ABANDONO AFETIVO FILIAL-PATERNO: ESTUDO SOBRE O CABIMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR DESAMPARO AOS IDOSOS

ABANDONO AFETIVO FILIAL-PATERNO: ESTUDO SOBRE O CABIMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR DESAMPARO AOS IDOSOS

REVERSE EMOTIONAL NEGLECT: STUDY ON THE APPROPRIATENESS OF CIVIL LIABILITY FOR HELPLESSNESS OF THE ELDERLY

Artigo submetido em 10 de maio de 2024
Artigo aprovado em 21 de maio de 2024
Artigo publicado em 30 de junho de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 55 – Junho de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Lara Alves Corrêa[1]
Buenã Porto Salgado[2]

RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de analisar a possibilidade da responsabilização civil em casos de abandono afetivo inverso ou filial-paterno, reconhecido como o abandono afetivo dos pais idosos por parte de sua prole, visto que é uma realidade de muitos idosos no Brasil. Por meio do estudo expositivo, que se utiliza dos elementos jurisprudenciais e das doutrinas, a análise problematiza a garantia dos direitos constitucionais e infraconstitucionais dos idosos, mediante a indenização por transgressão ao dever de cuidado e aos danos psíquicos causados. Serão demonstrados os princípios que regem o Direito Brasileiro, legislações específicas e o entendimento de doutrinadores do ramo do direito cível. Portanto,o estudo concluiu que é possível a responsabilização civil dos filhos em relação aos pais, no que tange ao abandono afetivo enfrentado pelos idosos.

Palavras-chave: Abandono afetivo inverso; Responsabilidade civil; Direito dos idosos.

ABSTRACT: This article aims to analyze the possibility of civil liability in cases of reverse emotional neglect or filial neglect, known as the emotional neglect of elder parents by their offspring since this is the reality of many elderly people in Brazil. Through expository study, which utilizes jurisprudential elements and doctrines, the analysis problematizes the guarantee of constitutional and infra-constitutional rights of elderly people by means of compensation for breach of duty of care and psychological damage caused. The principles governing Brazilian Law, specific legislations, and the understanding of civil law scholars will be demonstrated. Therefore, the study concluded that it is possible for children to be held liable for the emotional neglect of elder parents.

Keywords: Reverse emotional neglect; civil responsibility;Elderly rights

INTRODUÇÃO

O envelhecimento da população brasileira, derivado do aumento da expectativa de vida, ensejou questões a serem abordadas na sociedade atual e no mundo jurídico. Dentre as dificuldades vivenciadas pelas pessoas idosas, há o enfrentamento do abandono afetivo efetuado pelos seus próprios filhos.

O afeto não é uma obrigação definida pela Lei. Entretanto, conforme estabelece a Carta Magna, é dever da família o cuidado entre os seus. É assegurado pela referida Norma Suprema, o direito de todos em possuir uma vida digna, bem como, os direitos personalíssimos e fundamentais garantidos. No Brasil, em razão do abandono afetivo filial-paterno, não são garantidos aos idosos a dignidade humana, assegurada pela Constituição Federal de 1988. Portanto, nota-se a transgressão de direitos elencados na legislação brasileira e assegurados por princípios constitucionais.

A fase natural do envelhecimento majora diversas necessidades a fim de estabelecer uma vida saudável, de modo que, seja exigido uma maior atenção à alimentação, higiene, tratamentos médicos e medicação. Em vista das limitações que surgem com o envelhecimento, os cuidados mencionados devem ser ofertados, a princípio, pelos familiares do idoso, destacando-se as pessoas mais próximas do vínculo familiar e afetivo.

Em vista disso, o abandono afetivo inverso ou filial-paterno configura-se como a infração ao dever de cuidado que os filhos devem ter sob os pais, ferindo a moralidade, afetividade e, principalmente a dignidade da pessoa humana, uma vez que, o abandono afetivo configura a ausência cotidiana que resulta em deixar a pessoa idosa desamparada frente às suas necessidades físicas e psicológicas. Nesta senda, em uma fase tão delicada da vida, o abandono afetivo pode gerar aos idosos danos psíquicos e físicos, e, por conseguinte, serem-lhes retirados a alegria pela própria vida. Por esta razão, vê-se a possibilidade de reparação indenizatória pelos danos causados.

Pela análise de elementos bibliográficos, jurisprudenciais e da legislação Brasileira vigente, será abordada a hipótese de cabimento da responsabilidade civil, a fim da designação de indenização por desamparo aos idosos pelos danos causados mediante o abandono afetivo filial-paterno. Diante disso, o presente artigo visa investigar os efeitos que a ausência afetiva causa às pessoas idosas, por parte de sua prole.

1. VALOR JURÍDICO DA FAMÍLIA E DO AFETO

A família é o vínculo entre indivíduos que possuem laços consanguíneos ou que convivem entre si. Nesse sentido, Maria Helena Diniz (2023) define como: o “grupo fechado de pessoas, composto pelos pais e filhos, e, para efeitos limitados, de outros parentes, unidos pela convivência e afeto numa mesma economia e sob a mesma direção”. (p.13)

A população brasileira é composta pelo implemento de diversas famílias divididas por suas características específicas. É por meio delas que o indivíduo adquire os seus primeiros costumes e educação, influenciando diretamente em sua visão de mundo. Assim, a família contribui com a formação de culturas e desenvolvimento de pessoas. Por essa razão, possui grande influência na sociedade.

Diante das mudanças sociais e da evolução do direito brasileiro, a família alterou sua forma de composição com base nos princípios e elementos que a regem. O âmbito da modificação familiar se configura em seu modo cultural, estrutural e social, destacando-se a valorização da afetividade em seu contexto, por meio da instituição da Carta Magna em 1988. Destarte, a família e o afeto são componentes que devem se conectar, a fim de concretizar a ordem social, bem como os direitos e garantias individuais.

Ante o exposto, a afetividade se tornou incumbência atribuída às relações familiares. Nesse entendimento:

(…)a família atual está matrizada em paradigma que explica sua função atual: a comunhão de vida afetiva. Assim, enquanto esta houver, haverá família, unida por laços de liberdade e responsabilidade, e desde que consolidada na simetria, na colaboração e no propósito comum (Lôbo, 2023, p.9).

O afeto é o elo que firma o vínculo entre pessoas, é considerado um estado psicológico que permite o indivíduo demonstrar cuidado e proteção para com o outro. Na sociedade atual, o afeto possui um grande valor jurídico atribuído à entidade familiar, de modo que é verificado na Constituição Federal, no Código Civil e na Doutrina.

Para o direito, o afeto possui interferência até mesmo no entendimento da formação de uma família, uma vez que a genética não é o fator único e dominante para configurá-la, o grau de parentesco também é definido pelo afeto. O artigo 1.593 do Código Civil dispõe que o parente poderá ser natural ou cível, a depender dos elementos de sua formação. Sendo assim, o fator biológico não é o único elemento que configura uma família, há casos em que a convivência afetiva gera uma entidade familiar, como por exemplo, os casos de adoção.

Nesse viés, a Doutrina compreende:

Com a promulgação do Código Civil de 2002, alargou-se igualmente o conceito de parentesco, o qual deixa de ser definido apenas pelo liame da consanguinidade, pautando-se também pelo critério socioafetivo, ou seja, aquele fundado no afeto e não na origem biológica. O afeto, com efeito, revela-se hoje muito mais significativo para o direito do que a mera ciência genética (Wald, Fonseca, 2015, p. 12)

Ademais, os direitos e garantias individuais, assim como a ordem social, garantem a segurança, a igualdade, a propriedade, entre outros demais direitos que se estabelecem pela Constituição Federal. Portanto, cabe observar que a família, estabelecida pela afetividade e pela prática de seus deveres e responsabilidades, possui um papel fundamental para garantir os direitos individuais e sociais mencionados.

  1. Os princípios do Direito de Família

Todas as áreas do direito são baseadas por princípios. O Direito de Família, ramo do Direito Civil, é fundamentado por princípios que devem ser aplicados a fim de concretizar a eficácia da aplicação de direitos.

Em relação aos princípios Paulo Lôbo (2023) destaca:

Os princípios jurídicos, inclusive os constitucionais, são expressos ou implícitos. Estes últimos podem derivar da interpretação do sistema constitucional adotado ou podem brotar da interpretação harmonizadora de normas constitucionais específicas (por exemplo, o princípio da afetividade). No Capítulo VII do Título VIII da CF/1988 há ambas as espécies, particularmente pela especificação dos princípios mais gerais às peculiaridades das relações de família (p.27).

Os princípios do direito de família são divididos em fundamentais e gerais. Os fundamentais, inseridos pela Carta Magna, possuem valor supremo e devem ser o início primordial de qualquer atividade jurídica, sob pena de inconstitucionalidade. Estes, garantem os direitos fundamentais, como o da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar. Os princípios gerais, por sua vez, são aqueles em que possuem natureza de regra, aplicadas nas hipóteses da necessidade de interpretação de normas. Entre esses, no Direito de Família, destaca-se o princípio da afetividade.

A seguir, serão abordados princípios fundamentais e gerais imprescindíveis ao Direito de Família, destacando os que alcançam os direitos dos idosos, são eles: da dignidade da pessoa humana, da solidariedade familiar e da afetividade.

  1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

A dignidade da pessoa humana é o princípio constitucional máximo e supremo do Direito Brasileiro, é por meio dele que é assegurada a eficácia do poder democrático e da ordem jurídica, regulamentado como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, pelo artigo 1°, inciso III, da Constituição Federal. No âmbito do Direito de Família, assegura a qualidade plena de vida de todos os indivíduos compostos pela entidade familiar, com base na igualdade de acessos de direitos e no respeito entre os membros da família. A Carta Magna estabelece em seu art. 226, inciso 7º, a possibilidade de planejamento e convivência familiar, desde que respeite a dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido:

É a dignidade da pessoa humana o fundamento do Estado Democrático de Direito do artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, e se a Constituição consagra, no seu artigo 3º, ser objetivo fundamental da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, pode se compreender que o respeito à dignidade humana é a base de sustentação para a realização do princípio democrático de Direito (Madaleno, 2023, p. 54).

O Princípio da dignidade da pessoa humana assegura a igualdade entre os indivíduos, garantindo a proteção à vida, a fim de que nenhum cidadão viva em situações precárias e desumanas. Sendo assim, garante as necessidades básicas de cada um, isto é, os direitos fundamentais: todos possuem acesso à saúde, educação, moradia, entre outros. Além disso, atinge o respeito e o tratamento justo, independente da religião, raça, gênero e cultura de cada indivíduo. Portanto, a aplicação de uma vida digna a cada membro da sociedade possibilita o acesso à justiça e ao desenvolvimento social.

Pelas razões expostas, é o princípio que rege todos os demais do Direito de Família, sem a sua aplicação, nenhum outro princípio poderá ser aplicado. Destarte, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é supremo. Assim, todas as áreas do direito deverão segui-lo, logo, o Direito de Família não será uma exceção.

  1. Princípio da Solidariedade Familiar

Assim como o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da solidariedade familiar visa a construção de uma sociedade justa e igualitária. Por essa razão, também é designado como princípio constitucional e fundamental ao Direito de Família.

Com o fito de garantir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, inciso I, CF/88), a Constituição definiu a solidariedade como um dever do Estado à população, por meio da aplicação de políticas públicas, pelas quais se demonstram em ações que são desenvolvidas pelo Estado a fim de garantir os direitos coletivos e individuais dos cidadãos. Além disso, tal dever é designado aos indivíduos entre si, para que haja coletividade e igualdade entre todos.

Para Rolf Madaleno (2023), nos núcleos familiares, a solidariedade é estabelecida como um dever mútuo de contribuição material – alimentação, moradia, educação e saúde –, bem como, moral – afeto e cuidados. Em vista disso, descreve:

A solidariedade é princípio e oxigênio de todas as relações familiares e afetivas, porque esses vínculos só podem se sustentar e se desenvolver em ambiente recíproco de compreensão e cooperação, ajudando-se mutuamente sempre que se fizer necessário. (IBID, p. 104).

Desse modo, verifica-se que a assistência familiar deverá ser mútua quando necessário. Assim, os filhos menores devem ser assistidos pelos pais, mas, nas ocasiões de vulnerabilidade dos pais, como na velhice, os filhos terão a responsabilidade de prestar tal assistência. Portanto, o princípio de solidariedade familiar é de suma importância em seu contexto, já que garante o bem comum, a igualdade e a justiça entre os membros de uma família.

  1. Princípio da Afetividade

Diante dos princípios infraconstitucionais e gerais do direito de família, destaca-se o da afetividade, correlacionando-se com os princípios da igualdade entre os membros da convivência familiar. Embora não seja um direito fundamental, a sua efetividade decorre da aplicação da dignidade da pessoa humana, valorizando a integralidade do afeto nas relações familiares.

 De acordo com Pereira (2015), tem-se o afeto como um valor jurídico que passou a ser o grande vetor e catalisador de toda a organização jurídica da família. Além disso, insta salientar que, com base no Autor, o afeto ganhou tamanha importância no ordenamento jurídico brasileiro que recebeu força normativa, tornando-se o princípio da afetividade o balizador de todas as relações jurídicas da família.

Assim, o afeto tornou-se um dos pontos primordiais na concepção de família. Nesse sentido, a afetividade sobrepõe até mesmo o estado consanguíneo, por meio dela, o parentesco é reconhecido além da natureza biológica, ou seja, a família pode ser configurada pelo vínculo afetivo e não pelo grau de parentesco, conforme é reconhecido pelo Código Civil (2002), norma que rege as relações familiares.

Destarte, para os Doutrinadores aqui expostos, o afeto é considerado como o vínculo que une os indivíduos, auxiliando na efetivação recíproca da solidariedade familiar e moral. Confere-se ao direito de família, a aplicabilidade do princípio da afetividade familiar. Por meio dela, a família passou a ter diferentes características em suas formações, baseando-se de modo primordial no afeto.

  1. Conceito de abandono afetivo

O abandono afetivo é a omissão em relação ao dever de cuidado, de assistência moral, afetiva e material. Sendo assim, configura-se como o ato de omitir as responsabilidades atribuídas aos familiares. Nesse sentido, é a violação aos princípios mencionados, uma vez que contribui com a infringência dos direitos fundamentais garantidos a todos, destacando-se os assegurados pelo princípio da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar, e, principalmente, pelo princípio da afetividade.

O artigo 227 da Constituição Federal (1988), prevê o encargo da família, do Estado e da sociedade em assegurar à crianças e aos adolescentes o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Logo, a família é responsável solidariamente em garantir os direitos supracitados.

Além disso, as incumbências citadas também são estabelecidas pelo Estatuto da criança e do adolescente, pelo qual é normatizada a proteção das crianças e dos adolescentes com o fito de assegurar uma vida digna. Bem como, são determinadas pelo artigo 1.634 do Código Civil (2002). Portanto, o abandono afetivo é o descumprimento de quaisquer obrigações atribuídas pela legislação.

Para Zanolla e Vieceli (2014), os casos de abandono afetivo são muito recorrentes em situações pelas quais os genitores abandonam os seus filhos, sem assegurá-los os seus direitos fundamentais, se omitindo aos deveres e responsabilidades que possuem sob os menores, deveres que são atribuídos pela Carta Magna.

Ademais, há outro modo de abandono afetivo, o qual se refere aos casos em que os pais se encontram em situações de vulnerabilidade e os filhos com capacidade civil plena os abandonam, gerando inúmeras consequências e danos que serão abordados posteriormente. Portanto, assim como os pais possuem deveres sob os filhos, os filhos possuem deveres de assistência sob os pais na velhice.

Destarte, o abandono afetivo é a transgressão de obrigações familiares, ensejando, por conseguinte, na falta de afeto, em danos psicológicos e materiais, assim como colocando indivíduos (crianças, adolescentes e idosos) em situações de vulnerabilidade.

  • O IDOSO E SEUS DIREITOS À LUZ DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

A pessoa idosa é o indivíduo que se encontra na fase adulta pelo processo de envelhecimento, de modo gradual e contínuo, determinado por diversas características biológicas e sociais em que a pessoa se encontra. Em cada sociedade, a velhice pode ser caracterizada e vivenciada de diferentes formas, além de que, pode ser iniciada em diferentes idades a depender de vários aspectos. Portanto, o ambiente em que o indivíduo se encontra poderá determinar o estado de velhice. No Brasil, os idosos são pessoas que possuem 60 anos ou mais, no entanto, diante das mudanças sociológicas, há o Projeto de Lei nº 5628/19 que visa elevar para 65 anos a idade da pessoa idosa.

 Ademais, insta salientar que segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2022), a população brasileira tem envelhecido de uma maneira progressivamente mais rápida, uma vez que as pessoas idosas com 60 anos ou mais chegaram a 32.113.490 (15,6%) no ano de 2022, um aumento de 56,0% em relação a 2010. Outrossim, em 2022, o total de pessoas com 65 anos ou mais no país (22.169.101) chegou a 10,9% da população, com alta de 57,4% frente a 2010. Portanto, frente aos efeitos do envelhecimento da população brasileira, torna-se imprescindível a garantia das Leis que dispõe amparos específicos aos idosos.

É cediço que o indivíduo que se encontra no estado de envelhecimento adquire limitações ao longo do tempo. Por essa razão, é dever do Estado, da família e da sociedade ampará-lo por meio de proteções próprias que atendam às suas condições de vida.  É um direito de todos possuir uma vida digna em toda sua existência, independentemente de suas condições biológicas e da fase de vida em que se encontra.

Nos moldes da Legislação Brasileira, as proteções dos idosos são asseguradas na Constituição Federal de 1988, pela qual são definidos seus direitos fundamentais, bem como, no Estatuto do Idoso, cujo objetivo é garantir a dignidade da pessoa idosa pela tutela de normas mais específicas. Além disso, há complementação da Política Nacional do Idoso e demais Leis específicas. Portanto, vale evidenciar que as Leis mencionadas estabelecem o papel fundamental que a família possui para garantir a proteção ao idoso, uma vez que é o seu dever assegurar à habitação, segurança, alimentação, afetividade, ou seja, uma vida digna.

  • Proteção ao idoso na Constituição Federal

Os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana são garantidos independente da raça, sexo e idade de cada cidadão. Nesse sentido, pelo princípio da isonomia, especificado em seu artigo 5º, é atribuída a igualdade entre todos, independentemente à fase de vida de cada um. Logo, a pessoa idosa possui seus direitos garantidos assim como qualquer outro indivíduo.

Com relação aos direitos evidenciados na Constituição Federal e em congruência ao princípio da isonomia e aos direitos dos trabalhadores, de acordo com o artigo 7º, inciso XXX, é vedada a diferença de salários, funções e critério de admissão em razão da idade, cor, sexo, ou estado civil. Logo, a idade do trabalhador não define a desigualdade de direitos. Com exceção aos casos em que, em razão das limitações que podem ser geradas pela velhice, o trabalhador não tenha mais condições de trabalhar, fato em que é certificado assistências do Poder Público (Brasil,1988).

Ademais, convém salientar que a partir de sua promulgação, em 1988, foi instaurado um amparo especial à uma parcela da população, abrangendo os idosos, que passaram a ter proteções especiais. Tais amparos se encontram nos artigos 194, 229 e 230 da CF/1988. Estes, designam a organização da seguridade social, a responsabilidade entre pais e filhos, bem como o dever da família, sociedade e Estado em garantir o bem-estar da pessoa idosa.

O artigo 194 trata da organização da seguridade social, definida pelos direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Nesse sentido, há o entendimento de que os direitos básicos como saúde, assistência, educação, dentre outros, assegurados aos demais habitantes, deve ser assegurado aos idosos (Wolkmer e Leite, 2003)

Portanto, na Constituição de 1988 é garantido ao idoso o acesso aos direitos sociais como a saúde e previdência social, (artigo 6º) e, assim como à assistência social (art. 203). Ademais, há o ônus de compromisso recíproco entre pais e filhos, disposto em seu art. 229:

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade (Brasil, 1988).

O artigo 230, por sua vez, prevê:

Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

§ 1º Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares. (Ibid.).

Ante o exposto, conforme já discutido, há o dever dos filhos em assegurar os pais na velhice, bem como o direito do idoso, em obter a sua participação na comunidade, sua dignidade e bem-estar, direitos que deverão ser assegurados pela família, sociedade e Estado, como já mencionado. Nesse viés, há o entendimento de Paulo Franco: “A Lei fala em obrigação e não em faculdade que têm a família e as entidades públicas em assegurar esses direitos ao idoso” (Franco, 2012, p. 28). Portanto, pela análise dos artigos constitucionais mencionados, observa-se que, assim como a sociedade e o Estado, a família configura papel primordial em assegurar os direitos e amparos aos idosos.

  • Proteção ao idoso na Política Nacional do Idoso e no Estatuto do Idoso

No âmbito infraconstitucional, foi proferida a Política Nacional do Idoso, pela Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994, posteriormente coordenada pelo Decreto nº 10.604, de 20 de janeiro de 2021. O objetivo central é assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. Assim como é estabelecido na Constituição, convém destacar que no seu 2º Capítulo são regidos um dos seus princípios, a fim de garantir a participação do idoso na comunidade, a defesa de sua dignidade, entre outras garantias.

Destarte, os direitos e deveres impostos pela Lei mencionada, atribui o reconhecimento do idoso em relação à sua cidadania e a capacidade na sua atuação integral dentro da sociedade.

Após quase dez anos da promulgação da Lei da Política Nacional do Idoso, entra em vigor o Estatuto do Idoso, pela Lei nº 10.741/2003. O Estatuto do Idoso foi baseado na doutrina da proteção integral, já utilizada como base do Estatuto da Criança e do Adolescente, seguindo a mesma diretriz.

A Lei nº 10.741 de 2003 possui extrema importância para a classe de pessoas idosas, uma vez que, além de frisar os direitos fundamentais previstos na Carta Magna, dispõe sobre proteções singulares. O Estatuto do Idoso, sobretudo, atua como um guia de ações e tratamentos para o Estado, a família e a sociedade civil frente às pessoas idosas. É a base e a orientação para a execução de políticas públicas a fim de garantir os direitos já estabelecidos.

Os artigos 2º e 3º mencionam direitos já previsto na Constituição, estabelecendo todos os direitos relativos à dignidade da pessoa humana, isto é, o direito à vida, à saúde, alimentação, educação, cultura, ao esporte, lazer, trabalho, cidadania, liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Estes direitos são definidos como fundamentais sociais e individuais (Brasil, 2003).

Além dos direitos fundamentais mencionados, insta destacar as proteções específicas ao idoso asseguradas na referida Lei, as quais que são necessárias para o funcionamento eficaz de uma sociedade justa, baseada nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade.

A priori, é cediço que toda pessoa idosa possui prioridade em diversas situações, demonstrada em reserva de vagas de estacionamentos, atendimento preferencial imediato, incentivo ao lazer e cultura, preferências em benefícios do Estado, entre outros. Ademais, é importante salientar que pessoas com mais de sessenta anos possuem prioridade na tramitação de processos judiciais em todas as instâncias. Todos os benefícios mencionados são estabelecidos pelo Estatuto do Idoso.

Quanto à violação aos direitos dos idosos, o artigo 4º define:

Art. 4º Nenhuma pessoa idosa será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei (Brasil, 2003).

Ademais, o artigo 43 do Estatuto define como violação e a ameaça aos direitos dos idosos:

Art. 43. As medidas de proteção à pessoa idosa são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:   

I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

II – por falta, omissão ou abuso da família, curador ou entidade de atendimento;

III – em razão de sua condição pessoal. (Ibid.).

Pelo exposto, verifica-se que a família possui responsabilidade sob o cuidado do idoso e, em casos de falta, omissão ou abuso, é assegurada a pessoa idosa medidas de proteção, além de que todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.

Destarte, além dos direitos fundamentais garantidos pela Carta Magna, a criação de legislação específica como a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso fornecem maior segurança e efetividade nos direitos dos idosos, logo, possuem suma importância na legislação brasileira.

  • A realidade social do idoso em relação à família

O envelhecimento saudável vai além do ato de fazer mais de sessenta anos de idade, é a qualidade de vida em todas as suas fases, independentemente da idade em que o indivíduo se encontra. Entretanto, nem sempre é a realidade de grande parte da população brasileira, uma vez que seus direitos são negligenciados. Nesse sentido, de acordo com Denise Maria Ferreira Vertuan Napolitano (2013), o idoso é muitas vezes mal assistido em todos os aspectos, seja no convívio familiar, em que é desrespeitado e excluído; seja na sociedade, que oferece poucas opções de lazer, trabalho e assistência médica e odontológica.

A violação dos direitos dos idosos, poderá ocorrer por ação ou omissão dos responsáveis a garanti-los, ou seja, do Poder Público, da família e da sociedade. A ação é a violência psicológica, agressão física, abuso financeiro, patrimonial e sexual. Já a omissão é o abandono, a falta de cuidado, prestação de cuidados básicos, assistência, alimentos, entre outros. A violação ao direito dos idosos, por ação ou omissão, ocorre frequentemente, principalmente no contexto familiar.

Por dados da OMS, 15,7% da população idosa mundial sofre algum tipo de violência, isto significa que cerca de 1 a cada 6 idosos sofre algum tipo de violência por seu familiar ou cuidador.  Esse fato não se diferencia no Brasil, muitos idosos são agredidos fisicamente e verbalmente por seus próprios familiares e são insetos de receberem até mesmo assistências básicas, ferindo o digníssimo princípio da dignidade da pessoa humana.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência contra o idoso é: “Um ato único ou repetido, ou falta de ação apropriada, ocorrendo qualquer relacionamento onde exista uma expectativa de confiança, que cause danos ou sofrimento a uma pessoa idosa” (Who, 2002b).

A família do idoso compõe o relacionamento que atribui a expectativa de confiança mencionada, que por muitas vezes é violada. A realidade é que, na maioria das vezes, o abandono afetivo ocorre por quem o idoso possui mais confiança, isto é, a família. Em relação a isso, o Ministério dos Direitos Humanos (2023) divulgou um dado alarme, isto é, as denúncias de casos de abandono de idosos cresceram 855% em 2023.

Destarte, por serem parte do grupo vulnerável frente à sociedade civil e negligenciados por seus próprios familiares, essa é a realidade de muitos idosos no Brasil, de modo que são abandonados pelos seus próprios familiares, sofrendo diversos tipos de abusos e de assistências básicas.

  • A RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL POR ABANDONO AFETIVO INVERSO

A responsabilidade civil enseja no descumprimento de uma obrigação determinada pelo ordenamento jurídico. Logo, obrigação e responsabilidade não se confundem, uma vez que aquela tem relação direta com dever originário, já a responsabilidade tem caráter sucessivo. Em outras palavras, a responsabilidade civil se origina na violação do dever jurídico originário que, por conseguinte, ocasiona o dever jurídico sucessivo, isto é, a reparação do dano causado a outrem, por ação ou omissão.

Em tese, para Carlos Roberto Gonçalves, doutrinador do direito civil, a responsabilidade civil se define em:

Toda atividade que acarreta prejuízo traz em seu bojo, como fato social, o problema da responsabilidade. Destina-se ela a restaurar o equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo autor do dano. Exatamente o interesse em restabelecer a harmonia e o equilíbrio violados pelo dano constitui a fonte geradora da responsabilidade civil. Pode-se afirmar, portanto, que responsabilidade exprime a ideia de restauração de equilíbrio, de contraprestação, de reparação de dano. Sendo múltiplas as atividades humanas, inúmeras são também as espécies de responsabilidade, que abrangem todos os ramos do direito e extravasam os limites da vida jurídica, para se ligar a todos os domínios da vida social. (Gonçalves, p. 41, 2022).

Por outra perspectiva, a Lei define que qualquer indivíduo que por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, conforme dispõe o artigo 927 do Código Civil. Já o artigo 932 do mesmo Código, estabelece os responsáveis pela reparação civil:

Art. 932. São responsáveis pela reparação civil:

I- os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II- o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III- o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho, que lhes competir, ou em razão dele;

IV- os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos (Brasil, 2002)

Embora o Código Civil estabeleça os responsáveis pela reparação civil, incluindo a responsabilidade dos pais sob os filhos menores, o presente artigo preconiza pelo cabimento da responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo inverso, uma vez que se oriunda da isenção de uma obrigação, qual seja, o dever de cuidado e assistência que os familiares possuem sob os idosos, destacando-se os filhos maiores e capazes que possuem responsabilidade sob os pais na velhice.

A responsabilidade civil tem como pressupostos a ação ou omissão, o dano, o nexo causal e a culpa, pela qual é permitida várias espécies de responsabilidade civil. Tais pressupostos serão abordados a seguir e analisados na hipótese específica de estudo do presente trabalho.

3.1 Ação ou omissão

A ação ou omissão trata-se de uma conduta, ativa ou omissiva, que gera dano a outrem. O Código Civil (2002) elenca a ação ou omissão como um dos elementos do ato ilícito, vejamos:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (Ibid.).

Em relação aos efeitos do ato ilícito, a Lei elenca um meio de reparação, ou seja, de responsabilização civil, conforme o artigo 927 do Código Civil (Ibid.): “Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

Logo, é verificável que ação ou omissão é pressuposto primordial da responsabilidade civil, visto que, sem a conduta, ativa ou omissiva, é impossível o surgimento do dano, e, consequentemente, da responsabilidade civil.

Com relação a esse tema, Paulo Tartuce (2019) aborda:

A conduta humana pode ser causada por uma ação (conduta positiva) ou omissão (conduta negativa) voluntária ou por negligência, imprudência ou imperícia, modelos jurídicos que caracterizam o dolo e a culpa, respectivamente. Pela presença do elemento volitivo, trata-se de um fato jurígeno (p. 516).

A responsabilidade ocasionada pela conduta, pode ser classificada por ato próprio, de terceiro, bem como por animais ou coisas que pertençam ao agente da conduta.

Não é possível que haja responsabilização civil, sem a conduta, seja por ação, seja por omissão. No âmbito do dever de cuidado que os cuidadores e familiares têm sob os idosos, a omissão se dará pela falta de assistência básica como o acesso à saúde, alimentação, residência, falta de afeto, entre outros. Resumidamente, se refere ao abandono afetivo. A ação, por sua vez, diz respeito à violência praticada contra idoso, sendo ela denominada por vários tipos, atingindo a falta de respeito e o preconceito.

3.2 Culpa

Assim como a conduta, a culpa é um dos pressupostos da responsabilização civil, visto que não é possível reparação sem a concretização do ato ilícito. Conforme o artigo supracitado, o ato ilícito é constituído pela ação ou omissão voluntária, configurando o dolo ou a chamada culpa lato sensu, nesse caso, a voluntariedade diz respeito à intenção do agente em causar o dano. Em segundo plano, o artigo 187 do Código Civil, estabelece o ato ilícito pela negligência, imprudência e imperícia, elementos que configuram a culpa stricto sensu, isto é, mesmo que o agente não tenha a intenção, ele poderá cometer o ato ilícito.

Seguindo essa premissa, a responsabilidade civil poderá ser dividida em subjetiva ou objetiva. A responsabilidade subjetiva advém da culpa, não a havendo, não há responsabilidade. Nesse sentido, elenca Gonçalves (2022, p. 32) “A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa”. A responsabilidade objetiva, por sua vez, advém da teoria do risco, isto é, a responsabilidade independe da culpa, já que todo dano deve ser indenizável.

Nosso diploma civil adota a teoria subjetiva, pois o próprio artigo 86 elenca o dolo ou a culpa como elemento do ato ilícito. No entanto, há hipóteses específicas, admitidas pelo direito positivo, em que a teoria subjetiva poderá ser adotada.

Como já mencionado, dentre os elementos que compõem a culpa stricto sensu, estão a negligência, a imperícia ou a imprudência. A negligência, configura-se como um ato omissivo, pelo qual o indivíduo deixou de ter uma atitude esperada. A imperícia, por sua vez, relaciona-se com a falta de capacidade técnica e habilidade na execução de determinada atividade, de modo que cause danos a alguém. Já a imprudência é ação efetuada de forma precipitada, pela qual também é capaz de causar dano.

Por fim, a culpa, elemento primordial da responsabilidade civil subjetiva, é fator essencial nos casos de abandono afetivo dos filhos e familiares em relação aos idosos.

3.3 Dano

O dano é fator determinante, é o ponto primordial da responsabilidade civil, pois, sem ele não há o que se falar em reparação. Logo, não há possibilidade alguma de indenização sem o dano existente. Nessa premissa, para Paulo Lôbo (2023):

O dano é a violação sofrida pela própria pessoa, no seu corpo ou em seu âmbito moral, ou em seu patrimônio, sem causa lícita. Significa perda ou valor a menos do patrimônio, na dimensão material ou patrimonial, ou violação de direitos da personalidade, ou comprometimento da existência das pessoas ou da natureza, na dimensão extrapatrimonial. (p. 153).

Nesse sentido, o dano poderá afetar fatores patrimoniais ou extrapatrimoniais, logo, ele poderá ser material ou moral. O dano material é aquele que atinge os bens e o patrimônio do indivíduo, já o dano moral, cujo possui foco no presente acervo científico, afeta o âmbito psíquico e a natureza pessoal da vítima.

Em relação aos casos de abandono afetivo inverso, o dano mais violado é o moral. Acerca disso, Paulo Roberto Gonçalves (2022) entende que o dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, ou seja, é a lesão que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem e o bom nome. De maneira que, acarreta ao lesado sofrimento, tristeza, humilhação e dor.

Outrossim, quanto aos efeitos do dano moral, Paulo Nader (2015) entende que há valores que, uma vez atingidos, provocam sofrimento e impõem reparação, uma vez que o ato ilícito que atenta contra os direitos de personalidade torna o dano suscetível de indenização.

Nessa perspectiva, o abandono afetivo pode causar angústia e aflição aos idosos, atingindo tanto a saúde mental, quanto a física. Em vista disso, torna-se possível a indenização pelo sofrimento causado.

3.4 Nexo de causalidade

O nexo causal é o vínculo de causa e efeito entre a conduta e o dano. Sendo assim, o dano precisa decorrer da ação ou omissão de quem o causou. Na hipótese de o dano não ter relação com a conduta, não há o que se falar em ato ilícito, tampouco em responsabilização civil.

De acordo com Gonçalves, um dos pressupostos da responsabilidade civil é o elo entre o ato ilícito e o dano ocorrido. Sem essa relação de causalidade não se admite a obrigação de indenizar. Além disso, afirma que o dano só pode gerar responsabilidade quando for possível estabelecer um nexo causal entre ele e o seu autor.

Para Paulo Nader (2015), o ato ilícito é a relação de causa e efeito entre a conduta e o dano causado a outrem. Assim, é preciso que os prejuízos sofridos decorram da ação ou omissão do agente de maneira contrária ao seu dever jurídico. O nexo causal é o elo entre a conduta e o dano.

Dentre as teorias do nexo de causalidade, tem-se a teoria da equivalência das condições, a teoria da causalidade adequada e por fim, a teoria dos danos e direitos imediatos, adotada pelo nosso Ordenamento Civil (art. 403 do Código Civil). A teoria da equivalência tem como pressuposto que toda circunstância é considerada como causa do dano. A teoria da causalidade adequada, por sua vez, tem como a circunstância causadora somente aquela que possui condição capaz de produzir o dano, anulando demais circunstâncias. Por fim, a teoria adotada pelo Código Civil, conhecida como a teoria dos danos e direitos imediatos, tem como a relação causal aquela em que o dano tenha ocorrido de maneira direta e imediata, logo, o agente se torna responsável civilmente pelos danos imediatos que se referem a sua conduta, eliminado possíveis danos futuros. 

Destarte, a responsabilidade civil tem como elemento principal o nexo causal, isto é, o elo entre a conduta do indivíduo e o dano gerado por ele. Ou seja, para que seja auferida a indenização por dano sofrido, é necessário comprovar que tal dano é consequência da conduta de quem o causou. Portanto, os danos por abandono afetivo inverso, devem ter relação direta com a conduta dos filhos dos pais idosos.

3.5 Conceito de abandono afetivo inverso

Assim como há o dever de cuidado dos pais em relação aos filhos, há o dever de cuidado dos filhos em relação aos pais na velhice. A omissão dos pais frente aos filhos caracteriza-se como abandono afetivo, de maneira diversa, a omissão no que tange ao contexto filial-paterno, caracteriza-se como abandono afetivo inverso.

Como já mencionado, o dever de cuidado dos filhos sob os pais está estabelecido, de maneira explícita, na Constituição Federal, garantindo a dignidade humana e os direitos de personalidade, e de maneira implícita, no Código Civil, na Política Nacional do Idoso e no Estatuto do idoso. Portanto, tem-se como Norma Legal todos os encargos citados no tocante aos amparos dos idosos, incluindo o dever de cuidado de seus familiares.

No âmbito familiar, existe a obrigação solidária de cuidado e assistência perante cada ente. O abandono afetivo inverso é justamente a transgressão ao dever de cuidado em razão da conduta omissiva voluntária ou da negligência. É, sobretudo, o descaso dos filhos no que tange às responsabilidades direcionadas aos pais, ocasionando, consequentemente, danos aos pais desamparados, ferindo diversos princípios constitucionais e do direito de família, principalmente o da dignidade da pessoa humana.

Como já exposto anteriormente, muitos idosos sofrem algum tipo de violência ou abandono no contexto familiar. Por essa razão, torna-se necessário a aplicabilidade da responsabilização civil.

É cediço que no Brasil consta diversos tipos de realidades familiares. Em vista disso, não é possível generalizar os casos em que filhos colocam os pais em asilos, pois, pode ser necessário e eficiente a depender da situação, além de que, a assistência moral e o afeto podem continuar sendo oferecidos.

Este acervo científico visa os casos em que os filhos abandonam os pais na velhice, colocam em asilo ou pagam cuidadores, e sequer fazem uma visita ou prestam apoio emocional e físico. Outrossim, há situações em que os idosos moram com os filhos, mas são maltratados e negligenciados de modo que não possuem o cuidado e assistência que deveriam. Nesses casos, os pais idosos, além de não possuir um vínculo de afeto, possuem a saúde física e mental afetada, uma vez que lhe falta a prestação de cuidados básicos necessários.

Nesse viés, em entrevista no Fantástico, a advogada Antonella Nogueira (2010) afirma que embora exista a determinação elencada pelo Estatuto do Idoso, bem como, pela Constituição Federal, para que os filhos amparem seus pais na velhice, o ato de colocar o pai em um asilo, ou promover maus tratos ou qualquer ofensa física, verbal ou moral, deve ser punido. Em relação ao abandono, a advogada mencionou que pode ser caracterizado pelo simples fato de constatar que o idoso não está sendo medicado adequadamente ou se não está tendo a higiene adequada.

Destarte, o abandono afetivo inverso é uma realidade de muitos idosos na sociedade brasileira. Assim, a reparação aos danos causados torna-se cada vez mais necessária, tal aplicabilidade será analisada a seguir.

3.7 Da possibilidade da aplicabilidade de indenização por abandono afetivo inverso

A possibilidade de indenização pelo dano gerado por abandono afetivo já é uma discussão no universo jurídico, tanto por entendimentos julgados e acordados em jurisprudência, quanto pela doutrina. No entanto, não há legislação específica vigente acerca do assunto, a não ser a configuração do ato ilícito e em sua consequência, da reparação civil. Nesse sentido, cabe aos julgadores interpretar o dano violado pelo ato ilícito aos casos de abandono afetivo filial-paterno.

No que se refere ao abandono afetivo inverso, há o Projeto de Lei nº 4294/2008, que visa acrescentar o artigo 1.632 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil e o artigo 3º da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003- Estatuto do Idoso. A finalidade é incluir junto aos artigos, o cabimento de indenização por dano moral que decorre do abandono afetivo. Nessa lógica, há a justificação:

 No caso dos idosos, o abandono gera um sentimento de tristeza e solidão, que se reflete basicamente em deficiências funcionais e no agravamento de uma situação de isolamento social mais comum nessa fase da vida. A falta de intimidade compartilhada e a pobreza de afetos e de comunicação tendem a mudar estímulos de interação social do idoso e de seu interesse com a própria vida. Por sua vez, se é evidente que não se pode obrigar filhos e pais a se amar, deve-se ao menos permitir ao prejudicado o recebimento de indenização pelo dano causado. Por todo exposto, clamo meus pares a aprovar o presente projeto de lei. (Brasil, 2008).

Embora não exista uma legislação específica, já é um grande avanço acerca do cabimento da responsabilização civil nos casos de abandono afetivo. Sobre tal possibilidade, Tartuce (2023) diz que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em sua atual composição, até tem entendido pela possibilidade de reparação dos danos morais por abandono afetivo, desde que comprovado o prejuízo imaterial suportado pela vítima. Nesse sentido, é possível demonstrar o ato ilícito, e, por conseguinte, pleitear pela reparação civil.

Por isto, é necessário que os operadores do direito se atentem ao dano causado pelo abandono, isto é, o sofrimento e a angústia gerados, desde que haja o nexo causal com a conduta e a culpa.

É indubitável que a indenização não anula de forma integral todos os danos causados ao idoso, mas é uma forma de repará-lo mediante ao seu sofrimento. Além disso, o cabimento da responsabilidade civil nessas situações, visa diminuir os casos de abandono filial-paterno, que, infelizmente é recorrente na sociedade atual. À vista do exposto, é possível a responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo inverso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante ao avanço da expectativa de vida no Brasil, nota-se que a família e o Estado não se encontram dispostos para disponibilizar uma vida digna e de qualidade aos idosos. De maneira exemplar, temos o abandono afetivo inverso, o qual torna-se responsável por causar danos e sofrimentos à terceira idade, impossibilitando a qualidade de vida.

O abandono afetivo inverso é a omissão voluntária ou a negligência ao dever de cuidado, que consequentemente causa danos, especificamente, moral à pessoa idosa.

No que tange ao princípio da dignidade da pessoa humana, pelo qual estabelece uma vida plena a todos os cidadãos, independentemente da fase de vida em que se encontra, verifica-se a sua violação frente ao enfrentamento dos idosos pelo abandono afetivo filial-paterno. Ademais, constata-se a violação aos princípios da solidariedade familiar e da afetividade, que visam o equilíbrio solidário e o afeto, a fim de estabelecer relações harmônicas e a igualdade de direito entre os entes familiares.

Outrossim, no que concerne à violação do ordenamento jurídico diante da problemática explanada, nota-se também a transgressão de direitos e deveres abordados na legislação, especificamente à Constituição Federal, ao Código Civil, à Política Nacional do Idoso e ao Estatuto do Idoso. Nesse viés, verifica-se que, embora existam garantias e direitos atribuídos aos idosos, eles não são efetivados.

O ordenamento jurídico tem como uma das suas atribuições fundamentais a garantia da justiça, sendo um de seus requisitos a punibilidade em casos de infrações das Leis, princípios e normas. Logo, o abandono afetivo filial-paterno, por ser fruto da transgressão à legislação brasileira, torna-se punível.

A responsabilização civil compete na reparação pelos danos causados a outrem, por meio da conduta realizada. Embora não tenha entendimento pacificado na Jurisprudência a esse respeito, é possível à analogia aos casos de indenização por abandono afetivo paterno-filial.

Posto isto, conclui-se que, é plenamente cabível a indenização pelos danos morais gerados por abandono afetivo dos filhos em relação aos pais, por cumprir todos os requisitos da responsabilidade civil elencado no nosso Código Civil.

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[1][1] Estudante do curso de Direito, Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS), campus Palmas. E-mail: laraalvess.a.c@gmail.com

[2] Professor no curso de Direito da Universidade Estadual do Tocantins – UNITINS, campus Palmas. E-mail: buena.ps@unitins.br.