AÇÃO RESCISÓRIA COMO MEIO DE IMPUGNAÇÃO DA COISA JULGADA: UM PARALELO ENTRE AS HIPÓTESES DE CABIMENTO DO CPC/1973 E DO CPC/2015

AÇÃO RESCISÓRIA COMO MEIO DE IMPUGNAÇÃO DA COISA JULGADA: UM PARALELO ENTRE AS HIPÓTESES DE CABIMENTO DO CPC/1973 E DO CPC/2015

10 de dezembro de 2022 Off Por Cognitio Juris

RESCISSORY ACTION AS A MEANS OF IMPUGNMENT THE THING JUDGED: A PARALLEL BETWEEN THE HYPOTHESES OF SUITABILITY OF CPC/1973 AND CPC/2015

Artigo submetido em 15 de agosto de 2022
Artigo aprovado em 24 de novembro de 2022
Artigo publicado em 10 de dezembro de 2022

Cognitio Juris
Ano XII – Número 44 – Dezembro de 2022
ISSN 2236-3009
Autores:
Jair Henrique Kley Dutra[1]
Diego Bianchi de Oliveira[2]

RESUMO: A preocupação básica do presente estudo é refletir sobre a coisa julgada como locução da estabilização das decisões judiciais e, portanto, da segurança jurídica e o papel da ação rescisória como forma excepcional de retirar as vestes da coisa julgada, isto é, como forma de rescindir decisões transitadas em julgado. Através de uma pesquisa bibliográfica, valendo-se do método dedutivo e comparativo, buscou-se estabelecer um paralelo entre as hipóteses de cabimento da rescisória no CPC/73 e no CPC/2015, a fim de vislumbrar a evolução do instituto. 

Palavras-chave: Coisa Julgada. Ação Rescisória. Segurança Jurídica. Rescindibilidade. Decisões. Trânsito em Julgado.

ABSTRACT: The basic concern of the present study is to reflect on the thing judged to be the expression of legal certainty and the role of the rescission action as an exceptional way to remove the robes of the res judicata. Through a bibliographical research, using the deductive and comparative method, we sought to establish a parallel between the assumptions of rescission in the CPC/73 and in the CPC/2015, in order to glimpse the evolution of the institute.

Keywords: Thing Judged. Rescissory Action. Legal Security. Rescindability. Decisions. Transit in Judged.

INTRODUÇÃO

Não é de hoje a preocupação do direito em harmonizar e estabilizar as relações sociais a fim de trazer segurança não só jurídica como social. Nesse passo, a coisa julgada tem sido responsável por tornar imutável a solução de uma lide e consequentemente responsável por trazer segurança jurídica, de modo que se torna impossível rediscutir um conflito já decidido anteriormente harmonizado e estabilizado, ao menos no seio jurídico.

Assim, impede-se que se estabeleça uma eterna discussão sobre o tema em debate e a incerteza daquilo que irá prevalecer. Desta forma, um dos temas abordados no presente trabalho é a coisa julgada como expressão da segurança jurídica.

Entretanto, nem tudo são flores, haja vista que a imutabilidade absoluta através da coisa julgada pode eternizar decisões totalmente injustas e graves, bem como decisões que afrontam às linhas fundamentais do ordenamento jurídico, ao passo que, excepcionalmente, se torna justificável a sua rescisão.

Para isso, a ação rescisória vem cumprindo papel fundamental no processo civil desde códigos anteriores, motivo pelo qual o presente estudo visa estabelecer um paralelo entre as hipóteses de cabimento da ação rescisória que se encontravam consubstanciadas no Código de Processo Civil de 1973 com as hipóteses estabelecidas no Código de Processo Civil de 2015.

Utilizou-se o método dedutivo, que parte de considerações gerais para abordar um ponto específico, além do método auxiliar comparativo, no qual se realiza comparações com a finalidade de verificar semelhanças e diferenças entre os textos normativos ora em análise. Foi analisada a legislação específica e a literatura especializada, lançando mão de técnicas de pesquisa bibliográfica em nível exploratório. Além disso, estabeleceu-se uma análise crítica acerca dos postulados que permitem a rescindibilidade das decisões.

1 COISA JULGADA COMO EXPRESSÃO DE SEGURANÇA JURÍDICA

É essencial que se inicie este trabalho buscando esclarecer o que é a coisa julgada. A doutrina costuma tratá-la como gênero do qual coisa julgada material e coisa julgada formal são espécies. Contudo, em que pese muitos defenderem essa divisão outros sustentam veementemente a inexistência dela, motivo pelo qual calha o debate.

Com efeito, em todos os processos, independentemente da sua natureza haverá decisões, as quais em determinado momento se tornarão imutáveis e indiscutíveis dentro dos processos em que foram discutidas, haja vista que chegará um momento em que não caberá mais nenhum tipo de recurso para tentar modificá-las. A esse momento denominamos de trânsito em julgado.

Qualquer que seja a espécie da decisão, isto é, terminativa ou definitiva, proferida em qualquer espécie de processo, ou seja, de conhecimento, de execução ou de cautelar, haverá em uma determinada fase processual o acontecimento do trânsito em julgado.

O Código de Processo Civil em seu artigo 502 conceituou coisa julgada como sendo “a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”. Desta forma, Didier Junior, Braga e Alexandre de Oliveira (2016, p. 530) sustentam que “a coisa julgada é resultado da combinação de dois fatos: a) uma decisão jurisdicional fundada em cognição exauriente; b) o trânsito em julgado”.

Por sua vez, Medina (2018, p. 749) afirma que “coisa julgada é a imutabilidade e indiscutibilidade da determinação do conteúdo contido na decisão mérito”. Nesse passo, conforme explica Neves (2016, p. 797), “a maioria da doutrina é unânime em associar a coisa julgada material à imutabilidade da decisão judicial de mérito que não pode ser mais modificada por recursos ou pela remessa necessária na específica hipótese do artigo 496 do CPC”.

Tem-se, numa primeira impressão, que coisa julgada formal é uma espécie criada pela doutrina, uma vez que, de fato, a Constituição e o Código de Processo Civil apenas mencionam coisa julgada e coisa julgada material, mas não fazem nenhuma menção a coisa julgada formal.

Todavia, quando se pensa em indiscutibilidade da decisão, sempre surge a questão da extensão de tal indiscutibilidade, isto é, se ela é interna ou externa ao processo em que ela foi prolatada (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2016). Assim, Cabral (2016, p. 1.351) sustenta que a doutrina brasileira identifica na coisa julgada dois fenômenos, sendo a coisa julgada formal e a material:

A coisa julgada formal seria um evento intraprocessual, i.e., a imutabilidade e indiscutibilidade da sentença compreendida como um fato interno ao processo, impedindo a rediscussão da matéria naquele procedimento, mas não em outros. Já a coisa julgada material atingiria o próprio direito material, seria ‘a imutabilidade dos efeitos substanciais da sentença de mérito’, projetando-se ad extra, para fora do processo em que proferida a decisão, vedando a renovação da discussão não só naquele procedimento, mas em qualquer outro. Assim, enquanto a coisa julgada formal é endógena, a coisa julgada material operaria efeitos para além do processo porque a norma do direito material passa ser aquela decidida no caso (lex specialis)

O impedimento de rediscutir a decisão dentro do processo em que foi proferida chama-se coisa julgada formal ou ainda preclusão máxima por considerar-se fenômeno endoprocessual, enquanto coisa julgada material seria a impossibilidade de rediscutir a decisão não só dentro do processo em que foi preferida, mas além dos limites deste processo, ou seja, haveria imutabilidade gerada para fora do processo (NEVES, 2016).

Assim sendo, poderia ser afirmado que a coisa julgada material se opera quando se torna impossível rediscutir uma decisão que julgou mérito tanto no mesmo processo, quanto em qualquer outro, ou seja, há evidente aliança da coisa julgada material com as decisões definitivas. Doutra banda, coisa julgada formal se operaria quando tornar-se impossível rediscutir uma decisão dentro do mesmo processo em virtude do trânsito em julgado, porém isso não impediria que a questão ali debatida fosse arguida em um novo processo, ou seja, há evidente afinidade da coisa julgada formal com as decisões terminativas.

Acredita-se que coisa julgada formal seria o trânsito em julgado, que por sua vez seria um dos pressupostos para a formação da coisa julgada, isto é, da coisa julgada material propriamente dita (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2016). Logo, toda decisão que se tornasse imutável seria abarcada pela coisa julgada formal, mas nem todas produziria coisa julgada material, pois somente as decisões de mérito proferido mediante cognição exauriente é que seriam capazes de produzir tal feito.

Entretanto, tal conceituação comporta falhas, uma vez que, é possível haver decisões que mesmo quando não julguem o mérito da questão produzam efeitos extraprocessuais impedindo de rediscutir o direito em outra ação. É o caso, por exemplo, de decisão que acolhe preliminar de ilegitimidade e julga extinto o processo sem resolução de mérito. Ora, para que aquele que foi considerado parte ilegítima possa repropor uma nova ação para debater o mesmo assunto, necessariamente deverá sanar o vício da sua ilegitimidade, conforme preceitua o artigo 486, §1° do Código de Processo Civil. Contudo, isso seria impossível, de modo que uma decisão ainda que não tenha julgado mérito passa a produzir efeitos extraprocessuais.

Por outro lado, Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2016, p. 669) sustentam que coisa julgada formal é uma modalidade de preclusão:

[…] a impossibilidade de rediscutir a matéria decidida dentro do mesmo processo a partir de um dado momento conduz inexoravelmente à ideia de preclusão. Afinal, a preclusão é a perda, extinção ou consumação de uma posição jurídica operada no curso do processo. De fato, somente se pensar que dentro do processo não se pode discutir a sentença prolatada, se por algum motivo não mais houver a possibilidade de interposição de recurso em relação a ela.

Por isso mesmo, a chamada coisa julgada formal em verdade não se confunde com a verdadeira coisa julgada (ou seja, com a coisa julgada material). É, isso, sim uma modalidade de preclusão (preclusão temporal), a última do processo, que torna insubsistente a faculdade processual de rediscutir a sentença nele proferido. A coisa julgada formal constitui, portanto, o simples trânsito em julgado de determinada decisão.

Portanto, para os referidos autores a impossibilidade de impugnar uma decisão internamente no processo é, na verdade, preclusão e não coisa julgada formal.

Outrossim, há quem se filie a ideia de que coisa julgada formal seria a autoridade que torna indiscutível e imutável as decisões de conteúdo processual e coisa julgada material seria a autoridade que tornaria indiscutível e imutáveis as decisões de mérito, sendo que ambas se projetariam para fora do processo em que a decisão fora proferida, de maneira que não haveria distinção entre as duas e não pelo objeto abarcado (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2016).

Assim, “o art. 503 do CPC deve ser interpretado como consagrador de um caso de coisa julgada (a coisa julgada de decisões de mérito), e não do único caso em que a coisa julgada ocorre” (DIDIER JUNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2016, p. 545). Afinal de contas, o Código disse menos do que queria dizer, eis que, se coisa julgada material é imutabilidade da decisão que abarca o mérito, o que seria a imutabilidade de decisão que não abarca o mérito?  

De qualquer forma, diante o exposto, tem-se pela maioria da doutrina que toda decisão não mais passível de recurso em virtude do trânsito em julgado produz coisa julgada formal, porém, para se produzir coisa julgada material é necessário que a decisão resolvido o mérito da demanda e, uma vez produzida coisa julgada não será mais passível sua modificação.

Isto exposto, tem-se de refletir que, com a constitucionalização do processo civil, isto é, com a observância das regras processuais à luz das garantias constitucionais e dos direitos fundamentais, houve uma atenção especial a ligação existente entre a coisa julgada e a segurança jurídica.

A coisa julgada está prevista no artigo 5°, XXXVI, onde expressamente está dito que a lei não prejudicará a coisa julgada. Além disso, junto à coisa julgada ainda está o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, os quais somados a coisa julgada sustentam os pilares da segurança jurídica.

Portanto, a segurança jurídica tem fundamento constitucional e é essencial ao Estado Democrático de Direito. Nesse passo, consoante afirma Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2016, p. 668) ao colocar a coisa julgada ao lado da segurança jurídica o constituinte “optou por densificar o princípio constitucional da segurança jurídica mediante a instituição de uma regra de proteção a coisa julgada”.

É que a segurança jurídica, conforme ensina Canotilho (1993, p. 373) se reconduz “a inalterabilidade do caso julgado”. E, coisa julgada, significa, nos termos do artigo 502, parte final, do Código de Processo Civil “a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”.

Não obstante, o artigo 6°, §3° da Lei de Introdução às normas do direito dispõe que “Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”. Ou seja, densificou a opção a favor de trazer estabilidade às decisões advindas do judiciário, buscando evitar que houvesse sempre novas discussões acerca dos mesmos casos com o argumento de se obter mais justiça.

Logo, ainda nas palavras de Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2016, p. 668): “Por expressa disposição constitucional, portanto, a coisa julgada integra o núcleo duro do direito fundamental à segurança jurídica no processo”. Aliás, mais uma vez, outra não é a afirmação de Canotilho (1993, p. 380) sobre a segurança jurídica, a qual segundo ele se desenvolve em torno de dois conceitos:

Estabilidade ou eficácia ex post da segurança jurídica: uma vez optadas, na forma e procedimento legalmente exigidos, as decisões estaduais não devem poder ser arbitrariamente modificadas, sendo apenas razoável alteração das mesmas quando ocorram pressupostos materiais particularmente relevantes.

Previsibilidade ou eficácia ex ante do princípio da segurança jurídica que, fundamentalmente, se reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos.

Nesse sentido é que também leciona Medina (2018, p. 767) ao refletir sobre a segurança jurídica, inclusive citando Canotilho, pois segundo ele:

A segurança jurídica desenvolve-se em torno de duas bases: a) Estabilidade das decisões dos poderes públicos, que não podem ser alteradas senão quando concorrerem fundamentos relevantes, através de procedimento legalmente exigidos; b) Previsibilidade, que se reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos.

Desta forma, tem-se que a estabilidade das decisões judiciais advém da coisa julgada, que de forma ampla pode ser indicada como a responsável pela imutabilidade e a indiscutibilidade de uma decisão judicial. Entretanto, em que pese a indiscutibilidade ter se cristalizado diante da coisa julgada, há situações excepcionalíssimas em que a segurança jurídica produzida poderia ser impugnada frente a algumas situações, como nos casos de hipóteses de cabimento da ação rescisória prevista no artigo 966 do Código de Processo Civil.

2 DECISÃO RESCINDÍVEL, NULA OU INEXISTENTE: A QUERELA NULLITATIS

Antes de adentrar ao tema da ação rescisória deve-se ter em mente o debate sobre uma decisão rescindível, nula e inexistente.

Há quem diga que não se pode confundir aquela decisão que pode ser rescindida com uma decisão que é nula, como, por exemplo, uma sentença que não possui seus elementos essenciais, tal como fundamentação ou ainda com uma decisão que é inexistente, tal como uma sentença proferida por um não juiz, por exemplo. Isso porque, uma decisão passível de rescindibilidade deve antes existir juridicamente, uma vez que aquilo que não existe não pode ser desfeito.

Assim pontua Neves (2016, p. 1.368):

É natural que, para ser desconstituída por meio de ação rescisória, a decisão deve existir juridicamente, uma vez que aquilo que não existe não precisa ser desconstituído, bastando uma mera declaração da inexistência jurídica. Dessa forma, sentença proferida em processo juridicamente inexistente (p. ex., tramitado perante órgão sem jurisdição), ou que tenha vício in procedendo intrínseco que a torna juridicamente inexiste (p. ex, ausência de dispositivo), não é objetivo de ação rescisória.

Outro exemplo levantado por parte da doutrina é quando há ausência de citação da parte no processo, caso em que se tornará impossível a formação da coisa julgada e consequentemente eventual decisão ainda que transitada em julgada seria inexistente. Isso porque a citação é pressuposto de existência do processo (ALVIM, 2003; WAMBIER, 1998; TALAMINI, 2005; MEDINA, 2018).

Não obstante, Pontes de Miranda (2003, p. 108) escreveu em sua obra sobre Tratado da Ação Rescisória que “A ação rescisória é remédio jurídico processual extraordinário, razão por que, se a sentença não existe, ou é nula, cabe ao juiz declarar-lhe a inexistência, ou decretar-lhe a nulidade, em vez de rescindi-la.” Nesse caso, a querela nullitatis funcionaria como uma verdadeira ação de declaratória.

Em sentido contrário há quem diga que já há processo antes da citação e não poderia ser considerado como pressuposto de existência, tendo em vista, que ato que ocorre posteriormente a formação do processo (DIDIER JUNIOR. CUNHA, 2016; DINAMARCO, 2001).

Logo, a decisão não seria existente, apenas seria inválida, tratando-se de ação de invalidade. Porém, de todo modo, decisões desse tipo não seriam albergadas pela ação rescisória, devendo utilizar-se da querela nullitatis, seja no sentido de ação declaratória ou de invalidade.

3 AÇÃO RESCISÓRIA COMO MEIO DE IMPUGNAÇÃO DA COISA JULGADA

Como dito, a coisa julgada visa tornar imutável e indiscutível a decisão a partir do momento em que ocorre o trânsito em julgado, sob o argumento de haver segurança jurídica. Entretanto, a imutabilidade não é uma alternativa abraçada de forma incondicional, eis que há situações excepcionalíssimas que se não puderem ser revistas poderia representar injustiças graves e soluções ofensivas às linhas fundamentais do ordenamento jurídico.

A ação rescisória trata-se, conforme explica Medina (2018, p. 1.359), “de ação autônoma de impugnação através da qual se desfaz a coisa julgada que se formou em algum processo”. No mesmo sentido, Didier Junior e Cunha (2016, p. 421) afirmam que a “ação rescisória é a ação autônoma de impugnação, que tem por objetivos, a desconstituição de decisão judicial transitada em julgado e, eventualmente o rejulgamento da causa”.

Nas palavras de Marinoni, Arenheart e Mitidiero (2016, p. 619-620) a ação rescisória tem como objetivo “desconstituir a força da coisa julgada, já que a sentença transitada em julgado presume-se, até prova em contrário, válida e eficaz – tanto é assim que a simples propositura da ação rescisória não impede o cumprimento da decisão rescindenda (art.969)”.

Por sua vez, Barioni (2016, p. 2.245) alega que:

[…] a ação rescisória é o meio próprio para desconstituir a decisão judicial transitada em julgado que apresente vícios graves e, sempre que possível, propiciar o rejulgamento da causa. Trata-se de ação impugnativa autônoma voltada contra decisão de mérito ou que, não sendo de mérito, não permita nova propositura da demanda […]

Não obstante, Santos (2017, p. 556) diz que a “ação rescisória não é recurso. É ação de conhecimento, cujo objetivo principal é desconstituir decisão transitada em julgado, a ponto de sua propositura não suspender o cumprimento normal e definitivo da sentença rescindenda”.

Nota-se pela variação dos conceitos, em pese em todas obras sempre no decorrer se referirem em algum momento ao desfazimento da coisa julgada pela ação rescisória, que dependendo da acepção da existência da coisa julgada material e formal ou da acepção da existência apenas da coisa julgada material e a inexistência da formal, isso interfere na própria conceituação do instituto.

Para aqueles que dizem que coisa julgada formal inexiste, tendo em vista, que coisa julgada se opera somente quando ocorre a imutabilidade de uma decisão que comporte o mérito, a ação rescisória poderia além de ser um meio de impugnação a coisa julgada, um meio de impugnação de uma decisão transitada em julgada mas que não tenha julgado o mérito.

Vale salientar que, somente caberá rescisória sobre uma decisão transitada em julgada que não julgue o mérito, nas hipóteses do 966,§2°, inciso I e II do Código de Processo Civil, isto é, quando a decisão impedir a propositura de nova demanda ou admissibilidade do recurso correspondente.

Para aqueles que sustentam a existência da coisa julgada formal e material, qualquer decisão que se torne imutável fará coisa julgada e, portanto, a ação rescisória terá como destino a desconstituição da coisa julgada.   

De qualquer modo, extrai-se que a ação rescisória é uma ação de conhecimento e possui natureza constitutiva que busca desfazer uma decisão que adquiriu estabilidade. Frisa-se que não interessa se a coisa julgada é formal ou material, o que interessa é que a decisão tenha adquirido estabilidade e impeçam a nova propositura da demanda.

Nesse sentido, quando se retira a película da estabilidade poderá ser caso de invalidar a decisão ou então proferir um novo julgamento. Assim, leciona Medina (2018, p. 1.360) que a “ação rescisória é constitutiva, portanto, em relação ao juízo rescindente (desfazimento da coisa julgada formal), já que, quanto ao juízo rescisório (se houver), poderá ser proferida decisão de outra natureza”.

4 OS FUNDAMENTOS DA AÇÃO RESCISÓRIA: PARALELO ENTRE CPC/1973 E O CPC/2015

Em primeiro lugar é importante observar as mudanças realizadas em relação à ação rescisória entre o Código de Processo Civil de 1973 e o Código de Processo Civil de 2015.

A primeira mudança refere-se ao caput do atual artigo 966, segundo o qual poderá ser rescindido “decisões de mérito”, corrigindo a redação do dispositivo do artigo 485 do CPC/73 que dizia “sentenças de mérito”. A mudança não foi ocasional, o legislador queria permitir o ajuizamento de ação rescisória contra qualquer tipo de decisão de mérito, ou seja, decisão interlocutória, acórdão, sentenças entre outras, desde que adquirisse estabilidade.

Assim, por exemplo, para aqueles que defendem que a decisão que julga a liquidação de sentença é decisão interlocutória como Humberto Dalla Bernardina de Pinho, mas faz coisa julgada material, como defende Daniel Assumpção Neves, ela poderia ser objeto de rescisória (PINHO, 2017; NEVES, 2016).

Cabe salientar que decisões meramente homologatórias, embora sejam de mérito, consoante artigo 487, inciso III do atual CPC, são impugnáveis por ação anulatória, nos termos do artigo 966, §4º do CPC.

Não obstante, outra lição importante foi a consagração do §2º, incisos I e II do artigo 966, que dispõe que mesmo a decisão que não seja mérito pode ser objeto da ação rescisória desde impeça nova propositura da demanda ou admissibilidade do recurso correspondente.

Essa mudança também não foi por acaso, tendo em vista que, o artigo 485, caput, do CPC/1973 restringia o cabimento das rescisórias às sentenças de mérito e quando havia uma decisão que não julgava o mérito, mesmo que ela impedisse a propositura de uma nova ação para debater a mesma questão, bem como se encaixava em uma das hipóteses de rescindibilidade, não poderia ser objeto de rescisória.

A título de exemplo, menciona-se a já citada decisão que reconhece a ausência de legitimidade da parte que não resolve o mérito de acordo com o artigo 485, inciso VI do CPC, mas impede a repropositura da mesma demanda pela parte ilegítima.

Nessa esteira de que decisões mesmo que não sejam de mérito podem ser rescindidas, não se pode esquecer da possibilidade de impor ação rescisória na ação monitória, nos termos do §3° do artigo 701 do CPC, isto é, contra decisão que defere a expedição de mandado monitório, mesmo que não fora oposto embargos monitórios.

De mais a mais a ação rescisória, conforme leciona Medina (2018, p. 1.365) “não é uma ação desprovida de fundamentação livre mas de fundamentação vinculada. Os motivos que justificam seu ajuizamento são previstos taxativamente pelo legislador”. No mesmo sentido leciona Didier Junior e Cunha (2016, p. 471), porém, com ressalvas. Segundo eles:

Em primeiro lugar, há ainda as hipóteses de cabimento de ação rescisória para a sentença que julga partilha (art. 658, CPC), que se somam às hipóteses do art. 966. Há, também, as hipóteses especiais, vistas adiante, previstas no §15 do art. 525 e no §8 do art. 535, do CPC. Em segundo lugar, é lícita a interpretação extensiva. Há vários exemplos, no sistema brasileiro, de interpretação extensiva de listas taxativas. O STJ entende que, embora taxativa em sua enumeração, a lista de serviços tributáveis admite interpretação extensiva, dentro de cada item, para permitir a incidência do ISS sobre serviços correlatos àqueles previstos expressamente.

De qualquer forma, o que importar analisar é se as hipóteses que forem eventualmente alegadas, guardam relação com as causas de rescindibilidade típicas previstas em lei.

4.1 Decisão por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz

O rol trazido no artigo 966 começa quando a decisão for realizada por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz. São situações tipificadas no Código Penal, nos artigos 319, 316 e 317. Nesses casos há vício de vontade do julgador que irá julgar não conforme sua vontade.

Medina (2018, p. 1.366) defende que:

[…] rigorosamente não há decisão judicial, já que inexistente animus judicandi. Trata-se, na verdade, de um arremedo de sentença, já que, nesse caso, uma vez demonstrada a ocorrência de um dos delitos indicados no inc. I do art. 966 do CPC/2015, se estará diante da prática de ato criminoso dissimulado de sentença. Sob esse prima, a decisão proferida por juiz que age em razão dos referidos crimes deveria ser considerada, em si mesma, juridicamente inexiste.

Insta salientar, que não é necessário que haja uma condenação criminal prévia do magistrado em relação aos referidos crimes, nem tampouco que exista ação penal em curso contra o juiz, visto que a prática do crime poderá ser demonstrada durante a ação rescisória (BUENO, 2004; DIDER JUNIOR, CUNHA, 2016).

4.2 Decisão proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente

A primeira parte da segunda hipótese é em caso de impedido do Juiz. Isto é, havendo vício que acometa a parcialidade do juiz acarretará falta de pressuposto processual de validade. Ocorre que é somente em caso de impedimento que caberá rescisória e não em caso de suspeição, por disposição expressa legal.

Em pese a suspeição pode ser alegada até o trânsito em julgado da decisão, o que fazer quando descobrir que o juiz era suspeito somente após o trânsito em julgado?

Desta forma, mais uma vez Medina (2018, p. 1.366), não concorda com tal afirmação, uma vez que, “tanto o juiz impedido quanto o juiz suspeito são parciais, e a demonstração de que a causa foi julgado por juiz nessas condições viola o direito fundamental ao julgamento da causa por juiz imparcial”. Logo, deveria ser admitido também ação rescisória quando a suspeição fosse descoberta somente após o trânsito em julgado da decisão.

A segunda parte da segunda hipótese refere-se ao caso de incompetência do juízo, ou seja, quando a decisão for proferida por juízo absolutamente incompetente. Entretanto, esse tipo de cabimento “destoa do que prevê a lei processual. Afinal, consoante dispõe o artigo 64, §4° do CPC/2015, o reconhecimento da incompetência do juízo não impõe, necessariamente, a anulação dos atos por ele praticados” (MEDINA, 2018, p. 1.367). Ora, dispõe referido o comando que:“Salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos de decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente”.

Por outro lado, Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2016, p. 620) afirmam que “sendo o juiz absolutamente incompetente (art. 62) […] para atuar no processo, sua participação viola de tal maneira o ordenamento jurídico que o resultado da tutela jurisdicional se torna imprestável – e também aqui por ofensa ao direito ao juiz natural”.

4.3 Decisão que resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei

Trata-se decisão realizada em caso de dolo ou coação da parte vencedora ou simulação ou colusão entre as partes. Com efeito, o código de 1973 não havia a possibilidade de rescisória em caso de coação ou simulação, hipóteses que foram incorporadas no atual código, inovando-o nesse aspecto.

Obviamente que a lei impede que as partes utilizem o processo para fins ilícitos de maneira que se uma das partes, em razão de dolo ou coação da outra, praticar ato no processo que conduzirá o julgador decidir em seu desfavor caberá ação rescisória.

Importante dizer, conforme leciona Medina que o dolo que a lei traz é o dolo processual, próprio do litigante de má-fé, como, por exemplo a utilização de falsas alegações que tenham induzido o órgão julgador em erro (MEDINA, 2018).

No caso de simulação ou colusão cabe mencionar quando começa a contar o prazo prescricional para interpor a ação rescisória com base nesse fundamento. A regra geral de prescrição da ação rescisória é de 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.

Todavia, no caso de simulação ou colusão o prazo começará a contar para o terceiro prejudicado e para o Ministério Público, que não interveio no processo, a partir do momento em que têm ciência da simulação ou da colusão, consoante §3° do artigo 975 do CPC/15.

4.4 Decisão que ofende a coisa julgada

A quarta hipótese trata-se de ofensa à coisa julgada. Quando a decisão tiver sido proferida sobre caso já resolvido anteriormente caberá ação rescisória sobre essa segunda decisão. Em outras palavras, se um determinado caso já foi julgado e posteriormente entra-se com uma nova ação e discute-se esse mesmo caso e advém uma nova decisão, essa decisão ofende a coisa julgada e é passível de ação rescisória.

Entretanto, questão interesse surge quando, em que pese haver uma coisa julgada, outro processo é realizado em relação ao mesmo assunto e venha ocorrer o transitado em julgado, bem como tenha posteriormente passado o prazo para interpor a ação rescisória, formando assim uma segunda coisa julgada.

Em virtude disso, haveria duas coisas julgadas existindo no mundo jurídico, o que seria inadmissível. Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2016, p. 621) defendem que a segunda deveria prevalecer sobre a primeira. Segundo eles:

Parece que, nesses casos, deve prevalecer a segunda coisa julgada em detrimento da primeira. Além de a primeira coisa julgada não ter sido invocada no processo que levou à formação da segunda, essa sequer foi mesmo lembrada em tempo oportuno, permitindo o uso da ação rescisória e, assim, a desconstituição da coisa julgada formada posteriormente. É absurdo pensar que a coisa julgada, que poderia ser desconstituída até determinado momento, simplesmente desaparece quando a ação rescisória não é utilizada. Se fosse assim, não haveria razão para o artigo 966, IV, e, portanto, para a propositura da ação rescisória, bastando esperar o escoamento do prazo estabelecido para seu uso.

Corroborando com esse entendimento, já sustentava Pontes de Miranda, que passado o prazo para ação rescisória o vício que inquinava sobre a segunda coisa julgada não poderia ser mais alegado, prevalecendo-se está sobre aquela. A primeira coisa julgada perderia sua eficácia, visto que o direito e pretensão à rescisão desaparecem, tornando-os a segunda coisa julgada irrescindível (MIRANDA, 1996).

Entretanto, Medina (2018, p. 1.369) combate veementemente sustentando “que a decisão que contraria a coisa julgada não poderia ser considerada juridicamente existente”. É que para ele a segunda decisão contraria própria lógica, visto que, se tem uma primeira decisão que não tem vício, esta não poderia perder seus efeitos por uma segunda que ao nascer já contraria a lei e a constituição.

De fato, parece que não seria a melhor opção proteger algo que já nasce viciado em detrimento de algo que se formou sem vícios. Contudo, corroborando o entendimento de Pontes de Miranda, Didier Junior e Cunha (2016, p. 487) afirmam que

[…] a segunda deve prevalecer, não só como homenagem ao princípio da segurança jurídica, mas também pelo fato de que, se a decisão tem força de lei entre as partes (art. 503, CPC), lei posterior revoga a anterior, não obstante a segunda lei pudesse ter sido rescindida; como não o foi, fica imutável pela coisa julgada e, assim, deve prevalecer.

Todavia, o argumento de segurança jurídica utilizado pelos referidos autores supramencionados, também poderia ser utilizado em favor da primeira decisão, visto que, ao permitir que uma primeira coisa julgada livre de qualquer vício seja modificada por outra que já nasce viciada esbarra no mesmo postulado da segurança. Não há interesse de agir na segunda demanda, uma vez que, já houve resolução do conflito.

4.5 Decisão que violar manifestamente norma jurídica

Nota-se, em primeiro lugar, que o legislador do CPC/2015 modificou o que dispunha o CPC/1973, haja vista que lá previa que caberia ação rescisória de sentença que violar literal disposição em lei (art. 485, V, do CPC/73). Consoante Medina (2018, p. 1.370):

[…] não se viola texto de lei, mas a norma, como produto de interpretação da lei. A norma é produto de interpretação da lei ou da constituição […] O sentido do direito não se encontra apenas no texto da lei ou da Constituição, ou na descrição de um princípio. Assim, quando se afirma que um artigo de lei foi violado, quer-se dizer que o sentido que se atribui ao texto legal é que foi violado. O texto é o ponto de partida para se chegar à norma jurídica, mas esta é fruto da interpretação realizada para resolver problemas.

O texto é o pontapé inicial para se entender o sentido do que está descrito, haja vista que a norma é extraída também dos princípios jurídicos que norteiam os mandamentos positivados. Entretanto, não se admite a utilização desse dispositivo para casos em que no tempo da formação da decisão que se pretende rescindir havia divergência interpretativa sobre a norma.

É que dispõe a súmula 373 do STF: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação nos tribunais”. Em que pese constar “ofensa a literal disposição de lei”, lê-se atualmente “violar manifestamente norma jurídica”.

Isso porque, é natural que tenha divergência de interpretação sobre o sentido do texto legal, não podendo a ação rescisória funcionar como um mero recurso sobre o argumento de violação norma jurídica. Seria justificável quando houver um precedente que vincularia a interpretação à norma jurídica.

É o que defende Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2016, p. 622):

A ação rescisória constitui remédio extremo e assim não pode ser confundida com mero recurso. Em outras palavras: a sentença que possui interpretação divergente daquela que é estabelecida pela doutrina e pelos tribunais, exatamente pelo fato de que interpretações diversas são plenamente viáveis e lícitas enquanto inexiste precedente constitucional ou federal firma sobre a questão, não abre ensejo para a ação rescisória.

Entretanto, Medina (2018) vai mais além, visto que a “interpretação controvertida” descrita na súmula deve ser interpretada à luz dos artigos. 489, §1°, VI, 926 e 927, §4° do CPC, de modo que um caso isolado que vai contra uma jurisprudência dominante não pode ser utilizada como ponto de divergência para fins de obstaculizar o cabimento de ação rescisória.

Não obstante, configura ainda violação a norma jurídica o disposto no §5° do artigo 966 que prescreve:

Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caputdeste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento.

Nesse caso, será ônus da parte autora, nos termos do §6° demonstrar de forma analítica a distinção.

4.6 Decisão que for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória

A sexta hipótese contida no rol do artigo 966 do CPC é o caso de falsidade de prova. Ora, a decisão deve se fundamentar em prova juntada no processo, uma vez que é sobre ela que o juiz formará seu convencimento.

Logo, uma decisão que se baseia numa prova falsa leva a cognição do juiz ao erro e produzira uma decisão que afronta o mínimo de senso daquilo que é justo. Isso porque, sem a prova falsa poderia haver uma decisão em sentido diverso.

Vale salientar que pode se tratar de qualquer prova, podendo ser documental, testemunhal e pericial, que estará justificado a fundamentação do inciso VI do artigo 966 do CPC.

  • Obtenção de prova nova após o trânsito em julgado

Dispõe o inciso VII do artigo 966 do CPC que caberá ação rescisória quando “obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável”.

No CPC/1973 admitia a ação rescisória fundada em documento falso, todavia, o CPC/2015 ampliou ao trazer a expressão “nova prova”. Desta forma, não somente a prova documental nova pode ser fundamento de ação rescisória, mas também uma prova testemunhal nova ou qualquer outra prova (DIDIER JUNIOR. CUNHA, 2016; MEDINA, 2018).

Deve-se, contudo, atentar-se ao fato de que a prova nova só pode ser usada pela parte se ela não tinha conhecimento da sua existência ou caso não pôde ser usada por circunstância alheia a sua vontade, bem como essa prova seja capaz de garantir um resultado favorável.

Com efeito, nota-se que apesar de norma se referir a uma “nova prova” em verdade ela já existe, eis que, a parte ou ignorava a existência dela, ou não pode fazer o uso dela. Observa-se, então, que a “nova prova” em verdade já existe, levando a conclusão de que não poderia fazer uso daquela que surgiu posteriormente.

Doutra banda, o prazo prescricional para este caso é diferente. De acordo com artigo 975, §2° do CPC, começa contar do descobrimento da prova nova, observando-se um prazo máximo de 5 anos.

4.8 Decisão fundada em erro de fato

Por fim, caberá ação rescisória quando a decisão rescindenda for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos, conforme inciso VIII do rol do artigo 966 do CPC.

Nos termos do §1°do mesmo artigo há erro de fato quando o órgão julgador imagina ou supõe que um fato existiu, sem contudo ter ocorrido, ou quando simplesmente ignora fato existente não se pronunciando sobre ele.

Nas palavras de Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2016, p. 624): “Para a admissão da rescisória fundada em “erro de fato” é preciso que exista nexo de causalidade entre ele e a sentença rescindenda. É necessário, em outras palavras, que um erro de fato tenha determinado o resultado da sentença”.

Importante dizer Medina (2018) defende que a má apreciação da prova não é motivo para ensejar a rescisória, em que pese alguns julgados terem feito isso, pois a situação se refere a ausência de consideração sobre um fato existente ou quando o juiz supõe que um fato existiu quando, na verdade não existiu.

Em contraponto, Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2016, p. 624) argumentam que:

Não é certo dizer que a ação rescisória não é admissível nos casos de equivocada valoração da prova ou dos fatos. Ocorrendo má valoração da prova, a ação rescisória é cabível, desde que não tenha ocorrido valoração de prova que incidiu diretamente sobre o fato admitido ou não admitido. Se a equivocada valoração da prova repercutiu na compreensão distorcida da existência ou da inexistência do fato – e isso serviu como etapa do raciocínio que juiz empregou para formar seu juízo – a ação rescisória é cabível.

De todo modo, em termos gerais, a ação rescisória se justifica quando se supõe que um fato existiu e, na verdade não existiu ou quando se ignora fato existente e sequer manifesta-se sobre ele.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O entendimento de coisa julgada como imutabilidade e indiscutibilidade de que se reveste as decisões que não podem mais ser submetidas a nenhum recurso há anos é defendido pela doutrina, não sendo atoa a disposição do artigo 502 do Código de Processo Civil atual.

Consoante o exposto, conclui-se que essa concepção de coisa julgada tem fundamento na segurança jurídica do processo que visa dar segurança às partes que eventualmente possam integrar a lide, na medida de contemplar, mediante uma palavra final, qual bem jurídico deve ser protegido em detrimento do outro.

Ocorre que, a imutabilidade absoluta não faz parte da regra do sistema jurídico brasileiro, de maneira que em situações excepcionalíssima podem justificar a rescindibilidade de uma decisão por meio de ação rescisória ainda que ela esteja acobertada pelas vestes da coisa julgada.

Ante a comparação realizada pelo CPC/73 com o CPC/2015, notou-se evidente evolução no instituto da ação rescisória, sobretudo nas suas hipóteses de cabimento.

Tornou-se cabível ação rescisória contra qualquer espécie de decisão de mérito, haja, a mudança no caput do artigo 966 que substituiu “sentenças de mérito” por “decisões de mérito”.

Não obstante, a redação do §2° do mesmo artigo, encerrou grande discussão dispondo que até mesmo as decisões que não julguem o mérito podem ser rescindidas quando impeçam nova propositura da demanda ou a admissibilidade do recurso correspondente.

Ou seja, basta que a decisão, sendo de mérito ou não, produza efeitos extraprocessuais para ser passível de rescindibilidade nas hipóteses legais do artigo 966, caput, do CPC. Nesse passo, esse dispositivo constitui uma exceção à regra de que somente as decisões de mérito poderiam ser rescindidas.

Quanto às hipóteses, o CPC/2015 inovou ao permitir a rescisória fundada na coação ou simulação, bem como ao contemplar que se viola norma jurídica e não texto de lei. Por outro lado, o rol não é livre de crítica, como no caso de prever rescisória somente em caso de juiz impedido e não de juiz suspeito, ainda que a suspeição tenha sido descoberta apôs o trânsito em julgado da decisão.

Todavia, as hipóteses que fundamentam a ação rescisória no CPC/2015 comportam evidente evolução, visto que resolveram discussões ferrenhas.

De mais a mais, entretanto, a análise do rol do 966 pode levar a uma conclusão interessante, qual seja, a de que todas as hipóteses ali previstas não possam de violações a normas jurídicas, de modo que talvez bastasse como fundamento da ação rescisória, a violação a norma jurídica.

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[1] Mestre em Direito pela Universidade Paranaense (UNIPAR). Especialista Direito Notarial e Registral pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Docente na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Advogado.

[2] Doutorando em Direito pela Universidade de Marília (UNIMAR). Mestre em Direito pela Universidade Paranaense (UNIPAR). Especialista em Direito Imobiliário pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e em Administração pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Docente na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Advogado.