
A PROTEÇÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE PENSÃO POR MORTE ÀS FAMÍLIAS POLIAFETIVAS COMO DIREITO DA PERSONALIDADE E DA DIGNIDADE HUMANA
25 de março de 2025THE PROTECTION OF THE SOCIAL SECURITY BENEFIT OF DEATH PENSION TO POLY-AFFECTIVE FAMILIES AS A RIGHT OF PERSONALITY AND HUMAN DIGNITY
Artigo submetido em 17 de março de 2025
Artigo aprovado em 24 de março de 2025
Artigo publicado em 25 de março de 2025
Cognitio Juris Volume 15 – Número 58 – 2025 ISSN 2236-3009 |
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RESUMO: À proteção do benefício Previdenciário de pensão por morte às famílias poliafetivas faz parte dos direitos da personalidade e da dignidade humana que se emergiu com a Declaração francesa dos direitos do homem e do cidadão (1789), em que houve a diferenciação dos direitos do homem, direitos estes que são naturais e existem antes do Estado, e os direitos do cidadão, que dependem do poder do Estado. Os direitos existenciais surgem no debate sobre felicidade nas relações familiares, com a Constituição Federal de 1988 protegendo a família como base da sociedade. O conceito de família evoluiu, agora incluindo diversas formas de união, como as afetivas ou informais, abandonando o modelo patriarcal. A Constituição de 1988 promoveu uma nova definição da família, onde o afeto é central, sendo que o Código Civil reconhece como direito da personalidade as famílias poliamorosas, determinando a proteção à vida privada da pessoa natural nas relações familiares. O Estado deve reconhecer todas as formas de família, garantindo direitos e felicidade. Famílias contemporâneas incluem arranjos como homoafetivas e monoparentais, e o estado deve proteger esses grupos. Sendo que ao se tratar das uniões poliafetivas houve a demonstração carecem de reconhecimento legal, mas são protegidas como entidade familiar com base na dignidade humana conforme prescreve o artigo 1º, inciso II, CF/88. Além da proteção Constituição à Seguridade Social a legislação previdenciária infraconstitucional assegura direitos às uniões poliafetivas, com o fundamento do respeito aos vínculos afetivos e a distribuição de benefícios previdenciário de pensão por morte aos componentes do grupo familiar.
Palavra Chave: Direito da Personalidade, Dignidade da Pessoa Humana, Pensão Por Morte e União Poliafetiva.
ABSTRACT: The protection of the Social Security benefit to the survivor’s pension for polyamorous families as a right of personality and human dignity emerged with the French Declaration of the Rights of Man and of the Citizen (1789), in which there was a differentiation between the rights of man, rights that are natural and exist before the State, and the rights of the citizen, which depend on the power of the State. Existential rights emerge in the debate on happiness in family relationships, with the 1988 Federal Constitution protecting the family as the basis of society. The concept of family has evolved, now including various forms of union, such as affective or informal unions, abandoning the patriarchal model. The 1988 Constitution promoted a new definition of family, where affection is central, and the Civil Code recognizes polyamorous families as a personality right, determining the protection of the private life of the natural person in family relationships. The State must recognize all forms of family, guaranteeing rights and happiness. Contemporary families include arrangements such as homosexual and single-parent families, and the State must protect these groups. In the case of polyamorous unions, it was demonstrated that they lack legal recognition, but they are protected as a family entity based on human dignity as prescribed by article 1, item II, CF/88. In addition to the Constitution’s protection of Social Security, infra-constitutional social security legislation ensures rights to polyamorous unions, based on respect for emotional bonds and the distribution of survivor’s pension benefits to members of the family group.
Keyword: Personality Rights, Human Dignity, Surivor’s Pension and Polyamorous Union.
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Os direitos do homem como fundamento da dignidade humana 3. Ideário de Família 4. O Reconhecimento à diversidade familiar como efetividade constitucional da Dignidade da Pessoa Humana 5. A Proteção da Família Poliafetiva como Efetividade ao Direito da Personalidade 6. Benefício Previdenciário de Pensão Por Morte à Família Poliafetiva no Regime Geral de Previdência Social 7. Conclusão 8. Referências.
1 – Introdução
A família é um evento comum existente em todas as sociedades, sendo um dos primeiros meios de socialização do indivíduo, representando a principal reguladora dos padrões, modelos e influências culturais, é composta por normas morais e valores que têm em seu lugar, seu tempo e sua história.
O direito da personalidade e a proteção às famílias poliafetivas encontra positivação em vários dispositivos da CF/88 e artigo 21 do Código Civil, em que a violação ao direito a vida privada da pessoa natural terá proteção do Estado.
Quanto à proteção das famílias poliafetivas deparam-se, ainda, com uma vasta divergência jurisprudencial e quanto ao reconhecimento como entidade familiar, da mesma forma se dá no âmbito legislativo, porém no campo da ciência jurídica há demonstrações doutrinárias de hipóteses de proteção aos grupos que compõem esta relação familiar sobre a vertente da custódia aos direito humanos, aos direitos fundamentais e aos direitos da personalidade.
A definição de família no Brasil vem apresentando várias abordagens durante à história do Brasil. Sendo que com a criação da Constituição Federal de 1988, esse conceito foi ampliado, passando a ser conceituada como a comunidade formada por qualquer dos pais, descendentes e conviventes.
A proteção aos grupos que aderem a famílias poliafetivas é o reconhecimento como entidade familiar, tendo em vista que há a anuência dos sujeitos na constituição da família, baseada no vínculo de afetividade e no pleno amor. O direito sucessório e o direito previdenciário é um dos problemas a serem reconhecidos a todos os que encontram em um convívio poliafetivo. Sendo que no presente artigo deixarei de abordar a temática sucessória para discorrer em relação ao direito ao benefício de pensão por morte no Regime Geral de Previdência Social.
2. Os direitos do homem e do Cidadão como fundamento da dignidade humana
Com a Declaração francesa dos direitos do homem e do cidadão (1789), bem como documentos de proteção surgidos “a posteriori” , distinguem entre os direitos do homem, por um lado, e os direitos do cidadão, por outro. O homem existe como um ser que se imagina existir fora da sociedade, que se supõe preexistir à sociedade. O cidadão é um ser subordinado ao poder do Estado. Por isso, os direitos dos homens são direitos naturais e inalienáveis, enquanto os direitos do cidadão são direitos positivos, direitos concedidos pelo Direito Positivo. Os direitos do homem são direitos fundamentais, precisamente porque existiam antes do Estado, enquanto os direitos do cidadão estão subordinados ao Estado e dependem dos primeiros.
Para Kal Marx ao tratar da questão em um dos seus estudos de juventude, “A propósito da questão judaica”[3] chegou à seguinte solução: a sociedade supõe o homem, com os seus direitos, como um indivíduo egoísta, independente de todos, que é sujeito da propriedade (privada) e cuja liberdade (a livre propriedade) constitui a forma jurídica e o imperativo fundamental. Sendo reconhecido o homem como um sujeito abstrato em relação ao Estado, enquanto os direitos do homem são pretensos direitos naturais, direitos naturais abstrato. O cidadão, contrariamente, só dispões de direitos como membro da sociedade política. Os direitos do cidadão não são nem absolutos nem incondicionados, não são atribuídos ao homem por toda a parte e em todo o momento: não são direitos inatos.
Neste esbouço, os direitos do cidadão estão subalternos aos direitos do homem, o estado de cidadão depende do estado de homem. A organização política e os direitos políticos aparecem para servir o homem, o homem egoísta, a propriedade privada. A sociedade burguesa foi rebaixada ao nível de servo da propriedade privada.
No caminhar da evolução social, política e ideológica, esta distinção, hierarquia relativa ao aparecimento e à existência dos direitos do homem e do cidadão, suavizou-se. A antinomia entre os direitos do homem e os direitos do cidadão dissipou-se, as duas espécies enlearam-se. Na medida em que certos vestígios desta distinção manteve-se, o que se assumiu novas formas e apresentou-se como critério de distinção dos ramos do direito, sendo que pertencerão à categoria dos direitos do cidadão todos os direitos, tomados no seu conjunto, que são reconhecidos pelas constituições e pertencerão à categoria dos direitos do homem aqueles de que se ocupam os direitos internacionais.
O que desta forma, o óbice dos direitos do homem foi inteiramente abreviado à questão da simples relação entre dois ramos do Direito, a relação na qual o Direito constitucional demonstra estar subordinado ao Direito internacional. Por isso, demonstra existir uma situação particular nas relações entre o Direito interno e o Direito externo, o Direito internacional agregou-se uma parte do domínio constitucional que deixou de ser exclusividade do Direito interno.
Com as diversas transformações sociais, os operadores do direito devem considerar as novas demandas advindas ao direito e valorizar as conquistas que a afetividade como papel central no reconhecimento das diversas formas familiares que se percebe na contemporaneidade, resguardando e elevando o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da efetividade, de forma a promover o bem-estar e a segurança jurídica aos indivíduos que anseiam pela justiça.
Diante dessa análise humanitária entre, o direito do homem e dos cidadãos, surgem os direitos existenciais que no presente caso, elabora um cenário em que se devem discutir os direitos dos cidadãos que em pleno século XXI estão preocupados com sua plena felicidade nas relações familiares.
3. Ideário de Família
Conforme o que dispõe no artigo 226 da Constituição Federal de 1988, a família é à base da sociedade e por isto tem especial proteção do Estado. Da mesma forma o artigo 26 do Código Civil considera como direito da personalidade a vida privada da pessoa natural, reconhecendo-a inviolável, devendo o juiz, a requerimento do interessado, adotar as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário ao que é disposto na norma quanto à proteção da vida privada da pessoa natural.
Para MADALENO
“A convivência humana está estruturada a partir de cada uma das diversas células familiares que compõem a comunidade social e política do Estado, que assim se encarrega de amparar e aprimorar a família, como forma de fortalecer a sua própria instituição política”. [4]
A noção de família em seus primórdios esteve caracterizada por ser de índole bilateral, constituída em um ideal de uma sociedade patriarcal e monogâmica, instituída pelo casamento entre homem e mulher, o que caminhou ao longo dos anos pela aceitação de união formada pelos companheiros unidas em relação afetiva, considerada como família formal ou informalmente constituída, cuidando da proteção de sua prole.
O que as relações familiares foram permitindo modificações com o passar dos tempos, tendo o conceito ideal de família biparental cedido lugar à crescente evidência de outros feitios de organização familiar.
Com base em uma Constituição Federal democrática e com o fundamento de proteção de todas as formas de famílias pelo ordenamento jurídico, o Ministro Luiz Edson Fachin[5] fundamentou que o Código Civil em vigor, antes da Constituição de 1988, era adaptado em um modelo jurídico de família baseado no matrimônio, na desigualdade entre os sexos, no pátrio poder e na transpessoalidade da família.
Modelo este retrograda pela legislação especial posterior, pela doutrina, e pelo papel construtivo da jurisprudência e pela força criadora dos fatos. Sendo que estas características de família não baseada na proteção dos direitos humanos, deu-se lugar a uma concepção constitucional da família, baseada em um paradigma humanitário, inclusivo e não discriminatório.
Para Maria Berenice Dias
A família é considerada a base da sociedade e merecedora da especial proteção do estado, não havendo apenas um conceito fechado, e sim algo muito mais amplo, que necessita de todo cuidado ao ser apreciado em todas as esferas sociais: A família é igual em qualquer lugar do mundo e em todos os tempos, e lar, deve significar Lugar de Afeto e Respeito, é importante saber como os mais diversos sistemas jurídicos regulam as relações familiares. Precisamos ter coragem para ousar na busca da justiça, decantar a primazia dos direitos humanos e assegurar tais direitos também no âmbito das relações familiares. Afinal, vivemos o império do respeito à dignidade humana.[6]
Considerando o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil desconsiderar qualquer tipo de união de pessoas ligadas por laços afetivos é violar direito da personalidade e da dignidade da pessoa humana. Sendo que qualquer união de pessoas liadas por laços afetivos, sendo esta sua finalidade fundamental, será considerada família e que deverá ser protegida pelo Estado, conforme bem suscitado alhures nos artigos 226 da CF/88 e 26 do CC/2002.
4. O Reconhecimento à diversidade familiar como efetividade constitucional da Dignidade da Pessoa Humana
A Constituição Federal de 1988 desconstruiu a ideologia da família patriarcal, construída em uma família monogâmica, parental, centralizada na aparência paternal e patrimonial e que reinou absoluta na sociedade brasileira, advinda dos senhores patriarcais antigos e medievais.
Compreender, atualmente, a importância do afeto na construção dos vínculos familiares, particularmente diante do texto constitucional de 1988, fulcrado no seu artigo 1º, inciso III, com a cláusula geral de tutela da personalidade, onde a dignidade da pessoa humana é valor fundante da República Federativa do Brasil.
Para José Afonso da Silva a entidade familiar assim pode ser analisada:
“A entidade familiar fundada no casamento, portanto, não é mais a única consagrada pelo direito constitucional e, por consequência, pela ordem jurídica em geral, porque é da Constituição que irradiam os valores normativos que imantam todo o ordenamento jurídico. Ex facto oritur ius – diz o velho brocardo latino. A realidade é a causadora de representações jurídicas que, até um certo momento, permanecem à margem do ordenamento jurídico formal; mas a pressão dos fatos acaba por gerar certo reconhecimento da sociedade, que vai aceitando situações antes repudiadas, até o momento em que o legislador as disciplina, exatamente para contê-las no campo do controle social. Quantos sofrimentos passaram mães solteiras que, com seus filhos, eram marginalizadas pela sociedade e desprezadas pelo Estado, porque essa comunidade não era concebida como entidade familiar, porque o sistema constitucional só reconhecia a família biparental! O §4º do art. 226 da CF veio harmonizar as normas com os fatos, definindo como entidade familiar também a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Essa família monoparental abrange a comunidade de pai ou mãe solteiros e seus descendentes naturais (filhos, netos etc.) ou por adoção, a comunidade de pai ou mãe divorciados e seus filhos. A inseminação artificial já tem gerado entidade familiar monoparental”.[7]
Com este olhar brilhante de José Afonso da Silva em relação às famílias plúrimas, devemos incluir na fala do constitucionalista as famílias poliafetivas, que atualmente, são consideradas as mães de outrora que vivenciam as amargas da exclusão e sofrimento social, com base no fundamento da República Federativa do Brasil de 1988 a liberdade dada ao cidadão de formar ou não sua família, sem qualquer imposição ou adesão aos modelos patriarcais, monogâmicos e ditatoriais, baseado em elementos fechados e injustificados para ao alcance da felicidade da pessoa seria retroceder ao próprio tempo em que o casamento era a única opção de formação familiar, conforme bem apresentado por José Afonso da Silva. Sendo que tal restrição ou interpretação cerrada é considerada violação a Carta Federativa do Brasil que reconhece existirem vários núcleos familiares dissociado do modelo matrimonial, sendo que ao se mudarem os paradigmas do passado devem ser acordados os padrões do presente, tomando antecipadamente a relevância jurídica dos vínculos afetivos, que vê na família contemporânea uma figura tridimensional, genética, afetiva e ontológica, não havendo mais no cenário das famílias a preponderância dos modelos arcaicos de famílias.
5. A Proteção da Família Poliafetiva como Efetividade ao Direito da Personalidade
Com o surgimento da CF/88 mudou-se o paradigma da ideologia da família patriarcal, construída na relação monogâmica, parental, heterossexual e patrimonial, amparada na figura da chefia do marido provedor, estrangulando o livre trânsito do afeto como base de toda e qualquer estrutura familiar, ao lado de outros valores inerentes aos relacionamentos que vinculam e aconchegam as pessoas. A família tradicional não tinha qualquer preocupação com o afeto e sua felicidade restava embasada pelos seus interesses econômicos construídos em figura familiar de um pai e uma mãe e seus filhos, sendo que a mulher e os descentes eram dependentes do marido e do pai.
O perfil da família plúrima, que se estrutura e convive a partir do reconhecimento do sentimento de afeto familiar em todos os arranjos familiares como a família monoparental, na família homoafetiva, na família anaparental, na família reconstruída, na família paralela, na família eudemonista, na família poliafetiva, não havendo como negar a proteção estatal a todo tipo de família, independentemente de orientação sexual dos seus partícipes ou triângulo afetivo construído, pois todas possuem os mesmos núcleos axiológicos de proteção à dignidade da pessoa humana, elevando o afeto ao patamar de destaque das relações familiares, espírito erguido com a CF/88.
A família poliafetiva, tema do presente artigo, é integrada por mais duas pessoas que convivem em interação afetiva dispensada da exigência cultural de uma relação de exclusividade apenas entre um homem e uma mulher, ou somente entre duas pessoas do mesmo sexo, vivendo um para o outro, mas sim de mais pessoas vivendo todos sem as correntes de uma vida conjugal convencional.
A família poliafetiva busca o equilíbrio, não identificando infiéis quando homens e mulheres convivem abertamente relações apaixonadas envolvendo mais de duas pessoas. Vivenciam todos os partícipes familiares uma notória ponderação de princípios, cujo somatório se distancia da monogamia e busca a tutela de seu grupo familiar amparado no elo do afeto. Com base no princípio do pluralismo das entidades familiares, consagrado no artigo 226 da CF/88, que viu no matrimônio apenas uma das formas de constituição familiar, admitindo-se, portanto, vários modelos que não se amparam nas opções exemplificativamente elaboradas pelo artigo 226 da CF/88, tendo em vista que outros artigos Constitucionais, tais como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF/88), a promoção do bem estar de todos, livre de preconceitos (art. 3º, inciso IV, CF/88), o direito à igualdade (art. 5º, inciso I, CF/88), o direito à liberdade (art. 5º, caput e inciso VI, CF/88), devem ser analisados em conjunto, demonstrando que há possibilidade de constituição e reconhecimento jurídico não apenas dos exemplos esculpidos no art. 226 da CF/88, mas de outros princípios Constitucionais que gravitam em torno deste, conforme já exposto alhures, sendo que os vários conceitos de constituição de famílias já se tornou a regra do ordenamento jurídico brasileiro vigente, incluído aí a família poliafetiva.
A poliafetividade é uma realidade já existente socialmente, apreensível como fato social, mas ainda carente de proteção, mesmo em um Estado que ao mesmo tempo garante a preponderância do princípio da boa-fé objetiva em detrimento a má-fé em todas as relações jurídicas, ainda sim, insiste em desproteger relações afetivas que fatidicamente reconhece a boa-fé nas relações familiares, em que seus pares lutam pela proteção dos seus amores afetivos.
O Estado no momento em que insiste em não reconhecer as relações poliafetivas viola o princípio da boa-fé objetiva, não dando proteção a todos os membros da relação, priorizando apenas um par. Ao não se proteger o poliamor várias situações fatídicas são apresentadas sem solução, o que temos no caso, se há um homem e um mulher que vivenciam a conjugabilidade e se aderem ao poliamor, um terceiro na relação só quem será protegido no caso de falecimento de um dos conviventes? A esposa ou esposa ou terceiro? Priorizar um em detrimento do outro é dar azo à má-fé em que na constituição da família poliamorosa houve a concordância de todos! O que não se deve aceitar em um Estado Democrático de Direito em que a boa-fé objetiva é princípio basilar das relações jurídicas formuladas pelos cidadãos.
Com base no fundamento da dignidade da pessoa humana, igualdade, da boa-fé objetiva e da personalidade, rompem-se os limites à poliafetividade e passa a ser admitida a sua possiblidade jurídica, de forma que as pessoas que integram o núcleo familiar poliafetivo passam a ter a eficácia dessa relação reconhecida para todos os fins, incluindo-se em especial a proteção conferida pelo Estado e todos os direitos e deveres próprios das entidades familiares.
6. Benefício Previdenciário de Pensão Por Morte à Família Poliafetiva no Regime Geral de Previdência Social
O benefício de pensão por morte é o benefício pago aos dependentes do segurado, homem ou mulher, que falecer, aposentado ou não, conforme previsão esculpida no artigo 201, V, CF/88. Trata-se de prestação de pagamento continuado, substitutiva da remuneração do segurado falecido. É benefício voltado à proteção da família, igualmente os são auxílio-reclusão, salário-família e salário-maternidade.
As relações afetivas poliamorosas geram reflexos notáveis no Direito Previdenciário, influenciando, significativamente, na concessão e no rateio da pensão por morte aos membros que integraram as uniões poliafetivas.
Há de ser considerado que o Direito Previdenciário sempre influenciou no acolhimento de entidades familiares que não possuíam regulamentação legal e como pode influenciar no reconhecimento jurídico das uniões poliafetivas.
A Lei de Benefício Previdenciário é aplicável às uniões poliafetivas, devendo-se apenas realizar algumas adaptações para promover o rateio do benefício previdenciário de forma proporcional à quantidade de uniões que possam existir paralelamente ou ao número de companheiros que constituem uma mesma união.
Porém, algumas situações devem ser observadas para que se promova a correta aplicação da Lei n. 8.213/91 às uniões poliafetivas.
O artigo 194 da Constituição da República Federativa do Brasil estabelece que “a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.
Em relação à Previdência temos, atualmente, quatro modelos distintos, que se diferenciam em Regime Próprio de Previdência Social, o Regime Geral de Previdência Social, o Regime de Previdência Complementar e o Regime Próprio dos Servidores Militares, o que no presente artigo abordaremos apenas a respeito do Regime Geral de Previdência Social.
O Regime Geral de Previdência Social é regulamentado pela Lei n. 8.213/91, da qual pode se extrair os princípios da solidariedade e de proteção à família.
O princípio da solidariedade se justifica na medida em que consiste no pilar de sustentação de todo o sistema previdenciário, conferindo-lhe fundamento e, ao mesmo tempo, justificativa, traçando caminhos hermenêuticos, suprindo eventuais lacunas e coibindo interpretações espúrias, além de atuar como supraprincípio que se irradia por todo o sistema, ora como valor, ora como princípio, ora como direito e ora como dever.
No Direito Previdenciário, o princípio da solidariedade exerce forte influência nas normas que regulamentam o custeio da Previdência Social e nas regras que estabelecem a concessão dos benefícios previdenciários, atendendo, assim, a proteção social e a dignidade humana.
No Direito de Família, o princípio da solidariedade também tem ampla aplicação, inclusive permitindo que o cônjuge ou companheiro hipossuficiente, que não possua renda capaz de suprir as despesas de seu sustento, receba alimentos do ex-consorte nos casos de extinção do casamento ou dissolução da união estável.
Nos casos das uniões poliafetivas, por aplicação do princípio da solidariedade, em seu duplo aspecto, pode-se perfeitamente defender a possibilidade das relações amorosa poliafetivas, de longa duração, em que há consentimento e aceitação de todos, o que poderá gerar efeitos previdenciários. Neste caso, havendo vínculo de dependência dos companheiros com o segurado falecido, será concedido um único benefício previdenciário, que será rateado proporcionalmente à quantidade de uniões existentes.
Na união poliafetiva, também por aplicação do princípio da solidariedade, pode-se defender a possibilidade de uma única união, com diversos companheiros, gerar efeitos previdenciários para o gozo de benefício de pensão por morte. Caso comprovado o vínculo de afetividade, tendo em vista que o vínculo de dependência econômica se presume, entre os companheiros sobreviventes com o segurado falecido, será concedido um único benefício previdenciário, que será rateado proporcionalmente ao número de membros que constituíram a união poliafetiva.
Conclui-se, portanto, que a Lei n. 8.213/91 tem dispositivos perfeitamente aplicáveis às uniões poliafetivas, devendo apenas realizar a divisão do benefício previdenciário de forma proporcional à quantidade de uniões que existiram paralelamente ou ao número de companheiros que constituíram uma mesma união.
O art. 16 da Lei n. 8.213/91 elenca o rol de beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado, abrangendo o “cônjuge, o companheiro, a companheira, o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave”.
Em relação ao disposto no artigo 16 da Lei de Benefício Previdenciário não poderia deixar de trazer a lume o julgado do STF no julgamento do RE 397762, em que a Corte Suprema proferiu, por maioria absoluta, decisão que não admitiu a divisão da pensão entre esposa e companheira, tendo vista que o segurado jamais se separou, ao menos de fato, da esposa, razão pela qual a união seria tipificada como simples concubinato, conforme o previsto no artigo 1.727 do Código Civil.
Ocorre que a decisão proferida pelo STF no julgamento do RE 397762 referiu-se ao concubinato impuro em que o cônjuge virago desconhecia ou jamais havia anuído à união do falecido com a concubina. O que difere, é claro, no caso das famílias poliafetivas em que há anuência abertamente das relações apaixonadas envolvendo mais de duas pessoas. Sendo que vivenciam todos os partícipes familiares uma notória ponderação de princípios, cujo somatório se distancia da monogamia e busca a tutela de seu grupo familiar amparado no elo do afeto, o que jamais caberia interpretação extensiva ao julgamento do RE 397762 as relações poliafetivas. Devendo neste caso ser reconhecido a união estável entre todos os envolvidos e o deferimento de pensão por morte na forma legal. Nesta esteira restou reconhecida o Tema 529 em que se examinou a possibilidade de duas relações de união estável serem mantidas simultaneamente. O que afirmou o que determina no art. 201, inciso V, da CF/88, o direito de pensão ao companheiro ou companheira, conceito que sem dúvida é mais amplo do que o de união estável.
Para o direito Previdenciário, não importa se havia ou não impedimentos para obstar a conversão da união entre duas pessoas em casamento, mas se havia uma identidade de propósito com fundamento no princípio da afetividade, da boa-fé e da convivência entre os indivíduos, o que esclarece veementemente as relações familiares poliafetivas.
O art. 77 da Lei n. 8.213/9 prevê, ainda, que “A pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em partes iguais”, sendo que o § 1º estabelece que “Reverterá em favor dos demais, à parte daquele cujo direito à pensão cessar”.
Nas uniões poliafetivas, será devido somente um benefício previdenciário, que será rateado de forma proporcional à quantidade de companheiros beneficiários. Cessado o direito à pensão para algum dos companheiros, seja por qual motivo for, o benefício será revertido para os demais pensionistas.
Registre-se, ainda, que o § 2º, do art. 74, prevê:
Perde o direito à pensão por morte o cônjuge, o companheiro ou a companheira se comprovada, a qualquer tempo, simulação ou fraude no casamento ou na união estável, ou a formalização desses com o fim exclusivo de constituir benefício previdenciário, apuradas em processo judicial no qual será assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa.
Deve-se buscar uma adequação, sem a necessidade de imediata alteração legislativa para proteção a todos os membros das relações poliafetivas, sendo que a Lei de Benefícios Previdenciário (Lei n. 8.213/91) em seus arts. 74 e seguintes em momento algum restringiu a aplicação do benefício previdenciário aos indivíduos que optaram por constituir uma família baseada no poliamor, na família baseada no compromisso em relações apaixonadas envolvendo mais de duas pessoas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como se vê da extrema importância teórica e prática do tema discutido sobre a proteção do benefício previdenciário à pensão por morte aos casais poliafetivos como direito da personalidade, pois o tema atinge diariamente as relações jurídicas patrimoniais e extrapatrimoniais estabelecidas pelas pessoas, demonstrando que o benefício previdenciário de pensão por morte aos adeptos ao poliamor não reflete em prejuízo ao Estado.
Os parâmetros sobre os institutos na legislação civil e previdenciária, que integra a proteção do benefício previdenciário à pensão por morte aos casais poliafetivos como direito da personalidade, dispõe, sobretudo, de uma descomunal relevância para os operadores do direito, visto que preveem fundamentos jurídicos dos institutos do direito da personalidade, família e previdenciário.
Mormente, é ponderoso salientar que as mudanças decorrentes de alterações executadas por intermédio do Código Civil de 2002 e pelas legislações especiais, oportunizou substancialmente aprimorar a segurança nos princípios do direito público e privado. Ademais, Com base no princípio do pluralismo das entidades familiares, consagrado no artigo 226 da CF/88, que viu no matrimônio apenas uma das formas de constituição familiar, admitindo, portanto, vários modelos que não se amparam nas opções exemplificativamente elaboradas por único dispositivo apresentado pela CF/88, tendo em vista que outros artigos Constitucionais, tais como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF/88), a promoção do bem estar de todos, livre de preconceitos (art. 3º, inciso IV, CF/88), o direito à igualdade (art. 5º, inciso I, CF/88), o direito à liberdade (art. 5º, caput e inciso VI, CF/88), demonstram que há possibilidade de constituição e reconhecimento jurídico não apenas dos exemplos esculpidos no art. 226 da CF/88, mas de outros conceitos de constituição de famílias, incluído a família poliafetiva.
Destarte, as famílias poliafetivas é antes de mais nada, uma realidade social, deixa-las sem proteção em nada enriquece o direito protetivo sedimentado pela Constituição Cidadã.
Não obstante, reafirma-se a presença de fundamentos como a boa-fé e a função social, presentes no nosso âmbito jurídico, em que são qualificados de impugnar qualquer discriminação as relações familiares, mantendo-se engessados a uma sociedade preconceituosa e ditatorial.
A despeito de constituírem instituições civilistas antigas, esses exemplares de famílias arcaícas afrontam os princípios da dignidade humana, igualdade e da proteção da pessoa humana, até o hodierno cenário, na qual ratifica-se pelas díspares correntes de pensamento que se estruturam em torno dos assuntos mais significativos a respeito da temática.
Portanto, é primordial observar os coeficientes históricos ao decorrer das décadas, para construção de um ordenamento jurídico íntegro e resguardado de perigos, consoante o geógrafo e historiador grego Heródoto, é essencial estudar o passado para compreender o presente e idealizar o porvindouro.
Sob tal ótica, é notório a prestimosidade do pretérito para construção do futuro, visto que a hodierna sistemática do direito de família não é inteiramente apoiada nas falhas anteriores. Dado que, o hodierno Código civil brasileiro 2002 não é integralmente espelhado nas carências sociais, dado que ainda é crucial a constituição de transformações para contemplar todas as necessidades sociais, para que assim não haja mais vítimas do desamparo do Estado.
Em razão disso, é relevante que as pessoas que vivenciam uma família poliafetiva deixem de ser reconhecidas como pessoas invisíveis à proteção do Estado, demonstrando que tornar-se inerte quanto às exigências do cumprimento da CF/88 e dos direitos humanos é falhar com a evolução da pessoa nesta existência.
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PASSARELLI, Santoro F. Teoria Geral do Direito Civil. Atlântica Editora. Coimbra. 1967.
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 10. ed. São Paulo: Editora JusPodivm, 2024.
[1] Doutorando em Direito Civil Comparado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2025). Mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2024). Especialista em Direito Previdenciário, pela Universidade Cândico Mendes. Especialista em Direito Civil e Processo Civil, pela Universidade Cândico Mendes. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2006) e Letras pela Universidade Salgado de Oliveira (2015). Foi professor da Faculdade de Direito da Universidade Estadual de Goiás, professor da ESAGO e professor convidado da Rede Juris de Ensino Goiânia Goiás. Foi professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás. Atua como advogado. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Civil e Processo Civil, Empresarial , Consumidor, Previdenciário, Trabalhista, Constitucional e Tributário.
[2] Doutorando em Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, (2025) Mestre em Direito Previdenciário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP (2024). Especialista em Direito Previdenciário e do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/Minas (2024). Especialista em Direito Civil e Processo Civil pelo Atame Pós-Graduação e Cursos (2019), Especialista em Ciências Penais pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2009). Graduado em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira (2007). Atualmente é advogado OAB/Seção de Goiás, Pará e Tocantins. Secretário Geral da OAB/GO subseção Minaçu. É docente na Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Mato Grosso, Professor Assistente da Disciplina de Direito Previdenciário da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás. Foi professor do Núcleo de Práticas Jurídicas da Universidade Estadual de Goiás (2024). É Membro da Comissão de Direito Previdenciário OAB/GO subseção Minaçu. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Previdenciário, Direitos Humanos (povos indígenas, comunidades quilombolas, trabalhadores rurais, pessoas com deficiência, população GLBTQIA+, Direito das mulheres, população afrodescendente), Direito do Trabalho e Direito Agrário.
[3] MARX E ENGELS, Werke, p. 347-377, Berlim, 1957.
[4] MADALENO, Rodolfo. Direito de Família. 14. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2024. p. 43.
[5] FACHIN, Luiz Edson. Projeto do código civil: direito de família. 1999, p. 149. Disponível em: Acesso em 14 de março de 2025.
[6] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2015, p. 288.
[7] SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 10. ed. São Paulo: Editora JusPodivm, 2024. p. 814.