A PREVALÊNCIA DO DIREITO DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES COM A SUSPENSÃO DA CNH NOS PROCESSOS DE EXECUÇÃO ALIMENTARES, SOB A PERSPECTIVA DE ROBERT ALEXY

A PREVALÊNCIA DO DIREITO DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES COM A SUSPENSÃO DA CNH NOS PROCESSOS DE EXECUÇÃO ALIMENTARES, SOB A PERSPECTIVA DE ROBERT ALEXY

1 de junho de 2022 Off Por Cognitio Juris

THE PREVALENCE OF THE CHILDREN’S AND ADOLESCENTS’ RIGHTS WITH THE SUSPENSION OF THE NATIONAL DRIVER’S LICENSE IN MAINTENANCE CLAIM FROM ROBERT ALEXY’S PERSPECTIVE

Cognitio Juris
Ano XII – Número 40 – Junho de 2022
ISSN 2236-3009
Autores:
Gustavo Henrique Brocardo Körner[1]
Daiane Garcia Masson[2]

RESUMO

A fim de garantir os créditos alimentares, o Código de Processo Civil (CPC) conferiu à parte exequente prerrogativas exclusivas que, muitas vezes, entram em conflito na ponderação judicial. Nesse contexto, o tema e a delimitação deste artigo versam sobre a obtenção de uma homogeneização jurídica, por meio da aplicação da ponderação defendida por Robert Alexy, nos processos de execução civil alimentares. Dessa maneira, o presente trabalho se inicia pelo conhecimento dos meios essenciais para se garantir um crédito e segue com uma dissertação acerca do respectivo marco teórico e de seu teorema. Por fim, conclui-se que, em uma situação de colisão de normas que envolvem o direito ao mínimo existencial previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em face do relativo direito de livre locomoção, existe a viabilidade da adoção de medidas atípicas nos processos de execução civil alimentares, desde que esgotadas todas as opções típicas pertinentes ao caso e resguardado o princípio da proporcionalidade.

Palavras-chave: Robert Alexy. Direito Fundamental Civil. Execução. Suspensão.

ABSTRACT

In order to guarantee maintenance claims, the Civil Procedure Code (CPC) gave the party exclusive prerogatives, which often conflict with the judicial weighting. In this context, the theme and the delimitation of this article are about obtaining a legal homogenization, through the application of the weighting defended by Robert Alexy, in the processes of civil food execution. Thus, the work started with the knowledge of the essential means to guarantee a credit and followed with a dissertation about the respective theoretical framework and its theorem. Finally, it was concluded that, in a situation of collision of rules that involve the right to the minimum existential provided for in the Statute of the Child and Adolescent (ECA) in view of the relative right of free movement, there is the viability of adopting atypical measures in civil enforcement proceedings, provided that all typical options relevant to the case have been exhausted and the principle of proportionality is maintained.

Keywords: Robert Alexy Fundamental Civil Right. Execution. Suspension.

Sumário: 1. Introdução; 2. Processo de execução civil e créditos alimentares; 3. Meios coercitivos nos processos de execução civil; 4. Teoria de Robert Alexy e embasamento para a suspensão da carteira nacional de habilitação (CNH); 4.1. Aplicação da Teoria para a garantia judicial dos créditos alimentares; 5. Considerações finais; 6. Referências.

1 INTRODUÇÃO

O Código de Processo Civil (CPC) trouxe dispositivos que autorizam a adoção de medidas executivas atípicas pelo magistrado e que visam às formas coercitivas, mandamentais, sub-rogatórias ou indutivas, necessárias ao cumprimento da ordem judicial.

Nessa perspectiva, adveio o inovador exemplo da possibilidade da suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) como uma ferramenta útil para efetivar as decisões que têm por objeto a prestação alimentar.

Essa modalidade progressivamente se destacou no ordenamento devido à eficiência na diligência e ao modo de pressionar quem, mesmo com o uso de todas as formas de compelir à quitação da dívida alimentar, recusa-se a cumprir a obrigação que lhe é devida.

No entanto, enquanto alguns pesquisadores defendem a posição de que essa medida é demasiadamente gravosa e não guarda relação direta com o cumprimento da obrigação de pagar, outros estudiosos, por sua vez, firmaram a tese de que a aludida alternativa deve ser precedida do esgotamento de todas as demais medidas executivas típicas, tal como não restringe o direito do réu da livre locomoção.

Assim, tendo em vista o choque de entendimentos jurídicos sobre a possibilidade coercitiva da suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) nos processos de mérito executivo e a fim de se alcançar a segurança jurídica por intermédio da promoção de uma inteligência unificada, faz-se mister a aplicação da ponderação defendida na Teoria dos Direitos Fundamentais de Robert Alexy para solucionar a colisão entre os princípios. 

Desse modo, o presente artigo tem como objeto a aplicação da ponderação defendida por Robert Alexy e, por consequente, a averiguação da possibilidade da suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de um executado nas demandas judiciais que versam sobre a execução civil alimentar.

Logo, além de se abordar o conhecimento preliminar dos conceitos que circundam a temática, como o significado de um processo civil, a garantia dos créditos alimentares e os meios coercitivos civis admitidos no direito, foi aplicada a teoria do marco teórico e averiguada a possibilidade da adoção dessa medida atípica nos processos de execução.

Nesse sentido, foi aplicado o método da pesquisa bibliográfica complementar ao tema central, como a análise de obras, doutrinas e artigos jurídicos para a confecção da presente pesquisa.

Ao final, concluiu-se que, em uma situação de colisão de normas que envolvem o direito ao mínimo existencial previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em face do relativo direito de livre locomoção, com base em uma relação de precedência de um frente ao outro, existe a viabilidade da adoção de medidas atípicas nos processos de execução civil alimentares, como a suspensão da CNH, desde que esgotadas todas as opções típicas pertinentes ao caso e resguardado o princípio da proporcionalidade.

2 PROCESSO DE EXECUÇÃO CIVIL E CRÉDITOS ALIMENTARES

A necessidade da conservação e do aperfeiçoamento suprimiram a liberdade do homem e perpetraram um panorama social que revelou os seus interesses e consequentes conflitos. Diante disso, o Estado se viu obrigado a criar normas para que os litígios fossem solucionados, até que, no intuito simultâneo de reestabelecer a ordem social, exerceu definitivamente a jurisdição sobre a lide. Esta última, nas palavras de Freitas[3], materializou-se no controle da realidade fática pelo agente estatal para instigar o seguimento da lei.

Dessa maneira, com o tempo a especialização do ordenamento jurídico promoveu o surgimento do processo executivo, isto é, uma fase processual restrita aos atos necessários para a satisfação do direito do autor e consequente adimplemento da obrigação judicial, seja de pagar quantia, entregar coisa ou fazer ou não fazer.

Coube ao Estado, nesse momento, o dever de promover uma atividade favorável ao exequente que competia diretamente ao réu exercer: a satisfação da prestação. Isso porque, conforme Assis[4] denota, “os atos subsequentes ao ajuizamento da inicial, no procedimento in executivis, se submeteram ao princípio inquisitório”.

Assim, deu-se o nome de execução àquelas operações que “em decorrência da natureza do provimento reclamado e obtido pelo vitorioso, se destinavam a entregar-lhe o bem da vida”[5] – daí a denominação de “execução forçada”, adotada no art. 566 pelo diploma processual de 1973, à qual se contrapunha à ideia de “execução voluntária” ou “cumprimento” da prestação.

À vista disso, para que fosse proposta uma ação dessa natureza, a premissa inicial (e que se estendeu até a contemporaneidade) era a existência, em um primeiro plano, do requerimento da parte autora e o não cumprimento de uma obrigação assumida, acertada ou arbitrada pela ré.

Em um segundo momento, para o desenvolvimento válido e regular, dever-se-ia condicionar o andamento processual a certos requisitos denotados na própria validade do ato jurídico, como a presença de um agente capaz, forma prescrita em lei e um objeto lícito, possível, determinado ou determinável.

Posteriormente, com a permanência dessa simbologia de resguardo nos interesses do demandante, a estruturação do Código de Processo Civil (CPC) vigente trouxe a representatividade do título judicial (cumprimento de sentença) e título extrajudicial – institutos que hodiernamente deveriam se harmonizar com a aplicação do princípio da menor onerosidade ao devedor, porém, sem que a sua incidência servisse de amparo a calotes de maus pagadores.

Desse modo, desenvolvendo-se no Livro II do Código de Processo Civil (CPC), o procedimento da execução de título extrajudicial, além de depender preliminarmente da caracterização da natureza em entregar coisa certa ou incerta, por quantia, de fazer ou não fazer (que se encontra taxativamente prevista no art. 515); originou-se de um processo novo, uma vez que, não advinha de uma demanda judicial anterior, mas de um ato jurídico resultante da vontade concreta da lei contido em um documento formal[6] – ao contrário do cumprimento de sentença que, como veremos posteriormente, aprimorava-se nos mesmos autos em que foi proferida a decisão judicial da obrigação.

Nesta ação, os embargos constituíram o meio pelo qual o executado poderia impugnar a pretensão creditícia do exequente mediante a condição jurídica de ação já que, além de ser possível a instrução probatória, inexistia qualquer limitação nos argumentos para as teses de defesa – mormente porque o próprio diploma processual autorizava a defesa alegar qualquer matéria que lhe seria lícita deduzir em um processo de conhecimento.

O cumprimento de sentença, por seu turno, além de se encontrar disposto no Livro I, Título II, do estatuto processual civil, possuía como objeto as decisões proferidas no processo civil que reconhecessem a exigibilidade da obrigação de entregar coisa certa ou incerta, por quantia, de fazer ou não fazer.

Logo, a decorrência mais importante dessa posição topológica foi a própria consequência lógica do provimento judicial, ou seja, a sentença condenatória ser dotada de força executiva e o seu cumprimento ser uma fase do procedimento ordinário (ou sumário).

Nesse sentido, enquanto no ordenamento jurídico anterior conceituava que a execução de sentença necessitava de um novo pedido do autor, nova citação do réu e novo desenvolvimento processual visando à garantir o crédito que surgiu da tutela jurisdicional; atualmente, o cumprimento de sentença é instaurado pela vontade da própria lei, como atividade final de um processo cognitivo já sedimentado, independentemente da ação do credor e citação do devedor.

Nesse ângulo, Theodoro Júnior[7] reconhece que a “efetividade da jurisdição para o credor não era alcançada outrora no processo de conhecimento, pois ficava na dependência de novo processo posterior ao encerramento da relação processual cognitiva”.

Esse tipo de execução, aliás, independe de litigância de má-fé e pode ser definitiva (quando houver coisa julgada) ou provisória (com a eventual reversão de responsabilidade objetiva do credor se este perder seus direitos com uma decisão definitiva).

No tocante ao meio de defesa, o réu só poderá apresentar impugnação que verse sobre as situações descritas taxativamente no art. 525, § 1º, haja vista que a delimitação da matéria que o executado pode arguir é consequência da cognição exauriente pela qual as partes já passaram (que foi o processo de conhecimento).

Essa limitação justifica-se pela constatação de que não mais pode revisar temas próprios da fase de conhecimento pois se encontram superados por não terem sido oportunamente arguidos pela parte ou, ao terem sido articulados, foram repelidos através de sentença judicial transitada em julgado – que só pode ser desconstituído através da ação rescisória ou da ação anulatória.

Ato contínuo, em que pese não haver precisão histórica que defina quando a noção alimentícia passou a ser conhecida, já que desde a época de Justiniano se era conhecida uma obrigação recíproca entre ascendentes e descendentes em linha reta[8], os alimentos encontram-se previstos tanto no Código de Processo Civil (CPC) quanto na lei n. 5.478/68.

Nesse sentido, pelo diploma legal, consiste no pagamento de prestações mensais, pode decorrer da relação de parentesco e, ao contrário do que é entendido na linguagem popular, não está necessariamente relacionado à comida, uma vez que se desdobra intrinsicamente do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, da Constituição Federal).

Por consequente, o crédito alimentar abrange um amplo conhecimento acerca de tudo aquilo que for imprescindível ao vestuário, habitação, tratamento de enfermidades, manutenção do indivíduo e despesas de criação e educação dentro da concepção da sobrevivência e qualidade de vida equilibrada do homem.

Nesse entendimento, preceitua Gomes[9] que, além da expressão designar medidas diversas, os alimentos são prestações para satisfazer as necessidades vitais de quem não pode provê-las por si.

Ademais, a atualizada definição doutrinária dos alimentos se funda na destinação em que se dá ao dinheiro percebido, logo, como se trata de um conceito aberto, indispensavelmente existe uma divisão desse gênero nas espécies natural e côngruo (civis).

A primeira preceitua aquele ligado às necessidades vitais (comida, remédio, entre outras coisas), enquanto que a segunda, por sua vez, refere-se à manutenção da vida com qualidade (educação e lazer, por exemplo).

Outrossim, observa-se que a maneira com que o indivíduo se torna incapaz de prover o próprio sustento também define outro meio de classificação da aludida obrigação. Dessa forma, os alimentos também podem se classificar legalmente em: legítimos, indenizatórios, voluntários e assistenciais.

Os alimentos legítimos possuem previsão nos art. 227 e 229 da Constituição Federal (CF) e são assinalados como aqueles que surgem da relação de parentesco – por isso, além de serem devidos de maneira recíproca, podem atingir também os parentes colaterais (como é o caso dos irmãos, na previsão do art. 1.697 do Código Civil, e dos tios e sobrinhos, na previsão do art. 1.694 do mesmo diploma).

Os alimentos indenizatórios, por sua vez, nascem da ocorrência de um ato ilícito (vide art. 948, inc. II, art. 950 e art. 951, ambos do Código Civil), à medida que os voluntários decorrem de ato de vontade por negócio jurídico (inter vivos – art. 803 do Código Civil – ou causa mortis – art. 1.920 Código Civil). E, por fim, os assistenciais são conhecidos pela finalidade de assegurar, por um certo período, alimentos a determinada pessoa quando a lei assim previr a obrigação.

De mais a mais, ao julgar procedente a reclamação contra a decisão do juízo da 2ª Vara do Trabalho de Itabuna/BA, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou, em 2015, a súmula vinculante 47[10] e se fez entender pelo ministro Luís Roberto Barroso que o caráter alimentar também é comum aos honorários sucumbenciais, seja por arbitramento judicial ou contratual.

Esta orientação consolidou a compreensão de que “os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar […]” – esse entendimento foi promulgado, por intermédio da recepção de instrumentos cooperativos, no novo códex processual com a inserção do art. 85, § 14.

No mesmo caminho, tendo em vista o momento de necessidade de afeto e assistência financeira para as despesas que incluem a alimentação, tratamentos médico-hospitalares, internações e o próprio parto destinado à gravidez saudável, o legislador, detentor do caráter jurídico e social, promoveu os direitos previstos no art. 2º do Código Civil (CC) e, por meio da lei federal n. 11.804/08, introduziu no ordenamento jurídico os alimentos gravídicos.

Nessa toada, apesar de ter de aduzir provas contundentes que convençam o juiz da paternidade alegada, bem como esse dever alimentar ser considerado assistencial e percebidos diretamente pela mãe, a mulher grávida tornou-se legítima para requerer antecipadamente os alimentos gravídicos devido à finalidade precípua de trazer a sobrevivência indireta ao filho que está em desenvolvimento.

A propósito, ao encontro desse raciocínio, após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos são convertidos em créditos alimentares legítimos em benefício da criança até que uma das partes pleiteie a sua revisão ou exoneração – exoneração esta que, assim como outrora foi necessário expor material probatório, ocorrerá se o pai provar mediante prova pericial (DNA) que a criança não é seu filho.

Vislumbra-se, então, que o dever de prestar alimentos pode surgir de variadas relações, porém, ainda que possa receber impacto material diferente, não existe qualquer disposição legal de hierarquia[11] – razão pela se qual inviabiliza qualquer tipo de preferência de um em relação a outro.

Destarte, apesar de a doutrina classificá-los, conforme supramencionado, por meio de sua destinação, e a lei qualificá-los de maneira a quem tem o dever de pagar; processualmente, como veremos, inexistem quaisquer impactos jurídicos quanto aos meios de execução, com exceção dos alimentos legítimos.

Por isso, entendendo o magistrado que a demanda envolve uma natureza alimentar, tem-se uma distinção naturalmente brusca nos meios de execução em relação aos créditos de outras naturezas, notadamente a invasão da esfera jurídica do executado e não só de seu círculo patrimonial[12].

Além disso, embora não conste na lei nenhuma ressalva em relação à classificação, a doutrina e jurisprudência são pacíficas ao aceitarem apenas 2 (dois) ritos procedimentos para se alcançar o crédito alimentar, quais sejam: o da coerção pessoal (prisão) e constrição patrimonial de bens (penhora).

O entendimento acerca do primeiro rito é que, além de ser possível somente nos termos do art. 5º, inc. LXVII, da Constituição Federal (CF), a regra para a sua utilização prescinde de prova do direito a alimentos e deve ocorrer no caso dos alimentos legítimos – porque haverá um dever constitucional descumprido.

Cahali[13], desse modo, ensina que a prisão por dívida, como meio coercitivo para o adimplemento da obrigação alimentar, é cabível apenas no caso dos alimentos previstos nos arts. 1.566, inc. II, e 1.694, ambos do Código Civil (CC), que constituem relação de direito de família – sendo inadmissível a sua cominação por ação de responsabilidade ex delicto.

O segundo rito, por seu turno, cabe à parte demonstrar que sem a percepção daqueles valores está violando o seu direito constitucional de receber os alimentos.

Por conseguinte, uma vez não existindo o pagamento voluntário, ocorrerá a expedição de mandado de penhora e avaliação e seguirá os atos próprios da expropriação com a possibilidade de se atingir o valor por diversas formas – como a penhora dos vencimentos, subsídios, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, quantias recebidas por liberalidade de terceiro, ganhos do trabalhador autônomo e dos honorários de profissional liberal e determinação judicial de constituição de garantia real ou fidejussória.

3 MEIOS COERCITIVOS NOS PROCESSOS DE EXECUÇÃO CIVIL

A forma especial de se alcançar os alimentos visa a proteger um mínimo existencial em atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, diante da conjectura histórica supracitada e tendo em vista a diferenciação da verba alimentar em relação aos demais créditos, o Código de Processo Civil (CPC) trouxe diversos meios coercitivos que visam a coibir o devedor a cumprir a obrigação que lhe está sendo movida.

Dentre esses mecanismos, destaca-se a possibilidade inicial da decisão transitada em julgado ser protestada quando não cumprida no prazo legal (art. 517) e ocorrer, a requerimento da parte, a inclusão do nome do devedor nos cadastros de órgãos de proteção ao crédito, via sistema Serasajud (art. 782, § 3º).

Adiante, respeitando a ordem preferencial prevista no art. 835, sobrevém igualmente as oportunidades da realização de bloqueio eletrônico (art. 845), pelo sistema Banco Central do Brasil (Sisbajud) ou da penhora de percentual do faturamento da empresa devedora (art. 866) com a posterior nomeação de um administrador-depositário – desde que tal percentual não impossibilite o seu funcionamento, em razão do princípio da menor onerosidade.

E no caso das verbas alimentares, tem-se ainda a alternativa do bloqueio dos valores constantes do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e a possibilidade de expedição de ofício ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para dirimir o questionamento quanto ao vínculo trabalhista do executado para posterior transferência de valores ou desconto mensal na folha de pagamento (art. 529, § 3º).

Observa-se, todavia, que, em que pese existir toda a excepcionalidade na execução da gama alimentar, a 3ª Turma do Tribunal Superior, através do Recurso Especial n. 1.619.868[14], firmou a tese de que não é possível a indisponibilidade dos saldos de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para o pagamento de honorários de sucumbência. Isso porque, embora se saiba que em uma situação de colisão de princípios o julgador precise prestigiar o crédito alimentar listado no art. 797, o colegiado elencou a diferença entre a natureza do crédito alimentar advindo dos honorários sucumbenciais para um profissional liberal e da prestação de alimentos decorrente de relação familiar (alimentos legítimos).

Em ato contínuo, com um parecer quase contraditório ao anterior, a 4ª Turma desse órgão, por meio do Agravo Interno no Recurso Especial n. 1.732.927[15], consolidou o regramento de que os honorários advocatícios se enquadram na regra de exceção prevista no § 2º do art. 833 do Código de Processo Civil (CPC) e, portanto, apesar de os valores das contas de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do Programa de Integração Social (PIS) não poderem ser penhorados para sua quitação, os de aposentadoria podem.

Nessa decisão, o relator Raul Araújo entendeu que a penhora desses valores deveria ser feita com parcimônia, sopesando o direito de cada parte envolvida e com a interpretação teleológica do art. 529, § 3º, no qual autoriza a penhora de até 50% (cinquenta por cento) dos rendimentos líquidos do executado.

Continuando, além desses procedimentos, a expedição de mandado de penhora, depósito e avaliação de bens de propriedade do executado suficientes para assegurar o pagamento da demanda, similarmente poderá ser utilizada como uma maneira de forçar o devedor a adimplir a obrigação de pagar quantia certa que lhe foi imposta anteriormente.

E subsidiariamente, em caso de infrutífera a busca de bens aparentes, pode-se optar, à luz do art. 835, inc. IV, pela consulta via sistema de Restrições Judiciais sobre Veículos Automotores (Renajud) – isso para se verificar a existência de veículo de via terrestre em nome do executado e depois proceder à inclusão da restrição de circulação.

Por fim, permanecendo infrutíferas as consultas, ainda se pode efetivar a pesquisa via Sistema de Informações ao Judiciário (Infojud) com o fim de se ter acesso às informações cadastrais do contribuinte, notadamente as Declarações de Imposto de Renda das Pessoas Físicas (DIRPF), depósitos de dinheiro em espécie e Declaração dos Ofícios de Imóveis (DOI).

E igualmente, ainda respaldando negativa a satisfação do crédito, recomenda-se, em homenagem ao art. 835, inc. V, a busca de bens imóveis suficientes para o pagamento da demanda por meio da consulta no Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), novamente para posterior requerimento de penhora.

Desta forma, percebe-se que o Código de Processo Civil (CPC) aumentou o leque de possibilidades do credor, com a participação efetiva do poder judiciário, em receber a quantia certa que lhe é devida. Contudo, ocorre que, apesar da existência de numerosas alternativas coercitivas, ao longo dos anos foram perpetradas diversas condutas de proteção patrimonial que inviabilizaram o sucesso dos processos de execução.

Estas, dentre outras razões, além de colaborarem com a contradição da ausência de celeridade em uma ação de execução, consolidaram o inadimplemento e a cultura do não pagamento no país.

Esses atos são percebidos quando no caderno processual são registrados sinais exteriores de riqueza da parte ré – como, por exemplo, quando o oficial de justiça certifica nos autos a existência de veículos na residência do devedor, no entanto, nenhum bem (móvel ou imóvel) encontra-se registrado em seu nome; senão quando, apesar de inexistir saldo positivo em qualquer conta/aplicação no sistema financeiro (Sisbajud negativo), são cotidianamente demonstrados gastos com viagens ou festas incompatíveis com a situação de inadimplência do executado.

Desse modo, a fim de se garantir o crédito alimentar nestas situações, faz-se necessária a análise dos atos não convencionais de execução. Dentre estes, além do bloqueio do cartão de crédito e o impedimento na participação de licitações (pessoa jurídica), a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) é uma medida que vem sendo cada vez mais adotada em alguns casos pelos tribunais, porém também ensejando fortes críticas aos operadores do direito.

Isso porque tal temática envolve um interessante ponto controverso que se encontra dirimido por meio da análise do art. 139, inc. IV, do Código de Processo Civil (CPC) e deve ser interpretado em harmonia com os demais dispositivos do ordenamento jurídico pátrio aplicáveis ao direito em análise.

Afinal, por um lado se sabe que é uma excelente ferramenta para prevenir os credores daqueles indivíduos que não desejam cumprir com suas obrigações ou transferem os bens a terceiros para frustrar o pagamento, pois, além de o próprio art. 1º, inc. III, da Constituição Federal (CF) ter fixado a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, o direito à liberdade de locomoção não é um direito ilimitado (a Constituição Federal, inclusive, autoriza que tais limitações sejam realizadas por meio do legislador ordinário).

Por outro, tal medida não pode ser aplicada de qualquer maneira, pois é necessário analisar cada caso em sua singularidade e utilizá-la apenas em casos extremos, bem como após reiteradas tentativas infrutíferas de se resolver o débito, sobretudo quando o credor observa que o devedor leva um estilo de vida inadequado para quem tem pendências financeiras.

Nessa acepção, ao julgar improcedente o Recurso em Habeas Corpus n. 88.490[16]  apresentado em outubro de 2017 contra um acórdão no Distrito Federal (DF), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou o entendimento inicial, por intermédio da ministra Maria Isabel Gallotti, que a possibilidade da suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) não configura a violação direta do direito de ir e vir do paciente.

Afinal, conforme se denotava nos autos de origem, todas as medidas executivas típicas para se arcar com o pagamento da dívida já haviam sido adotadas pelo autor, ao tempo em que o juízo a quo constatou que o réu também possuía alto padrão de vida, incompatível com a alegada ausência de patrimônio para arcar com a extinção do débito.

Posteriormente tal entendimento influenciou, no mês de dezembro do mesmo ano, o julgamento do Habeas Corpus n. 428.553[17] pelo ministro e relator Paulo de Tarso Sanseverino. Este, ao encontro do raciocínio, entendeu que tal remédio constitucional não pode ser utilizado como sucedâneo do recurso legalmente cabível, já que é considerado uma medida excepcional, extremo e admissível somente na hipótese de violência ou coação ao direito de locomoção – o que não ensejava a demanda posto que o executado pode se locomover livremente por outros meios.

Sucessivamente, em junho de 2018, mediante o julgamento do Recurso em Habeas Corpus n. 97.876[18], o ministro e relator Luis Felipe Salomão defendeu a tese de que as penas restritivas de direitos não poderiam ser deferidas apenas por juízos criminais ou órgãos administrativos (Tribunal de Ética da OAB ou do CRM, por exemplo), pois a competência dessa via também pode ser admissível ao juízo cível ou trabalhista.

A sua explicação foi que, em prol da satisfação da obrigação, o julgador pode se utilizar dos meios executivos atípicos, como a apreensão de documentos, desde que a decisão seja fundamentada e sujeita ao contraditório, sob pena de configurar-se como sanção processual e afastar-se de seu desiderato.

E na exata linha, reafirmou-se que a suspensão ou a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do devedor inadimplente é uma medida válida como forma de compeli-lo a cumprir a obrigação de pagar que dependerá da análise fática de cada caso a verificar sua proporcionalidade e adequação.

4 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE ROBERT ALEXY E EMBASAMENTO PARA A SUSPENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO (CNH)

Em sua essência, os direitos fundamentais são direitos individuais decorridos de caráter absoluto e designados ao homem livre que possui alguma pretensão frente ao Estado. Desse modo, o seu exercício não depende de previsão na legislação infraconstitucional e se encontra cercado por diversas garantias de força constitucional.

Para Bonavides[19], tratam-se de “direitos introduzidos pela globalização política e relacionados à democracia, à informação e ao pluralismo.”

Além disso, esses direitos objetivam a imutabilidade jurídica e política do Estado Democrático de Direito e trazem consigo, além das limitações impostas pela própria soberania popular aos poderes constituídos pelos governos, o inevitável resultado de diversos eventos históricos e ideologias marcadas, de forma indelével, pelos primados da liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, visando à constatação de que os direitos fundamentais são normas constitucionais e a Constituição ocupa o topo da chamada pirâmide normativa, pressupõe-se que, sempre que alguém for dotado de um direito fundamental, haverá uma norma (regra ou princípio) que garantirá este direito – o que seria o equivalente à ideia de dois lados da mesma moeda.

Com fulcro nesta diversidade, extrai-se que enquanto a convivência entre regras é antinômica, a de princípios é necessariamente conflituosa. E dessa maneira, desconhecida por muitos operadores, a aplicação da concepção ora apresentada deveria servir de paradigma para, além do desenvolvimento da compreensão do magistrado em casos que enfrentam a ponderação principiológica, o uso em casos que envolvem o direito aos créditos alimentares.

Isso pois o objetivo de Robert Alexy com a sua teoria não é alcançar exatamente uma homogeneização de cada ordem jurídica fundamental, mas de descobrir as estruturas dogmáticas e revelar os princípios e valores que se escondem atrás das codificações e da jurisprudência.

Nesse ponto, a Teoria dos Direitos Fundamentais procura dar resposta às indagações supramencionadas com a pretensão de cientificidade e, para isso, defende que, além de tais direitos possuírem caráter de princípios, nessa condição eventualmente se colidem, sendo necessária uma solução ponderada em favor de um deles.

Destarte, registra-se que não se possui um catálogo de prescrições direcionadas aos intérpretes – o próprio autor adverte que as precisões são tarefas da própria dogmática de cada direito prestacional[20] – todavia, trata-se de um viés que permite a coexistência entre a garantia de justiciabilidade do direito, negando, portanto, qualquer tentativa de despir de normatividade a Constituição e a proteção da discricionariedade para a escolha de meios.

Assim, inicialmente, para o entendimento dessa teoria, é mister compreender que a teoria é dividida em três etapas: a) a distinção entre regras e princípios; b) o postulado da proporcionalidade e; c) a proporcionalidade em sentido estrito;

Ora, de imediato, as regras são mandamentos definitivos formulados para exigir um cumprimento pleno (satisfeitas ou não satisfeitas), enquanto que os princípios são classificados como mandamentos de otimização que ordenam a realização de algo na maior medida possível e dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes (caráter prima facie).

Para Barcellos e Barroso[21], regras são, normalmente, “relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas e aplicáveis a um conjunto delimitado de situações”, ao passo que princípios “não especificam a conduta a ser seguida pois se aplicam a um conjunto amplo (por muitas vezes, indeterminado) de situações”.

Dito isso, para a aplicação de uma regra, ainda que seja necessário interpretar os enunciados legais, supõe-se que as propriedades já estão definidas ex ante (por exemplo, uma norma que proíbe a entrada de animais no parque não pode ser cumprida de modo otimizado, isto é, ou é cumprida totalmente ou não é), enquanto que, no que diz respeito aos princípios que definem os direitos fundamentais, a prática definitiva restringe-se à condição de uma situação de colisão (a realização de uma ponderação resultará na obtenção de uma regra – o que traz o processo de subsunção), justamente porque a sua aplicação individual poderia representar efeitos inconciliáveis entre si, bem como juízos contraditórios em relação a outros direitos fundamentais.

Nessa sequência, Alexy[22] conceitua que se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido –, um dos princípios terá de ceder.

Isso porque, não ocorre a invalidez de um ou outro, mas uma relação de precedência sob determinadas condições. Logo, conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão do peso.

Para o postulado da proporcionalidade, Alexy[23] contextualiza, primitivamente, a imprescindibilidade do uso da proporcionalidade como uma técnica para a aferição do resultado entre conflitos principiológicos e assim infere que “a teoria dos princípios implica o princípio da proporcionalidade e o princípio da proporcionalidade implica a teoria dos princípios”.

Desse modo, ao expor inicialmente a sua tese, elucida-se que, quando um princípio “P1” colide com um princípio “P2”, a relação de prevalência “P” entre ambos define-se a partir das condições concretas “C” – assim, a ordem de precedência normativa poderá ser continuadamente alterada, desde que respeitadas as circunstâncias proporcionais de cada caso e, quando subsistirem as mesmas circunstâncias fáticas, o sopesamento poderá satisfazer as exigências de uma universalidade.

Em vista disso, há, então, quatro possibilidades de decisão de um caso a partir da solução de colisão entre princípios, conforme Figura 1.

Como se percebe, as afirmativas (1) e (2) são relações incondicionadas (absolutas) de precedência e, segundo o autor, impossíveis de serem reconhecidas no plano jurídico, notadamente porque “[…] o Tribunal Constitucional Federal excluiu a possibilidade dessa forma de relação de precedência com a afirmação: ‘nenhum desses interesses goza, em si mesmo, de precedência sobre o outro’”[24].

Dessa forma, restam presentes as assertivas (3) e (4), que são relações precedência condicionadas (concretas ou relativas).

Essa descrição é importante porque nos denota que a decisão depende da construção de um juízo sobre o caso concreto e, por conseguinte, depende de uma instrução probatória suficiente. Afinal, se a relação de prevalência entre princípios é condicionada às propriedades singulares de cada fato, não há como estabelecer uma decisão baseada na ideia de aplicação incondicionada do direito.

Nessa toada, o princípio da proporcionalidade divide-se em três passos parciais:

O primeiro corresponde ao juízo de adequação ou idoneidade, isto é, o meio em que se aplicará o princípio “P1” deverá comprovar que o não cumprimento trará um grau de prejuízo, bem como utilizar-se do meio mais adequado para a persecução do fim desejado.

O segundo é aferido pela necessidade, razão pela qual se impõe que a escolha do meio menos custoso para a realização de “P1” deverá ser preferível.

E adiante, ao ser possível justificar o emprego do princípio no âmbito das possibilidades jurídicas, mesmo gerando desvantagem a outras normas, chega-se na terceira etapa, que é a proporcionalidade em sentido estrito.

Para o ensinamento da adequação, a compreensão se torna evidente diante da citação dos próprios exemplos de Robert Alexy[25] (2011, p. 588-589): ao introduzir uma norma N que impõe a necessidade de uma permissão estatal aos comerciantes para melhorar o comércio de varejo (P1 = princípio do bem coletivo econômico), percebe-se a inadequação dessa lei para promover este princípio, porquanto exige a demonstração de expertise dos comerciantes (realização de uma prova) para a instalação de máquinas complexas e automáticas, bem como, infringe a liberdade profissional (P2 = princípio da liberdade profissional).

Por sua vez, o subprincípio da necessidade versa sobre a escolha de medida restritiva de direitos indispensável à preservação do próprio direito por ela restringido ou a outro em igual ou superior patamar de importância.

Não obstante, visando a fortalecer racionalmente o resultado que se ascendeu, o jusfilósofo elaborou, por intermédio de uma fórmula matemática de intensidades, uma escala triádica denominada proporcionalidade em sentido estrito.

Dessa forma, após seguir os passos outrora mencionados, propõe-se a graduação das lesões (não-satisfação, afetação ou intensidade) de um determinado princípio em leve (l), média (m) ou grave (s); sendo que, no tocante a outros aspectos dessa inferência, o atributo do prejuízo é designado por “Pi” (e “Pj” para incógnita do princípio contrário), a intensidade do prejuízo é representada por “IPi” (e “WPj” para a incógnita do princípio contrário), as circunstâncias relevantes para o caso são nominadas por “C” e o prejuízo em concreto é intitulado por “GPi” – esta última medida significa o peso em abstrato que servirá de comparação para outros conflitos de princípios. Isto posto, constrói-se as seguintes operações: “IPiC = Pi + C” e “WPjC = Pj + C”.

Fixadas as grandezas, sugere-se a substituição destas expressões para os modelos mais concisos “Ii” e “Ij”, respectivamente. Logo, IPiC = Ii e WPjC = Ij.

Neste ponto, estabelecidas as formulações representativas dos dois princípios aparentemente colidentes, faz-se necessário direcionar-se para o passo das valorizações postas em relação uma com a outra.

Portanto, em comparação ao teorema anterior, haverá três casos nos quais “Pi” prevalecerá sob “Pj”, três casos nos quais “Pj” prevalecerá sob “Pi” e três casos nos quais ocorrerá empate. O raciocínio matemático pode ser facilmente descrito pelas seguintes fórmulas: (1) Ii = (s)    Ij = (l); (2) Ii = (s)    Ij = (m); (3) Ii = (m)    Ij = (l); (4) Ii = (l)    Ij = (s); (5) Ii = (m)    Ij = (s); (6) Ii = (l)    Ij = (m); (7) Ii = (l)    Ij = (l); (8) Ii = (m)    Ij = (m) e; (9) Ii = (s)    Ij = (s). Ou, conforme expõe o autor, respectivamente, na Figura 2.

Por fim, demonstra-se a inteligência se fazendo substituir (l), (m) e (s) de “Ii” e “Ij” por 20, 21 e 22 e -20, -21 e -22, respectivamente, e permitindo em seguida do concurso dos números.

Desta feita, verificar-se-á, por meio da adição que, se o saldo numérico for positivo, haverá a intensidade maior e consequente prevalência de “Pi”; negativo quando intensidade maior e consequente prevalência de “Pj” e; saldo zero quando houver empate (havendo empate, afirma-se que a ponderação não oferecerá solução, estando este locus situado entre as atribuições do poder legislativo).

Outrossim, é possível demonstrar numericamente, por meio de uma fórmula matemática, a expressão do peso do princípio “Pi” sob “Pj” nas circunstâncias do caso concreto e, assim, servir de comparação na argumentação jurídica para ilustrar outros conflitos principiológicos. Ela tem o seguinte conteúdo: GPi, j = Ii / Ij

4.1 APLICAÇÃO DA TEORIA PARA A GARANTIA JUDICIAL DOS CRÉDITOS ALIMENTARES

Bem, se pensarmos na aplicação do direito fundamental apreciado nesse artigo, “P1” seria o direito a um crédito de um determinado exequente que, sem o respaldo jurisdicional adequado, promoveria o amparo aos calotes de maus pagadores; “P2”, por sua vez, seria o direito à livre locomoção do devedor que é resguardado pelo preceito constitucional.

Assim, tendo em vista que as circunstâncias “C” definem a prevalência de “P1” sobre “P2”, pode-se naturalmente perceber que, no âmbito da natureza alimentar, concebe-se a prevalência do primeiro sobre o segundo.

Isso porque, como já entendido, o crédito alimentar goza de prioridade absoluta, já que intrinsicamente também está relacionado ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e sem ele ocorre um possível aniquilamento dos direitos ao mínimo existencial, à saúde e à vida da criança.

Ademais, intentando à construção de um juízo sobre o caso concreto, esse entendimento fica mais claro quando se passa a observar os passos da máxima da proporcionalidade.

Desse modo, observa-se que o juízo da adequação se compreende pelo fundamento que, após esgotadas todas as medidas típicas, sem a aplicação deste meio, há de se ter um grande prejuízo ao alimentando, notadamente porque quando não é mais possível utilizar o meio executório do rito da coerção pessoal (prisão), o executado adquire o suporte necessário para frustrar os pagamentos alimentares mensais, como a transferência de seus bens a terceiros.

O segundo é aferido pela necessidade, razão pela qual se entende que a escolha deste meio é menos custoso para a realização de “P1” porquanto, como já entendido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), não se tem o condão de caracterizar ofensa ou ameaça à liberdade de livre locomoção do réu – o executado pode efetuar o seu deslocamento via táxi, a pé, de ônibus ou pela carona.

Outrossim, também é possível justificar o emprego do princípio no âmbito das possibilidades jurídicas, pois, mesmo gerando danos a outras normas, garante-se a celeridade no processo (a eficiência e brevidade foram os objetivos do legislador no processo de execução), auxilia na visão de um poder judiciário célere ao certificar o princípio do resultado na execução e se trata de uma excelente ferramenta para prevenir os credores daqueles indivíduos que não desejam cumprir com suas obrigações.

Aliás, ainda que na eventualidade o réu utilize o bem móvel para o trabalho remunerado, restará evidente que o executado será compelido a realizar um acordo de parcelamento (situação em que caminha ao encontro do interesse do próprio alimentando).

Destarte, apesar de, à primeira vista se apontar um óbice sobre uma violação ao princípio da patrimonialidade da execução, não se deve confundir a natureza jurídica das medidas de coerção psicológica (que são apenas medidas executivas indiretas), com sanções civis de natureza material (que são medidas excepcionais e capazes de ofender a garantia da execução por configurarem punições ao não pagamento da dívida). Afinal, a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) decorre do esgotamento de todos os meios para extinguir a dívida alimentar.

E finalmente, visando a fortalecer racionalmente o resultado que se ascendeu, bem como diminuir a subjetividade procedimental, demonstra-se, de acordo com a Figura 3, a inteligência da aplicação da fórmula matemática ao se selecionar a seguinte equação posta em relação uma com a outra.

Logo, com a aplicação do teorema e da fórmula de Robert Alexy, fica notório que o sopesamento de “P1” sobre “P2” permite a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), como um meio de coerção ao executado, após esgotar as medidas típicas.

Portanto, uma vez satisfeitas as exigências de uma universalidade, notadamente entre o conflito principiológico que envolve o direito de um exequente em receber o crédito alimentar e a relativa supressão da livre locomoção do devedor, tem-se como resultado a obtenção de uma regra (o que traz o processo de subsunção) para essa especificidade do processo de execução.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que tem cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado democrático de direito.

Nesta toada, o processo de execução surgiu com a perspectiva de se restringir aos atos necessários para a satisfação do direito do autor e consequente adimplemento da obrigação judicial, seja de pagar quantia, entregar coisa ou fazer ou não fazer.

A sua simbologia delimitou o resguardo nos interesses do credor e a possibilidade de requerimento de variados meios para coibir o devedor a cumprir a obrigação que lhe foi movida.

Ocorre que ao longo dos anos foram perpetradas várias condutas de proteção patrimonial que inviabilizaram o sucesso dos processos de execução. Tais atos, inclusive, são hodiernamente percebidos quando no caderno processual são registrados sinais exteriores de riqueza da parte ré.

Desse modo, a fim de se garantir o crédito nestas situações, notadamente o alimentar, fez-se necessária a análise dos atos não convencionais de execução. Dentre estes, a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) progressivamente se destacou no ordenamento jurídico devido à eficiência na diligência e ao modo de pressionar quem há tempos se recusava a cumprir a obrigação que lhe era devida.

Todavia, a predominância da concepção subjetiva dos magistrados também trouxe uma grande insegurança na hermenêutica ao possibilitar a existência de entendimentos arbitrários que não guardavam relação com o caso concreto.

Nesse sentido, surgiu a Teoria dos Direitos Fundamentais de Robert Alexy que, em que pese ser desconhecida por muitos operadores, propôs um teorema e uma fórmula matemática – objetos desse artigo – capazes de exteriorizar o questionamento da aplicação teórica e, assim, evitar o engessando do aplicador do Direito com o concurso da matemática.

Logo, aplicando-se a teoria, observou-se que o juízo da adequação se compreendeu pelo fundamento que, após esgotadas todas as medidas típicas, sem a aplicação deste meio, haveria um grande prejuízo ao alimentando, principalmente porque quando não é mais possível utilizar o meio executório do rito da coerção pessoal (prisão), o executado adquiria o suporte necessário para frustrar os pagamentos alimentares mensais.

O juízo da necessidade, por sua vez, foi aferido pelo modo que a escolha deste meio é o menos custoso para a realização da obrigação pecuniária alimentar porquanto não tem o condão de caracterizar ofensa ou ameaça à liberdade de livre locomoção do réu.

E, por fim, é possível justificar o emprego do princípio no âmbito das possibilidades jurídicas pois, mesmo gerando danos a outras normas, garante-se a celeridade no processo, o auxílio na visão de um poder judiciário célere e se trata de uma excelente ferramenta para prevenir os credores daqueles indivíduos que não desejam cumprir com suas obrigações.

Portanto, conforme se demonstrou alhures, ficou explícito que, do ponto de vista da validação, ao satisfazer as exigências de uma universalidade e sopesar os aludidos princípios nas circunstâncias da natureza alimentar, permite-se a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de um executado, como um meio de coerção, desde que esgotadas as medidas típicas pertinentes ao caso. E por isso, teve-se como resultado a obtenção de uma regra (o que traz o processo de subsunção) para o caso concreto.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante n. 47. Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa naturezaDiário da Justiça: Brasília, DF, 2 jun. 2015.

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[1] Pós-graduando em Direito e Processo Penal (nível de especialização) pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Graduado em Direito (nível bacharelado) pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), campus de Joaçaba (2021). Estudante na Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Joaçaba/SC. Contato: gustavohbkorner@gmail.com.

[2] Pós-graduada em Direito (nível de mestrado) pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), campus de Chapecó, na área de concentração em “Dimensões Materiais e Eficácias dos Direitos Fundamentais” e na linha de pesquisa de “Direitos Fundamentais Sociais: Relações de Trabalho e Seguridade Social” (2015). Pós-graduada em Ciências Penais (nível de especialização) pela Universidade Anhanguera (Uniderp) (2013). Graduada em Direito (nível bacharelado) pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc) (2011). Pesquisadora em Direitos Fundamentais Sociais e professora na Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), campus de Joaçaba; Joaçaba/SC. Contato: daiane.masson@unoesc.edu.br.

[3] FREITAS, Alexandre. Lições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 17. ed. 2008, p. 66.

[4] ASSIS, Araken. Da execução de alimentos e prisão do devedor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 5. ed. rev. e atual. 2001, p. 66.

[5] ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2. ed. 2009, p. 4.

[6] SHIMURA, Sérgio. Título Executivo. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 84.

[7] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: execução forçada, processos nos tribunais, recursos, direito intertemporal. Rio de Janeiro: Editora Forense, 50. ed. rev. atual e ampl. 2017, p. 115.

[8] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. São Paulo: Atlas, 14. ed. v 6, 2014, p. 338.

[9] GOMES, Orlando. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 11. ed. 1999, p. 427.

[10] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante n. 47. Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza. Diário da Justiça: Brasília, DF, 2 jun. 2015.

[11] ASSIS, 2001, p. 105.

[12] ASSIS, Araken de. Manual da Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 18. ed. 2016, p. 131.

[13] CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. São Paulo: RT, 6. ed., 2009, p. 753.

[14] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1619868 SP 2014/0165311-7. Recorrente: Silvio Henrique Schlittler Inforzato e Dimas Falcão Filho. Recorrido: José Afranio Oliveira Fagundes e outros. Brasília, 24 de outubro de 2017. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/515531004/recurso-especial-resp-1619868-sp-2014-0165311-7/. Acesso em: 26 mar. 2021.

[15] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Recurso Especial n. 1732927 DF 2018/0073612-4. Recorrente: Ronaldo Donizete Pereira. Recorrido: Sarah Priscilla Guimarães. Relator: Raul Araújo. Brasília, 12 de fevereiro de 2019. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/689293854/agravo-interno-no-recurso-especial-agint-no-resp-1732927-df-2018-0073612-4/inteiro-teor-689293864. Acesso em: 26 mar. 2021.

[16] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus n. 88490 DF 2017/0211675-0. Recorrente: Valmir Antônio Amaral. Recorrido: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Relatora: Maria Isabel Galotti. Brasília, 8 de novembro de 2017. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/518623346/recurso-em-habeas-corpus-rhc-88490-df-2017-0211675-0. Acesso em: 26 mar. 2021.

[17] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 428553 SP 2017/0321807-5. Recorrente: André Luiz do Nascimento Barboza. Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator: Paulo de Tarso Sanseverino. Brasília, 7 de dezembro de 2017. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/531284702/habeas-corpus-hc-428553-sp-2017-0321807-5. Acesso em: 26 mar. 2021.

[18] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus n. 97876 SP 2018/0104023-6. Recorrente: Jair Nunes de Barros. Recorrido: Estado de São Paulo. Relator: Luis Felipe Salomão. Brasília, 5 de junho de 2018. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/611423833/recurso-ordinario-em-habeas-corpus-rhc-97876-sp-2018-0104023-6/certidao-de-julgamento-611423875?ref=juris-tabs. Acesso em: 26 mar. 2021.

[19] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 27. ed. 2012, p. 578-589.

[20] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Traduzido por Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 512.

[21] BARCELLOS, Ana Paula de; BARROSO, Luís Roberto. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Revista da EMERJ, v. 6, n. 23, 2003. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista23/revista23_25.pdf. Acesso em: 26 mar. 2021, p. 33-34.

[22] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Traduzido por Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2. ed., 2011, p. 92-94.

[23] ALEXY, Robert. Two or Three? On the nature of legal principles. Editado por Martin Borowski. Stuttgart: Nomos, 2010, p. 297.

[24] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Traduzido por Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2. ed., 2011, p. 97.

[25] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Traduzido por Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2. ed., 2011, p. 588-589.