A SOCIOLOGIA DE NIKLAS LUHMANN E SUA CONCEPÇÃO SISTÊMICA AUTOPOIÉTICA DO DIREITO
31 de maio de 2023NIKLAS LUHMANN’S SOCIOLOGY AND ITS AUTOPOIETIC SYSTEMIC CONCEPTION OF LAW
Artigo submetido em 05 de maio de 2023
Artigo aprovado em 10 de maio de 2023
Artigo publicado em 31 de maio de 2023
Cognitio Juris Ano XIII – Número 46 – Maio de 2023 ISSN 2236-3009 |
Autor: Francisco de Rangel Moreira[1] |
Resumo: O artigo procura apresentar, de maneira didática e introdutória, alguns conceitos elementares da vasta obra do sociólogo alemão Niklas Luhmann, partindo-se de seu viés generalista dos sistemas sociais até a sua perspectiva mais específica do subsistema autopoiético, autônomo e autorreferente do direito. Assim, aborda-se, inicialmente, conceitos imprescindíveis na teoria dos sistemas sociais de Luhmann (como os de funcionalismo estrutural; autopoiesis social; sistemas sociais e meio ambiente; acoplamento estrutural; abertura cognitiva; fechamento operacional; complexidade; dupla contingência; sentido; comunicação; diferenciação funcional; dentre outros); focando-se, na sequência, na ótica propriamente jurídica do Sociólogo, com destaque para as suas reflexões sobre a dinâmica evolutiva do sistema jurídico; o acoplamento estrutural do direito; as operações jurídicas; a argumentação jurídica; a função do direito; o seu código binário lícito/ilícito e os fatores de complexidade e contingência da Justiça, salientando, dessarte, a fórmula luhmanniana de contingência do direito e retratando-o, portanto, como subsistema diferenciado da sociedade ocidental contemporânea.
Palavras-chave: Teoria dos sistemas sociais de Luhmann. Autopoiesis social. Direito como subsistema autopoiético. Código binário lícito/ilícito. Fórmula de contingência.
Abstract: The article seeks to present, in a didactic and introductory way, some elementary concepts from the vast work of the German sociologist Niklas Luhmann, starting from his generalist bias of social systems to his more specific perspective of the autopoietic, autonomous and self-referential subsystem of law. Thus, it initially addresses essential concepts in Luhmann’s theory of social systems (such as structural functionalism; social autopoiesis; social systems and environment; structural coupling; cognitive openness; operative closure; complexity; double contingency; meaning; communication ; functional differentiation; among others); focusing, in the sequence, on the sociologist’s legal perspective, with emphasis on his reflections on the evolutionary dynamics of the legal system; the structural coupling of law; the legal operations; the legal argumentation; the function of law; its legal/illegal binary code and the complexity and contingency factors of Justice, thus highlighting the Luhmannian contingency formula of law and portraying it, therefore, as a differentiated subsystem of contemporary Western society.
Keywords: Luhmann’s social systems theory. Social autopoiesis. Law as an autopoietic subsystem. Legal/illegal binary code. Contingency formula.
Sumário: Introdução; 1. A Teoria dos Sistemas Sociais no Pensamento de Niklas Luhmann: Breve Apresentação De Alguns Conceitos-Chave; 1.1. Os Sistemas Sociais de Talcott Parsons; 1.2. O Conceito de Autopoiesis em Maturana e Varela; 1.3. O Conceito de Autopoiesis em Luhmann; 1.4. O Conceito de Complexidade em Luhmann; 1.5. O Conceito de Acoplamento Estrutural em Luhmann; 1.6. Os Conceitos de Sentido e Comunicação em Luhmann; 1.7. O Conceito de Diferenciação Funcional da Sociedade e a Formação de Novos Subsistemas Sociais em Luhmann; 2. A Concepção do Direito como Sistema Autopoiético; 2.1. O Direito como Subsistema Social Diferenciado: concepções preliminares; 2.2. A Dinâmica Evolutiva do Direito; 2.3. As Operações Próprias do Sistema Jurídico Autopoiético; 2.4. O Acoplamento Estrutural do Sistema Jurídico Perante o seu Entorno; 2.5. A Função do Direito na Sociologia Luhmanniana; 2.6. O Esquematismo Binário do Sistema Jurídico; 2.7. O Espaço de Contingência da Justiça; Considerações Finais; Referências.
INTRODUÇÃO
O presente artigo[2] se propõe a descrever alguns conceitos sociológicos e jurídicos relevantes da obra do sociólogo alemão Niklas Luhmann, ainda que de maneira geral, sucinta e didática (o que, por si só, já se mostra tarefa bastante complexa, dada a profundidade de sua obra).
Assim, propõe-se a trabalhar, de início, no primeiro capítulo, com as obras mais gerais, tais como a “Introdução à Teoria dos Sistemas” e os “Sistemas Sociais”, além de autores e conceitos importantes ao desenvolvimento de seu pensamento (como os “sistemas sociais” de Talcott Parsons e a “autopoiesis biológica” de Humberto Maturana e Francisco Varela).
Parte-se, então, de seus conceitos mais amplos (como o “funcionalismo estrutural”; a “diferenciação sistêmica”; os “sistemas sociais e o entorno”; a “autopoiesis social”; o “acoplamento estrutural”; a “abertura cognitiva”; o “fechamento operacional”; a “complexidade”; o “sentido”; a “comunicação”; a “dupla contingência”, dentre outros), chegando-se, por fim, no capítulo segundo do artigo, à sua visão propriamente jurídica (ou mais precisamente jus-sociológica), consagrada em obras como “O Direito da Sociedade” e “Sociologia do Direito” (volumes I e II), as quais abordam o funcionamento específico do sistema jurídico, operante, sobretudo, com base no código binário ‘lícito/ilícito’.
Nesse ponto, merecem destaque, por exemplo, as reflexões a respeito da “dinâmica evolutiva do Direito”; do “fechamento operativo próprio do sistema jurídico”; da “autodescrição jurídica”; da “função do Direito no conceito luhmanniano de sociedade” e do seu referido “esquematismo binário”; do “espaço de contingência da Justiça”; da “argumentação jurídica” (sob a ótica luhmanniana), etc.
Ademais, a título de complemento, com vista a manter o caráter didático do artigo, pretende-se lançar mão, sempre que oportuno, dos trabalhos de autores relevantes, que se aprofundaram na obra de Luhmann e escreveram bastante a seu respeito, tornando-se referências no seu estudo, tais como Gunther Teubner, Marcelo Neves, Darío Rodríguez, Javier Torres, Alexander Ortiz Ocaña e Benjamin Zymler.
1. A TEORIA DOS SISTEMAS SOCIAIS NO PENSAMENTO DE NIKLAS LUHMANN: BREVE APRESENTAÇÃO DE ALGUNS CONCEITOS-CHAVE
1.1. Os Sistemas Sociais de Talcott Parsons
O ponto de partida mais adequado para abordar a obra de Niklas Luhmann é, por certo, a teoria do sociólogo norte-americano Talcott Parsons, que não por acaso ocupa o primeiro capítulo do livro “Introdução à Teoria dos Sistemas” (de Luhmann).
Luhmann atribui a Parsons como tônica de sua obra a fórmula compacta “action is system” e destaca o fato de o norte-americano ter mantido em seu trabalho uma relação de aproximação e distanciamento à corrente do funcionalismo estrutural. Particularmente a partir da década de 1960, o norte-americano concentrou seus esforços para se afastar desta linha, sem, contudo, tê-lo realizado plenamente. (LUHMANN, 2010, pp. 40-41)
Assim, de acordo com Luhmann (2010, p. 42), em relação a Parsons – reunindo em uma única construção os elementos da ação, do sistema e do funcionalismo estrutural – a sua “descoberta essencial fora de que a construção de estruturas sociais se realiza sob a forma de sistema, e a operação basal sobre a qual esse sistema se constrói é a ação. Fazendo uma observação grosseira, Parsons extrai de Weber o componente da ação, e de Durkheim, o sistêmico”.
Em suas palavras, na obra “The Social System”, Parsons (1951, pp. 4-5) descreve o conceito de ação da seguinte maneira:
“Action” is a process in the actor-situation system which has motivational significance to the individual actor, or, in the case of a collectivity, its component individuals. This means that the orientation of the corresponding action processes has a bearing on the attainment of gratifications or the avoidance of deprivations of the relevant actor, whatever concretely in the light of the relevant personality structures these may be. Only in so far as his relation to the situation is in this sense motivationally relevant will it be treated in this work as action in a technical sense. (…) This organization of action elements is, for purposes of the theory of action, above all a function of the relation of the actor to his situation and the history of that relation, in this sense of “experience.”
Ademais, Parsons identifica duas variáveis quanto aos elementos da ação: a primeira diz respeito ao momento em que eles se encontram, isto é, se eles ocorrem de maneira ‘instrumental’ ou ‘consumatória’. Nesse sentido, instrumental é tudo aquilo que funcione como meio que resulte na ação; ao passo que consumatório se refere não apenas ao fim proposto pela ação, como também à satisfação com ela adquirida e a alteração causada no estado do sistema. (LUHMANN, 2010, p. 44)
A segunda variável, por sua vez, indica se a ação se origina dentro do sistema em análise ou fora dele (no seu meio), classificando-a assim como ‘interior’ ou ‘exterior’, respectivamente. (LUHMANN, 2010, p. 44)
Do cruzamento das duas variáveis torna-se possível verificar quatro componentes da ação, conforme se observa no esquema abaixo: i) a ‘adaptação’; ii) a ‘obtenção de fins’; iii) a ‘integração’; iv) a ‘manutenção de estruturas latentes’ (AGIL, em inglês: adaptation; goal-attainment; integration; latent pattern-maintenance):
SISTEMA SOCIAL |
INSTRUMENTAL | CONSUMATÓRIO | |
EXTERIOR | ADAPTAÇÃO (ADAPTATION) | OBTENÇÃO DE FINS (GOAL-ATTAINMENT) |
INTERIOR | MANUTENÇÃO DE ESTRUTURAS LATENTES (LATENT PATTERN-MAINTENANCE) | INTEGRAÇÃO (INTEGRATION) |
A respeito, primeiramente, do componente da adaptação dispõe Luhmann (2010, p. 45) que “a combinação entre instrumental e exterior dá lugar ao primeiro componente que surge da ação: processo de adaptação. O sistema instrumentaliza a relação exterior para alcançar um estado no qual satisfaz necessidades”. Assim, para o Autor, em relação ao sistema social, esta viria a ser a função da economia.
Já em relação ao componente da obtenção de fins, afirma Luhmann (2010, pp. 45-46) o seguinte:
A combinação subsequente consiste no contato que surge entre relação externa e a consumação do marco de valores sociais que devem chegar a se colocar em operação. Parsons nomeia esse compartimento sob a designação da obtenção de fins (…). As relações instrumentais se orientam para o futuro; as consumatórias, em contrapartida, estão dirigidas para o presente. (…) É próprio do sistema político o caráter consumatório, no sentido definido por Parsons, para a função política: to get things done.
A atividade intrassistêmica e consumatória, por sua vez, é denominada integração. Nesse sentido, “o sistema social, ao realizar essas combinações que satisfazem propósitos, integra o atuado aos atores. (…) todo sistema deve aceitar um estado que se realiza como presente; nesse sentido sistêmico, o presente sempre está integrado” (LUHMANN, 2010, p. 46). Assim, no sistema social, Parsons atribui a função integrativa ao ‘sistema comunitário’ (LUHMANN, 2010, p. 53).
Finalmente, Luhmann (2010, p. 54) aborda o quarto elemento do sistema social, de caráter instrumental e intrassistêmico, chamado por Parsons de manutenção das estruturas latentes, a qual seria realizada pelas ‘instituições culturais’. Em suas palavras:
A última combinação é aquela que se realiza entre o instrumental e o interno do sistema. Parsons introduz, aqui, uma conceituação sobressalente, no momento em que designa a possibilidade de tal combinação como manutenção das estruturas latentes (…). Com isso, o que se busca indicar é que as estruturas, mesmo devendo estar disponíveis para resolver necessidades, não obrigatoriamente estão presentes. (…) Parsons descobre que a combinação instrumental/interno tem a função de estabilizar permanentemente as estruturas, e assim garantir a sua disponibilidade, mesmo no caso de não serem utilizadas. (LUHMANN, 2010, p. 46)
Interessante observar que, para Parsons, quando uma ação, localizada em um dos quatro compartimentos gerais referidos, consegue reproduzir dentro de si, por sua vez, os mesmos quatro compartimentos, isto é, as quatro variáveis relativas à ação, ela própria se torna um sistema, diferenciando-se do sistema social geral. Nesse sentido, essa operação pode ser infinita, na medida em que um novo sistema específico sempre pode se diferenciar do geral do qual faz parte. Assim, pode-se realizar uma análise histórica sobre a evolução dos sistemas sociais, a fim de verificar se um determinado sistema específico já havia se diferenciado do geral em dada época e local. (LUHMANN, 2010, pp. 47-48)
A esse respeito, Parsons (1951, p. 114) afirma o seguinte:
A SOCIAL system is, with respect to its structurally significant components, a differentiated system. For our purposes we can assume that what is differentiated is the unit of structure with which so much of the foregoing discussion has been concerned, the role including the object-significances of actors as well as their orientation patterns. Hence the fundamental focus for the analysis of the system as a differentiated system concerns the ways in which roles within it are differentiated and, in turn, these differentiated roles are integrated together, that is “mesh” to form a functioning system.
Ademais, para Parsons, o próprio sistema social, inclusive, diferenciou-se de uma estrutura maior, qual seja, o sistema de ação, do qual representa a sua função integrativa.
Não cabe, no presente trabalho, uma abordagem mais detida de cada compartimento desse sistema de ação. Contudo, a título de ilustração, segue abaixo a tabela desenvolvida por Parsons a seu respeito, no qual a função adaptativa seria realizada pela ‘conduta orgânica’, a obtenção de fins pela ‘personalidade’ e a manutenção de estruturas latentes pela ‘cultura’[3].
SISTEMA DE AÇÃO |
INSTRUMENTAL | CONSUMATÓRIO | |
EXTERIOR | ADAPTAÇÃO (ADAPTATION) Conduta orgânica | OBTENÇÃO DE FINS (GOAL-ATTAINMENT) Personalidade |
INTERIOR | MANUTENÇÃO DE ESTRUTURAS LATENTES (LATENT PATTERN-MAINTENANCE) Cultura | INTEGRAÇÃO (INTEGRATION) Sistema social |
Importa salientar ainda que Parsons não enxerga um isolamento entre os quatro compartimentos de um sistema. Ao contrário, faz questão de destacar a existência de intercâmbios concretos entre eles, através de meios simbólicos.
Assim, para Parsons, dentro do sistema social, a economia utilizaria o meio simbólico do dinheiro; a política o do poder; a comunidade o da influência da autoridade e as instituições culturais o do compromisso com os valores. (LUHMANN, 2010, p. 55)
Mais do que isso, Parsons vai adiante em sua ideia e se refere a verdadeiras interpenetrações entre as quatro funções de um sistema, por meio de superposições e entrecruzamentos que ocorrem nas prestações por ele trocadas. (LUHMANN, 2010, p. 56)
Em suma, a breve abordagem da teoria dos sistemas sociais de Parsons se mostra relevante no presente trabalho, uma vez que o próprio Luhmann inicia por ela a sua obra didática (Introdução à Teoria dos Sistemas) e destaca a relevância de seu conteúdo. Todavia, Luhmann também aponta as suas limitações, ‘becos sem saída’ (os quais não cabe aqui detalhar), de tal modo que não se pode confundir a obra de ambos os sociólogos, nem tampouco pensar que a teoria de Parsons seja algo além de uma inspiração ou sensibilização para aquele autor, como ele próprio destacou: “O fundamental para uma introdução como a aqui pretendida é poder chegar a sensibilizar-se perante a capacidade de argumentação de um programa teórico como o que foi delineado, além dos becos sem saída aos quais levou um programa com tais características.” (LUHMANN, 2010, pp. 56-57)
1.2. O Conceito de Autopoiesis em Maturana e Varela
Além da teoria dos sistemas sociais de Parsons, seria possível mencionar uma diversidade de outros fundamentos teóricos para o projeto luhmanniano, de tal modo que se torna impraticável exauri-los no presente artigo.[4]
Não se pode, contudo, deixar de fazer referência a um conceito fundamental para o desenvolvimento do projeto luhmanniano, qual seja, o da autopoiesis, importado do trabalho dos autores chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela, oriundo das ciências biológicas.
O termo deriva etimologicamente do grego e significa criação ou produção própria, isto é, por si próprio. De acordo com os biólogos, a autopoiesis consiste na característica que o sistema vivo possui de ser “construído pelos próprios componentes que ele constrói” (NEVES, 1992, p. 273), ou seja, de somente produzir operações dentro de si mesmos, dentro de sua própria rede de operações (estruturas), sendo essa última, por sua vez, também produzida pelas mesmas operações (LUHMANN, 2010, pp. 119-120), caracterizando assim um fechamento operacional do sistema. Nas palavras dos biólogos (MATURANA; VARELA, 2003, p. 29):
El que los seres vivos tengan una organización, naturalmente, no es propio de ellos, sino común a todas aquellas cosas que podemos investigar como sistemas. Sin embargo, lo que es peculiar en ellos es que su organización es tal que su único producto es sí mismos, donde no hay separación entre productor y producto. El ser y el hacer de una unidad son inseparables, y esto constituye su modo específico de organización.
A respeito dos sistemas biológicos autopoiéticos, afirmam os chilenos (MATURANA; VARELA, 2003, p. 59) também que: “Lo que sí podemos decir es que poseen clausura operacional en su organización: su identidad está especificada por una red de procesos dinámicos cuyos efectos no salen de esa red.”[5]
Ainda sobre o tema, o jurista brasileiro Marcelo Neves (1992, p. 273), profundo estudioso da obra de Luhmann, dispõe o seguinte:
Definem-se então os sistemas vivos como máquinas autopoiéticas: uma rede de processos de produção, transformação e destruição de componentes que, através de suas interações e transformações, regeneram e realizam continuamente essa mesma rede de processos, constituindo-a concretamente no espaço e especificando-lhe o domínio topológico. Trata-se, portanto, de sistemas homeostáticos, caracterizados pelo fechamento na produção e reprodução dos elementos.
A autopoiesis, portanto, implica como ponto de partida uma radical autonomia operativa do sistema, já que o define por meio de seus próprios elementos. Isso não significa que o sistema não possa sofrer estímulos externos, contudo somente internamente, por meio de sua própria operação, pode-se distinguir os estímulos relevantes daqueles indiferentes, oriundos de seu entorno, bem como traduzi-los em linguagem própria do sistema. (LUHMANN, 2010, p. 120)
Nesse sentido, a título de ilustração, Luhmann (2010, p. 120) faz referência ao exemplo do sistema biológico da consciência: “No caso da consciência, não existe comunicação de consciência para consciência. Somente uma consciência pode pensar (mas não pode pensar com pensamentos próprios dentro de outra consciência). E a título de ilustração do caso da comunicação, nenhum processo químico pode vir a fazer parte do sentido da comunicação: nenhuma tinta derramada sobre uma folha pode produzir um texto.”
A partir dessa formulação biológica do conceito de autopoiesis, portanto, Niklas Luhmann realiza uma adaptação ao campo sociológico, conforme se verifica no subcapítulo seguinte.
1.3. O Conceito de Autopoiesis em Luhmann
Após entrar em contato com a obra dos biólogos Maturana e Varela, Niklas Luhmann percebeu que o conceito de autopoiesis poderia ser muito bem utilizado para explicar o próprio sistema da sociedade, regido similarmente por uma rede operacionalmente fechada, porém distanciada dos processos biológicos presentes nos sistemas orgânicos. Em vez disso, o sistema social, na concepção luhmanniana, é dotado de sentido por meio do elemento da comunicação.
De acordo com o próprio Luhmann (2010, p. 125), no sentido de reunir os variados vieses autopoiéticos: “A autopoiesis constitui, portanto, um princípio teórico, que, muito particularmente, responde à pergunta do que é a vida, o que é a consciência, o que é o social.”
A respeito da autopoiesis no sistema social, segundo os professores Darío Rodríguez e Javier Torres Nafarrate (outros dois grandes estudiosos de Luhmann, que foram por ele orientados):
Para resaltar com más intensidad la importancia de la obra de este biólogo chileno es conveniente prestar atención a la manera en que el destacado sociólogo Niklas Luhmann desarrolla la teoría de la autopoiesis de la sociedad. Así como el origen de la vida tiene que ver con el proceso de clausura de ciertas proteínas, así, en la propuesta de Luhmann, aquello que se ha designado como proceso de humanización (socialización) fue posible gracias a que surgió una forma emergente, una red cerrada (autopoiética) de comunicación. (RODRÍGUEZ; TORRES, 2003, p. 122)
Sobre as distinções da autopoiesis social em relação ao modelo biológico também se pronuncia Marcelo Neves (1992, pp. 273-274): “A recepção do conceito de autopoiese nas ciências sociais foi proposta por Luhmann, tendo tido ampla ressonância. A concepção luhmanniana da autopoiese afasta-se do modelo biológico de Maturana, na medida em que nela se distinguem os sistemas constituintes de sentido (psíquicos e sociais) dos sistemas orgânicos e neurofisiológicos.”
Importa observar, a respeito do comentário de Neves, que aquilo que se encontra no entorno do sistema social são os sistemas psíquicos, operacionalmente fechados e autônomos em relação àquele, constituídos de sentido, porém externos à rede social de comunicação.
Outra distinção, apontada por Neves (1992, p. 274), entre a autopoiesis social e biológica é que, nessa última, há uma concepção mais extrema do fechamento sistêmico, uma vez que se exige um observador externo ao sistema para que haja a produção de alguma relação entre o sistema e o seu entorno, ao passo que, nos sistemas de sentido (psíquicos e sociais), existe a possibilidade de auto-observação e de autorreferência, já que eles podem fazer referência tanto a si mesmos como aos seus meio ambientes (autorreferência e heterorreferência, respectivamente), sem que, todavia, eles deixem, no processo, de ser operacionalmente fechados. Em vez disso, há, neste modelo, uma incorporação do elemento de diferença entre o sistema e o meio ambiente.
Luhmann (2010, p. 126) também faz questão de destacar duas características que são, em sua visão, inerentes ao conceito de autopoiesis. A primeira é a de que um sistema ou é ou não é autopoiético, não há meios-termos: “No conceito de autopoiesis, deve-se manter um ponto firme de explicação: um sistema é autopoiético, ou não o é (conforme o esquema: ou isto/ou aquilo). Um sistema não pode ser um-pouco-autopoiético.”[6]
A segunda característica é a de que (de maneira, à primeira vista, contraditória) um sistema possui uma relação diretamente proporcional entre a sua autonomia perante o meio ambiente e a sua dependência dele, isto é, na medida em que aumenta a sua complexidade, o sistema se torna curiosamente mais dependente e mais independente do seu entorno, de acordo com o seu aspecto analisado.
Em relação a isso, dispõe Luhmann (2010, p. 127) que “só desse modo é possível explicar por que os sistemas político, econômico, do direito, são altamente dependentes e independentes em relação ao meio: sabe-se das dificuldades da política, quando a economia não floresce; dos problemas da economia, quando a política não pode oferecer, mediante regulações do direito, garantias…”
Quanto ao conceito da complexidade na teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann, mencionado acima, mas não devidamente desenvolvido, dedica-se o subcapítulo abaixo.
1.4. O Conceito de Complexidade em Luhmann
Nos sistemas autopoiéticos presentes na sociedade existe, conforme mencionado no ponto anterior, o elemento fundamental da diferença entre o sistema e o seu meio ambiente, na medida em que o primeiro opera de maneira autônoma, conforme um código próprio de funcionamento.
Isso não significa, contudo, que o sistema social não receba, a todo momento, perturbações do seu entorno, uma vez que ele não lhe é indiferente, mas apenas que o seu modo de as processar é autônomo, isto é, a informação do exterior não será recebida do modo que chegou, porém, filtrada e processada em linguagem sistêmica própria.
Assim, os sistemas sociais autopoiéticos são, simultaneamente, fechados operativamente, porém abertos cognitivamente, no que se refere à informação externa (oriunda do seu entorno).
Tal informação do entorno, todavia, encontra-se em um estado de complexidade muitíssimo maior do que aquele presente dentro do sistema (presume-se que um único sistema não possa estar em um nível de complexidade superior a todo o “universo de sentido” ao seu redor), de tal modo que tal sistema não pode dar conta de processar toda essa gama de informação sem proceder a uma redução da complexidade. Dessa maneira, o sistema trabalha com estruturas e códigos operacionais que limitam a expectativa daquilo que possa ser por ele absorvido e processado.
Nesse contexto, deve-se verificar o modo como a complexidade pode ser conceituada em Luhmann. Nas palavras de Benjamin Zymler (2000, p. 37), outro especialista em sua obra:
É de ver que os sistemas diferem de seus entornos por um gradiente de complexidade. Chega-se a outro conceito fundamental de Luhmann: a complexidade, que significa a impossibilidade de conexão contemporânea de todos os elementos sistêmicos entre si. Para reduzir a complexidade, devem os sistemas autopoiéticos criar estruturas, que delimitam o âmbito de relações de suas operações. Nos sistemas sociais autopoiéticos, as estruturas assumem a forma de expectativas sobre expectativas.
De maneira mais pormenorizada, o próprio Luhmann (2013, pp. 124-125) trata a questão da complexidade da seguinte forma:
Classically speaking, the concept of complexity is defined with the help of two other concepts – namely, “element” and “relation”. This definition constitutes a reaction to the problem that an increase in the number of elements leads to a disproportional increase of geometric progression in relations between them. The more elements you have, the more each individual element is overstrained by connectivity requirements. If one keeps in mind that connectivity requirements or contextualizations of an element determine its quality, then it becomes obvious that the increase of connectivity requirements must come to a limit depending on which kind of system is under review. This is true for cells as much as for communications. (…) The consequence of this is that, from a certain size upwards, each element can no longer be connected with every other, and that relations can now be created only selectively. (…) if we want to provide a conceptual distinction or form for the concept of complexity, we can say that the problem of complexity is the problem of the threshold beyond which each element can no longer be connected with every other.[7]
Observe-se ainda que a necessidade de redução da complexidade incide, por certo, no processamento sistêmico das informações oriundas das perturbações ambientais, porém também, a fim de manter um modus operandi eficiente, racional e organizado, dentro do sistema em relação a si próprio, isto é, às suas próprias estruturas e operações (LUHMANN, 2013, p. 121).
A relação entre os sistemas autopoiéticos e os seus entornos conduz a outro conceito-chave da teoria luhmanniana, qual seja, o do ‘acoplamento estrutural’, abordado no subcapítulo abaixo.
1.5. O Conceito de Acoplamento Estrutural em Luhmann
As observações previamente referidas levam à ideia de ‘acoplamento estrutural’, que se trata de outro conceito oriundo da teoria biológica de Maturana e Varela, o qual, na sociologia luhmanniana, aponta para a adaptação social realizada, por um lado, pelos sistemas sociais entre si, de tal modo que cada sistema se encontre adaptado aos sistemas do seu entorno, e, por outro lado, entre os sistemas sociais e os sistemas psíquicos (os quais, da perspectiva dos primeiros, também representam um ambiente exterior).
Nas palavras do Sociólogo: “O conceito de acoplamento estrutural, proveniente de Maturana, poderia oferecer uma explicação e, talvez, preencher o vazio que suprisse com maior plausibilidade os preceitos teóricos que utilizam as relações causais entre sistema e meio.” (LUHMANN, 2010, p. 130)
Naturalmente, o acoplamento estrutural permite essa adaptação social entre os sistemas autopoiéticos, o que propicia, em última instância, a mencionada abertura cognitiva de um dado sistema perante o seu entorno. Isso, contudo, em nada compromete as ideias de autonomia e fechamento operacional desses sistemas autopoiéticos, as quais permanecem em vigor.
De acordo com Darío Rodríguez e Javier Torres (2003, pp. 131-132), o conceito de acoplamento estrutural é definido muito precisamente da seguinte maneira:
El acoplamiento estructural consiste en una adaptación permanente entre sistemas diferentes, que mantienen su especificidad; no se puede reducir un sistema social a los sistemas psíquicos ni viceversa. (…) La determinación estructural de los sistemas sociales, conduce a que su acoplamiento con los sistemas psíquicos sea condición del sistema social, pero al mismo tiempo, que los cambios de estado del sistema social sólo puedan ser especificados por su propria estructura y no por el entorno. Ningún sistema psíquico puede determinar el sentido de una comunicación; éste es intersubjectivo.
Ademais, faz-se importante reiterar que, devido à imensa complexidade do meio ambiente, um dado sistema não pode, diretamente, através do acoplamento estrutural, adaptar-se socialmente à integralidade do seu entorno, porém apenas a uma parcela muito restrita dele, restando de fora muita informação, a qual acaba por possuir um potencial destrutivo perante tal sistema.
Nesse sentido, expõe Luhmann (2010, p. 131) que “o conceito de acoplamento, assim como o de forma, mostra dois lados: a) o acoplamento não está ajustado à totalidade do meio, mas somente a uma parte escolhida de maneira altamente seletiva; consequentemente, b) apenas um recorte efetuado no meio está acoplado estruturalmente ao sistema, e muito fica de fora, influindo de forma destrutiva no sistema.”[8]
Ainda sobre o tema, o professor cubano Alexander Ortiz Ocaña (2016, p. 156) observa que o “acoplamiento estructural significa que los sistemas tienen una relación cordial, pero en exteriores, juntos pero no revueltos, entrelazando sus elementos, pero sin perder la secuencia operativa de cada uno, manteniendo su unidad autónoma e identidad unitaria, así como la secuencia de eventos selectivos”.
Em seguida, concluído o tópico referente ao conceito de acoplamento estrutural, faz-se necessário tecer alguns comentários sobre as noções de sentido e comunicação em Luhmann.
1.6. Os Conceitos de Sentido e Comunicação em Luhmann
Já foram observadas, sucintamente, as particularidades dos sistemas autopoiéticos psíquicos e sociais dentro da sociologia luhmanniana. Todos possuem em comum o fato de serem sistemas de sentido, em oposição aos sistemas viventes apresentados pela teoria biológica de Maturana e Varela (tais como células, órgãos, organismos, dentre outros). Assim, por meio da ideia de sentido, tais sistemas são constantemente capazes de selecionar, processar e compreender as informações oriundas das perturbações advindas de seus entornos, diferenciando-se deles e propiciando o material para as suas operações autônomas, autorreferentes e autopoiéticas.
Apesar disso, na teoria de Luhmann, os sistemas autopoiéticos de sentido apresentam entre si importantes diferenças nos seus modi operandi, uma vez que os sistemas psíquicos se pautam pela ‘consciência’, ao passo que os sistemas sociais operam com base na ideia de ‘comunicação’.
Luhmann busca demonstrar que a organização autopoiética pode existir não só em sistemas que se materializam como vida (organismos viventes), mas também em sistemas que operam com base no sentido. O sentido é o meio que permite a criação seletiva de todas as formas sociais e psíquicas. (…) No que diz respeito aos sistemas que se valem do sentido, devem ser segregados os sistemas psíquicos dos sistemas sociais. Enquanto os primeiros utilizam a consciência como meio de reprodução do sentido, os últimos valem-se da comunicação. (ZYMLER, 2000, p. 36)
Assim, um determinado indivíduo observa o mundo, a sociedade, reflete a seu respeito, elabora pensamentos, opiniões, convicções e raciocínios por meio do sistema psíquico que compõe, pautado na sua consciência. Todavia, na medida em que esse mesmo indivíduo, de alguma forma, externaliza essas informações a outrem (expressa-se), elas já não estão mais no âmbito psíquico da sua consciência, mas sim no sistema social da comunicação, pelo qual inevitavelmente terá que passar (não sem alguma perda de informação no caminho) para chegar a outros sistemas psíquicos, a fim de perturbá-los e de estimular neles a formação de novos pensamentos e raciocínios, por meio de suas próprias consciências.
Na linguagem luhmanniana, emprestada da psicanálise, cada sistema psíquico, de sua própria perspectiva, representa um ego (isto é, um ‘eu’), enquanto qualquer outro sistema psíquico é chamado de alter (‘outro’). Assim, a fim de se comunicar com alter, dada a impossibilidade de uma interação direta, ego deve ter a sua mensagem intermediada pelos sistemas sociais (os quais nascem justamente dessa tentativa de interação, como sistemas independentes dos psíquicos).
Ademais, considerando que ego não possui (no estágio científico atual) a possibilidade de penetrar no sistema psíquico de alter, nem de acessar, por conseguinte, as operações que ocorrem ao nível de sua consciência, o qual representa para ele uma caixa preta (black box) e vice-versa (de alter em relação a ego), surge o problema da ‘dupla contingência’, conceito bastante explorado por Luhmann, isto é, nenhum dos sistemas psíquicos sabe o que se passa na consciência dos demais, o que gera incertezas e insegurança. Nesse sentido, os sistemas sociais servem para coordenar as seleções contingentes de ambos, reduzindo assim a amplitude de expectativas que um possa ter diante do outro (e logo, as referidas incertezas e insegurança). (ZYMLER, 2002, pp. 29-30)
Vale salientar, inclusive, que a comunicação pode se dar pelas mais diversas maneiras de expressão, postura e comportamento, tais como expressões faciais, linguagem corporal, oral, escrita etc. Nesse sentido, não há como fugir da comunicação, pois até mesmo a evasão ou o silêncio perante uma informação recebida já é um modo de comportamento e, consequentemente, de comunicação, indicando, dentre outras possibilidades, o desejo de não permanecer naquela interação. Nesse sentido, o jusfilósofo brasileiro Tercio Ferraz Jr. (2010, p. 76) observa o seguinte:
Essa troca de mensagens é o elemento básico da sociedade, do sistema social. Trata-se de um dado irrecusável, posto que o homem sempre se comporta, se comunica: é impossível não se comportar, não se comunicar. Ou seja, a comunicação não tem contrários: mesmo que não queiramos nos comunicar estamos comunicando que não queremos nos comunicar (cf. Watzlawick, Beavin, Jackson, 1973:44).
No que diz respeito ainda à coevolução e necessidade mútua dos sistemas psíquicos e sociais, ainda em torno do conceito de sentido, Luhmann (1998, p. 77) verifica que:
Los sistemas psíquicos y sociales surgieron en el camino de la coevolución. Un tipo de sistema es entorno imprescindible del otro. Las razones de esa necesariedad radican en la evolución misma que posibilita ese tipo de sistemas. Las personas no pueden permanecer ni existir sin los sistemas sociales, y viceversa. La coevolución condujo hacia ese logro común que es utilizado por los sistemas tanto psíquicos como sociales. Ninguno de ellos puede prescindir de ese logro común, y para ambos es obligatorio como una forma indispensable e ineludible de complejidad y autorreferencia. A este logro evolutivo le llamamos sentido.
Já no que se refere especificamente à comunicação nos sistemas sociais, Luhmann reitera o caráter seletivo por trás dela, o qual ocorre tanto no momento da emissão como da recepção da mensagem, além do próprio contexto específico do sistema social no qual a mensagem é transmitida e em torno do qual a atenção (também seletiva) dos comunicadores é dirigida.[9]
Em sequência, a fim de concluir o capítulo inicial deste trabalho, deve-se tecer alguns comentários a respeito do conceito de diferenciação funcional dos sistemas sociais.
1.7. O Conceito de Diferenciação Funcional da Sociedade e a Formação de Novos Subsistemas Sociais em Luhmann
Na obra de Luhmann, a sociedade contemporânea é vista de maneira bastante dinâmica, tanto no que se refere à constante coevolução dos sistemas sociais e psíquicos, a todo momento perturbados uns pelos outros e adaptados por meio do já mencionado conceito de acoplamento estrutural, como no que diz respeito ao surgimento de novos sistemas na sociedade.
Assim, esses novos sistemas se diferenciam do sistema social geral ou mesmo de algum outro sistema social específico anterior, na medida em que se tornam áreas demasiadamente complexas e específicas dentro do sistema originário, sendo chamados de subsistemas sociais. Dentre eles merecem destaque o direito, a economia, a política, a religião, a ciência e até mesmo o amor (todos eles estudados individual e detidamente por Luhmann), além de muitos outros.
A respeito dessa diferenciação sistêmica e das particularidades identitárias de cada subsistema social, o jusfilósofo brasileiro João Maurício Adeodato (2012, p. 75) coloca o seguinte:
Este sistema social envolve vários outros subsistemas, tais como o científico, o amoroso, o jurídico-político, o educacional, os quais interagem mas mantêm sua identidade uns em relação aos outros; para cada um deles, por sua vez, todos os demais sistemas funcionam como mundo circundante. Um mesmo fato — como uma revolução, por exemplo — pode afetar diferentemente os diversos sistemas, podendo ser “bom” para o econômico e não para o educacional: isso possibilita a cada subsistema lidar consigo mesmo e conduzir autonomamente os problemas.
Ademais, trata-se de uma diferenciação de cunho funcional, já que o novo subsistema se diferencia do originário para exercer uma função específica (agora de modo autônomo, autorreferente e autopoiético), a qual estava, possivelmente, perdendo eficiência em razão da grande complexidade presente no sistema anterior. Em tais circunstâncias, a relação de diferença deixa de ser entre o todo (o sistema originário) e uma parte específica dele, pois o próprio sistema originário, do qual se diferenciou o novo, passa a compor, também para ele, o seu meio ambiente. (LUHMANN, 1998, pp. 31-32)
Vale ressaltar ainda que, sob essa perspectiva, todas as funções são igualmente relevantes, já que se diferenciaram por algum propósito ou necessidade funcionais, não sendo possível estabelecer uma hierarquia entre elas. Nesse sentido, observa Benjamin Zymler (2002, p. 64) que:
No obstante, la desigualdad entre las funciones y la hipostatización de cada función en un sistema específico, la sociedad no tiene centro ni vértice. Todas las funciones deben desarrollarse en cuanto que todas son fundamentales para la sociedad: en la sociedad no puede estar el primado de ninguna función, y todas las funciones son igualmente relevantes. Esto conlleva también la impossibilidad de una autodescripción de la sociedad a partir de un punto de vista único; precisamente de un centro o de un vértice.
Superados, ainda que de maneira bastante concisa, esses conceitos gerais da sociologia luhmanniana, pode-se prosseguir ao capítulo II do presente artigo, o qual abordará especificamente o subsistema social e autopoiético do Direito.
2. A CONCEPÇÃO DO DIREITO COMO SISTEMA AUTOPOIÉTICO
2.1. O Direito como Subsistema Social Diferenciado: concepções preliminares
Na sociedade em que Luhmann escreveu sua obra (na Alemanha da segunda metade do século XX), o subsistema jurídico era certamente considerado diferenciado do sistema social em geral, apresentando, pois, características autopoiéticas.
Naturalmente, tal constatação permanece válida no cenário europeu e, em maior escala, em grande parte da atual e complexa sociedade ocidental do início do século XXI, bem como em outros contextos globais de maior diferenciação.
Não se pode, contudo, proceder a generalizações, uma vez que diversos povos (os quais fogem ao objeto do trabalho), mesmo na sociedade ocidental ou em países considerados centrais, mantêm um estilo de vida primitivo (ou menos complexo, em termos luhmannianos), no qual o sistema jurídico não se mostra claramente diferenciado e operativamente autônomo em relação aos demais (em conexão, dentre outros, com a religião e a política local), com a presença, por vezes, de elementos de direito alternativo (em concorrência com o direito estatal).
No presente trabalho, contudo, importa apresentar o modelo jurídico autopoiético constatado e vivenciado pelo Sociólogo alemão. A esse respeito, pode-se, com as devidas cautelas, fazer menção a outro grande autor alemão, Gunther Teubner, jurista e sociólogo que se debruça, em grande medida, sobre o trabalho de Luhmann.
Nesse sentido, de acordo com Teubner (1993, p. 140), em grande semelhança com o pensamento de Luhmann, o Direito seria um sistema social de segundo grau (ou um subsistema social), uma vez que já se diferenciou da sociedade em geral, reproduzindo-se de maneira autônoma e autorreferente por meio de atos de comunicação especificamente jurídicos, regulados necessariamente por expectativas jurídicas, as quais delimitam as fronteiras do sistema jurídico (dentro do qual as operações são necessariamente jurídicas) e criam um visão própria do meio envolvente, a qual se configura na ‘realidade jurídica’ vivida pelo Direito (o seu modelo interno do mundo exterior), o que propicia a abertura informacional-cognitiva do sistema autopoiético operativamente fechado do Direito.
Ademais, os referidos atos jurídicos seriam pautados por um código binário de funcionamento próprio do Direito, isto é, legal/ilegal (a ser melhor abordado posteriormente).
A título de exemplo da autonomia e autorreferência do sistema jurídico na sociologia de Luhmann, João Maurício Adeodato (2012, p. 76) observa a necessidade de se diferenciar a função jurídica do juiz do seu papel de amigo, pautado no subsistema das boas relações, bem como os mecanismos jurídicos de evitar tal ocorrência, como a declaração de suspeição ou impedimento:
O subsistema das boas relações, por exemplo, baseado no amor e na amizade, não pode interferir no procedimento judicial, sob pena de comprometer a função legitimadora deste: o papel institucionalizado do juiz permite-lhe declarar-se suspeito, incompetente para decidir determinada questão, se é amigo ou está emocionalmente envolvido com uma das partes. É preciso diferenciar os papéis assumidos dentro de cada subsistema, insiste Luhmann. É óbvio num julgamento, mesmo para o observador superficial, quem é réu, juiz ou advogado.
Sobre as particularidades da norma jurídica em cada sociedade, a socióloga do direito Ana Lucia Sabadell (2002, pp. 220-221), baseada em Luhmann, lembra que “a qualificação de uma norma como ‘jurídica’ depende da comunicação que estabelece cada sociedade com relação ao direito (…). Por esta razão, o jurista-sociólogo deve pesquisar a realidade social, para encontrar aquilo que determinada sociedade considera como realidade jurídica, através dos seus atos de comunicação”.
A respeito do tema, oportunas se mostram também as palavras do consagrado sociólogo do Direito espanhol Ramón Soriano (1997, p. 164), que destaca a importância do subsistema jurídico na obra de Luhmann, o qual se adequa muito bem às ideias de autonomia e autorreferência:
Del conjunto de los sistemas sociales el sistema jurídico ha atraído poderosamente la atención de Luhmann, probablemente porque es el sistema al que mejor se ajustan sus ideas acerca de un sistema social. El sistema jurídico cumple todas las reglas sistémicas que antes se han precisado: es un sistema autónomo y autorreferente. Luhmann define al derecho como «la estructura de un sistema social que se apoya en la generalización congruente de expectativas normativas de comportamiento» (1983c, 99).
Ademais, Soriano (1997, p. 164) também destaca a dupla expectativa do Direito, isto é, tanto de caráter normativo, quando internamente reproduz suas próprias normas, tendo sua aplicação garantida pelo Poder Judiciário, como de caráter cognitivo, quando se abre e se adapta informacional e cognitivamente ao seu meio ambiente, por meio da sensibilidade do Legislativo à pressão do entorno jurídico (adaptação essa responsável pela própria positividade do Direito).
Assim, tais pressões e influências do meio ambiente, ao serem seletivamente acolhidas pelo Legislativo, representam uma transformação de expectativas cognitivas em normativas.
Quanto a isso, embora não mencionado por Soriano nessa passagem, seria possível refletir ainda sobre a pressão do entorno perante o próprio Judiciário (o que, porém, já excede o trabalho).
Em sequência, superada essa introdução do capítulo segundo a respeito do Direito como subsistema social diferenciado, será abordada a ideia de dinâmica evolutiva do sistema jurídico.
2.2. A Dinâmica Evolutiva do Direito
Os sistemas sociais, por certo, podem sempre continuar os seus processos evolutivos, uma vez que evoluíram no passado e possuem plenas condições de evoluir no futuro, sobretudo se se considerar a sociedade ocidental cada vez mais complexa (ao que parece) do século XXI. Assim, ao absorver seletivamente as perturbações do ambiente, por meio de uma abertura cognitiva, os sistemas se modificam frequentemente, mantendo sempre o seu caráter dinâmico.
Em sua obra “O Direito da Sociedade”, Luhmann explica que essa evolução se dá quando da satisfação de três condições: I) a variação de um elemento do sistema em relação ao padrão reprodutivo executado até o momento; II) a seleção de uma estrutura que deverá propiciar a continuidade reprodutiva de um novo padrão; III) a estabilização do sistema após a alteração, no sentido de mantê-lo funcionando dinamicamente, mas com estabilidade, após essa nova reprodução autopoiética, garantindo assim a sua unidade.
Sobre esses três componentes, afirma Luhmann (2016, pp. 322-323) o seguinte:
A variação diz respeito aos elementos do sistema; a seleção diz respeito às estruturas; e a estabilização diz respeito à unidade do sistema, que se reproduz autopoieticamente. Todos os três componentes constituem um estado de coisas necessário (não há sistemas sem elementos, elementos sem sistema…) e, em última instância, a improbabilidade de toda evolução reside na inobstante possibilidade de um acesso diferenciado a esses componentes.
Em passagem posterior, o sociólogo (LUHMANN, 2016, pp. 324-325) reitera ainda que a evolução não é excluída em razão do fechamento operativo do sistema jurídico e salienta que o processo evolutivo da sociedade não é constante e ininterrupto em termos de aumento da complexidade, já que é possível se deparar, por vezes, com convulsões bruscas (“catástrofes”) ou períodos de estancamento (“stasis”), por exemplo, o que causa uma estagnação ou redução do nível de complexidade da sociedade (ou possivelmente um súbito aumento, em alguns períodos revolucionários), ainda que (ressalta o Autor) inúmeras precondições (“avanços preadaptativos”) devam ser satisfeitas, não sendo assim um fenômeno de tão fácil ocorrência.
Já em outra obra sua, “Sociologia do Direito”, Luhmann reflete sobre a evolução do Direito e analisa o horizonte de possibilidades jurídicas, notadamente no Direito moderno, positivado, observando que não se pode compreendê-lo apenas pelo presente, sem considerar as suas amplas possibilidades e contingências evolutivas e o papel da estabilização de expectativas problemáticas.
Em suas palavras (LUHMANN, 1985, p. 12):
Essa ampliação do horizonte das possibilidades jurídicas permanece incompreensível (e por isso geralmente não é percebida), ao restringir-se a função do direito apenas à manutenção de padrões comportamentais vigentes e à regulamentação de conflitos, ou seja, à manutenção do existente. Esse entendimento parte simplesmente do direito dado, vigente a cada momento, e não reconhece que a qualidade do direito surge e modifica-se a partir da confrontação com outras possibilidades. Já nos primeiros passos arcaicos no sentido da diferenciação de expectativas puramente normativas pudemos constatar que dessa forma foi alcançada uma estabilização de expectativas problemáticas, nada evidentes – mesmo que inicialmente isso tenha ocorrido apenas frente à “outra possibilidade” do comportamento frustrante. Essa consolidação do improvável prossegue ao longo do desenvolvimento do direito e alcança, com a positivação do direito, dimensões globais, dificilmente delimitáveis.
Na continuidade da passagem, o Autor verifica que o desenvolvimento social, antes restringido pelo Direito, agora, no seu atual estágio evolutivo de positivação, mostra-se até mesmo propiciado por ele, o qual lhe serve de instrumento nesse processo.
De acordo com o Sociólogo (LUHMANN, 1985, pp. 12-13):
Agora o direito serve como instrumento do desenvolvimento social, como mecanismo de definição e distribuição de chances e de resoluções de consequências funcionais problemáticas, as quais surgem inevitavelmente do rápido crescimento da diferenciação entre sistemas funcionais. Na perspectiva da função, portanto, a positivação do direito apenas conclui o que já tinha sido iniciado com a distinção entre expectativas cognitivas e normativas: a construção de estruturas de expectativas crescentemente arriscadas, evolutivamente improváveis, à feição do desenvolvimento social.
Em sequência, mais alguns comentários sobre o processo de fechamento operativo específico do sistema jurídico, bem de acoplamento estrutural perante o seu meio ambiente.
2.3. As Operações Próprias do Sistema Jurídico Autopoiético
Muito já se refletiu sobre o conceito de fechamento operativo nos sistemas sociais luhmannianos e, particularmente, no subsistema jurídico. Luhmann, contudo, no “Direito da Sociedade”, faz questão de destacar algo que, por vezes, não é tão claramente percebido, apesar do próprio nome já evidenciá-lo, isto é, a ideia de que o fator diferencial na constituição da realidade jurídica – pautada no fechamento operativo próprio do Direito perante o seu entorno – são justamente as operações jurídicas, as quais produzem e reproduzem o seu sentido, por meio de um “construtivismo operativo” (e não propriamente as estruturas jurídicas, tais como as regras, como muito se coloca). Dessa maneira, Luhmann (2016, pp. 55-56) observa o seguinte, em suas palavras:
A passagem para uma teoria sistema/entorno exige a clarificação de uma (…) distinção. As teorias do direito costumam remeter a estruturas (regras, normas, textos) que são classificadas como direito. Isso vale também, sobretudo, para teorias do direito positivo (…). A questão sobre o que é direito e o que não é firma-se tendo em vista regras específicas. Mas, se se quiser seguir estímulos contidos na teoria dos sistemas, deve-se operar uma inovação e pensar em operações em vez de estruturas. A pergunta inicial, sobre como operações produzem a diferença entre sistema e ambiente, exige a recursividade de reconhecer operações e, entenda-se, o pertencimento ou não desta ou daquela operação, com a exclusão das que não pertencem. Na condição de atrelamentos altamente seletivos de operações, as estruturas são altamente necessárias; no entanto, o direito adquire sua realidade não por alguma idealidade estável, mas exclusivamente pelas operações, que produzem e reproduzem o sentido específico do direito.
Portanto, a respeito das operações jurídicas, o Sociólogo alemão verifica que elas consistem essencialmente em diferenças, isto é, alterações na situação fática presente. Desse modo, a partir de um emaranhado recursivo de operações, surge uma diferença entre o sistema e seu entorno.
A operação, todavia, não pode ser descrita de maneira unívoca, pois cada observador (dentro ou fora do sistema) a perceberá de maneira singular. No caso jurídico, por exemplo, Luhmann reflete sobre a interposição de um recurso, cuja natureza será captada, em termos de operação jurídica, de maneira variada, a depender do observador: o próprio sistema jurídico, os sistemas sociais do seu entorno, ou mesmo os sistemas psíquicos interessados, tais como o recorrente, o recorrido, o juiz de 1ª instância, os desembargadores no tribunal de apelação, os servidores administrativos do tribunal, o estudante de Direito, o público geral etc.
Uma operação pode ser observada e descrita de variadas formas — a interposição de um recurso, por exemplo, como afronta, como um motivo providencial para a ruptura definitiva de relações sociais, como assim permitido por lei, como unidade no contexto de uma numeração estatística, como motivo para o registro e a atribuição de um número de auto etc. Quando se quer saber como uma operação é observada, deve-se observar o observador. (LUHMANN, 2016, pp. 67-68)
Em seguida, alguns comentários sobre o conceito de acoplamento estrutural do Direito.
2.4. O Acoplamento Estrutural do Sistema Jurídico Perante o seu Entorno
Fez-se menção, no capítulo anterior, à noção de acoplamento estrutural dentro da teoria sociológica geral de Luhmann. Nesse sentido, um determinado sistema social pode se acoplar tanto a outros sistemas sociais presentes no seu ambiente, como aos sistemas psíquicos no seu entorno, sem, no entanto, perder o seu caráter de fechamento operativo, como já reiterado.
No entanto, nem todos os sistemas estão acoplados diretamente a todos os demais. Alguns se encontram mais próximos, enquanto outros só podem gerar irritações, em tese, indiretamente, passando por sistemas intermediários. Desse modo, inclusão e exclusão são conceitos indispensáveis quando se pensa no acoplamento estrutural que determinado sistema social realiza com o seu ambiente, propiciando assim a influência desse último sobre aquele.
Nesse sentido, afirma Luhmann (2016, pp. 590-591) o que se segue:
(…) fala-se de acoplamentos estruturais quando um sistema supõe determinadas características de seu ambiente, nele confiando estruturalmente — por exemplo, que o dinheiro seja de modo geral aceito ou que se possa esperar que as pessoas sejam capazes de dizer que horas são. Consequentemente, também o acoplamento estrutural é uma forma, ou seja, uma forma constituída de dois lados — em outras palavras, uma distinção. O que inclui (o que é acoplado) é tão importante quanto o que exclui. As formas de acoplamento estrutural são, portanto, restritivas e assim facilitam a influência do ambiente sobre o sistema.
No que concerne ao sistema jurídico, o Autor observa que uma subdivisão pode ocorrer em seu interior, diante, por exemplo, da autonomia de um ramo jurídico específico. Assim, ocorre, além do acoplamento estrutural entre o Direito e o seu entorno, um tipo de acoplamento interno, intrassistêmico, intrassocial, entre o ramo jurídico específico e o Direito em geral, o qual, para o primeiro, passa a ser também ambiente.
A esse respeito, o Sociólogo (LUHMANN, 2016, pp. 595-596) coloca que:
A situação se modifica quando, para o cumprimento dessa função, diferencia-se um sistema de direito particular. Tal como antes, a comunicação social se encontra acoplada a sistemas de consciência, e, como antes, o que pode ocorrer neles é o que irrita a comunicação social. No entanto, em razão da diferenciação do sistema social, surge adicionalmente uma nova relação sistema/ambiente, ou seja, a do sistema do direito com seu ambiente social interno. Também no sistema do direito se comunica; também o sistema do direito é irritado pelos sistemas de consciência; mas, além disso, para o sistema do direito surgem possibilidades de desenvolver novas formas de acoplamento estrutural em relação com os sistemas sociais de seu ambiente intrassocial.
Dentre os acoplamentos estruturais em particular vividos pelo sistema jurídico, o Autor dá ênfase àqueles perante a política e a economia, cujas irritações são, certamente, bastante presentes no Direito (e vice-versa).
A título de ilustração, Luhmann reflete sobre a relação entre o Direito e a economia em uma sociedade autopoiética, bastante influenciados um pelo outro, em razão do acoplamento e abertura cognitiva, contudo mantendo seus respectivos fechamentos operativos, de tal modo que a economia não deixará de buscar lucros por conta do Direito, nem esse, tampouco, de visar à justiça, em seu âmbito jurisprudencial, em razão daquela.
Assim sendo, o Autor (LUHMANN, 2016, pp. 610-611) observa que:
O acoplamento permite que as operações econômicas próprias sejam eficazes como irritações do sistema de direito e que as operações jurídicas próprias sejam-no como irritações do sistema econômico. Mas isso em nada modifica o caráter de fechamento de ambos os sistemas e não altera em nada o fato de que a economia busque lucros ou inversão rentável de capital e que o sistema do direito, sob condições dificultadas pela economia, busque a justiça ou decisões casuísticas suficientemente consistentes.
Em sequência, a respeito da abertura informacional-cognitiva do sistema jurídico, pode-se abrir um pequeno parêntese, a fim de mencionar o já referido jurista alemão Gunther Teubner, que se inspira, em grande parte, na obra de Luhmann, e que, em seu livro “O Direito como Sistema Autopoiético”, vai além na referida investigação e chega a propor três meio concretos de ocorrência dessa interrelação entre o sistema autopoiético do Direito e os sistemas do seu entorno, isto é, de abertura cognitiva do Direito.
Portanto, como se verifica adiante, são eles: i) a observação intersistêmica; ii) a interferência intersistêmica; iii) a comunicação pela organização. Ademais, o jurista fornece o exemplo prático do grupo de empresas, a fim de demonstrar, em uma esfera específica, como tal conexão pode se dar.
De modo sucinto (já que a proposta do artigo é manter o foco na obra de Luhmann), a observação promoveria uma influência indireta entre subsistemas sociais, já que a perturbação de um subsistema (o Direito, por exemplo) só seria processada dentro dos subsistemas do seu entorno (economia, política…) por meio dos próprios códigos sistêmicos desses últimos, de tal modo que não existe um contato real, mas apenas uma medida e a observação das suas possíveis repercussões em linguagem alheia ao seu controle e processamento. (TEUBNER, 1993, pp. 156-157)
A interferência intersistêmica, por sua vez, vai um pouco além, já que produz espécies de “pontes momentâneas” entre os subsistemas sociais, sem que eles, contudo, percam o seu caráter autônomo e autopoiético. Isso somente é possível em razão de todos os subsistemas sociais se valerem da mesma matéria-prima, o “sentido”, dependerem igualmente do elemento da “comunicação” e manterem uma origem comum, qual seja, o sistema social em geral, já que todos os subsistemas específicos constituem simultaneamente formas de comunicação social geral. (TEUBNER, 1993, p. 173)
Por fim, Teubner (1993, pp. 190-192) destaca uma terceira estratégia de relação entre os subsistemas sociais chamada de “comunicação pela organização”, a qual diz respeito ao surgimento de organizações formais operacionais, igualmente regidas pelo elemento comunicativo, porém capazes de unir em um mesmo âmbito aspectos de distintos subsistemas sociais, sem que esses últimos deixem de manter sua autonomia e autorreferência, já que as ações dessas organizações não se mostram representativas nem vinculativas para a totalidade dos subsistemas envolvidos.
A seguir, algumas reflexões sobre a função do Direito sob a perspectiva luhmanniana.
2.5. A Função do Direito na Sociologia Luhmanniana
De acordo com o pensamento de Luhmann (2016, pp. 166-167), o qual diverge de teorias tradicionais da sociologia jurídica, o Direito teria a função vital de reconhecer e expressar expectativas comunicativas da sociedade (e não de indivíduos isoladamente) em determinado momento, as quais são relevantes no manejo da contingência, controle e redução da complexidade (ademais, até certo grau, o Direito teria ainda a função de corresponder a essas expectativas, isto é, de buscar não as frustrar). A esse respeito, para uma melhor compreensão, relembre-se a já referida dupla expectativa do sistema jurídico, a qual envolve tanto um viés normativo como um cognitivo.
Por outro lado, ainda que o sistema jurídico possa administrar casos isolados de frustração de expectativas (seja ela recebida positiva ou negativamente), sem por isso entrar em crise, não é desejável que tal ocorra massivamente, o que acabaria por pôr em xeque a própria credibilidade e segurança do sistema, causando não só incertezas como também o ressurgimento da complexidade.
Nesse sentido, quanto ao risco de uma expectativa não satisfeita ou estabilizada, o Autor (LUHMANN, 1983, p. 66) observa, em sua obra “Sociologia do Direito”, o seguinte:
Estruturas seletivas de expectativas, que reduzam a complexidade e a contingência são uma necessidade vital. É por isso que a não satisfação de expectativas se torna um problema. Ela pode surpreender negativa ou positivamente – em qualquer caso ela também questiona a expectativa atingida, independentemente do seu efeito particular. A situação não é a mesma que antes. Agora torna-se inegavelmente evidente que a expectativa era apenas uma expectativa. […] Ela ameaça anular o efeito redutor da expectativa estabilizada, fazer reaparecer a complexidade das possibilidades e a contingência do poder atuar diferentemente, desacreditar a história das expectativas e das comprobações acumuladas. Desapontamentos levam ao incerto.
Não obstante, o Direito consegue, até certo ponto, lidar com o processamento de frustração de expectativas sem que ocorra a perda da ordem social e o desmantelamento de sua estrutura sistêmica, uma vez que as expectativas normativas podem ser contrafáticas, sem que a norma jurídica perca a sua validade. O mesmo não ocorre, por exemplo, nas ciências naturais, nas quais determinada lei ou teoria permanece em voga até ser faticamente frustrada em algum experimento.
Assim, nem sempre, a título ilustrativo do Código Penal Brasileiro, o indivíduo que subtrai coisa móvel alheia, mediante violência ou grave ameaça, será descoberto, julgado e punido por roubo, contudo a expectativa generalizada de que roubar é um ato proibido e criminoso, devendo ser punido com multa e reclusão, de quatro a dez anos, permanece[10].
Segundo o Sociólogo, ainda em sua “Sociologia do Direito” (LUHMANN, 1983, p. 67):
É por isso que o sistema social tem que orientar e canalizar o processamento de desapontamentos de expectativas – e isso não só para impor eficazmente expectativas corretas (p. ex. normas jurídicas), mas sim para criar a possibilidade de expectativas contrafáticas, que se antecipem a desapontamentos, ou seja: normativas. Aquele que espera tem que ser preparado e apetrechado para o caso de se defrontar com uma realidade discrepante. De outra forma ele não poderia ter a coragem de esperar normativa e persistentemente. A canalização e o arrefecimento de desapontamentos fazem parte da estabilização da estrutura.
Em sequência, serão tecidas breves observações sobre o esquematismo binário do Direito.
2.6. O Esquematismo Binário do Sistema Jurídico
De acordo com a obra de Luhmann, cada subsistema social possui um específico código de funcionamento, por meio de uma lógica binária. Assim, citando-se como exemplo os subsistemas da ciência, da política e do direito: o primeiro operaria de acordo com o código binário “verdadeiro/falso”; o segundo, “situação/oposição”; e finalmente o último em conformidade com a esquematismo lícito/ilícito (ou legal/ilegal).
Assim sendo:
À rede geral de comunicações, que se vale do meio linguagem, foram acrescidos códigos binários específicos ligados a cada um desses subsistemas sociais (lícito/ilícito, situação/oposição, verdadeiro/falso). Esses subsistemas, ditos de segundo grau, por serem também autopoiéticos, atuam em clausura operativa, mas com possibilidade de se observarem mutuamente a partir da abertura cognitiva. (ZYMLER, 2000, p. 38)
Desse modo, ao se deparar com determinada norma jurídica, o indivíduo (apesar do “dever” de obedecê-la) poderá optar por cumpri-la ou frustrá-la. Assim, para cada uma das posturas, o sistema jurídico deverá reagir diferentemente, seja reconhecendo e admitindo um ato lícito na sociedade (em conformidade com a norma), seja imputando uma pena ao indivíduo que praticou um ilícito (e, portanto, transgrediu a norma).
Nesse sentido, o Autor (LUHMANN, 2016, p. 220) afirma que “a função do direito (…) produz um esquematismo binário, segundo o qual as expectativas normativas, independentemente de sua proveniência, ou se fazem satisfeitas, ou frustradas. Ambas as possibilidades acontecem, e o direito reage de modo correspondente”.
Ainda a respeito do tema, o Sociólogo reitera que tais distinções estão no âmbito formal (tanto o esquematismo lícito/ilícito como a dupla expectativa jurídica: cognitiva e normativa), de tal modo que as várias modificações materiais – isto é, no conteúdo das normas jurídicas; nas modalidades de leitura, interpretação e qualificação dos fatos juridicamente relevantes; nos programas e jogos de força que ordenam os valores de legal e ilegal – não são capazes de alterar em si a existência e lógica de funcionamento daquelas. Em razão disso, Luhmann (2016, p. 174) acaba por concluir pela inexistência de uma definição factual ou material do Direito.
Ainda sobre a distinção legal/ilegal, Ana Lucia Sabadell vai um pouco além e reflete sobre a força das normas jurídicas estatais (pressupondo a possibilidade de normas jurídicas alternativas, o que foge ao objeto do presente trabalho), bem como sobre a relevância dos operadores do direito na aplicação deste binarismo e na apresentação dos limites efetivos da norma jurídica e ainda sobre a importância de toda a sociedade no processo de atualização do direito.
É o que se verifica abaixo, em suas palavras (SABADELL, 2002, p. 219):
Assim sendo, os atributos “juridicidade” e “legal/ilegal” dependem de uma série de fatores sociais. Está fora de dúvida que, nas nossas sociedades, as normas produzidas pelo Estado possuem as maiores chances de serem consideradas jurídicas. Também, a atuação dos operadores jurídicos é primordial para a aplicação do código “legal/ilegal” e para a caracterização de uma norma como jurídica. O Estado e os operadores jurídicos produzem o direito. Toda a sociedade participa, porém, do processo que se denomina “atualização da referência ‘direito’” (Fõgen, 1997, p. 81).
Em sequência, será abordado o conceito de contingência do sistema jurídico na obra do Sociólogo.
2.7. O Espaço de Contingência da Justiça
Em sua “Sociologia do Direito”, Luhmann volta a tratar dos conceitos de ‘complexidade’ e ‘contingência’, referindo-se o primeiro ao vasto leque de possibilidades com as quais se depara um observador, muito superior à sua capacidade de apreensão (daí a necessidade de filtrá-las, selecioná-las); enquanto o segundo diz respeito à ideia de que os eventos e experiências que se sucederam de certo modo poderiam ter ocorrido de maneira distinta, já que outros cenários seriam plausíveis em meio a essa inapreensível complexidade, sem que seja assim possível ao ser humano, por meio dos sistemas psíquicos, prever plenamente esse desenrolar de acontecimentos (ao menos não com suas atuais limitações cognitivas), o que acaba por gerar uma possibilidade sempre presente de frustrações e uma inevitabilidade, em algum grau, de assunção de riscos.
Nas palavras do Autor (LUHMANN, 1983, pp. 45-46):
O homem vive em um mundo constituído sensorialmente, cuja relevância não é inequivocamente definida através do seu organismo. Desta forma o mundo apresenta ao homem uma multiplicidade de possíveis experiências e ações, em contraposição ao seu limitado potencial em termos de percepção, assimilação de informação, e ação atual e consciente. Cada experiência concreta apresenta um conteúdo evidente que remete a outras possibilidades que são ao mesmo tempo complexas e contingentes. (…) Em termos práticos, complexidade significa seleção forçada, e contingência significa perigo de desapontamento e necessidade de assumir-se riscos.
Assim, em se tratando do sistema jurídico, sob a perspectiva luhmanniana, não há como escapar, pois, do conceito de contingência. Desse modo, a título ilustrativo, afirma o Sociólogo (LUHMANN, 2016, pp. 291-292) que, da mesma forma que o sistema científico encontra a fórmula da contingência no ‘princípio da limitação’, o sistema econômico no ‘princípio da escassez’ e o sistema religioso das vertentes monoteístas na ‘ideia de um deus único’, utiliza-se o sistema jurídico da fórmula de contingência presente na ‘ideia de justiça’, seja lá o que ela signifique em cada contexto concreto. Não obstante, Luhmann lembra que os tradicionais conceitos de virtude, princípio, ideia e valor, por exemplo, não são desse modo abandonados, justamente pelo fato de que somente eles expressarão, em termos concretos (embora com conteúdos variados), o sentido de justiça em cada contexto jurídico.
A respeito dessa indeterminação característica da fórmula luhmanniana de contingência do Direito quanto ao seu conteúdo, o jusfilósofo alemão contemporâneo Stephan Kirste (2018, p. 241) observa que isso é justamente o que garante a unidade jurídica. Em suas palavras, em relação à função jurídica, afirma que a “sua indeterminação e seu caráter conteudístico controverso lhe servem, contudo, não como comprovação de sua inutilidade, mas positivamente, como fundamento de sua aplicação. Exatamente porque ela é indeterminada quanto ao conteúdo (“fórmula de contingência”), ela pode combinar várias expectativas e, deste modo, consistir em fator formador de unidade no sistema jurídico (…)”.
Luhmann também reflete sobre a circularidade das fórmulas de contingência, na medida em que elas procuram não apenas diferenciar o determinável do indeterminável, mas também superar tal limite ou fronteira, levando em consideração as demais possibilidades de tratamento dos fatos, não verificadas ou processadas por dado sistema em determinado momento estipulado, porém sempre presentes, de certo modo, em termos hipotéticos.
Para o Sociólogo, esse cenário se mostra ainda mais evidente no caso jurídico, em que a positivação do Direito deixa claro que determinadas normas, precedentes, argumentos etc., poderiam perfeitamente se apresentar de maneira distinta, em razão da contingência de sua formação, a qual estabelece critérios meramente formais de rito e competência, esvaziando a necessidade de conteúdos morais indiscutíveis. Naturalmente, tal entendimento poderia ser contestado em um panorama pós-positivista, porém não cabe aqui realizar tal reflexão.
A esse respeito, verifique-se o que tem a dizer o Autor (LUHMANN, 2016, pp. 293-294):
As fórmulas de contingência se referem à distinção entre determinabilidade e indeterminabilidade. Sua função consiste em elas próprias excederem esse limite, para tal se fazendo valer de fatores plausíveis e historicamente dados. […] Com a dimensão determinabilidade/indeterminabilidade, não nos referimos a fatos atualmente presentes (apreendidos, designados), mas unicamente a outras possibilidades de modificá-los. Daí a fórmula “da contingência”. Um sistema que processa suas operações internas mediante informações sempre tem em vista também outras possibilidades. No caso do sistema jurídico, essa orientação por contingência se reforça à medida que o sistema se encontra já imerso na positivação do direito. Ora, concede-se assim que todas as normas jurídicas e todas as decisões, todos os motivos e todos os argumentos podem assumir outra forma — no que não se deve negar que o que acontece acontece do modo como acontece.
Sobre o aspecto argumentativo do direito na sociologia de Luhmann, acima suscitado, vale a pena desenvolver algumas reflexões.
Em uma passagem de seu “Direito da Sociedade”, Luhmann parece exibir uma visão de certo modo tradicional da argumentação jurídica, ao restringi-la aos limites da validade do direito, particularmente ao afirmar que “nenhum argumento é capaz de mudar o direito vigente”. Entretanto, sabe-se que aquilo que representa, em termos concretos, o direito vigente será apresentado pelo operador jurídico, por meio de um processo interpretativo, por sua vez sustentado, justificado, por algum raciocínio argumentativo. Isso para não falar de todos os meios de controle de constitucionalidade que são realizados pelo Judiciário, justificados argumentativamente pelos magistrados, em detrimento de outras possibilidades interpretativas viáveis, a fim de declarar a inconstitucionalidade – e, consequentemente, invalidade – de um determinado texto normativo (leis, em via de regra, na sua totalidade ou parcialidade). Nesse sentido:
Para que se compreenda a argumentação, é decisivo, antes de tudo, compreender o que argumentos não podem alcançar e o que eles não podem produzir. E o que não se pode alcançar é: alterar o símbolo da validade do direito. Nenhum argumento, seja lei, contrato, testamento ou uma decisão jurídica provida de força legal, é capaz de mudar o direito vigente. Argumento algum pode conferir validade a novos direitos e obrigações, e assim criar condições que, por sua vez, possam ser modificadas. Esse não poder serve de descarga da argumentação: uma dispensa tendo em vista outro tipo de disciplina. Esse depender da validade é, ao mesmo tempo, condição para que a argumentação jurídica se restrinja ao direito filtrado pelo direito e que não possa resvalar nos preconceitos morais ou de outra ordem. (LUHMANN, 2016, p. 451)
Por outro lado, na sequência, Luhmann (2016, p. 452) menciona uma interdependência entre os movimentos de validade e argumentação jurídicas, atribuindo-lhes, através dos textos jurídicos, uma relação de acoplamento estrutural, o que propicia uma indefinição prévia das estruturas e soluções jurídicas a serem descobertas e esboçadas, ante os ideais de justiça e equidade: “só assim se pode fixar e suportar a exigência ideal de que para casos iguais se deve decidir de igual maneira (justiça)”. Verifica-se, pois, que a argumentação jurídica, em Luhmann, apresenta uma função bem mais ampla do que aparenta à primeira vista, tendo-se em conta o trecho prévio.
E complementa seu raciocínio ao salientar a grande importância do texto (particularmente o jurídico) no processo de auto-observação do sistema jurídico e neste referido acoplamento estrutural entre a validade e a argumentação jurídicas. Segundo Luhmann (2016, p. 452):
Justamente porque realizam a mediação da argumentação com a validade do direito, os textos são dotados de um significado excepcional para a argumentação jurídica, em especial os textos jurídicos em seu sentido normal (ou em sua especificidade técnica). Os textos possibilitam a auto-observação simplificada. No curso normal das decisões, o sistema se observa a si mesmo não como sistema (em-um-ambiente), mas como uma aglomeração de textos jurídicos que se remetem uns aos outros.
Com isso conclui-se o segundo capítulo deste artigo, a respeito do conceito luhmanniano de Direito como subsistema social autopoiético, dando-se seguimento às considerações finais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artigo procurou abordar elementos cruciais da extensa obra do sociólogo alemão Niklas Luhmann, inicialmente em seus aspectos gerais, referentes ao sistema social como um todo (por exemplo: “funcionalismo estrutural”; “autopoiesis social”; “sistemas sociais e meio ambiente”; “acoplamento estrutural”; “abertura cognitiva”; “fechamento operacional”; “complexidade”; “dupla contingência”; “sentido”; “comunicação”; diferenciação funcional; dentre outros), focando, em seguida, no segundo capítulo, no viés especificamente jurídico do Sociólogo (a exemplo da “dinâmica evolutiva do sistema jurídico”; de seu “acoplamento estrutural”; das “operações jurídicas”; da “argumentação jurídica”; da função do Direito”; do seu “código binário lícito/ilícito” e dos fatores de “complexidade e contingência da Justiça”, salientando a “fórmula luhmanniana de contingência do Direito”), retratando, pois, o Direito como subsistema diferenciado da sociedade ocidental contemporânea (naturalmente não em todos os locais), sendo assim autopoiético, autônomo e autorreferente.
Deve-se observar que os fins deste artigo foram didáticos e introdutórios, tendo-se a devida consciência da espantosa extensão da obra de Luhmann, jamais captada em tão poucas páginas. Contudo, espera-se ter contribuído um pouco para o estudo deste Autor, cuja leitura da obra deve, mais do que nunca, ser estimulada, na medida em que se mostra tão relevante e atual para as variadas áreas do conhecimento – inclusive, claro, o Direito – sobretudo na complexa e altamente globalizada sociedade do século XXI.
REFERÊNCIAS
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[1] Doutorando em Teoria do Direito na Universidade de Lisboa, com período de mobilidade na Paris-Lodron-Universität Salzburg. Bacharel em Direito e Mestre em Teoria da Argumentação Jurídica pela UFPE. Professor de Direito e advogado. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1265818968702988
[2] Adaptado de trabalho acadêmico por mim elaborado para a disciplina de Sociologia do Direito, ministrada pela Profa. Dra. Sílvia Isabel dos Anjos Caetano Alves, no curso de doutorado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
[3] Observe-se, por exemplo, alguns comentários de Parsons sobre a relação entre um sistema social e os padrões de cultura a ele relacionados: “Thus a social system in the present sense is not possible without language, and without certain other minimum patterns of culture, such as empirical knowledge necessary to cope with situational exigencies, and sufficiently integrated patterns of expressive symbolism and of value orientation. A social system which leads to too drastic disruption of its culture, for example through blocking the processes of its acquisition, would be exposed to social as well as cultural disintegration.” (PARSONS, 1951, p. 34)
[4] “(…) ya he afirmado que a Luhmann es difícil encasillarlo debido a la diversidade de autores y disciplinas em las que se sustenta: teoría de la acción (Parsons, Sociología); noción de autopoiesis (Maturana y Varela, Biología); observación de segundo orden (Foerster, Cibernética); distinción medio/forma (Adler, Psicología); fenomenología y concepto de sentido (Husserl, Filosofía); teoría de la evolución (Darwin, Biología), teoría de la forma (Spencer-Brown, Matemática), teoría de la diferencia (Bateson, Ecología). Es paradójico que uma teoría tan armónica y coherente como la de Niklas Luhmann se sustente en áreas del conocimiento tan incompatibles entre sí. En efecto, la paradoja es el sustrato epistemológico de su teoría.” (OCAÑA, 2016, p. 36)
[5] Sobre os fenômenos e características associados aos sistemas vivos autopoiéticas, dispõem os biólogos chilenos ainda o seguinte: “La aparición de unidades autopoiéticas sobre la superficie de la Tierra marca un hito en la historia de este sistema solar. Esto hay que entenderlo bien. La formación de una unidad determina siempre una serie de fenómenos asociados a las características que la definen, lo que nos permite decir que cada clase de unidades especifica una fenomenologia particular. Así, las unidades autopoiéticas especifican la fenomenología biológica como la fenomenología propia de ellas con características distintas de la fenomenología física.” (MATURANA; VARELA, 2003, p. 32)
[6] Observe-se, a respeito desse ponto levantado por Luhmann, no âmbito específico do Direito, a divergência do sociólogo jurídico alemão Gunther Teubner, (1993, pp. 57-58) em sua obra ‘O Direito como Sistema Autopoiético’: “A constituição da autopoiesis jurídica é assim vista por LUHMANN – que, na esteira de VARELA e MATURANA, considera o conceito de autopoiesis um conceito de uma “rigidez inflexível” – como um processo de “tudo ou nada”: o direito ou se reproduz ou não se reproduz a si próprio; não existe algo como uma autopoiesis parcial. A meu ver, autonomia e autopoiesis deveriam antes ser entendidas como conceitos gradativos. Quer se analise a evolução histórica do direito ou de um particular sistema jurídico-positivo, é sempre possível identificar graus de autonomia. Auto-referência e autopoiesis podem então tornar-se, neste contexto, critérios precisos para a caracterização desses sucessivos graus ou etapas de autonomia (…).”
[7] Clarissa Neves e Fabrício Neves (2006, p. 191) abordaram o conceito de complexidade na obra luhmanniana como um intermédio entre a complexidade do mundo e a consciência humana: “(…) complexidade significa a totalidade dos possíveis acontecimentos e das circunstâncias: algo é complexo, quando, no mínimo, envolve mais de uma circunstância. Com o crescimento do número de possibilidades, cresce igualmente o número de relações entre os elementos, logo, cresce a complexidade. O conceito de complexidade do mundo retrata a última fronteira ou o limite último extremo. (…) Essa complexidade extrema do mundo, nesta forma, não é compreensível pela consciência humana. A capacidade humana não dá conta de apreensão da complexidade, considerando todos os possíveis acontecimentos e todas as circunstâncias no mundo. Ela é, constantemente, exigida demais. Assim, entre a extrema complexidade do mundo e a consciência humana existe uma lacuna. E é neste ponto que os sistemas sociais assumem a sua função. Eles assumem a tarefa de redução de complexidade. Sistemas sociais, para Luhmann (1990), intervêm entre a extrema complexidade do mundo e a limitada capacidade do homem em trabalhar a complexidade.”
[8] Interessante observar que, segundo Luhmann (2010, p. 134) no que se refere ao papel do acoplamento estrutural diante da linguagem: “O acoplamento estrutural realizado através da linguagem evidencia como esta exclui uma infinidade de possibilidades de percepção e absorve somente umas poucas, resultando, com isso, que ele próprio possa ser complexo. Observando-se a comunicação oral, verifica-se que nela existe uma elevada seletividade, na medida em que muitos ruídos possíveis foram deixados de lado, concentrando-se na articulação altamente seletiva de signos acústicos que denominamos de linguagem. Esse espectro de signos acústicos é tão excludente, que qualquer desvio sonoro nas palavras provoca perturbação na consciência, obrigando-a a sair em busca da retificação do que se pretendia expressar. Assim, temos na linguagem, tanto oral com escrita, o exemplo mais patente de padrões altamente seletivos, que se reduzem a uns tantos signos estandardizados, e não permitem que toda a riqueza de percepção possa ser processada. Por mais complexa que seja a linguagem, e por mais refinadas que sejam as suas estruturas temáticas, ela jamais poderia viabilizar o reflexo de tudo o que existe no meio, em todos os níveis de operação da realidade.”
[9] Nesse sentido, Luhmann (1998, p. 142) afirma o seguinte: “La selección actualizada en la comunicación constituye su propio horizonte, aquello que selecciona ya como selección, es decir, como información. Lo que comunica no sólo es seleccionado, sino que ya es selección y, por eso mismo, es comunicado. Por ello, la comunicación no se debe entender como proceso selectivo de dos, sino de tres selecciones. No sólo se trata de emisión y recepción con una atención selectiva en cada caso; la selectividad misma de la información es un momento del proceso comunicacional, porque únicamente en relación con ella puede activarse la atención selectiva.”
[10] “Art. 157 (caput) – Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.” (BRASIL, 1940)