa com “deficiência” não detinha capacidade suficiente para realizar atividades laborativas, continuando este segmento de pessoas sob o signo do estima e da discriminação.

Na Contemporaneidade, infelizmente, não é inoportuno afirmar que tal pensamento permanece quando se trata do exercício de inúmeras funções profissionais, o que refletiu, aliás, na necessidade da constituição de legislações que garantam, à pessoa com deficiência, o acesso ao trabalho e, não por isso, ainda assim, todos os dias se verifica, com certa naturalidade, o direito de acesso ao trabalho sendo relegado e esquecido por empresas privadas e órgãos públicos, o que ocorre não apenas por falta de disponibilidade de vagas nos quadros de pessoal para pessoas com deficiência, também por carência de condições aos meios necessários como acessibilidade inadequada, falta de instrumentos e ferramentas de trabalho adaptadas, inexistência de treinamento de pessoal voltado ao relacionamento com a pessoa com deficiência e suas peculiaridades, entre outras.

No tocante ao tema ora analisado, verifica-se, como regra geral, que as corporações sequer admitem a possibilidade de pessoas com deficiência se inscrevem no processo de seleção admissão a carreira policial militar o que representa, o contrário da evolução dos direitos do homem, direitos fundamentais, direitos humanos, princípio da isonomia de oportunidades, princípio da dignidade, princípio do livre acesso ao trabalho, bem como diante dos avanços da tecnológica e dos valores da Sociedade, verdadeira discriminação, segregação de um grupo específico de pessoas, a partir de um “pré juízo”, firmado na ideia pretérita, antiga e anti contemporânea no sentido de que a pessoa com deficiência é absolutamente incapaz para o exercício da vida plena, logo, para a condição de partícipe no auxílio a Sociedade por meio do exercício da função policial militar?

 Portanto, com outras palavras: é preciso apresentar o problema central a partir do qual se pretende discursar, a saber: toda pessoa com deficiência é absoluta incapaz de exercer a função policial militar?

Dito de outra forma: é possível que a pessoa com determinada espécie de deficiência possa exercer a função policial militar?

E mais: qual o momento adequado para se verificar a capacidade da pessoa com deficiência no tocante ao exercício da função policial militar?

Evidentemente, o trabalho não tem a pretensão de encerrar o tema por uma conclusão definitiva, mas de abrir um canal de diálogo aos interessados, dispondo-se as críticas que possam contribuir e solidificar o pensamento, logo, construir o caminho capaz de levar a Administração Pública ao real entendimento do seu papel perante o importante segmento das pessoas com deficiência que assim como todas as outras devem ter assegurados direitos mais elementares de acesso ao trabalho, especificamente, quanto a possibilidade de concorrer no processo de admissão a carreira policial militar.

Diante deste contexto de razões, com efeito, o presente trabalho visa demonstrar, a partir do direito contemporâneo que trata do tema, que sim, é plenamente possível a pessoa com deficiência participar dos processos de seleção e admissão para o exercício da função policial militar, a partir de politicas afirmativas que contemplem e garantam o direito apresentado.

SOBRE A FUNÇÃO POLICIAL MILITAR

Via de regra, entende-se que função, para fins do desenvolvimento profissional,  refere-se à definição da espécie de trabalho a ser realizado, posição ou mesmo designação que o sujeito deve desempenhar a partir do que fora proposto.

Quanto à função policial militar, basicamente relaciona-se com o objetivo de manter a ordem pública, garantir a segurança da população e do patrimônio, portanto, combater a criminalidade de uma forma geral devendo ser exercida por integrantes das policias militares com a finalidade da paz.

A função policial militar, no ordenamento jurídico brasileiro, tem origem no art. 144 da Constituição do Brasil, a partir do qual estabelece-se que:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (EC no 19/98)

(…)

V–polícias militares e corpos de bombeiros militares

(…)

§5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. (Constituição do Brasil) Grifo Nosso.

A partir dos conceitos acima destacados, a questão que se apresenta e está diretamente relacionada ao problema do presente trabalho é: para realizar o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública, logo, a função polícia militar, é necessário, de forma exclusiva e taxativa, que dado sujeito seja plena e absolutamente capaz para toda espécie de atividade humana a ponto de se excluir dos processos de admissão a carreira policial militar a possibilidade de inscrição e participação da pessoa com deficiência?

Dito com outras palavras: a patente eugenia praticada no processo de seleção para o ingresso na carreira policial militar apresenta como pressuposto jurídico e científico fundamento suficiente de sustentação ao obstáculo do exercício dos direitos da pessoa com deficiência em participar destes processos?

E por último: buscando a seleção de verdadeiros super-homens, é legítimo cercear o direito da pessoa com deficiência participar do processo de seleção para o ingresso na carreira policial militar?

Para tanto, torna-se imperativo entender que o conceito de policiamento ostensivo, contemporaneamente, vai muito mais além da necessidade de física, visível e ativa dos policiais militares perante a sociedade e cujo objetivo seja o de prevenir crimes e manter a ordem pública, logo, transmissão da sensação segurança.

Com efeito, embora o policiamento ostensivo seja realizado há muito tempo, mais ainda na contemporaneidade, a partir da presença física de policiais militares preparados tecnicamente para realização de abordagens, revistas, fiscalizações, e ainda prestar auxílio conforme as necessidades e urgências apresentadas pela Sociedade, sendo utilizados, para tanto, a modalidade de policiamento a pé, por viaturas, motocicletas, bicicletas, triciclos e todo instrumento capaz de auxiliar no exercício da função; o prisma deste conceito deve ser reanalisado a partir da evolução da própria Sociedade, sobretudo quando se sabe que a polícia militar não é onipresente e a Sociedade a cada dia clama por segurança que pode ser realizadas por várias formas, inclusive.

Com a contemporaneidade e as inovações tecnológicas, indiscutivelmente, as ferramentas assessorias ao policiamento ostensivo vão além do conceito que se mantém estático ao tempo, pois com os avanços tecnológicos, o policiamento ostensivo e a segurança pública, passaram a utilizar drones, câmeras, sistemas de reconhecimento facial, sistemas de geolocalização, entre outros equipamentos e meios disponíveis.

Neste contexto, nos dias atuais, o uso de inúmeras tecnologias permitem que a função policial militar ultrapasse a necessidade indelével de ser realizada única e exclusivamente por meio da presença humana, física e, neste aspecto, verifica-se que o atributo da inteligência humana, somado a inteligência artificial e as tecnologias disponíveis passam a ter considerável relevo para os fins propostos, a saber, a inibição do crime, logo, a preservação da sensação de segurança.

Quanto à preservação da ordem pública, essa se desdobra como reflexo, logo, como efeito do policiamento ostensivo realizado pelas inúmeras formas apresentadas, culminando com a sensação de estabilidade, segurança social, logo, de paz à Sociedade, objetivo principal, aliás, a partir faz referência à filosofia de Thomas Hobbes em sua Obra O Leviatã. Portanto, a ordem pública reflete o bem-estar social e a segurança dos cidadãos, a paz.

A ordem pública, portanto, não mais está relacionada única e exclusivamente ao policialmente ostensivo, realizado a partir da participação direta, efetiva, física e pessoal por parte de todo o corpo de policiais militares, de modo que deve existir, para além dessa presença, um corpo de servidores capazes, por exemplo, de manusear os inúmeros instrumentos tecnológicos apresentados.

Para além destas razões, com efeito, não se pode esquecer que toda Corporação militar apresenta a necessidade de ter em seus quadros de pessoal um determinado número de servidores capazes de realizar os serviços administrativos e burocráticos, cujas funções a serem desenvolvidas, absolutamente, não estão de qualquer modo e sob qualquer aspecto relacionado à condição e capacidade física corporal plena, mas capacidade iminente e preponderantemente intelectual e de inteligência.

Afinal de contas, por exemplo, não é mais habilitado a realizar as funções de contabilidade administrativa um servidor militar que detenha o esplendor físico, mas aquele que detém conhecimento na área profissional da contabilidade administrativa, devendo tal raciocínio, por economia argumentativa, mas sob o plano da lógica, se estender para todas as funções burocráticas e administrativas, assim como àquelas que desenvolvem a operacionalidade dos equipamentos tecnológicos já descritos.

Ora, qual é a necessidade de plenitude e compleição física para o exercício da função de atender os chamados da população por meio do número 190?

Não seria suficiente a capacidade oratória, auditiva, de diálogo e compreensão acerca do que deseja o cidadão interlocutor?

Nesta mesma premissa, para realizar as atividades relacionadas aos setores burocráticos das corporações militares, como administrativo, contábil, médico, entre outros – que inclusive, por vezes, são desenvolvidos por servidores civis – como se imaginar a necessidade absoluta de servidores que não detenham qualquer espécie de “deficiência”?

Responder a tais questões, sem a necessidade de grandes incursões bibliográficas, enseja a conclusão pela possibilidade da pessoa com deficiência estar apta a realizar inúmeras das funções apresentadas, podendo, a partir deste contexto, inclusive, existir uma disponibilidade dos militares plenamente capazes e que trabalham nestas funções burocráticas a se dedicarem diretamente ao combate ao crime.

E diante do raciocínio apresentado, cabe ainda refletir: Como obstar o direito da pessoa com deficiência participar do processo de seleção para o exercício da função policial militar se nas corporações existem centenas, milhares de militares que, após o ingresso nesse regime, passaram, por qualquer motivo, à condição de pessoa com deficiência e, ainda assim, permanecem no exercício da função policial militar?

Portanto, resta claro, diante da demonstração exposta, que à efetivação do policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública, realizadas de forma imprescindível e exclusivamente apenas com a participação física de um policial militar, está absolutamente superada.

Também resta demonstrado que à função policial militar não é necessário que o sujeito seja um super-homem ou apresente o esplendor físico equiparado aos guerreiros medievais.

E sendo assim, restará claro, também, que o direito exposto deve ser contemplado por meio da Administração Pública, de modo que o Estado promova todos os meios necessários para que a pessoa com deficiência tenha o direito de se inscrever e  participar de todos os processos de admissão para a função policial militar.

ENSAIO CRÍTICO AOS INSTRUMENTOS DE INGRESSO NA POLÍCIA MILITAR.

O único instrumento que regulamenta a participação dos aspirantes a carreira policial militar é o edital do concurso público – que de fato deveria ser amplamente público. A partir dele são demonstradas todas as regras e as fases pelas quais os candidatos são submetidos para fins de aprovação, classificação e/ou eliminação em conformidade com as cláusulas apresentadas.

Após mais de quinze anos de experiência trabalhando com o direito e as formas de ingresso nas forças policiais militares de todo o Brasil, é possível notar que os processos relacionados à seleção dos candidatos, mesmo diante da dinâmica social, dos avanços decorrentes da tecnologia e das normas vigentes, permanecem praticamente estáticos em sua forma e modelo, de modo que, por regra, qualquer avanço na conquista dos direitos dos candidatos, advém de contestações judiciais, logo, provenientes de  decisões do Poder Judiciário ao concluir que elas são contrárias ao direito, ilegais, o que por consequência demonstra cabalmente os equívocos praticados pela Administração pública.

Obliquamente, isto revela que os editais de seleção para o ingresso na corporação das policias militares não estão sendo submetidos a um acurado planejamento ou processo de análise e estudo que contemplem as inovações tecnológicas, as mudanças da Sociedade e das novas demandas que se apresentam.

Ao contrário, contudo, tem-se verificado que os editais do processo de seleção e admissão, por via de regra, são meras cópias de processos seletivos pretéritos, não apresentando, praticamente, qualquer inovação e, deste raciocínio, a questão é imprescindível: será que as corporações militares mantêm em seus quadros Comissões de estudos voltados as mudanças históricas e as novas necessidades contemporâneas para, a partir delas, promoverem as adequações necessárias aos processos de seleção ingresso na carreira policial militar?

Um clássico exemplo demonstra o quanto estático no tempo e espaço permanece as regras de ingresso na corporação militar: tem-se verificado que todos os editais de concurso limitam para mulheres percentuais reflexos do total de vagas disponíveis. Contudo, recentemente, o Supremo Tribunal Federal, provocado por ações diretas de inconstitucionalidade, entendeu por incabível tal espécie de segregação, a vista do direito existente quando a poderem concorrer a todas as vagas existentes, de modo que, as polícias militares do Rio de Janeiro, Distrito Federal e Pará, após terem os processos de seleção e ingresso na carreira policial militar suspensos por determinação judicial, retificaram seus editais de concurso, afastando o limite de vaga para mulheres, logo, permitindo concorrerem a todas as vagas disponibilizadas pelo certame. Um avanço que certamente levará todos os estados a contemplarem o mesmo direito, sob pena de também terem seus processos de seleção e ingressa na carreira policial militar suspensos por determinação judicial.

Aliás, sobre este ponto, apenas um parêntese: a tese que demonstra tal direito vem sendo discutida no âmbito do Poder Judiciário do Estado da Paraíba, há anos, a partir do patrocínio dos autores, cuja ação não obteve resultado quanto ao pedido de tutela de urgência, certamente, em virtude da ausência de visão vanguardista por parte de quem deve analisar os fatos e praticar a Justiça ao caso concreto. Contudo, a mencionada ação judicial tramita, na esperança de que o mérito, acompanhado a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, reconheça o direito das mulheres em concorrer a ampla concorrência de vagas, sem qualquer espécie de obstáculo discriminatório e infundado.

Casos que atacam o direito dos postulantes ao ingresso na polícia militar não são raros, ao contrário, se apresentam em todas as fases do processo, dentre elas, as principais são: inscrição no concurso, provas objetivas e discursivas, o exame médico e de saúde, exame de aptidão física, avaliação psicológica, avaliação da vida pregressa e social, entre outras e, em cada uma delas, certamente, há pontos de vulnerabilidade e de contradição quanto os objetivos da seleção, a saber: ter nos quadros da polícia militar pessoas, sujeitos capazes e aptos, os melhores para o exercício da função policial militar.

A começar pelo processo de inscrição, sem razoabilidade aparente, todos os editais de processo de seleção exigem do participante um determinado limite de idade para inscrição e realização do curso de formação, o que não resguardar qualquer fundamentação científica para tanto.

Ora, se se pensar que durante o processo de seleção o candidato, independente de sua idade, pode realizar e ser aprovado em todas suas etapas, logo, demonstrando, de forma irrefutável, sua capacidade para o exercício da função, por qual razoável e coerente motivo científico, então, deve o postulante ter negado o direito de participar do processo de seleção sob o fundamento da faixa etária?

As provas objetivas também apresentam inúmeros pontos críticos, pois, como simples exemplo, em sua maioria, são exigidos conhecimentos que não se relacionam sob qualquer aspecto com cargo disponível. Outro exemplo se dá quando verifica-se candidatos eliminados nessa fase do certame, sob o motivo de não terem marcado o tipo de prova na folha de resposta, quando tal situação não revela, a partir da filosofia do processo de seleção, qualquer relação com o objetivo proposto, pois, determinado candidato, mesmo que tenha obtido a nota máxima, será eliminado pelo fato de não ter marcado o tipo de prova. Seria essa espécie de cláusula reveladora da capacidade intelectual do candidato e teria ela algum condão com o exercício da função e do cargo em disputa?

No exame médico e de saúde, é possível encontrar inúmeros casos de eliminação por motivos banais. Qual o motivo cientificamente incapacitante para um candidato ser eliminado do certame por apresentar no exame médico, pressão arterial alterada, problemas de visão corrigíveis por óculos ou lentes de contato, entre tantos outros?

O mesmo raciocínio se desdobra pelo exame de aptidão física. Como imaginar que determinado sujeito está incapacitado para exercer o cargo policial militar, por não realizar com perfeição o salto em altura na seleção? Como é possível imaginar um policial militar em determinada missão praticando salto em altura?

Já no exame psicológico, embora a função policial esteja inerente ao uso de arma, o que justifica esta fase do certame, ainda assim, após milhares e milhares de casos onde candidatos eliminados e sob ordem do Poder Judiciário, retornaram ao concurso e ingressaram na Corporação, inexiste qualquer estudo que demonstre a incidência de situações capazes de justificar tais eliminações, o que sugere pensar: os resultados do exame psicológicos que eliminam candidatos em concurso não refletem a finalidade proposta por ele.

Alcançando a fase da avaliação social, verifica-se existir incontáveis eliminações sob amparo meramente banal, a exemplo de candidatos que apenas tem em seu histórico, por exemplo, a existência um boletim de ocorrência acerca de determinado fato. Há casos em que determinado candidato fora eliminado por informar que em tempos pretéritos provou entorpecente, o que se revela um absurdo diante da necessidade de seleção dos melhores.

Além de outros incontáveis desarrazoados motivos de eliminações de candidatos no processo de seleção para o ingresso nas policias militares, o fato é a existência de considerável quantidade de obstáculos inseridos nos editais e que em absolutamente nada se relacionam com a finalidade do processo de seleção, tornando-os contrários as normas constitucionais, portanto, refletindo em verdadeira abusividade por parte da Administração Pública cuja finalidade, para além de selecionar os melhores é provocar a eliminação sem qualquer respaldo minimamente científico.

Não se deve deixar de considerar, o que não é praticado pela Administração Pública, que o melhor momento para se avaliar qualquer aspirante ao cargo é o período de estágio probatório, onde de fato pode ser analisado, com pertinência, a capacidade de cada aprovado para o exercício do cargo e da função pretendida.

No que diz respeito ao segmento das pessoas com deficiência, contudo, conforme visto, se sequer tem o direito de inscrição em tais processos de seleção, o que se dizer quanto ao direito de questionar qualquer regra abusiva referente às demais fases do certame?

Cabe ainda dizer, para além do que fora dito, existe um mito social, inclusive muitas vezes equivocadamente aceito pelo Judiciário, no sentido de que Edital de seleção para ingresso na carreira militar é lei, fazendo com que tais dispositivos, por vezes, se tornam abusos e inquestionáveis, e isto se comprova quando a sociedade se depara com inúmeras decisões judiciais que deixam de enfrentar determinado o mérito a partir da exposição equivocada de tal premissa.

É preciso, contudo, asseverar: edital de concurso não é lei. Em verdade, na melhor hipótese, edital de concurso pode ser equiparado a uma espécie de contrato de adesão, constituído unilateralmente pelo ente público, a partir do qual, ele, particularmente, insere regras a seu bel prazo, replicando as já existentes em processos de seleção anteriores; regras estas muitas das quais desprovidas de qualquer amparo minimamente científico e que sequer se relacionam com a pretensão final do exercício da função a qual dispõe.

Aliás, é neste sentido se observa tímidos avanços em várias corporações no tocante a mudança de exigência do conhecimento intelectual para concorrer ao cargo quando passaram a exigir a conclusão do ensino superior para tanto, demonstrando com isto que a Sociedade tem a cada dia exigido que os servidores público, para determinadas áreas, estejam, sobretudo, preparados intelectualmente ao exercício da função.

Deste modo, o ensaio a está critica é no sentido de que as regra apresentadas os processos de seleção para o ingresso nas corporações das policias militares, ultrapassadas diante do contexto social contemporâneo, cuidadosamente devem ser revistas para fins de acompanhar os avanços e necessidades da sociedade contemporâneas, das tecnologias e do que verdadeiramente se tem esperado dos servidores públicos: compromisso, dedicação, vocação, ética.

E neste ótica, conforme o direito que será apresentado, deve a Administração Pública proporcionar a possibilidade da pessoa com deficiência se inscrever e participar do processo de admissão a carreira policial militar, realizando, ademais, todas as adaptações necessárias ao pleno exercício dos direitos desse segmento da Sociedade.

PARTICIPAÇÃO NA ADMISSÃO DA CARREIRA POLICIAL MILITAR: UM DIREITO FUNDAMENTAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA.

Demonstrado que o exercício da função policial militar não mais deve ser exclusivo a pessoas que não detenham qualquer espécie de “deficiência”, veja-se, agora, o arcabouço jurídico capaz de fundamentar a exposição do direito pretendido, pois,

Ao se buscar a explicação de uma norma, necessário se faz promover a interpretação que melhor atinge os interesses da coletividade, não podendo haver uma nova hermenêutica restritiva de direito aplicada pela Administração, (Fernandes e Fernandes. 2023. p. 11).

A convenção internacional sobre os direitos da pessoa com deficiência, da qual o Brasil se tornou signatário desde 30 de março de 2007, sendo recepcionada como Emenda Constitucional, pelo art. 5º § 3º, entre seus dispositivos apresenta o que segue:

Convenção assegura que as pessoas com deficiência gozem dos mesmos direitos humanos de todos os outros seres humanos e que possam viver como cidadãos plenos capazes de dar contribuições valiosas para a sociedade, se lhes forem proporcionadas as mesmas oportunidades. Abrange direitos como a igualdade, a não discriminação e a igualdade perante a lei; a liberdade e segurança da pessoa; a acessibilidade, a mobilidade pessoal e uma vida autônoma; o direito à saúde, AO TRABALHO e à educação; e a participação na vida política e cultural. (Convenção Internacional dos direitos da pessoa com deficiência. 2007). Grifo Nosso.

O dispositivo, bem como todo o texto representado na Convenção internacional dos direitos da pessoa com deficiência, assegura que este segmento de pessoas tem exatamente os mesmos direitos dispensando a todos os cidadãos, devendo, logo, inexistir qualquer espécie de discriminação, “pré conceito” e desigualdade de tratamento.

Ao contrário disso, cabe ao Estado promover todas as formas de inclusão da pessoa com deficiência no campo do trabalho, independente de sua natureza, aliás.

Ainda com referência a mencionada convenção:

O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. (Convenção Internacional dos direitos da pessoa com deficiência. 2007). Grifo Nosso.

Não se deve perder de vista que o trabalho reflete na dignidade do homem, isto porque “quando trabalhamos, encontramos a dignidade, e quando trabalhamos naquilo que gostamos, encontramos não só a dignidade, mas também todas as chances para se alcançar a felicidade pessoal”, como aponta Fernandes (2009, p 21/22).

Neste aspecto a Constituição do Brasil remete:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(…)

XXXI proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e CRITÉRIOS DE ADMISSÃO DO TRABALHADOR PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. (Constituição do Brasil). Grifo Nosso.

Observe-se: a Carta Maior afirma que é discriminatório promover critérios de admissão da pessoa com deficiência ao trabalho, portanto, deixando claro, com outras palavras, que não se pode existir qualquer ato administrativo anterior a este processo, inclusive o que se revela pelo problema central analisado. Ademais, não há na redação termos abertos suficientes para interpretações que negue o mencionado direito.

Ora, se se pensar que não se pode determinar critérios de admissão da pessoa com deficiência ao trabalho, com efeito, também não se pode, ademais, cercear o direito da pessoa com deficiência em participar de qualquer processo seletivo de admissão, a partir de um “pré juízo” que as segrega, revelando-se tal medida contrária ao direito constitucional e infraconstitucional exposto.

Ainda em referência a mencionada Convenção:

Os Estados Partes [O BRASIL E CONSEQUENTEMENTE TODOS OS ESTADOS] se comprometem a assegurar e promover a plena [TOTAL] realização de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência. Para tanto, os Estados Partes se comprometem a: a. Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção;

b. Adotar todas as medidas necessárias, inclusive legislativas, para modificar ou revogar leis, regulamentos, costumes e práticas vigentes, que constituírem discriminação contra pessoas com deficiência;

c. Levar em conta, em todos os programas e políticas, a proteção e a promoção dos direitos humanos das pessoas com deficiência; d. Abster-se de participar em qualquer ato ou prática incompatível com a presente Convenção e assegurar que as autoridades públicas e instituições atuem em conformidade com a presente Convenção; e. Tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação baseada em deficiência, por parte de qualquer pessoa, organização ou empresa privada. (Convenção Internacional dos direitos da pessoa com deficiência. 2007). (Grifo Nosso)

Portanto, trata-se de o direito que deve ser representado a partir de uma politica de ações afirmativas, a partir da qual o Estado deve realizar os atos necessários de inclusão para que a pessoa com deficiência possa ter o direito, no caso concreto de participar do processo de seleção para a carreira militar, sem objeções, combatendo, deste modo, a discriminação sem fundamentos cometido a este seguimento de pessoas.

E ainda a Convenção analisada apresenta o seguinte texto:

1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Este direito abrange o direito à oportunidade de se manter com um trabalho de sua livre escolha ou aceitação no mercado laboral, em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência. Os Estados Partes salvaguardarão e promoverão a realização do direito ao trabalho, inclusive daqueles que tiverem adquirido uma deficiência no emprego, adotando medidas apropriadas, incluídas na legislação, com o fim de, entre outros:

a. Proibir a discriminação baseada na deficiência com respeito a todas as questões relacionadas com as formas de emprego, inclusive condições de recrutamento, contratação e admissão, permanência no emprego, ascensão profissional e condições seguras e salubres de trabalho;

(…)

e. Promover oportunidades de emprego e ascensão profissional para pessoas com deficiência no mercado de trabalho, bem como assistência na procura, obtenção e manutenção do emprego e no retorno ao emprego;

(…)

g. Empregar pessoas com deficiência no setor público;

(…)

i. Assegurar que adaptações razoáveis sejam feitas para pessoas com deficiência no local de trabalho. (Convenção Internacional dos direitos da pessoa com deficiência. 2007). (Grifo Nosso).

Consta assegurado, logo, pela destacada Convecção assim como pela Constituição do Brasil, o direito a igualdade de oportunidades para as pessoas com deficiência e, deste modo, novamente, não há razão em mitigar tal direito relacionado à possibilidade de concorrer a seleção de admissão a carreira policial militar.

Ademais, a Constituição do Brasil apresenta a norma que fundamenta os processos de admissão para tal carreira, o que é promovido a partir de concursos públicos, nos termos seguintes:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(…)

VIII a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão. (Constituição do Brasil). (Grifo Nosso).

Deste modo, a Constituição do Brasil, ao contrário da impertinente interpretação apresentada via de regra pela Administração Pública, além de não restringir o direito da pessoa com deficiência de participar dos processos de seleção para a carreira militar,  assevera que os entes públicos, devem praticar ações afirmativas, precisam disponibilizar, em todos os processos de admissão existentes, o que deve ser incluído a admissão a carreira policial militar, reservas de vagas para pessoas com deficiência.

E para tanto, faz-se necessário lembrar que entre as premissas jurídicas da Administração Pública, consta o norteador Princípio da Legalidade:

estar a Administração Pública [inclusive aqui os agentes púbicos organizadores de concurso público], em toda a sua atividade, presa aos mandamentos da lei, deles não se podendo afastar, sob pena da invalidade do ato e responsabilidade de seu autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal, ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei é injurídico e expõe-se à anulação. De fato, este pode fazer tudo que lei permite e todo que a lei não proíbe; aquela [Administração Pública] só pode fazer o que a lei autoriza e, ainda assim, quando e como autoriza. GASPARINI. Diógenes. Direito Administrativo. 11 Ed ver. e atual. São Paulo. Saraiva. p. 8. (Grifo Nosso)

E ainda este respeitável doutrinador comenta, quanto ao Princípio da Impessoalidade:

A atividade administrativa deve ser destinada a todos os administrados, dirigida aos cidadãos em geral, sem determinação de pessoas ou discriminação a qualquer natureza. É o que impõe ao poder público este princípio. GASPARINI. Diógenes. Direito Administrativo. 11 Ed ver. e atual. São Paulo. Saraiva. p. 8. (Grifo Nosso)

Deste modo, pelos argumentos jurídicos apresentados, novamente, não há mínima razão de ser o cerceamento administrativo ao direito da pessoa com deficiência poder concorrer ao processo de admissão para a carreira policial militar.

Não deve o Estado, sob qualquer ótica, manter na eternidade o pensamento composto nos tempos pretéritos no sentido de que as pessoas com deficiência estão incapacitada para o exercício de qualquer função, ao contrário disso, precisa promover todos os meios para que as pessoas com deficiência sejam inseridas no mercado de trabalho.

Aliás, é necessário fazer referência, ademais, ao princípio da isonomia, a partir do qual,

Prevendo uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de justiça. MORAES. Alexandre. Direito Constitucional. Atlas. São Paulo. 2001. p. 62

Sim, as pessoas com deficiência devem ser tratadas com absoluta isonomia em tudo que for pertinente ao cotidiano e a vida, devendo seu direito ser garantido a parti do rol de normativas pertinentes ao tema e especificamente quanto à seleção para admissão na carreira policial militar.

Convergente com tal raciocínio é preciso destacar passagens da lei 7.853, de 24 de novembro de 1989, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos e difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências.

Consta na Lei:

Art. 1º Ficam estabelecidas normas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência, e sua efetiva integração social, nos termos desta Lei. §1ºNa aplicação e interpretação desta Lei, serão considerados os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito e dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros, indicados na Constituição ou justificados pelos princípios gerais de direito.

§2ºAs normas desta Lei visam garantir às pessoas portadoras de deficiência as ações governamentais necessárias ao seu cumprimento e das demais disposições constitucionais e legais que lhes concernem, afastadas as discriminações e os preconceitos de qualquer espécie, e entendida a matéria como obrigação nacional a cargo do Poder Público e da sociedade. (Lei nº 7.853/89). Grifo Nosso

O mencionado dispositivo corrobora os argumentos apresentados e que garantem a possibilidade da pessoa com deficiência participar do processo de admissão na policia militar a partir da obrigação, por parte do Estado, dos meios necessários a afastar a discriminação e o preconceito, sendo, portanto, tal medida, não apenas necessária, mas obrigatória.

E em consideração ainda ao mencionado dispositivo legal:

Art. 2º Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, AO TRABALHO, ao lazer, à previdência social, ao amparo a infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.

Parágrafo único. Para o fim estabelecido no caput deste artigo, os órgãos e entidades da administração direta e indireta devem dispensar, no âmbito de sua competência e finalidade. aos assuntos objeto desta Lei, TRATAMENTO PRIORITÁRIO e adequado, tendente a viabilizar, sem prejuízo de outras, as seguintes medidas:

(…)

III na área da formação profissional e do trabalho:

(…)

b) o empenho do Poder Público quanto ao surgimento e à manutenção de empregos, inclusive de tempo parcial. destinados às pessoas portadoras de deficiência que não tenham acesso aos empregos comuns;

c) a promoção de ações eficazes que propiciem a inserção, nos setores público e privado, de pessoas portadoras de deficiência;

d) a adoção de legislação específica que discipline a reserva de mercado de trabalho, em favor das pessoas portadoras de deficiência, nas entidades da Administração Pública e do setor privado, e que regulamenta a organização de oficinas e congêneres integradas ao mercado de trabalho, e a situação, nelas, da pessoa portadoras de deficiência (…).(Lei nº 7.853/89). Grifo Nosso.

Portanto, novamente: é uma obrigação do Estado realizar todos os atos necessários para inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, devendo ser incluído, neste panorama, o direito de participar dos processos de seleção e ingresso na polícia militar.

Imprescindível, ademais, demonstrar que este dispositivo não se encerra por ai no tocante à garantia do direito apresentado, pois, em seu art.8º remete:

Art. 8º Constitui crime punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa:

(…)

II obstar, sem justa causa, o acesso de alguém a cargo público, por motivos derivados de sua deficiência;

III negar, sem junta causa, a alguém, por motivos derivados de sua deficiência, emprego ou trabalho. (Lei nº 7.853/89). Grifo Nosso.

Deste modo, obstar a possibilidade da pessoa com deficiência participar do processo de seleção para o cargo policial militar, equivale a pratica de crime punível com reclusão e, do ponto de vista hermenêutico jurídico,

a importância dessa norma sancionadora está no fato de que ela não permite mais um comportamento de indiferença em relação à norma constitucional. A discriminação agora é crime punível com reclusão e multa, isto que dizer que a norma constitucional está imunizada contra as reações de indiferença. ASSIS. Olney Queiroz; PUSSOLI. Lafaiete. Pessoa Deficiente Direitos e Garantias. Edipro. São Paulo. 1992. p. 92-93. Grifo Nosso.

Diante do contexto apresentado, portanto, não existe motivo legal para se negar o direito pretenso a pessoa com deficiência.

Vale ressaltar a Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015 que Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.

Parágrafo único. Esta Lei tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008 , em conformidade com o procedimento previsto no § 3º do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil , em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, desde 31 de agosto de 2008, e promulgados pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009 , data de início de sua vigência no plano interno. Lei nº 13.146/2015.

Com efeito, resta juridicamente demonstrado, a pessoa com deficiência tem o direito a aspirar à carreira policial militar. Mas, ainda a mencionada lei destaca:

Art. 4º Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.

§ 1º Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas.

§ 2º A pessoa com deficiência não está obrigada à fruição de benefícios decorrentes de ação afirmativa.

(…)

Art. 8º É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico.

(…)

Art. 34. A pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

§ 1º As pessoas jurídicas de direito público, privado ou de qualquer natureza são obrigadas a garantir ambientes de trabalho acessíveis e inclusivos.

§ 2º A pessoa com deficiência tem direito, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, a condições justas e favoráveis de trabalho, incluindo igual remuneração por trabalho de igual valor.

§ 3º É vedada restrição ao trabalho da pessoa com deficiência e qualquer discriminação em razão de sua condição, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissional e periódico, permanência no emprego, ascensão profissional e reabilitação profissional, bem como exigência de aptidão plena.

§ 4º A pessoa com deficiência tem direito à participação e ao acesso a cursos, treinamentos, educação continuada, planos de carreira, promoções, bonificações e incentivos profissionais oferecidos pelo empregador, em igualdade de oportunidades com os demais empregados.

§ 5º É garantida aos trabalhadores com deficiência acessibilidade em cursos de formação e de capacitação.

Art. 35. É finalidade primordial das políticas públicas de trabalho e emprego promover e garantir condições de acesso e de permanência da pessoa com deficiência no campo de trabalho.

Parágrafo único. Os programas de estímulo ao empreendedorismo e ao trabalho autônomo, incluídos o cooperativismo e o associativismo, devem prever a participação da pessoa com deficiência e a disponibilização de linhas de crédito, quando necessárias. Lei nº 13.146/2015. Grifo Nosso.

Ao contrário dos equívocos praticados pelos atos da Administração Pública, resta comprovado que a pessoa com deficiência detém o fundamental direito de participar do processo de seleção e admissão para carreira polícia militar, a partir de suas próprias escolhas, sem qualquer espécie de discriminação, não sendo, portanto, razoável que o Ente responsável por promover as formas de inclusão ao mercado de trabalho, sem justificativas científicas ou minimamente.

CONCLUSÃO

Como regra geral, as policias militares do Brasil não disponibilizam vagas para pessoas, com deficiência, negando o direito previsto na Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Constituição do Brasil, lei 7.853/1989, Lei 13.146/2015, entre outras normas, o que se revela por uma postura discriminatória e sem amparos científicos e com previsão de punição, inclusive.

Contudo, para além de um estudo acerca das limitações ocasionadas por barreiras à participação da pessoa com deficiência em todos os cenários do cotidiano e a partir das razões, fundamentos e normas jurídicas apresentadas, é absolutamente certo afirmar, portanto, que a pessoa com deficiência tem o direito de participar de todo e qualquer processo de seleção e admissão, ocasionado por concurso público e organizado pela Administração Pública, o que consta incluído as vagas para cargos oferecidos pela polícia militar, tornando-se necessário que a Administração Pública, volvendo as condutas até o presente praticada, avance em consonância com os desdobramentos e necessidades da Sociedade atual, promovendo ações positivas, inclusive com o devido planejamento quanto às adaptações necessárias para cada caso concreto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSIS. Olney Queiroz; PUSSOLI. Lafaiete. Pessoa Deficiente Direitos e Garantias. Edipro. São Paulo. 1992. p. 92-93

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[1] Militar da Reserva, Professor Doutorando em Filosofia do Direito, Advogado Especialista em Direito Processual Civil, Direito Administrativo, Direito da Pessoa com Deficiência e Concurso Público, Escritor e Palestrante.

[2] Administradora e Advogada Especialista em Concurso Público, Direito do Trabalho e Previdenciário.