ACESSO À JUSTIÇA E AÇÕES DERIVADAS NO BRASIL

ACESSO À JUSTIÇA E AÇÕES DERIVADAS NO BRASIL

30 de junho de 2024 Off Por Cognitio Juris

ACCESS TO JUSTICE AND DERIVATIVE ACTIONS IN BRAZIL

Artigo submetido em 20 de junho de 2024
Artigo aprovado em 26 de junho de 2024
Artigo publicado em 30 de junho de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 55 – Junho de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Fábio Barsotti Machado[1]

Resumo: Este artigo é um estudo dogmático, sob a perspectiva do Direito brasileiro em vigor, sobre as ações derivadas relacionadas ao acesso à justiça, ou seja, com o objetivo de estudar se efetivamente há um pleno e efetivo acesso ao judiciário considerando a legislação atual. Para tanto, analisaremos o conceito e os dispositivos legais do acesso à justiça, a definição e a origem das ações derivadas e a sua positivação no ordenamento jurídico brasileiro, bem como o projeto de lei em trâmite que visa a alterar a legislação sobre o tema. Estudaremos as ações derivadas contra os administradores e contra os controladores. O trabalho examina os requisitos previstos na lei aplicável (Lei 6.404/76) para a propositura da ação com o intuito de responder se seria necessária alguma alteração no ordenamento jurídico a fim de garantir o acesso à justiça. Serão analisadas doutrina e a legislação aplicável.

Palavras-Chave: Acesso à Justiça; Ações Derivadas; Proteção de Minoritários.

Abstract: This article is a dogmatic study, from the perspective of current Brazilian law, on derivative actions related to access to justice, that is, with the objective of studying whether there is actually full and effective access to the judiciary considering current legislation. To this purpose, we will analyze the concept and legal provisions of access to justice, the definition and origin of derivative actions and their positive status in the Brazilian legal system, as well as the bill in progress that aims to change legislation on the subject. We will study derivative actions against administrators and controllers. The work examines the requirements set out in the applicable law (Law 6,404/76) for filing the action in order to answer whether any changes to the legal system would be necessary in order to guarantee access to justice. Doctrine and applicable legislation will be analyzed.

Keywords: Access to justice; Derivative Actions; Protection of Minority Shareholders.

Introdução

Este artigo objetiva examinar se há o devido acesso à justiça[2] nas ações derivadas de acordo com a legislação pátria atual aplicável (Lei 6.404/76 ou “LSA”).

Para tanto, analisaremos, em um primeiro momento, o conceito de Acesso à Justiça e a sua positivação dogmática no ordenamento jurídico pátrio.

Ultrapassada a conceituação de acesso à justiça, abordaremos as ações derivadas: conceito, origem, positivação jurídica no Brasil e projeto de lei em trâmite para alterar os dispositivos legais.

As ações derivadas, em suma, são processos judiciais movidos por acionistas ou grupos de acionistas em nome de uma companhia contra seus administradores ou controladores, alegando que estes agiram de maneira ilegal, negligente ou prejudicial aos interesses da companhia, requerendo, ao cabo, que a companhia seja indenizada.  

No contexto brasileiro, o acesso à justiça é essencial para garantir que as ações derivadas sejam eficazes e cumpram sua função de responsabilizar os administradores e controladores por condutas inadequadas e a arcar com as devidas indenizações às companhias. Sem um acesso adequado à justiça, os acionistas e outros interessados que desejam iniciar essas ações podem ser impedidos de fazê-lo, o que poderia resultar em impunidade dos responsáveis pelos danos causados à empresa e seus stakeholders.

1. Acesso à Justiça

1.1. Definição de Acesso à Justiça

            Antes de adentrarmos ao tema proposto por este trabalho, é salutar apresentarmos alguns conceitos. Sem ultrapassarmos esta fase, a leitura e a compreensão do artigo restam prejudicadas. Assim, importante fixarmos algumas conceituações.

O termo “acesso à justiça” possui várias acepções. Importante, portanto, procurarmos trazê-las ao leitor.

A palavra “acesso” traz a ideia de ingressar, de entrar, iniciar. Além disso, também, traduz o sentido da possibilidade de alcançar algo, conforme bem coloca Ivan Aparecido Ruiz[3].

Já a locução “Acesso à Justiça”, no plano do direito, conforme o autor antes citado ensina, representa a possibilidade de alcançar algo, que é justamente o valor “Justiça” – termo este também com vários significados.

Assim, “acesso à justiça” não significa necessariamente a propositura de uma ação judicial, conforme muitos imaginam. Pelo contrário, conforme esclarece Ivan Aparecido Ruiz, “alcança também a plena atuação das faculdades oriundas do processo e a obtenção de uma decisão aderente ao direito material, desde que utilizada a forma adequada para obtê-la”[4].

Um dos grandes estudiosos do tema Acesso à Justiça foi, sem dúvidas, o jurista italiano Mauro Cappelletti.

Em sua obra Acesso à Justiça, em coautoria com Bryant Garth[5], comenta sobre a expressão e determina duas finalidades básicas do sistema jurídico:

“A expressão “acesso à Justiça” […] serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.”

Assim, Cappelletti e Garth entendem que o sistema jurídico possui as finalidades de permitir que pessoas reivindiquem seus direitos, bem como resolvam suas pretensões, produzindo resultados que sejam individual e socialmente justos. Nesses casos, tais finalidades se dariam por meio do Poder Judiciário – um Estado-Juiz.

O acesso à justiça é requisito fundamental para um Estado Democrático de Direito. Os direitos só se realizam se for real a possibilidade de reclamá-los perante tribunais imparciais e independentes. Portanto, a questão do acesso à justiça é primordial para a efetivação de direitos, conforme enfatiza Maria Tereza A. Sadek.[6]

De mais a mais, entende-se que o Acesso à Justiça pode ser alcançado por 3 vias: (a) pela via dos meios alternativos de solução dos conflitos de interesses, seja pela autocomposição (Conciliação, Mediação e Negociação), seja pela heterocomposição (arbitragem), (b) pela via jurisdicional (jurisdição estatal), no exercício da jurisdição de direito, e (c) pela via das Políticas Públicas [7].

Logo, como já mencionado acima, percebam que o Acesso à Justiça não se dá exclusivamente pela via judicial.

Todavia, neste trabalho abordaremos o aspecto judicial das Ações Derivadas, ou seja, se há o satisfatório acesso ao judiciário no caso de ações derivadas conforme nossa legislação atual.

Ainda, no que se refere ao processo, este deve dar uma resposta tempestiva e adequada ao conflito de interesses. Contudo, muitas vezes, há obstáculos ao Acesso à Justiça, que trataremos no próximo item.

1.2. Dos obstáculos ao Acesso à Justiça

O Acesso à Justiça encontra diversos obstáculos, que devemos nos esforçar para superá-los ou trabalharmos para que não existam.

Conforme Ivan Aparecido Ruiz[8], o Acesso à Justiça pela via do Poder Judiciário é incondicional, não estando sujeito a quaisquer condições, embora como também já afirmado, no plano do processo, o direito de invocar a jurisdição estatal é condicional – o que analisaremos neste artigo.

Não podemos admitir obstáculos que tornem inviável o acesso à justiça, como o que ocorre, por exemplo, com o custo do processo, o tempo, a grande quantidade de processos, a multiplicação de leis divergentes.

Outro item que também pode ser um óbice ao acesso à justiça é a exigência do cumprimento de determinada condição para se ter legitimidade para propor uma ação judicial – como é o caso das ações derivadas que veremos adiante, pois se exige um percentual mínimo de participação societária para um acionista ter então legitimidade para a propositura da ação em nome da companhia.

Ivan Aparecido Ruiz bem nos lembra que  o legislador, por mais de uma vez, já enfrentou o problema do Acesso à Justiça, ao criar o Juizado de Pequenas Causas, os Juizados Especiais Cíveis, o alargamento da legitimação para a causa, as Ações Coletivas, o tratamento da coisa julgada nas ações coletivas, a ampliação dos poderes do juiz, a inserção de técnicas, procedimentos e princípio da oralidade, as tutelas diferenciadas e a revisitação dos meios alternativos de solução de conflitos de interesses (conciliação, mediação e arbitragem)[9].

Essas medidas, sem dúvidas, contribuíram para a melhoria do acesso à justiça no Brasil. Todavia, é um trabalho que deve ser feito de forma incessante, ou seja, sempre verificando se as pessoas têm o efetivo acesso à justiça.

1.3. Contexto histórico do acesso à justiça no Brasil

Entendemos que podemos falar efetivamente de “acesso à justiça” apenas após a promulgação da nossa Constituição de 1988. Isso, pois as Constituições anteriores, de alguma forma, tolhiam o acesso à justiça em decorrência dos cenários jurídico e político da época, como todos bem sabem.

A Constituição de 1988 inaugurou um novo arcabouço jurídico-institucional no país, com a ampliação das liberdades civis e os direitos e garantias individuais. Importante mencionar que a Carta Magna trouxe dois princípios fundamentais para o acesso à justiça: o direito de petição e o acesso ao judiciário de forma irrestrita.

Nessa linha, conforme Maria Tereza Sadek menciona[10]: “Formalmente, desde a promulgação da Constituição de 1988, o Brasil pode ser classificado como um Estado de Direito e como uma democracia. Liberdades e direitos individuais e coletivos são garantidos, bem como há o império da lei”.

            No título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, no famigerado art. 5º da Constituição de 1988, os incisos XXXIV, alínea “a” e XXXV preveem o direito à petição e o acesso ao judiciário, a saber:

XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Entendemos que esses incisos são os pilares constitucionais fundamentais do Acesso à Justiça no ordenamento jurídico brasileiro.

2. Ações Derivadas

2.1. Definição e Origem de ações derivadas

O termo “ações derivadas” vem da tradução literal do termo em inglês “derivative suits” e “derivative actions”, termos que são identificados nos países de origem (primeiramente Inglaterra e após Estados Unidos da América).

Conforme nos ensina Renato Berger[11], as ações derivadas “são assim chamadas por que se referem a demandas que, originalmente, competem à própria companhia, das quais derivam as ações propostas pelos acionistas em benefício delas”. Trata-se de uma legitimidade extraordinária.

Importante salientar que não há o uso deste termo na LSA – norma jurídica que prevê as ações derivadas.

À luz dos ensinamentos de Renato Berger[12], as ações derivadas surgiram na Inglaterra. O caso mais importante e que contribuiu com o desenvolvimento do tema foi Foss v. Harbottle em 1843 (apesar de notícias de casos anteriores de ações derivadas). Tal caso influenciou sobremaneira a história anglo-americana das demandas derivadas.

Em tal caso, em resumo, dois acionistas da Victoria Park Company ingressaram com demanda em nome próprio e dos demais acionistas contra conselheiros e outros membros da sociedade que eram acusados de perdas geradas à Companhia em detrimento de benefícios particulares de tais conselheiros. Os autores pretendiam que os réus compensassem a sociedade pelas perdas e despesas incorridas. Todavia, a decisão negou o direito de ação, pois foi entendido que os acionistas tinham o poder de convocar uma assembleia geral na qual as operações contestadas no litígio poderiam ser ratificadas. Assim, havia um mecanismo interno societário para tratar do assunto, não sendo, portanto, necessário um processo judicial.

Em razão dessa decisão, a corte emitiu uma regra geral de que caberia às próprias sociedades atuarem como autoras ao pleitearem indenizações por prejuízos que lhes foram causados. Do outro lado, reconheceu que essa regra pode sofrer exceções, especialmente nos casos de danos causados à companhia pelos seus membros e nas hipóteses em que não haja um remédio específico, exceto uma ação ajuizada por acionistas individuais buscando a proteção de seus direitos na qualidade de acionistas. Foi desse entendimento que surgiram os alicerces das ações derivadas, cujas hipóteses de cabimento são de certa forma “residual”, ou seja, a decisão anglo-americana serviu para limitar a utilização das ações derivadas – e a partir de então a jurisprudência e doutrina endereçaram o assunto.

2.2. Ações derivadas no sistema jurídico brasileiro

Mister ressaltar que, em 1976 (ano de sua promulgação), a LSA teve como principal objetivo a criação de uma estrutura jurídica necessária ao fortalecimento do mercado de capitais no Brasil.

            Sendo assim, a LSA conferiu direitos essenciais aos acionistas, como o direito de voto, de fiscalização, de informação e outros (cf. artigo 109 da LSA), com o objetivo de conferir maior segurança aos acionistas e, por consequência, promover o mercado mobiliário brasileiro.

O acesso à justiça é um dos pilares fundamentais de qualquer sistema democrático e legalmente justo. No Brasil, esse princípio é consagrado na Constituição Federal de 1988 e é essencial para garantir que todos os cidadãos tenham a capacidade de buscar e obter a proteção dos seus direitos perante o Poder Judiciário. No entanto, quando se trata de ações derivadas, o acesso à justiça desempenha um papel ainda mais crucial, pois essas ações muitas vezes envolvem litígios complexos e de grande escala que afetam não apenas os indivíduos diretamente envolvidos, mas também partes interessadas mais amplas, como acionistas, investidores e a própria sociedade.

As ações derivadas, como já exposto, são processos judiciais movidos por acionistas ou grupos de acionistas em nome de uma companhia, geralmente contra seus administradores ou controladores, alegando que estes agiram de maneira ilegal, negligente ou prejudicial aos interesses da sociedade com o fim de pleitear indenização diretamente para a própria companhia – e não para o acionista individualmente.

No contexto brasileiro, o acesso à justiça é essencial para garantir que as ações derivadas sejam eficazes e cumpram sua função de responsabilizar os administradores e controladores por condutas inadequadas. Sem um acesso adequado à justiça, os acionistas e outros interessados ​​que desejam iniciar essas ações podem ser impedidos de fazê-lo, o que poderia resultar em impunidade para os responsáveis ​​pelos danos causados à empresa e seus stakeholders.

Neste contexto, as ações derivadas estão previstas nos artigos 159 e 246 da LSA, topograficamente no Capítulo XII (Conselho de Administração e Diretoria), Seção IV (Deveres e Responsabilidades – Ação de Responsabilidade) e no Capítulo XX (Sociedades Coligadas, Controladoras e Controladas), Seção III (Responsabilidade dos Administradores e das Sociedades Controladoras), conforme abaixo transcritos:

Ação de Responsabilidade

        Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembléia-geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio.

        § 1º A deliberação poderá ser tomada em assembléia-geral ordinária e, se prevista na ordem do dia, ou for conseqüência direta de assunto nela incluído, em assembléia-geral extraordinária.

        § 2º O administrador ou administradores contra os quais deva ser proposta ação ficarão impedidos e deverão ser substituídos na mesma assembléia.

        § 3º Qualquer acionista poderá promover a ação, se não for proposta no prazo de 3 (três) meses da deliberação da assembléia-geral.

        § 4º Se a assembléia deliberar não promover a ação, poderá ela ser proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento), pelo menos, do capital social.

        § 5° Os resultados da ação promovida por acionista deferem-se à companhia, mas esta deverá indenizá-lo, até o limite daqueles resultados, de todas as despesas em que tiver incorrido, inclusive correção monetária e juros dos dispêndios realizados.

        § 6° O juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia.

        § 7º A ação prevista neste artigo não exclui a que couber ao acionista ou terceiro diretamente prejudicado por ato de administrador.

Sociedade Controladora

        Art. 246. A sociedade controladora será obrigada a reparar os danos que causar à companhia por atos praticados com infração ao disposto nos artigos 116 e 117.

        § 1º A ação para haver reparação cabe:

        a) a acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social;

        b) a qualquer acionista, desde que preste caução pelas custas e honorários de advogado devidos no caso de vir a ação ser julgada improcedente.

        § 2º A sociedade controladora, se condenada, além de reparar o dano e arcar com as custas, pagará honorários de advogado de 20% (vinte por cento) e prêmio de 5% (cinco por cento) ao autor da ação, calculados sobre o valor da indenização.

Reparem que, conforme já alertado no início, em nenhum momento a LSA usa o termo “ações derivadas” – como são conhecidas na doutrina.

Sobre a nomenclatura, notamos que a doutrina utiliza as expressões “ação social ut universi” e “ação social ut singuli”. A primeira é aquela em que a própria companhia é a promotora da ação. Já a segunda é a proposta por acionista em legitimação extraordinária nas ações derivadas, objeto do nosso artigo.

Insta também explicarmos que o dano pode ser causado tanto à companhia (ação social) como ao acionista (ação individual). O artigo 159 trata das duas. A ação social está prevista no artigo 159, §§ 1 º ao 6º, que é o objeto do estudo deste trabalho. Já a ação individual está prevista no § 7º do mesmo dispositivo legal, que determina “A ação prevista neste artigo não exclui a que couber ao acionista ou terceiro diretamente prejudicado por ato de administrador”.

Para fins didáticos, subdividiremos as ações derivadas em dois subitens abaixo: um que tratará da ação contra os administradores e a outro da ação contra os controladores, pois cada qual possui algumas peculiaridades.

Outro ponto que merece atenção é em qual momento o acionista deverá ter adquirido a ação a fim de ser legitimado para propor a demanda derivada. A LSA não trata desse tema – o que abre uma lacuna para aventureiros adquirirem o investimento posteriormente à deliberação e ingressarem com a ação derivada – o que acontece em alguns casos.

Sobre esse tema, Sergio Campinho entende que haveria 2 situações – uma que permitiria o ajuizamento nesses casos (§3º do art. 159) e a outra que não (§4º do art. 159), conforme abaixo ele bem fundamenta:

De interessante indagação é a legitimação daquele que adquire as ações da companhia após a deliberação. Estaria o adquirente legitimado à propositura da ação judicial ut singuli? Penso que, na hipótese do § 3º do art. 159, sim. Quando da aquisição da ação a vontade social já estava declarada no sentido da propositura da demanda judicial. A essa vontade, todos os acionistas estão vinculados. Na verdade, estará o acionista agindo na realização do interesse social. Estará ele exercendo um direito acessório à ação alienada. No caso do § 4º do mesmo preceito, creio que não terá legitimidade o adquirente se o alienante das ações houver votado contrariamente à propositura. Sucede, desse modo, o vendedor na posição que ele detinha no universo social”.[13]

            Passemos adiante a tratar dos 2 (dois) tipos de ações derivadas (e uma subdivisão no que se refere àquela prevista no art. 159 da LSA), conforme esmiuçado nos subitens abaixo.

2.2.1 Ação Derivada contra os Administradores (art. 159 da LSA)

O art. 159 da LSA trata da ação derivada contra os administradores. Temos aqui duas hipóteses: (i) demanda contra administradores cujo ajuizamento foi autorizado pela assembleia (art. 159, § 3º); (ii) demanda contra administradores cujo ajuizamento não foi autorizado pela assembleia (art. 159, § 4º).

Conforme nos ensina Sergio Campinho[14], ao comentar sobre o artigo 159 e danos causados à companhia:

“O ato ilícito praticado pelo administrador pode resultar danos à companhia, aos acionistas ou a terceiros estranhos ao corpo social. De um fato jurídico, portanto, podem derivar pretensões e ações de naturezas diversas.

Quando a conduta comissiva ou omissiva do administrador resultar em prejuízo para a companhia, esta terá legitimação para promover a competente ação de responsabilidade de responsabilidade civil; já se esse prejuízo se projetar no patrimônio individual de acionista ou de terceiro, a legitimação competirá ao acionista ou ao terceiro diretamente prejudicado. Na primeira situação, a ação recebe o nome de ação social; na segunda, a denominação de ação individual do acionista ou ação individual do terceiro. O Art. 159 a LSA cuida de ambas pretensões e correspondentes ações”.

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Fabio Ulhoa Coelho, ao discorrer também sobre o referido artigo, em relação às duas hipóteses nele contidas, dispõe:

“O artigo 159, § 3º e 4º, da LSA atribuem aos acionistas minoritários a condição de substitutos processuais da sociedade anônima, para fins de responsabilização dos administradores, por conta de danos alegadamente sofridos pela pessoa jurídica. São duas as hipóteses de substituição processual, pressupondo ambas a prévia realização da assembleia em que tenha sido discutida a questão (esta é indispensável porque, conforme visto, é a pessoa jurídica a única titular do direito à indenização e não os seus acionistas). Na primeira (§ 3º), a substituição é derivada e autoriza o acionista minoritário, independentemente de sua participação no capital social da companhia, a demandar como substituto processual da sociedade, sempre que a assembleia geral tiver aprovado o ajuizamento da ação em face do administrador, mas os órgãos de administração retardaram mais de 3 meses em providenciá-las. Na segunda hipótese (§ 4º), a substituição é originária porque tem cabimento quando a assembleia deliberou não promover a responsabilização judicial dos administradores. Ela permite que acionista ou acionistas minoritários, desde que titulares de pelo menos 5% do capital social, demandem a responsabilização dos administradores como substitutos da companhia.”[15]

Nota-se que na primeira hipótese (§ 3º do art. 159 da LSA), a substituição é derivada e autoriza o acionista minoritário, independentemente de sua participação no capital social da companhia, a demandar como substituto processual da sociedade, considerando que a assembleia tenha aprovado o ajuizamento e a sociedade não tenha proposto a devida ação judicial em 3 (três) meses da respectiva deliberação.

Já na segunda hipótese (§ 4º do art. 159 da LSA), caso a assembleia-geral decida não ajuizar a ação civil de responsabilidade contra o administrador, os acionistas que representam, ao menos, 5% (cinco por cento) do capital da companhia podem fazê-lo. Neste caso, diferentemente do § 3º, há um percentual mínimo de participação que o acionista deverá deter – a ratio desse mínimo seria, segundo o nosso entendimento, impedir ações “oportunistas”. 

Importante trazer ao leitor que o art. 291 da LSA permite à Comissão de Valores Mobiliários reduzir, mediante fixação de escala em função do valor do capital social, a porcentagem mínima de participação acionária às companhias abertas – necessárias ao exercícios de direitos previstos na LSA –, estabelecida no art. 105; na alínea “c” do parágrafo único do art. 123; no caput do art. 141; no § 1º do art. 157; no § 4º do art. 159; no § 2º do art. 161; no § 6º do art. 163; na alínea “a” do § 1º do art. 246 e no art. 277. Neste sentido, a Resolução CVM nº 70/2022 prevê os seguintes percentuais:

Intervalo do Capital Social (R$1)Percentual Mínimo (%)
0 a 100.000.000           5
100.000.001 a 1.000.000.0004
1.000.000.001 a 5.000.000.0003
5.000.000.001 a 10.000.000.0002
acima de 10.000.000.0001

O § 5º do art. 159 da LSA prevê que nas duas hipóteses tratadas, seja no caso do art. 159, §3º ou no caso do art. 159, §4º, os resultados da ação promovida pelo acionista deferem-se à companhia, mas esta deverá indenizá-lo até o limite daqueles resultados em relação a todas as despesas em que tiver incorrido, inclusive com a incidência de correção monetária e juros sobre os dispêndios realizados.

2.2.2. Ação Derivada contra os controladores (art. 246)

O art. 246 da LSA, por sua vez, prevê a obrigação da sociedade controladora[16] reparar os danos que causar à companhia por atos praticados, com infração ao disposto nos artigos 116 e 117[17].

Neste caso, diferentemente do art. 159, não há a necessidade de prévia decisão assemblear – até porque os controladores deteriam a maioria do capital social e impossibilitariam, na prática, uma decisão a favor da propositura da ação por questão lógica. Ademais, os legitimados para a demanda são os acionistas que representem no mínimo 5% (cinco por cento) do capital social ou qualquer acionista, desde que preste caução – o que também difere da legitimidade prevista no art. 246.

Ana Frazão[18], ao discorrer sobre o tema:

“Portanto, em paralelo à previsão do art. 159, § 4, da Lei nº 6.404/1976, o acionista com participação igual ou superior a 5% do capital social te legitimidade ativa para a ação de indenização contra a sociedade controladora. A diferença é que obviamente a sua legitimidade não depende da prévia autorização assemblear, ao contrário da hipótese do art. 159, § 4º, da Lei nº 6.404/1976. Alias, como se viu nos comentários aos arts. 116 e 117, da Lei nº 6.404/1976, não faria nenhum sentido submeter as ações de indenização contra o controlador à prévia deliberação da Assembleia exatamente porque o controlador poderia facilmente obstar a iniciativa.”

O §2º do referido artigo prevê (no art. 159 não há essa previsão) que a sociedade controladora, se condenada, além de reparar o dano e arcar com as custas, pagará honorários de advogado de 20% (vinte por cento) e prêmio de 5% (cinco por cento) ao autor da ação, calculados sobre o valor da indenização. Assim, temos um incentivo para a propositura da ação.

2.2.3.  Aprovação de Contas, Dificuldade de prova e baixa eficácia

O §3º do artigo 134 da LSA prevê que a aprovação, sem reserva, das demonstrações financeiras e das contas, exonera a responsabilidade dos administradores e fiscais, salvo erro, dolo, fraude ou simulação.

Assim, a aprovação sem ressalvas possui efeito liberatório, obstando a ação do art. 159, salvo se, conforme o artigo prevê, houver a constatação de dolo, fraude ou simulação.

            Além disso, uma das grandes dificuldades para se propor a ação derivada é exatamente a questão da obtenção de provas contra os administradores, uma vez que os acionistas estão, na maioria dos casos, alheios à documentação e administração de fato da companhia.

Sobre a baixa eficácia das ações derivadas, Ana Frazão discorre:

“Há muito que a doutrina brasileira destaca a pouca eficácia das ações de indenização contra administradores de companhias, havendo inúmeras especulações e tentativas de explicação sobre o que justificaria as poucas ações nesse sentido”.

Sobre o tema, é importante mencionar o relatório “Fortalecimento dos meios de tutela reparatória dos direitos dos acionistas no mercado de capitais brasileiro”, fruto de uma iniciativa conjunta entre a CVM, a OCDE e o Governo Brasileiro, que conclui no sentido da baixa eficácia e procura encontrar algumas causas, dentre a presunção de quitação que decorre da aprovação das contas dos administradores, o que exige inclusive prévia anulação da assembleia correspondente antes da propositura da ação de indenização.”[19]

            Diante do exposto, entendemos que o efeito liberatório da aprovação de contas dos administradores acaba restringindo as ações derivadas. Já a dificuldade de informações e de provas gera uma baixa ineficácia das ações propostas, bem como, muitas vezes, inibe a propositura da ação.

3. Grau de Incentivo do Regime Brasileiro.

Para a conclusão da problemática deste artigo (Há o devido Acesso à Justiça de acordo com a legislação atual das ações derivadas? – para fins de acesso ao judiciário), é importante analisarmos os incentivos da Lei Brasileira.

Renato Berger bem analisa esta questão[20]. Para tanto, ele divide as ações derivadas em 3 (três) tipos: (i) demanda contra administradores cujo ajuizamento foi autorizado pela assembleia (art. 159, § 3º); (ii) demanda contra administradores cujo ajuizamento não foi autorizado pela assembleia (art. 159, § 4º) e (iii) demanda contra os controladores (art. 246). Isso se justifica por apresentarem incentivos e restrições diferentes, como vimos nos itens anteriores.

Ele classifica os regimes da seguinte forma: a) totalmente incentivador, b) acentuadamente incentivador, c) moderadamente incentivador, d) moderadamente restritivo, e) acentuadamente restritivo e f) totalmente restritivo. Segundo o autor:

“cada regime é decorrente de uma combinação de aspectos processuais e econômicos, sendo que: (i) na vertente processual, são considerados os requisitos para que os acionistas tenham legitimidade ativa para pleitear indenização em benefício da companhia; e (ii) na vertente econômica, são considerados, de um lado, os custos do litígio que podem recair sobre o acionista-autor em caso de derrota e, de outro, eventual prêmio oferecido ao acionista em caso de sucesso”[21].

O primeiro tipo (do art. 159, §3º) seria acentuadamente restritivo, pois não contempla qualquer verdadeiro incentivo ao autor na forma de um prêmio. Renato Berger entende que o fato de o regime não conter restrições ou ônus com relação à legitimidade ativa (considerando que qualquer acionista, sem prestar caução poderá ajuizar a demanda em caso de inércia da companhia), não seria suficiente para compensar a ausência de incentivos financeiros para o autor. Nesse caso, o autor continua correndo o risco da sucumbência em caso de derrota e apenas será indenizado pelas despesas incorridas no processo em caso de procedência da ação.

Já em relação ao segundo tipo (do art. 159, §4º), seria também acentuadamente restritivo, em um grau ainda maior que o primeiro. Além de não haver previsão de prêmio para o autor, os autores precisam reunir ao menos 5% de participação no capital (ou percentual menor em companhias abertas, nos termos da Resolução CVM 70 – o que tratamos acima). Os riscos financeiros são os mesmos do regime anterior.

Em relação à terceira modalidade (do art. 246), Renato Berger classifica o regime como moderadamente incentivador porque: (i) de um lado, estipula recompensas significativas em caso de sucesso (prêmio de 5% e honorários de 20%), além de permitir que qualquer acionista figure como autor; mas (ii) de outro, traz a responsabilidade alta do acionista pelos custos do litígio em caso de derrota, bem como exige caução se os autores detiverem menos de 5% de participação acionária (ou % menor segundo a Resolução CVM 70).

            Concordamos com a posição de Renato Berger e entendemos que algumas alterações legislativas deveriam ser tomadas, conforme apontaremos em nossa conclusão.

4. PL 2925/23

O Projeto de Lei nº 2925/23 apresentado pelo Ministério da Fazenda propõe alterar a Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976 (Lei que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e CVM), e a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (LSA), para dispor sobre a transparência em processos arbitrais e o sistema de tutela privada de direitos de investidores do mercado de valores mobiliários.

Seu objetivo, conforme dispõe suas exposições de motivos, é o de “aperfeiçoar os mecanismos de tutela privada de direitos de acionistas minoritários contra prejuízos causados por atos ilícitos de acionistas controladores e administradores de companhias abertas, visando a conferir maior segurança jurídica para investidores do mercado de capitais”.

Como salientado na exposição de motivos, a proposta foi discutida com vasta gama de especialistas e entidades representativas de instituições do mercado de capitais, tendo como ponto de partida um estudo realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em parceria com o Ministério da Fazenda e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de 2020. Referido estudo fez um diagnóstico do modelo brasileiro, comparando-o com os modelos de outras jurisdições, e indicou aprimoramentos nos mecanismos de tutela privada de direitos de acionistas minoritários.

O PL objetiva criar um sistema que permita o acesso dos minoritários às ações derivadas, mas que não seja tão restritivo a ponto de desestimulá-los a ajuizar tais demandas (ou que apresente um benefício econômico para o acionista minoritário a ponto de estimulá-lo a propor a ação) e, ao mesmo tempo, restrinja o ajuizamento de ações frívolas, que podem prejudicar a própria companhia.

Assim, foi feita uma análise de Direito Comparado. Apesar de louvável a iniciativa, entendemos que também deveriam ter melhor analisado, com dados robustos, o comportamento das ações derivadas no Brasil a fim de verificar se, de fato, os efeitos regulatórios do PL serão eficientes, deletérios ou neutros, ou seja, se as alterações pretendidas realmente irão garantir o acesso mais eficiente ao judiciário– uma pesquisa empírica baseada nas nossas decisões judiciais deveria ter sido feita.

O PL propõe as seguintes redações para os artigos 159 e 246:

Art. 159:

§4º Na hipótese de a assembleia-geral deliberar não promover a ação, ela poderá ser proposta por titulares de ações que:

I – representem, no mínimo, cinco por cento do capital social, nas companhias fechadas; ou

II – representem, no mínimo, dois inteiros e cinco décimos por cento do capital social ou cujo valor seja igual ou superior a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), atualizados anualmente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, nas companhias abertas.

§4º-A A participação societária de que trata o § 4º será aferida no momento da propositura da ação, e o acionista que alienar a sua participação posteriormente à propositura da ação não perderá sua legitimidade para a causa.

§4º-B A propositura da ação deverá ser comunicada pelo acionista à companhia, para que:

I – quando se tratar de companhia aberta, a companhia divulgue o fato ao mercado, na forma estabelecida na regulamentação editada pela Comissão de Valores Mobiliários; e

II – quando se tratar de companhia fechada, a companhia comunique o fato a seus acionistas.

§4º-C Na hipótese de a ação ser proposta por acionista, a companhia não poderá propor ação independente.

§4º-D A companhia ou o acionista que detenha a participação societária mínima prevista no § 4o poderá intervir no processo como litisconsorte, desde que o faça no prazo de trinta dias, contado da data de divulgação da ação ou da comunicação do fato, nos termos do disposto no § 4o-B.

§4º E Na hipótese de mais de uma ação fundamentada nos mesmos fatos ser proposta por diferentes acionistas, aplicam-se as regras relativas à conexão e à continência previstas na Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil.

§5º-A O administrador, se condenado, além de reparar o dano e arcar com as custas e as despesas do processo, pagará prêmio de vinte por cento ao autor da ação, calculado sobre o valor total da indenização devida, do qual serão descontados os honorários de sucumbência.

§5 º-B Na hipótese de a ação ter mais de um acionista como autor ou litisconsorte, o juiz repartirá o prêmio entre eles, conforme a sua contribuição para o resultado do processo.

§5º-C O prêmio também será devido caso a ação seja encerrada em decorrência de transação.

§5º-D Na hipótese de improcedência do pedido, os autores serão condenados ao pagamento de honorários de sucumbência, fixados sobre o valor do prêmio pleiteado, e, na hipótese de ações ajuizadas com base no § 3º, serão indenizados pela companhia pelas despesas incorridas.

Art. 246. Observado o disposto no art. 238, o acionista controlador reparará os danos que causar à companhia por atos praticados com infração ao disposto nos art. 116 e art. 117.

 §1º A ação para haver reparação cabe a acionistas que:

I – representem cinco por cento ou mais do capital social, nas companhias fechadas; ou

II – representem, no mínimo, dois inteiros e cinco décimos por cento do capital social ou cujo valor seja igual ou superior a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), atualizados anualmente pelo IPCA, nas companhias abertas.

§1º-A A participação societária de que trata o §1º será aferida no momento da propositura da ação, e o acionista que alienar a sua participação posteriormente à propositura da ação não perderá a sua legitimidade para a causa.

§1º-B A propositura da ação deverá ser comunicada pelo acionista à companhia, para que:

I – quando se tratar de companhia aberta, a companhia divulgue o fato ao mercado, na forma estabelecida na regulamentação editada pela Comissão de Valores Mobiliários; ou

II – quando se tratar de companhia fechada, a companhia comunique o fato a seus acionistas.

O primeiro aspecto a ser considerado na proposta é a ampliação dos mecanismos destinados a reparar danos sofridos por investidores em decorrência de infrações à legislação ou regulamentação do mercado de valores mobiliários causados por abusos de controladores, administradores e intermediários em ofertas de títulos e valores mobiliários. Para tanto, foram incorporados os acionistas e investidores como legitimados a propor ação civil coletiva de responsabilidade, medida que guarda semelhança com a lógica já consagrada pelo microssistema do Código de Defesa do Consumidor para a tutela coletiva – mas esse tema da ação coletiva não é objeto do nosso artigo.

Em outra matéria de especial destaque está a ampliação da legitimidade para a propositura da ação de responsabilidade dos administradores e controladores, prevista nos arts. 159 e 246 da LSA.

Como se vê, o PL nº 2.925/2023 propõe alterar o artigo 159 da LSA para prever que, na hipótese de a assembleia deliberar não promover a ação de responsabilidade civil contra o administrador, ela poderá ser proposta por titulares de ações que (i) representem, no mínimo, 5% (cinco por cento) do capital social, nas companhias fechadas, ou (ii) representem, no mínimo 2,5% (dois e meio por cento) do capital social, ou cujo valor seja igual ou superior a R$ 50 milhões, nas companhias abertas. Do mesmo modo, o PL nº 2.925/2023 propõe alterar a redação do artigo 246 da LSA para prever que o acionista controlador deverá reparar os danos que causar à companhia, cabendo tal ação aos acionistas que (i) representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social, nas companhias fechadas, ou (ii) representem, no mínimo, 2,5% (dois e meio por cento) do capital social ou cujo valor seja igual ou superior a R$ 50 milhões, nas companhias abertas.

Ainda que represente um significativo avanço em comparação com o requisito atual – no qual os acionistas devem representar, no mínimo, 5% do capital social – o patamar ainda está longe de garantir uma universalidade no acesso à ação de responsabilidade. É compreensível a preocupação com o eventual aumento da judicialização, no entanto deve-se buscar um denominador comum que atribua melhores ferramentas ao pequeno investidor. Talvez fosse o caso de não limitar a qualquer percentual, garantindo o pleno acesso ao Judiciário, pois, muitas vezes, o dano foi causado à companhia e não diretamente ao acionista e, caso o acionista não detenha a participação mínima, a companhia continuará lesada, sem a possibilidade de reparação e, nas hipóteses em que o dano seja indireto ao acionista, este também ficará alijado da reparação. Caso se trate de dano direto ao acionista, conforme descrevemos já acima, ele poderá ingressar com a ação independentemente da porcentagem de sua participação acionária.

Em suma, pois, as soluções propostas pelo PL nº 2925/2023 podem ser resumidas da seguinte forma:

  • Legitimidade:
  • Redução da participação mínima quando se tratar de Companhia aberta;
  • Equiparação do artigo 159 vis-à-vis ao artigo246 da LSA, suprimindo a legitimidade de qualquer acionista (condicionada à caução), no caso do artigo 246 da LSA;
  • Incentivos: Equiparação do artigo 159 vis-à-vis artigo 246, estendendo à hipótese do primeiro dispositivo legal o prêmio hoje previsto apenas para o caso do segundo artigo (20%, incluindo honorários); e
  • Desincentivos: Limitação dos honorários no caso de sucumbência do acionista, os quais deverão ser calculados com base no prêmio pleiteado (20%).

5. Conclusão

O acesso à justiça no Brasil ainda enfrenta uma série de desafios significativos. Dentre eles, estão a falta de legitimidade de determinados acionistas nas ações derivadas, a morosidade do sistema judiciário, a falta de recursos financeiros e de incentivos para litigar e a complexidade dos procedimentos legais. Esses obstáculos podem tornar difícil, se não impossível, para muitos acionistas e investidores buscarem ações derivadas, mesmo quando há evidências substanciais de má conduta por parte dos administradores ou controladores da empresa.

Além disso, a cultura corporativa no Brasil nem sempre favorece a transparência e a prestação de contas. Em muitos casos, os acionistas minoritários podem se sentir desencorajados a questionar as decisões dos principais acionistas ou da administração da empresa, bem como solicitar informações e documentos que poderiam servir de base para a propositura das ações derivadas, com receio de retaliação ou represálias.

Para abordar esses desafios e fortalecer o acesso à justiça no contexto das ações derivadas no Brasil, são necessárias várias medidas, algumas já tratadas no PL 2.925/23. Em primeiro lugar, entendemos que a legitimidade deveria ser ampliada para qualquer acionista, independente da sua participação societária e, exigindo-se uma caução razoável para evitar ações frívolas e, do outro lado, um prêmio, conforme o PL 2.925/23 já propõe. Ainda, a obtenção de documentos e provas também deveria ser facilitada a qualquer acionista, o que não ocorre.

Também é crucial investir na melhoria da eficiência e da celeridade do sistema judiciário, reduzindo a burocracia e implementando tecnologias que agilizem os procedimentos legais.

Ademais, é importante promover a conscientização e a educação dos acionistas sobre seus direitos e as ferramentas disponíveis para proteger seus interesses, incluindo as ações derivadas. Isso pode ser feito por meio de campanhas de educação pública, workshops e materiais informativos que expliquem os processos legais de forma acessível e compreensível.

Outra medida importante é fortalecer os mecanismos de governança corporativa e transparência, incentivando as empresas a adotarem práticas que promovam a prestação de contas e a responsabilidade perante seus acionistas e a sociedade em geral.

Em suma, o acesso à justiça desempenha um papel fundamental no sistema legal brasileiro, especialmente no contexto das ações derivadas. Garantir que todos os cidadãos, incluindo os acionistas minoritários, tenham a capacidade de buscar reparação por condutas inadequadas é essencial para promover a integridade e a confiança no mercado de capitais e empresarial do país.

Referências

BERGER, Renato. As Ações Derivadas no Direito Societário. 1ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2023.

BRASIL. Lei nº6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre a Sociedade por Ações (Lei das S.A.). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 de dezembro de 1976. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm>. Acesso em: 20 de maio de 2024.

 BRASIL. Projeto de Lei nº 2925, de 02 de junho de 2023. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2284015&filename=PL%202925/2023>. Acesso em: 20 de maio de 2024.

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ROQUE, Nathaly Campitelli. Acesso à Justiça. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/105/edicao-1/acesso-a-justica

RUIZ, Ivan Aparecido. Princípio do acesso justiça. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 2. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2021. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/201/edicao-2/principio-do-acesso-justica.

SADEK, Maria Tereza (org.). Acesso à justiça. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2001.


[1] Mestrando em Direito Comercial pela PUC/SP; pós-graduado em Contabilidade, Finanças e Controladoria pela FIPECAFI; pós-graduado em Direito Societário pela FGV/SP; graduado pelo Mackenzie. Advogado em São Paulo.

[2] Para fins deste artigo, abordaremos o aspecto do acesso ao poder judiciário.

[3] RUIZ, Ivan Aparecido. Princípio do acesso justiça, p. 11.

[4] Ibidem, p. 12.

[5] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça, p. 8.

[6] Apud ROQUE, Nathaly Campitelli. Acesso à Justiça, p.4.

[7] RUIZ, Ivan Aparecido. Ob. Cit., p. 17.

[8] Ibidem, p. 34.

[9] Ibidem, pp. 34 e 35.

[10] SADEK, Maria Tereza. Acesso à Justiça, p 7.

[11] BERGER, Renato. As Ações Derivadas no Direito Societário, pp. 60 e 61.

[12] Ibidem, pp. 27-29.

[13] COELHO, Fabio Ulhoa. Lei das sociedades anônimas comentada/Ana Frazão. [et. al.], p.721.

[14] Ibidem, p. 719.

[15] Ibidem, p. 725.

[16] Foi feita construção doutrinária no sentido de que não é só a sociedade controladora, mas também o controlador pessoa física. O artigo 116 da LSA também traz essa definição.

[17]  O artigo 117 da LSA prevê que o acionista controlador responde por danos causados por atos praticados com abuso de poder, bem como define quais seriam as modalidades de exercício abusivo de poder.

[18] COELHO, Fabio Ulhoa. Lei das sociedades anônimas comentada/Ana Frazão. [et. al.], p. 983.

[19] Ibidem, p. 744.

[20] BERGER, Renato. Ob. Cit., p.345.

[21] Ibidem, p. 345- 348.