A MODULAÇÃO A FAVOR DO ESTADO

A MODULAÇÃO A FAVOR DO ESTADO

30 de junho de 2024 Off Por Cognitio Juris

MODULATION IN FAVOUR OF THE STATE

Artigo submetido em 20 de junho de 2024
Artigo aprovado em 26 de junho de 2024
Artigo publicado em 30 de junho de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 55 – Junho de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Gustavo Andrade Oliveira Fontana[1]

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. A MODULAÇÃO E O FUNDAMENTO NA SEGURANÇA JURÍDICA; 2. MODULAÇÃO A FAVOR DO ESTADO; 3. O CONSEQUENCIALISMO NA MODULAÇÃO A FAVOR DO ESTADO (SEGURANÇA JURÍDICA E INTERESSE PÚBLICO/SOCIAL); CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

RESUMO: O presente trabalho objetiva analisar a modulação e a possibilidade de se operar efeitos em favor do Estado, frente aos pressupostos gerais da segurança jurídica e do interesse social/público, a posição de prevalência do Estado em relação ao particular, o princípio da proteção da confiança, o venire contra factum proprium e os argumentos consequencialistas, permeando as duas posições antagônicas sobre o tema e demonstrando a possibilidade de se analisar a questão sem necessariamente se voltar a uma ou outra posição de forma excludente, aproveitando-se de ponderações válidas de ambas as correntes, para se construir uma via que admita se modular a Favor do Estado, entretanto, de forma moderada, diante da avaliação do caso concreto e uso da técnica adequada.

PALAVRAS-CHAVE: modulação; Estado; segurança jurídica; boa-fé; proteção da confiança.

ABSTRACT: The present work aims to analyze the modulation and the possibility of operating effects in favor of the State, in view of the general assumptions of legal certainty and social/public interest, the prevailing position of the State in relation to the individual, the principle of protection of trust, the venire contra factum proprium and the consequentialist arguments, permeating the two antagonistic positions and demonstrating the possibility of analyzing the issue without necessarily being back to one or the other position in an exclusionary way, taking advantage of valid considerations of both currents, to build a path that admits to modulate in favor of the State, however, in a moderate way, with the evaluation of the concrete case and the use of the correct technique.

KEYWORDS: modulation; State; legal certainty; good faith; protection of trust.

INTRODUÇÃO

A modulação é prática que se aplica no Brasil há décadas, antes mesmo de sua positivação, como se verifica em julgados da Suprema Corte desde os anos setenta[2].

Nos anos seguintes, especificamente na década de noventa, passou a ostentar previsões legais, preponderantemente em perspectivas constitucionais, com ampla aplicabilidade nas ações de controle concentrado[3].

Posteriormente, trilhou caminho por outras áreas, especialmente com a publicação do Código de Processo Civil de 2015, que trouxe nova sistemática de precedentes[4], e, finalmente, com as relativamente recentes alterações da LINDB e seus decretos regulamentadores[5], que sacramentaram sua aplicação para todos os ramos do direito.

É matéria relevante na temática da segurança jurídica, especialmente diante de uma nova concepção sobre a função dos Tribunais Superiores, que, para muitos, não mais se reservam apenas à atividade de simples intérpretes da lei (“juiz boca de lei”), participando de forma ativa na criação do direito, com impacto significativo na formatação do programa do direito vigente e na criação das expectativas do jurisdicionado.

A modulação carrega, com isto, diversos debates, especialmente quando se está em ambientes decisionais rígidos, como, por exemplo, no âmbito tributário ou criminal, em que as grandes alterações desejavelmente deveriam decorrer de processo legislativo, via que nem sempre, contudo, acompanha o dinamismo e as exigências de uma sociedade cada vez mais complexa.

Um dos pontos que ostenta ampla divergência, verdadeira polarização, quando se trata de modulação, está na possibilidade de realizá-la em favor do Estado, beneficiando-o, mesmo diante de sua posição de prevalência na relação com os particulares e na condição de editor, intérprete e aplicador das normas.

Este é o aspecto que se pretende abordar neste estudo, deixando desde já ressalvado que o presente artigo não tem por objeto ou pretensão o estudo e análise da natureza dos vícios de constitucionalidade ou o estabelecimento de uma diferenciação entre os efeitos das decisões proferidas em ações de controle concentrado de constitucionalidade e de decisões que superam precedentes, tendo por premissa a busca de uma fundamentação sobre o assunto que se aplique a ambos os casos sob a perspectiva da proteção da confiança (afinal, a confiança é estabelecida por um programa de direito em sentido amplo, contemplando as atividades legislativa e judiciária, por vezes isoladas, por vezes conjuntas).

1. A MODULAÇÃO E O FUNDAMENTO NA SEGURANÇA JURÍDICA

A modulação está substancialmente fundamentada na segurança jurídica, que é princípio concretizador do próprio Estado de Direito, que visa à estabilidade e tranquilidade nas relações jurídicas e objetiva proteger e preservar as expectativas das pessoas em suas relações com terceiros[6].

A segurança jurídica, no entanto, possui variadas facetas que podem ser estudadas a partir de sua função, dimensões estática ou dinâmica, do objeto, das partes e tantos outros recortes que a análise demande.

Quando se trata de modulação, o viés maciçamente abordado em doutrina está na sua dimensão subjetiva, com enfoque na proteção da boa-fé e confiança.

Encampa o propósito de proteger a expectativa legítima do jurisdicionado com relação a um programa jurídico claro e estável.

Estável não no sentido de imutável-estático, pois o direito é, por natureza, dinâmico.

Estável na perspectiva de que as mudanças e evolução do direito ocorram de forma paulatina, de modo a manter a visibilidade ou permitir a calculabilidade e confiabilidade do particular em relação ao que rege o seu padrão de conduta frente ao direito vigente (promulgado e interpretado)[7].

A sociedade não absorve bem mudanças repentinas no direito e o principal sintoma de que a mudança abrupta surpreende negativamente o padrão de conduta de uma comunidade é o estremecimento da segurança jurídica, com todas as suas nefastas consequências (aumento do risco país, com baixo índice de investimento interno, fuga de capital e investimento estrangeiro, saída de empresas do país, desvalorização da moeda, etc.).

Muitas das vezes, a atividade judiciária é a causa propulsora destas alterações do programa jurídico.

E quando a alteração emana de uma Corte Superior tem consequências importantes, sobretudo dentro de um sistema de precedentes vinculantes, com eficácia normativa erga omnes e com aptidão para atingimento de relações jurídicas no presente, no passado e no futuro.

A vocação natural dos precedentes, rememore-se, é de produzir decisões com efeito ex tunc, atingindo a todos, de forma indistinta, em qualquer tempo.

Decorre esta vocação retroativa e prospectiva de diversos aspectos, como a impossibilidade de estabelecimento, por vezes, do momento de superação de um determinado precedente, da atividade judiciária ser voltada ao passado[8], decorrente de interpretação de casos concretos, sobre fatos já ocorridos, demandando ampla fundamentação, além de não possuir o precedente caráter definitivo, podendo vir a ser superado por fundamentos “melhores”[9].

Difere a situação, portanto, do que ocorre com as mudanças legislativas[10], que, do contrário, decorrem de vontade política, atuam para o futuro, não dependem da análise de casos concretos e carregam, na essência, um caráter definitivo. As mudanças legislativas, por isto, não retroagem (salvo exceções para beneficiar posições jurídicas, v. g., no direito penal ou previdenciário para se beneficiar o réu ou o contribuinte). Têm, como regra, efeitos prospectivos.

Dentro destas premissas, assentando-se o racional na regra de retroatividade dos precedentes, é que se evidencia a necessidade de flexibilização desta consequência quando houver, por um julgado, uma ruptura abrupta com um padrão de conduta ditado pelo Direito (lei interpretada pelos tribunais, à luz da doutrina), apta a frustrar a confiança do jurisdicionado, para se proteger e dar estabilidade a relações jurídicas estabelecidas diante de uma base sólida de direito que se apresentava até então.

De modo excepcional, nestes casos, deve-se modular, justamente em prestígio à segurança jurídica.

A modulação consiste, portanto, exatamente na possibilidade dos tribunais definirem, quando da alteração da orientação antes seguida, sobre aspectos temporais[11], territoriais, subjetivos, etc. no plano da eficácia da decisão[12][13], preservando-se a confiança do jurisdicionado.

2. A MODULAÇÃO A FAVOR DO ESTADO

Como já pontuado, a modulação foi construída, ao longo do tempo, pautada no princípio da proteção da confiança.

Existem referências remotas à proteção da confiança desde o Direito Romano (Lei de Barbario Filipo) e Canônico (Papa Formoso), como se verifica em exemplos citados por Teresa Arruda Alvim[14].

No Direito Administrativo, já num passado relativamente mais recente, também se verifica referências, com a proteção em relação a atos adotados por funcionários putativos (teoria dos funcionários de fato) e pelo próprio estado (como no caso da viúva de Berlim)[15].

Por este caminho, o princípio da proteção da confiança ganhou mais robustez e autonomia na Alemanha, na década de sessenta, entrando em 1976 em vigor a lei do Procedimento Administrativo Alemão para tratar da tutela da confiança quando da anulação dos atos da administração, passando de forma paulatina a ser incorporado pela legislação de outros países, da União Europeia, culminando, em tempos mais recentes, no seu estudo para a aplicação no âmbito da atividade Judiciária, ante a frequência de alterações bruscas de entendimentos sedimentados[16].

Destas alusões históricas, nota-se sempre a proteção do terceiro ou do particular contra o Estado.

Dentro desta conformação, sob o enfoque da proteção da confiança, intuitivo, quase natural se enveredar por esta linha.

É possível se encontrar, com certa amplitude, argumentos no sentido de que a modulação é ferramenta para defesa do particular – e somente deste – contra condutas do Estado.

Com as ressalvas que serão aportardas adiante, Teresa Arruda Alvim e Bruno Dantas já pontuaram de forma veemente:

“Como dissemos, a modulação é um instrumento para que o particular possa defender-se contra o Estado. Quando a jurisprudência muda, de forma repentina, de modo drástico, o Estado (o Judiciário) está incorrendo em conduta encartável na má-fé objetiva: é um venire contra factum proprium.”.[17]

Outro exemplo decorre da posição de Georges Abboud, que também discorre com contundência sobre o direcionamento da modulação exclusivamente em favor do particular e, jamais, em favor do Estado, em detrimento dos direitos do jurisdicionado[18].

A premissa fundamental da defesa desta posição está no fato do Estado ser o autor do próprio direito, criador das normas e seu intérprete oficial.

Seria conduta contraditória, violadora do princípio da boa-fé, que o Estado, na realização do seu papel, ao mesmo passo que editor e intérprete da norma, a alterasse para se beneficiar em detrimento do particular.

Há quem defenda, ainda, que o Estado não seria nem mesmo titular, sujeito ativo, da segurança jurídica nestas hipóteses.

É como aborda Humberto Ávila em sua obra sobre segurança jurídica, quem, além de discorrer sobre o tratado acima, reforça que, no seu entender, o Estado, assim considerado unitariamente, sob uma perspectiva objetiva da segurança jurídica e da proteção aos direitos fundamentais, não é nem mesmo sujeito ativo do princípio da segurança jurídica, apontando que a Constituição trata o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada em favor do cidadão, sendo princípios protetivos de direitos individuais contra o Estado, não havendo ainda, por outra ótica, previsões similares em seu favor[19].

Os argumentos são contundentes, carregados de fundamentos jurídicos sólidos e trazem um sentimento de justiça tranquilamente aceito pelo senso comum (dentro e fora do âmbito jurídico), pois, de fato, aceitar-se o contrário traria, em tese, a sensação de que o Estado teria a prerrogativa “juridicamente aceita” de que poderia, por exemplo, estabelecer um imposto inconstitucional e não ter o dever de restitui-lo no caso de superveniente decreto de inconstitucionalidade, em repugnante benefício decorrente da própria torpeza.

Apesar desta aparente “natural” tendência, o tema não se encerra neste aspecto.

E algumas indagações provocam a análise de caminhos contrários, tais quais: o Estado não é destinatário da segurança jurídica em um Estado de Direito? O Estado, em nenhuma circunstância, atua de acordo com um programa de direito que pode abruptamente ser alterado, traindo sua confiança? A posição de prevalência do Estado sublima seu direito de se adaptar a uma mudança abrupta? É presumida a má-fé do Estado, contrariando regra basilar de direito de que a má-fé não se presume? Mesmo em casos em que há aparência de legalidade?

Respeitados os entendimentos tratados anteriormente, não se verifica, primeiramente, impedimento para que o Estado seja beneficiário da segurança jurídica em sentido amplo, nem mesmo da proteção de sua confiança.

Não se justifica o recorte do instituto aos direitos e garantias fundamentais para sustentar a exclusão do Estado dos seus efeitos.

O princípio da segurança jurídica é fundamento de validade do sistema de direito e deve a todos ser aplicado.

Como defende Diego Diniz Ribeiro, o princípio da segurança jurídica é norma abrangente “de todas as normas do nosso ordenamento”, sendo, no âmbito material, fundamento de validade das demais normas, não podendo ser restringida sua aplicação a apenas parte dos destinatários das normas jurídicas.[20]

Ravi Peixoto também defende que o ente público pode sim ser sujeito ativo da segurança jurídica, dependendo do suporte fático[21].

O Estado, apesar de sua relação de preponderância em relação ao particular, está inserido e regido dentro de um mesmo sistema, pautando o administrador suas condutas também em um programa de direito vigente para todos.

Não dessoa razoável que possa ter, contra si, vulnerada a confiança legítima eventualmente depositada em um determinado aspecto, especialmente quando se trata de superação de precedentes, mas igualmente cabível em ações de controle concentrado de constitucionalidade, pois o programa de direito não é ditado apenas por precedentes.

E quando confrontado com interesses de particulares, evidentemente, o julgador deverá sopesar os centros de interesses em debate, fazendo o uso do princípio da isonomia e considerando a medida da desigualdade do Estado em relação ao particular.

A prevalência do Estado não pode ser adotada como critério de exclusão da tutela de seus direitos, mas sim como balizador da equalização do direito em relação ao particular.

Ravi Peixoto defende que o princípio da proteção da confiança tem relação apenas com o fato de que, em situações de desigualdade, “a parte prevalente tem o domínio da relação jurídica e, por isso, em geral, não teria uma confiança legítima a ser tutelada”[22], o que não torna, contudo, impossível a proteção do ente estatal com relação a tal princípio dentro do quadrante fático posto em análise.

A corrente que defende a viabilidade da modulação a favor do Estado pontifica ainda que não se pode pautar o impedimento da modulação a favor do Estado na premissa de que se incentivaria à edição de normas inconstitucionais, por não ser adequada a presunção de má-fé.

De fato, não é adequada a presunção de má-fé, mas a questão também precisa ser analisada com cautela e sob parâmetros coerentes para não se incentivar à edição de normas inconstitucionais/ilegais (o que dá grande eco para a corrente contrária à modulação em favor do Estado).

Nem a presunção e tampouco a tutela da má-fé podem ser aceitas.

A conduta do Estado no caso concreto, em si, deve ser analisada de forma individualizada e sem formulações genéricas e teorias aplicadas de forma indistinta.

Ao que parece, a melhor medida para a avaliação da possível má-fé do Estado está no exame da aparência de constitucionalidade/legalidade do ato, no momento da prática, como precisamente abordado por Humberto Ávila[23].

Se o Tribunal deixa de analisar a aparência de constitucionalidade/legalidade ou endossa posturas claramente contraditórias do Estado em desfavor do particular, o fará sob o pretexto de se assegurar uma aparente “segurança jurídica” (na verdade e como se verifica na prática, orçamentária, tal como será abordado adiante) para o passado, mas proporcionará, como consequência, insegurança quanto ao futuro, incentivando comportamentos contraditórios do Estado.

É, assim, um ponto sensível, que merece extrema atenção, devendo o julgador sempre se pronunciar sobre a aparência de legalidade do ato, para, a partir daí, aplacar os eventuais comportamentos contraditórios ou se partir para a análise da possível modulação em favor do Estado.

Apesar da inclinação a se admitir a modulação a favor do Estado, com os temperamentos aportados neste estudo, não se deve adotar a modulação em favor do Estado em todas as hipóteses, aplicando-se amplamente, por exemplo, a modulação prospectiva integral numa hipótese de declaração de inconstitucionalidade de uma norma instituidora de um determinado imposto.

Qualquer conclusão generalizada e peremptória sobre o tema é perigosa. Poderia trazer consequências nefastas, transmutando até mesmo a função do Poder Judiciário, atribuindo-lhe funções que não lhe são afetas, como se verá no tópico a seguir. As respostas devem ser dadas no caso concreto.

Apesar desta ressalva, há um caminho que aparenta acomodar esta questão de forma razoável, com a temperança necessária, e que evidencia um ponto de interseção entre todas as correntes: o uso das regras de transição.

Humberto Ávila, que rejeita a possibilidade de modulação prospectiva integral, adota a regra de transição como ferramenta válida[24].

Parece ser também nesta linha que Teresa Arruda Alvim, que antes apresentava posicionamento mais rígido contra o Estado, em seus mais recentes trabalhos vem mitigando a posição, defendendo que o Estado também é destinatário das normas jurídicas, tanto quanto o particular, devendo sua confiança no ordenamento jurídico também ser tutelada, ressalvando uma aplicação da segurança jurídica de forma diferenciada ao ente, diante de sua capacidade de reação[25].

E como ferramenta para isto, propõe o uso das regras de transição que, nos dizeres da jurista, não deixam de ser uma forma de modular[26], explicando:

“A regra de transição atua como um tipo de modulação temporal, fornecendo um espaço de tempo para que o Estado, através do Poder Legislativo, possa elaborar leis que mitiguem os impactos orçamentários decorrentes da mudança nas expectativas normativas. A nosso ver, o Estado não pode ser eximido da responsabilidade de devolver o que foi arrecadado indevidamente, mas ganha prazo para ajustar-se às novas circunstâncias, preservando tanto a confiança pública quanto a estabilidade institucional.”[27]

Neste sentido, também, interessante trabalho de Smith Robert Barreni, amparado no pensamento do sociólogo Niklas Lumhmann, com viés não focado nos sujeitos, mas sim nos sistemas de comunicação[28], em que conclui pela possibilidade de modulação a favor do Estado, levando em consideração sua capacidade de reação[29].

O posicionamento traz um ponto de aproximação entre as correntes, com temperamentos, mantendo a rigidez contra os atos do Estado, mas também tutelando seus interesses, sem prejudicar o particular e dando contornos mais maleáveis a um debate extremamente polarizado, endereçando a solução para um caminho de aplicabilidade maior de regras de transição do que de modulação integral prospectiva pura e simplesmente.

3. O CONSEQUENCIALISMO NA MODULAÇÃO A FAVOR DO ESTADO (SEGURANÇA JURÍDICA E INTERESSE PÚBLICO/SOCIAL)

Parte da doutrina que admite a modulação a favor do Estado se pauta no consequencialismo para justificar sua posição.

É o caso de Ricardo Lobo Torres, que defende que a modulação é fruto do próprio pensamento consequencialista, sendo uma via de mão dupla, podendo favorecer o Fisco e o contribuinte, sob pena de se configurar um consequencialismo às avessas, adotando sempre como fundamento argumentos relacionados à boa-fé e a proteção da confiança do cidadão, sopesados com os princípios da igualdade, da responsabilidade e do excepcional interesse social e econômico[30].

No âmbito dos Tribunais este aspecto ganha profusão.

O Supremo Tribunal Federal admite a modulação a favor do Estado, conforme se pode extrair de diversos julgados.

É como se verifica do voto do Ministro Luís Roberto Barroso, no julgamento do RE 593849/MG, em que consignou:

Embora os direitos fundamentais se destinem, como regra, a proteger o particular em face do Poder Público, é fato que também a Fazenda Pública se beneficia das normas que resguardem a segurança jurídica, como corolário do Estado de Direito. Não poderia ser diferente, na medida em que a arrecadação tributária também se destina a viabilizar a efetivação de direitos fundamentais da população e seu comprometimento inesperado e retroativo – inclusive com a litigiosidade decorrentes dos pedidos de repetição – não deve ser respaldado pelo direito. [31]

Como este, muitos outros exemplos, v.g: o julgamento que tratou da DIFAL alusivo ao ICMS (ADI 5469/DF/RE 1.287.019/DF); o caso que tratou da não incidência do ICMS na base de cálculo de PIS/COFINS (RE 574.706/PR)[32]; em ambos se modulando em favor da Fazenda Pública.

Na Corte Suprema, nota-se, em sua grande maioria, a adoção de fundamentos genéricos (carentes de objetividade suficientes), amparados na segurança jurídica e nos efeitos práticos da decisão, para se justificar a modulação a favor do Estado.

Em outras palavras, utiliza-se do princípio da segurança jurídica de uma forma um tanto quanto abstrata, para se defender a modulação a favor do Estado, ao final, com amparo em um fundamento exclusivamente consequencialista, voltado supostamente ao interesse social/público.

Quase sempre – senão sempre -, argumentos atrelados às finanças públicas, justificativas orçamentárias.

Segurança jurídica e interesse social/público, entretanto, não podem significar necessariamente segurança orçamentária, sob pena de se sistematizar uma perversa forma de prejudicar o particular e de se incentivar ou se criar um ambiente de permissividade (ou impressão de permissividade) para elaboração de leis ou adoção de atos inconstitucionais ou ilegais pelo ente público, sem consequências, já que a “segurança orçamentária” sempre tutelará os cofres públicos em detrimento do particular.

Aceitar cegamente esta prática é uma forma de se institucionalizar o venire contra factum proprium, com amparo em um raciocínio consequencialista raso (que se sobrepõe e não permite a análise nem mesmo da aparência de legalidade do ato), reforçando os argumentos da corrente que não admite a modulação em favor do Estado.

Deve-se bem compreender que “prejuízos financeiros” ou “confiança orçamentária” não estão no conceito de segurança jurídica, tampouco de interesse social/público, como corriqueiramente se verifica.

Humberto Ávila discorre sobre o tema e, apesar de seu entendimento endereçado aos particulares, afirma com contundência que “Prejuízos financeiros decorrentes da cobrança de tributos inconstitucionais não se enquadram, portanto, no conceito de segurança jurídica tal como está posta na CF/88.”[33].

O que está correto, pois, seja para um lado (particulares) ou seja para o outro (Estado), a segurança jurídica se firmará na previsibilidade e calculabilidade do direito e não nas suas consequências.

Seguindo, Roque Antonio Carrazza também afasta a ideia de que o interesse fazendário equivaleria a interesse público, deixando claro que:

Convém, neste ponto, afastarmos, de uma vez por todas, a superadíssima ideia de que o interesse fazendário (meramente arrecadatório) equivale ao interesse público. Em boa verdade científica, o interesse fazendário não se confunde nem muito menos sobrepaira o interesse público. Antes, subordina-se ao interesse público e, por isso, só poderá prevalecer quando em perfeita sintonia com ele. O mero interesse arrecadatório não pode fazer tábua rasa da igualdade, da legalidade, da anterioridade, enfim, dos direitos constitucionais dos contribuintes. Nem mesmo o objetivo, em tese louvável, de solucionar os “problemas de caixa” das pessoas políticas tem força bastante para subverter os princípios fundamentais do sistema constitucional tributário brasileiro, que deitam raízes, em última análise, no próprio princípio da segurança jurídica.[34]

O equivocado e reiterado exercício propugnado pelas altas Cortes do país desvirtua a própria função dos poderes de um Estado de Direito, porquanto transforma o Judiciário em poder que, ao invés de resolver questões jurídicas, volta-se a acomodar questões orçamentárias, que deveriam ser objeto da atividade de outros Poderes, transferindo-se a responsabilidade pelo agir político, de forma contrária à própria Constituição[35].

O viés exclusivamente orçamentário foi um ponto abordado por Smith Barreni, que concluiu em sua tese que isto ocasiona uma hipertrofia do Estado em detrimento do particular e do próprio sistema jurídico, que se compromete, sujeito a corrupções sistêmicas anormais, com a politização do direito[36].

Quando se trata, assim, de consequencialismo, não se deve ter em mente o “orçamento público”.

O consequencialismo é forma de argumentação, presente no direito positivado (LINDB: que desencadeou a abertura legislativa ao consequencialismo) e técnica importante de julgamento, mas deve ser enquadrado dentro de um racional jurídico, a partir da norma. Este é o ponto fundamental.

É instrumento que até mesmo contribui para a redução do subjetivismo das decisões e exige critérios mais rigorosos de fundamentação, mas detém limites, devendo estar sempre respaldado em dados empíricos/técnicos (jamais subjetivismos e intuições) e nunca ignorar o direito, respeitando a norma jurídica[37].

Como bem pontua Teresa Arruda Alvim, a decisão jamais pode ser puramente consequencialista e as consequências devem ser critérios complementares (“desempate”):

“Assim, e por isso, nenhuma decisão judicial pode ter por base única: o perigo de esvaziamento dos cofres públicos, a iminência de quebra do erário, prováveis dificuldades de caixa etc. Mas se a lei não pode ser ignorada, muitas vezes é verdade que esta comporta mais de uma interpretação. E aí os argumentos consequencialistas podem, de certo modo, “desempatar”!”[38]

Mesmo Ravi Peixoto, que tem uma abertura maior à modulação a favor do Estado, defende que não se trata de uma “palavra mágica” (“consequencialismo”) apta a justificar a modulação em qualquer circunstância, sendo argumentos que “entram de forma lateral”, para influenciar na convicção do magistrado[39].

Não é, portanto, o primeiro fundamento, mas o último.

Eis, assim, mais um aspecto que, ao invés de ser usado como ferramenta para validar uma ou outra corrente, deve ser utilizado dentro das balizas jurídicas corretas, seja para se modular em favor do Estado ou não.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio do presente artigo, apresentou-se em breves linhas a modulação e seu fundamento principal: a segurança jurídica.

A partir deste ponto, percorreu-se o liame que divide as correntes doutrinárias sobre a possibilidade ou não de modulação a favor do Estado, na medida de sua posição de preponderância sobre o particular, pautada na sua especial condição de editor, aplicador e intérprete da norma.

Tratou-se do consequencialismo e sua prática no âmbito da Suprema Corte, favorável à modulação em benefício do Estado, com enfoque na principal premissa adotada nos julgados que abordam o tema, o orçamento público, aspecto sempre atrelado ao interesse público/social.

É inevitável a conclusão de que se modula a favor do Estado nos Tribunais Pátrios, apesar das correntes contrárias. É inquestionável, também, que os argumentos consequencialistas são, na prática, adotados como argumentos principais para se modular a favor do Estado.

O verdadeiro problema não está em se admitir tais práticas, mas sim na medida e sob qual concepção são utilizadas tais ferramentas.

O uso abstrato da segurança jurídica, do interesse social e a simples adoção de fundamentos orçamentários para justificar a modulação a favor do Estado fragilizam a posição.

Já a análise dos casos concretos à luz das circunstâncias reais, a ponderação entre os verdadeiros interesses em litígio, a adoção de critérios jurídicos adequados e o uso do consequencialismo como reforço argumentativo, podem conduzir a situações juridicamente aceitáveis, seja em favor do particular ou seja em favor do Estado.

Dois aspectos foram revelados como importantes para o exercício de estabelecimento da possibilidade de modulação a favor do Estado: a análise da aparência de legalidade do ato, no momento em que realizado; e o uso das regras de transição, como técnica aparentemente mais adequada às hipóteses que lhe envolvem.

O estudo da matéria não deve tratar, assim, de uma equação binária, se possível ou não modular a favor do Estado, mas sim de como e quando modular, com os fundamentos e técnicas adequados.

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[1] Mestrando em Direito pela PUC-SP, Pós-graduado em Direito dos Contratos pelo INSPER – Instituto e Ensino e Pesquisa (L.L.M. Master of Laws), Especialista em Mediação e Arbitragem pela Escola de Direito do Rio de Janeiro, da Fundação Getúlio Vargas, Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Advogado, inscrito na OAB/SP nº 292.229, email: gaofontana@gmail.com

[2] RE 79343/BA, Rel. Ministro Leitão de Abreu, publicado em 02/09/1977

[3] Leis 9.868/1999 – ADIn; ADC e 9.882/1999  – ADPF[3]; Lei 11.417/2006 – Súmula Vinculante[3].

[4] Lei 13.105/2015 – Código de Processo Civil; regulou-se e se ampliou o campo de incidência da modulação, adotando-se proposta do Ministro Luiz Fux apresentada durante os trabalhos da comissão responsável pela elaboração do anteprojeto.

[5] Com a Lei 13.655/2018[5], que alterou o texto da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB), tangenciou-se a modulação, com alusões não tão claras quanto a dos textos anteriormente referidos, mas indicando a necessidade de regras de transição e de proteção das situações plenamente constituídas anteriormente, o que veio a se tornar mais incisivo com o advento do Decreto n 9.830/2019, que regulamenta os artigos 20 a 30 da LINDB, indicando expressamente a modulação (art. 4º, §3º a 5º).

[6] “O princípio da segurança jurídica é, sem dúvida alguma, um dos pilares do Estado de Direito. Visa garantir estabilidade e tranquilidade nas relações jurídicas, tendo como principal objetivo proteger e preservar as expectativas de comportamento das pessoas em relação ao que resulta de suas ações e no que diz respeito às ações esperadas de terceiros. (FREIRE, Alexandre. Precedentes judiciais: conceito, categorias e funcionalidade. In: NUNES, Dierle; MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; GONZAGA JAYME, Fernando (Coord.). A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no CPC de 2015. São Paulo: Ed. RT, 2017. p. 63).

[7] Como disserta Teresa Arruda Alvim, na “…necessidade de que pautas de conduta sejam conhecidas, de molde a permitir o planejamento das ações, sem surpresas posteriores” (ARRUDA ALVIM, Teresa; Modulação na alteração da jurisprudência firma ou de precedentes vinculantes. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 40.)

[8] Apesar dessa relação ser mitigada na teoria dos precedentes: que exige uma consolidação de passado, presente e futuro.

[9] PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. 4ª ed. Salvador: Editora JusPodivum, 2019. p. 314-319.

[10] “Diferentemente do que ocorre no caso de alteração legislativa, quando a posição pacificada ou predominantemente adotada por um tribunal se altera, os efeitos serão, naturalmente, ex tunc: o tribunal passará a decidir de acordo com a nova orientação e, evidentemente, os casos ocorridos, antes da mudança, quando chegarem ao Tribunal, serão decididos à luz da nova pauta de conduta, da nova orientação. A não ser, é claro, que haja modulação.” (Arruda Alvim, Teresa; Dantas, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos Tribunais Superiores. 7. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023. p. 430.)

[11] As principais espécies de modulação são: temporal (limita a cronologia da eficácia da decisão), subjetiva (limita os sujeitos aos quais se aplicarão ou não a decisão) e territorial (delimita determinado perímetro em que serão aplicadas as regras estabelecidas no julgado). As modulações mais comuns são as temporais, que, conforme classificação adotada por Jaldemiro de Ataíde Jr., com amparo em Dias de Souza e Sesma/Pomorski, com as adaptações ao direito brasileiro[11], dividem-se em: (i) prospectiva pura: atinge apenas os casos futuros, não sendo aplicada nem mesmo no caso em julgamento; (ii) prospectiva clássica (quase prospectiva): atinge os casos futuros e o caso em julgamento; (iii) Prospectiva a termo: aplica-se a partir de determinada data futura; (iv) retroativa pura: aplicada a fatos anteriores e posteriores do seu surgimento, atingindo inclusive os já transitados em julgado; (v) retroativa clássica: aplicada aos casos/fatos anteriores, ressalvados os transitados em julgado. (ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Uma proposta de sistematização da eficácia temporal dos precedentes diante do projeto de novo CPC. In: ADONIAS, Antônio; DIDIER JR., Fredie (Org.). Projeto do novo Código de Processo Civil – 2ª série: estudos em homenagem a José Joaquim Calmon de Passos. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 370-373)

[12] “Trata-se de instituto que se traduz na possibilidade de os tribunais decidirem expressamente, quando alteram a orientação antes seguida, a respeito de aspectos temporais, territoriais etc., ligados à “eficácia” da decisão. Com isso, quer-se dizer que os Tribunais podem, por exemplo, dizer que só vão decidir com base no novo entendimento a partir do ano seguinte, ou a partir daquele momento etc.” (ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos Tribunais Superiores. 7. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023. p. 430).

[13] Conforme Teresa Arruda Alvim, existem também técnicas correlatas, tratadas como: (i) regras de transição: que consistem em regra para que haja tempo de adaptação e até mesmo superação da inconstitucionalidade nos casos de ADIn, ADC e ADPF; (ii) técnicas de julgamento de alerta e sinalização: aviso do tribunal de que poderá ou alterará o seu entendimento (conturbando a necessidade de modulação), mesmo que não aplique no caso em julgamento entendimento novo. (ARRUDA ALVIM, Teresa; Modulação na alteração da jurisprudência firma ou de precedentes vinculantes. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 197-204.)

[14] “Há autores que identificam a origem desta teoria na lei de Barbario Filipe, em Roma antiga.

Barbario Filipe era um escravo fugitivo que pleiteou (e obteve) a função de pretor em Roma, tendo, efetivamente, exercido esta função. Entendeu-se que suas sentenças fariam coisa julgada, ainda que, depois, retornasse à escravidão.

Descartada a teoria do erro comum (segundo a qual se entenderia que todos supuseram que ele fosse pretor, portanto seus atos deveriam ser considerados válidos) prevaleceu a de que devem ser protegidos os interesses de terceiros. (…)

Parte da doutrina identifica a origem remota do princípio da confiança, que, aliás, no caso concreto, acabou por gerar uma espécie de modulação, num outro momento: no ano 896. Neste ano, o corpo do Papa Formoso foi exumado e este foi julgado por faltas cometidas durante o papado. Foi condenado, excomungado, despido das vestes papais e teve dois de seus dedos decepados. A consequência natural deste julgamento, cuja iniciativa partiu do Papa Estevão VI (sucessor de Formoso), seria a de que todos os atos praticados por Formoso perdessem a eficácia. Entretanto, a perspectiva dramática da retroatividade destes efeitos fez com que os estudiosos do direito canônico encontrassem outra saída, preservando os atos praticados pelo Papa condenado, depois de morto.3” (ARRUDA ALVIM, Teresa. Uma novidade perturbadora no CPC brasileiro de 2015: a modulação. Revista dos Tribunais. vol. 1046. ano 111. p. 165-193. São Paulo: Ed. RT, dezembro 2022.)     

[15] “Nesse âmbito, do Direito Administrativo, nasceu a teoria do funcionário de fato. Trata-se de teoria que considera válidos os efeitos de atos praticados por “funcionário” putativo, investido de modo irregular, ou não investido, em sua função, mas que aparenta ser, efetivamente, funcionário: tutela-se aqui, também, em última análise, a confiança de terceiros. (…)

Na doutrina, registra-se, ainda como caso que simboliza expressivamente a proteção da confiança, o da viúva de Berlim (decisão Witwengeld).

Uma viúva de um inspetor alemão, com função dentro da zona de ocupação da antiga URSS, recebeu uma pensão da Oberjustizkasse de Berlim até 08 de maio de 1945. Em 1953, foi comunicada de que se voltasse a residir em Berlim teria direito novamente ao benefício. Então, a viúva se mudou para Berlim e passou a receber de novo a pensão.

Entretanto, em 1954, houve um novo ato da Administração Alemã cancelando a pensão a partir de 09 de outubro deste mesmo ano, porque ela não teria preenchido todos os requisitos para receber tal pensão. A Administração exigiu que ela devolvesse as quantias indevidamente recebidas.

A viúva ajuizou uma ação perante o Tribunal Revisor de Berlim (em matéria de direito administrativo) e este tribunal não só decidiu que a pensão não deveria ser devolvida, mas também que a viúva deveria continuar recebendo-a, porque o ato da Administração fez com que ela alterasse radicalmente sua vida, reorganizando-a. A decisão foi confirmada pela instância superior (Oberverwaltungsgericht), pois a viúva confiou nas informações que recebeu e agiu rigorosamente de acordo com elas. (ARRUDA ALVIM, Teresa. Uma novidade perturbadora no CPC brasileiro de 2015: a modulação. Revista dos Tribunais. vol. 1046. ano 111. p. 165-193. São Paulo: Ed. RT, dezembro 2022.)

[16] ARRUDA ALVIM, Teresa. Uma novidade perturbadora no CPC brasileiro de 2015: a modulação. Revista dos Tribunais. vol. 1046. ano 111. p. 165-193. São Paulo: Ed. RT, dezembro 2022.

[17] Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos Tribunais Superiores. 7. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023. p. 435.

[18] Desse modo,a modulação de efeitos -mesmo a fundada na preservação do interesse social – nunca pode ser realizada para preservar interesses do poder público, mas apenas os direitos fundamentais dos particulares. Isso porque os direitos fundamentais são limites para a atuação de qualquer poder público, inclusive o Poder Constituinte. Com maior razão, não podem ser suprimidos ou restringidos com fundamento em uma suposta primazia do interesse público por meio de decisão de inconstitucionalidade que venha privilegiar o interesse do Poder Público em detrimento dos direitos dos jurisdicionados. (…) Consoante sustentamos, a modulação de efeitos deve ser encarada corno meca-

para garantir a preservação dos direitos fundamentais do cidadão dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade e nunca como instrumento apto premiar comportamento irresponsável ou desleal das autoridades públicas. (ABBOUD, Georges. Processo Constitucional Brasileiro. 3ª Ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. P. 752).

[19] “Em primeiro lugar, porque a segurança jurídica é princípio protetivo de direitos individuais frente ao Estado, e não instrumento de aumento do poder do Estado… Essa conotação individualista e protetiva da segurança jurídica exterioriza-se pela forma e pelo conteúdo dos seus fundamentos. Pela forma, na medida em que os fundamentos da segurança jurídica, especialmente no Direito Tributário, são direitos e garantias individuais, com conotação protetiva… Pelo conteúdo, já que os fundamentos, como previsão de comportamentos ou de ideais, implicam ou pressupõem a segurança em favor dos direitos de liberdade pelo indivíduo. Em segundo lugar, porque… os fundamentos indiretos da segurança jurídica… são intitulados, pela própria Constituição, como ‘limitações ao poder de tributar’, com conotação flagrantemente protetiva dos direitos de liberdade do contribuinte. (…) Em terceiro lugar, porque, quando o assunto é a proteção da expectativa ou o afastamento da surpresa, a CF/88 contém regras protetivas dos direitos individuais frente ao Estado. Basta, para esse efeito, lembrar, de um lado, que a Constituição protege o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada em favor do cidadão, não havendo no ordenamento constitucional qualquer tipo de regra em favor do Estado; de outro, que ela afasta a surpresa também em benefício do contribuinte por meio de ‘limitações ao poder de tributar’, igualmente não havendo similar para proteger os interesses do Estado. ”398-399- 400. (g.n) (Ávila, Humberto. Segurança jurídica. Entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. 2ª Ed. São Paulo, SP: Malheiros Editores, 2012. p. 551-552)

[20] “Diante deste quadro, resta claro para nós que o princípio da segurança jurídica é a maior ou mais abrangente norma de todas as normas do nosso ordenamento, razão pela qual restringi-la à figura de uma garantia fundamental seria apequenar sua incidência. Não se duvida da importância das garantias fundamentais e nem que elas se prestam a evitar abusos por parte do Estado, salvaguardando os interesses dos indivíduos. Não é isso. Acontece que mesmo essas garantias, de grande valia ao ordenamento, extraem seu fundamento de validade (materialmente falando) do princípio da segurança jurídica. No âmbito do direito material, segurança jurídica é a causa primeira, é fundamento de validade das demais normas jurídicas do sistema nacional (inclusive as garantias individuais), motivo pelo qual sua incidência não pode ser restringida para tutelar o interesse de apenas parte dos destinatários das normas jurídica.” (RIBEIRO, Diego Diniz. A modulação de efeitos no controle de constitucionalidade em matéria tributária e a jurisprudência do STF. In Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 178, jul. 2010, p. 37)

[21] Afinal, nada impede que em algumas situações a segurança jurídica possa ser exigida pelo próprio Estado. Como aponta Heleno Taveira Torres: ‘a segurança jurídica constitucional pode ser tanto um princípio reclamado pelo Estado quanto pelos indivíduos, a depender das relações intersubjetivas instauradas. Admite-se arguição do prin-cípio de segurança jurídica como perfeitamente aplicável aos entes estatais nas relações entre unidades do federalismo, entre Estados na comunidade internacional, ou no caso das relações contratuais, como serviços públicos ou construções de obras públicas, entre as partes envolvidas, ainda que uma ou mais destas sejam parti-culares, pois a confiabilidade e certeza protegem tanto o Estado quanto os cidadãos e as empresas.’ (PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. 4ª ed. Salvador: Editora JusPodivum, 2019. p. 61)

[22] PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. 4ª ed. Salvador: Editora JusPodivum, 2019. p. 425.

[23] “Além disso, a presunção de grandes efeitos foi feita, na maior parte dos casos, sem qualquer tipo de comprovação ou, mesmo, fundamentação racional que pudesse indicar a sua razoável presunção. Em alguns casos essa repercussão pode ser presumida, como na criação de um Município; em outros, porém, essa eficácia negativa não é tão evidente, como na admissão de funcionários sem concurso. Constata-se, igualmente, uma ausência de análise da aparência de legalidade da medida: quando o Tribunal deixa de examinar se havia aparência de constitucionalidade no momento da prática de ato posteriormente havido como inconstitucional, corre o risco de manter a eficácia de atos que foram praticados sabidamente contra a Constituição. Ao fazê-lo, o Tribunal está encorajando a prática futura de novas inconstitucionalidades. Preserva a segurança jurídica no passado, incentivando a insegurança jurídica em maior medida no futuro. É importante ter em conta, sempre, que, se é verdade que a decisão de manter atos inválidos tem a finalidade de evitar efeitos negativos para a segurança jurídica, a própria decisão de manter tais efeitos também provoca os mesmos efeitos negativos. Como observa Tamanaha, a manutenção de efeitos para atos contrários ao Direito igualmente produz efeitos que se contrapõem aos princípios do Estado de Direito e da segurança jurídica, como estimular o descumprimento dos contratos e a falta de manutenção da palavra, aumentar a incerteza com relação ao cumprimento de leis e contratos, encorajar a práticas econômicas inaceitáveis, aumentar a ineficiência, entre outros fatores. Com isso se quer apenas dizer que a decisão de manter os efeitos de atos inválidos com base no princípio da segurança jurídica deve analisar ‘todos’ os efeitos decorrentes da inversão da consequência normal pelo descumprimento das normas: a mesma segurança jurídica que pode ser usada para manter leis contrárias à Constituição com a finalidade de proteger a confiança de alguns que confiaram na validade de leis cuja constitucionalidade era presumida também pode ser utilizada com o fim de proteger a confiança de outros que confiaram na aplicação da consequência prevista para o descumprimento de leis contrárias à Constituição; a mesma segurança jurídica que pode ser utilizada para manter contratos inválidos com o objetivo de preservar a boa-fé das partes que atuaram acreditando na sua validade também pode ser usada com o fim de proteger a confiança das partes que confiaram na aplicação das consequências previstas para os casos de invalidade. Em suma, a manutenção de atos ou de efeitos de atos inválidos com base na segurança jurídica é ambígua: tanto a declaração de inconstitucionalidade, com pronúncia de nulidade, quanto a declaração de incompatibilidade, sem declaração e nulidade, produzem efeitos com relação à cognoscibilidade, à confiabilidade e à calculabilidade do Direito. Sendo assim, as decisões que se valem dessa técnica decisória não podem utilizar a segurança jurídica sem definí-la e sem analisar todos os efeitos que lhe digam respeito. O uso da segurança jurídica como fundamento decisório sem a sua definição e sem a delimitação dos tipos e da extensão de ‘todos’ os efeitos é incompatível com o princípio do Estado de Direito e, por paradoxal que isso possa parecer, com o próprio princípio da segurança jurídica.” (Ávila, Humberto. Segurança jurídica. Entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. 2ª Ed. São Paulo, SP: Malheiros Editores, 2012. p.546-547.)

[24] “Todos esses casos revelam um modo muito muito temperado de declaração de inconstitucionalidade, pois, em vez de fazer ‘tábula rasa’ da modulação de efeitos, o Tribunal não apenas declarou a inconstitucionalidade, desvalorando juridicamente a conduta antijurídica, como encontrou um meio capaz de preservar os direitos fundamentais que seriam afetados com a decretação de nulidade retroativa e de manter a inevitável inconstitucionalidade pelo tempo ‘estritamente necessário’ para o restabelecimento do estado de constitucionalidade violado. A regra, portanto, é no sentido de que a eficácia prospectiva integral deve ser excluída sempre que houver outro meio para restabelecer o estado de constitucionalidade violado. A regra, portanto, é no sentido de que a eficácia prospectiva integral deve ser excluída sempre que houver outro meio de restabelecer o estado de constitucionalidade violado. Ainda que admitida a modulação, deve-se escolher, dentre os meios disponíveis, aquele que melhor restabelece o estado de constitucionalidade, se declaração e incompatibilidade de com atribuição de reforma legislativa com efeito ‘ex tunc’ ou ‘ex nunc’, com ou sem fixação de prazo, com ou sem regras de transição.” Ávila, Humberto. Segurança jurídica. Entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. 2ª Ed. São Paulo, SP: Malheiros Editores, 2012. p. 578

[25] “Esta forma de abordagem deixa, em segundo plano, a circunstância de que o Estado é, de certo modo, o autor do próprio direito, o criador das normas, e é, também, o intérprete oficial destas.

Então, se se vê o Estado como um ente que também é destinatário das regras jurídicas, e que estas integram um sistema que se diferencia dos demais (social, político, econômico, religioso etc.), por uma série de características, deve-se dizer que a sua confiança no ordenamento jurídico também merece ser tutelada. (…)

A necessidade de modulação decorre, justamente, de que, quando se trata do passado, o Estado fica de mãos atadas no que diz respeito a tomar providências orçamentárias (no âmbito legislativo), que poderiam ser tomadas se se tratasse de uma alteração futura. Quando se pensa no fisco, e na circunstância de haver uma mudança de orientação dos Tribunais, que seja capaz de causar-lhe impactos negativos, como, por exemplo, passar a se considerar um tributo, que antes era tido como constitucional, agora como inconstitucional, é legítimo que se procure encontrar uma forma de o Estado absorver melhor os prejuízos decorrentes das ações de repetição de indébito, que muito provavelmente serão movidas contra si.

Assim, o que se tem é que, o princípio da segurança jurídica se aplica de uma forma diferente ao Estado.  Isto porque o Estado tem meios de se proteger, com o que o particular não pode contar. Mas, isso não significa que a modulação nunca possa beneficiá-lo. Smith, autor já referido, observa que o modo diferenciado como o princípio da segurança jurídica se aplica ao Estado é resultado da sua capacidade de reação.

Nessa medida, é que a modulação pode materializar-se em regras de transição, que lhe conferem um tempo para se adaptar à nova orientação, redimindo-se do passado (sem prejuízo do direito dos particulares à repetição do indébito).”

(ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos Tribunais Superiores. 7. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023. p. 443-444.)

[26] ARRUDA ALVIM, Teresa; Modulação na alteração da jurisprudência firma ou de precedentes vinculantes. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024. p. 363

[27] ARRUDA ALVIM, Teresa; Modulação na alteração da jurisprudência firma ou de precedentes vinculantes. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024. p. 364

[28] BARRENI, Smith Robert. DIREITO TRIBUTÁRIO E MODULAÇÃO: a segurança jurídica no contexto da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. 2022. extraído de: < Tese PUCSP – Smith Robert Barreni – 2022> acessado em: 06.12.2022. p. 15/19

[29] Quando os tribunais superiores mudam sua jurisprudência (firme/dominante), ou alteram orientação outrora estabelecida em precedente vinculante, o sistema jurídico deve prestigiar a confiança dos particulares e a do Estado que pautaram suas condutas conforme as expectativas normativas anteriores direito, pois assim a diferenciação social do direito não é comprometida. Para tanto, devem, por intermédio da regra de modulação, abrir espaço à concretização do princípio da segurança jurídica, na medida que for necessária ao afastamento da exposição das pessoas e da política das situações de perigo. Deste modo, se a restabilização for em sentido contrário aos interesses dos particulares (tributo que era considerado indevido passa a ser devido), deve haver modulação para atribuição de efeitos ex nunc à nova orientação, em observância à história e à congruência do sistema jurídico, que são aspectos diretamente relacionados à confiança social que o direito precisa para manter sua autonomia. A modulação também deve ocorrer nos casos em que a mudança do quadro de expectativas normativas “prejudica” o Estado, pois este também é destinatário do princípio da segurança jurídica. Todavia, como o sistema político tem mecanismos legais para promover o equilíbrio orçamentário, a sua segurança é resguardada na medida em o direito lhe confira tempo/prazo para que, a partir da autopoiese política, seja produzida comunicação voltada ao equilíbrio orçamentário do Estado. (BARRENI, Smith Robert. DIREITO TRIBUTÁRIO E MODULAÇÃO: a segurança jurídica no contexto da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. 2022. extraído de: < Tese PUCSP – Smith Robert Barreni – 2022> acessado em: 06.12.2022. p. 125)

[30] A superação dos precedentes exige a formação de sólida jurisprudência contrastante e deve se fundar em argumentos vinculados à boa-fé e à proteção da confiança do cidadão, sopesados com os princípios da igualdade, da responsabilidade e do excepcional interesse social e econômico. Se assim não acontecer cresce o consequencialismo às avessa.

(…)

A modulação dos efeitos da decisão judicial é fruto do pensamento consequencialista, seja favorável ao Fisco, seja benéfico ao contribuinte. É via de mão dupla. O argumento ad consequentiam passa a ter grande peso nas modernas teorias da justiça constitucional. A doutrina brasileira tem avançado ultimamente, para defender o prospective overruling mesmo fora do controle de constitucionalidade.116 Misabel Abreu Machado Derzi entende que “a regra deve ser a retroação (efeitos ex tunc) nas sentenças declaratórias e a exceção, a modulação de efeitos; mas em relação às modificações jurisprudenciais, prejudiciais ao contribuinte, a solução se inverte, a regra deverá ser a modulação de efeitos, com a aplicação plena dos princípios da irretroatividade, da proteção da confiança e da boa-fé objetiva”;117 tal posição configura, a nosso ver, também um consequencialismo às avessas. (TORRES, Ricardo Lobo. O consequencialismo e a modulação dos efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal. In: Revista Direito Tributário Atual, nº 24. Coord. Costa, Alcides Jorge et. al. IBDT. p. 462/463.)

[31] BRASIL. STF. RE 593849/MG, Órgão julgador: Tribunal Pleno, Rel. Ministro Edson Fachin, DJe 21/10/2016

[32] Cf. CHAGAS, Vitória Medeiros de Melo Cabellero; TOLEDO, Danielle Rezende de. O consequencialismo na modulação de efeitos das decisões judiciais e sua aplicação em matéria tributária. Revista da Defensoria Pública. <https://revista.defensoria.rs.def.br/defensoria/article/view/560/401> acessado em 5. Fev. 2024. 17hs17min.

[33]  “Recorde-se que a segurança jurídica foi conceituada neste trabalho como norma-princípio que exige dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário a adoção de comportamentos que contribuam mais para a existência, ‘em benefício dos cidadãos e na sua perspectiva’, de um estado de confiabilidade e de calculabilidade do e pelo Direito, com base na sua cognoscibilidade, como instrumento garantidor do ‘respeito à sua capacidade’ de, sem engano, frustração ou surpresa, plasmar com dignidade o seu presente e fazer um planejamento estratégico juridicamente informado do seu futuro. Prejuízos financeiros decorrentes da cobrança de tributos inconstitucionais não se enquadram, portanto, no conceito de segurança jurídica tal como está posta na CF/88.” (Ávila, Humberto. Segurança jurídica. Entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. 2ª Ed. São Paulo, SP: Malheiros Editores, 2012. p. 581)

[34] CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 32 ed. São Paulo: Malheiros, 2019. p. 191.

[35] ARRUDA ALVIM, Teresa; Modulação na alteração da jurisprudência firma ou de precedentes vinculantes. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024. p. 362

[36] “Como se pode observar, os argumentos consequencialistas ligados ao déficit orçamentário têm prevalecido no STF para: i) aplicar a modulação em favor do Estado, por meio da atribuição de efeitos ex nunc à restabilização, para impedir a repetição do indébito por aqueles que não ingressaram em juízo antes da mudança de orientação, e, cumulativamente, em alguns casos, para criar regra de transição, a fim de se permitir a continuidade da cobrança do tributo, por certo período, mesmo após a declaração da sua inconstitucionalidade; ou ii) restringir a eficácia da modulação aplicada em favor dos particulares (como ocorreu em relação ao Tema 490/STF), para o fim de impedir a anulação de créditos tributários lançados pelas administrações fazendárias em período anterior à restabilização ocorrida em favor dos interesses do Estado. Isso, no entanto, é problemático, pois provoca hipertrofia do Estado em detrimento das pessoas e do próprio sistema jurídico, que fica exposto às ameaças de desdiferenciação social causadas pela politização do direito487. O princípio da segurança jurídica acaba se traduzindo em segurança orçamentária em razão da “expansão da racionalidade econômica em detrimento de outras racionalidades sociais” 488 – ou seja, desprezando as expectativas normativas que os indivíduos criam a partir das suas perspectivas sobre o princípio em questão. Isso implica, conforme Marcelo Neves, “tendência de desdiferenciação ‘progressiva’” 489, e aos poucos o direito vai se diluindo no ambiente490.” (BARRENI, Smith Robert. DIREITO TRIBUTÁRIO E MODULAÇÃO: a segurança jurídica no contexto da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. 2022. extraído de: < Tese PUCSP – Smith Robert Barreni – 2022> acessado em: 06.12.2022. p.131-132)

[37] ARRUDA ALVIM, Teresa; Modulação na alteração da jurisprudência firma ou de precedentes vinculantes. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. P. 220.

[38] ARRUDA ALVIM, Teresa; Modulação na alteração da jurisprudência firma ou de precedentes vinculantes. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. P. 220.

[39] “O argumento consequencialista não pode ser completamente abandonado. Isso é evidente. Em certos casos, ele pode ser utilizado em hipóteses onde eventual modulação prejudicial a um ente público simplesmente iria levá-lo a um estado de calamidade pública, por meio da completa insolvência. Mas ele não pode ser trazido como uma espécie de “palavra mágica” apta a forçar que haja a superação prospectiva para uma das partes. A discussão sobre a modulação de efeitos é predominantemente dominada pela discussão acerca da confiança dos jurisdicionados no precedente anterior e na capacidade desse precedente de induzir condutas nos jurisdicionados. Os argumentos consequencialistas entram de forma lateral, influenciando na convicção do magistrado.” (PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. 4ª ed. Salvador: Editora JusPodivum, 2019. p. 427).