A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NA ELABORAÇÃO DE LEIS PENAIS

A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NA ELABORAÇÃO DE LEIS PENAIS

10 de junho de 2023 Off Por Cognitio Juris

THE INFLUENCE OF THE MEDIA IN THE ELABORATION OF CRIMINAL LAWS

Artigo submetido em 26 de maio de 2023
Artigo aprovado em 02 de junho de 2023
Artigo publicado em 10 de junho de 2023

Cognitio Juris
Ano XIII – Número 47 – Junho de 2023
ISSN 2236-3009

.

Autor:
Laisa Ferreira de Souza[1]
Lívia Helena Tonella[2]

.

RESUMO

O trabalho está dividido em três partes distintas. Na primeira parte, é realizada uma análise da presença e do papel das redes sociais na mudança e/ou criação de leis penais pela sociedade. Essa análise se concentra especialmente na mídia eletrônica, como televisão e internet, que são os tipos de mídia mais adequados às novas tecnologias. O objetivo é demonstrar como a mídia contemporânea exerce uma influência crescente no âmbito legislativo. A segunda parte aborda o discurso punitivo e suas consequências, destacando como as redes sociais podem ser utilizadas para amplificar a ira dos usuários, levando-os a construir discursos que defendem o aumento de penas e a criação de novas leis para punir atos repugnantes considerados. Nessa seção, são discutidos os riscos desse cenário e o papel das redes sociais nesse processo. Na terceira parte, são apresentados casos reais ocorridos no Brasil em que a população, por meio de manifestações nas redes sociais, influenciou a criação de leis penais. O objetivo é demonstrar a influência dessa influência, destacando o papel das redes sociais como vozes relevantes no cenário político brasileiro e como isso afeta diretamente o poder legislativo. Esses casos ganharam destaque por envolverem pessoas conhecidas na mídia e na política, bem como devido à gravidade dos crimes cometidos. Dessa forma, o trabalho oferece uma análise abrangente sobre o papel da mídia, especialmente das redes sociais, nas sociedades modernas, explorando sua influência na construção da realidade social e discutindo as consequências desse cenário, como o aumento do número de leis que abordam novos crimes ou aumentar as penas de atos já considerados criminosos.

Palavras-chave: meios de comunicação; leis penais; sistema jurídico; influência das mídias sociais; punitivismo penal.

ABSTRACT

The paper is divided into three distinct parts. In the first part, an analysis of the presence and role of social media in changing and/or creating criminal laws by society is conducted. This analysis focuses especially on electronic media, such as television and the Internet, which are the types of media most suited to new technologies. The aim is to demonstrate how contemporary media exert an increasing influence on the legislative sphere. The second part addresses the punitive discourse and its consequences, highlighting how social networks can be used to amplify users’ anger, leading them to construct discourses that advocate for increased penalties and the creation of new laws to punish considered repugnant acts. In this section, the risks of this scenario and the role of social networks in this process are discussed. In the third part, we present real cases that occurred in Brazil in which the population, through demonstrations on social networks, influenced the creation of criminal laws. The goal is to demonstrate the influence of this influence, highlighting the role of social networks as relevant voices in the Brazilian political scene and how this directly affects the legislative power. These cases have gained prominence because they involve people known in the media and in politics, as well as due to the seriousness of the crimes committed. Thus, the paper offers a comprehensive analysis of the role of the media, especially social networks, in modern societies, exploring its influence on the construction of social reality and discussing the consequences of this scenario, such as increasing the number of laws addressing new crimes or increasing the penalties for acts already considered criminal.

Keywords: media; criminal laws; legal system; social media influence; criminal punitivism.

INTRODUÇÃO

Áreas diversas do conhecimento estão sendo atraídas para o estudo do impacto causado pelas redes sociais, um fenômeno relativamente moderno, em reconhecimento à sua rápida e dinâmica expansão, e ainda, ao seu resultado incontroverso.

A mídia tem um papel fundamental na sociedade atual, pois é ela quem nos fornece informações sobre os mais diversos assuntos. No entanto, é importante lembrar que a mídia não é neutra e pode influenciar a forma como a população percebe determinados temas, incluindo o sistema jurídico. Isso ocorre porque a mídia tem o poder de moldar a opinião pública e, consequentemente, influenciar a elaboração de leis penais.

A relação entre a mídia e o direito é uma questão complexa e controversa. Por um lado, a mídia pode ser vista como uma ferramenta útil para informar a população sobre questões jurídicas importantes e, dessa forma, garantir a transparência e a accountability do sistema jurídico. Por outro lado, a mídia também pode ser responsável por criar pânico moral em torno de determinados crimes, o que pode levar a uma pressão popular por leis mais severas e repressivas.

Para ilustrar a importância do tema abordado neste trabalho, é possível citar alguns casos reais em que a mídia exerceu influência sobre a elaboração de leis penais. Um desses casos ocorreu nos Estados Unidos em 1984, quando uma mulher chamada Mary K. Letourneau foi presa por manter relações sexuais com um estudante de 12 anos de idade. O caso ganhou uma grande cobertura midiática e gerou um debate intenso sobre a criminalização do sexo entre adultos e menores de idade.

A mídia retratou Mary Letourneau como uma predadora sexual perigosa, o que criou um clima de pânico moral na população. Como resultado desse pânico, vários estados dos EUA aprovaram leis mais severas para punir adultos que tivessem relações sexuais com menores de idade. Essas leis ficaram conhecidas como “leis de Mary Letourneau” e foram criticadas por vários juristas e defensores dos direitos humanos, que argumentavam que elas eram desproporcionais e violavam os direitos das pessoas acusadas de cometer esses crimes.

O mesmo ocorre atualmente dentro das universidades de Direito. O tema tem sido alvo de discussão acadêmica, posto que entendido, a princípio, tratar-se de uma nova fonte do direito.

Esta, por sua vez, tem um papel muito importante no processo penal brasileiro, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento massificado dos meios de comunicação e o seu papel como instrumento eficaz de propagação da informação e de formação da opinião pública acerca das questões criminais no Brasil. Entretanto, tem-se também que o referido instrumento pode ser utilizado de forma arbitrária e sensacionalista, sobretudo quando envolve casos de grande clamor social.

O clamor social, por sua vez, é a máquina que dá ensejo à criação de determinada lei, vez que o legislador utiliza sua percepção da sociedade, bem como das necessidades que a mesma apresenta, para proceder à apresentação de determinado projeto.

É diante deste cenário que se apresenta o presente trabalho, o qual objetiva, de modo geral, demonstrar a sagacidade com a qual a mídia tem influenciado na legislação penal e processual brasileira, visando ainda abordar de forma específica casos de grande repercussão e suas conclusões ante as grandes manifestações sociais por meio das redes particulares de internet.

Para tanto, serão considerados aspectos como a época da ocorrência dos referidos crimes, a influências que as mídias sociais exerciam ao tempo, além do quanto os casos tiveram repercussão no Brasil e os principais meios usados para a manifestação da opinião pública.

  1. A MOLDAGEM DA OPINIÃO PÚBLICA PELA MÍDIA E SEU IMPACTO NA LEGISLAÇÃO PENAL

A mídia pode ser conceituada como uma designação abrangente dos diferentes canais de comunicação, como a imprensa, a televisão, o rádio, a internet e outros meios semelhantes, que têm como objetivo transmitir informações, mensagens, entretenimento e publicidade para um amplo público (FERREIRA, 2011, p. 594).

Além de desempenhar na sociedade o papel de levar o conhecimento de fatos, também é responsável por formar a opinião pública, sendo considerada atualmente uma das bases dos estados democráticos.

Neste item, pode-se examinar casos concretos em que a mídia exerceu influência na elaboração de leis penais. É importante analisar como os atores do sistema jurídico reagem à pressão midiática e como a cobertura midiática pode afetar o processo legislativo. É possível discutir tanto casos em que a influência da mídia resultou em leis mais rigorosas, como também casos em que a pressão midiática foi responsável pela criação de leis ineficazes ou violadoras de direitos fundamentais.

Antes, contudo, será brevemente abordado o procedimento adotado para a criação de uma lei.

Como bem indicado por Hans Kelsen em sua brilhante pirâmide que objetiva apresentar de forma gráfica o sistema de hierarquia do Estado, temos a Constituição Federal como fundamento de todas as leis, cujo conteúdo direciona tanto a criação de leis que automaticamente derivam dela, quanto à aplicação das referidas leis, chamadas infraconstitucionais.

No Brasil, a elaboração de leis penais, atribuição do Poder Legislativo, persegue um procedimento legislativo, o qual pode ser materializado como um conjunto de regras preordenadas, ou seja, fases e atos descritos pela Lei Maior para que se constitua uma nova lei, as quais deverão ser respeitadas pelos integrantes das casas responsáveis por tal atribuição.

Nesse ponto, vale ressaltar que nem todas as leis são originadas de um processo legislativo, mas tão somente as espécies normativas primárias do artigo 59 da Constituição Federal, dentre as quais se encontram as Leis Penais.

Como é por demais sabido, em regra, a competência para legislar sobre matéria de direito penal compete exclusivamente à união, representada pelo Congresso Nacional, conforme preceitua o Artigo 22, inciso I da Carta Magna.

         O Congresso Nacional, por sua vez, fora constituído ainda em 1891 pela Constituição Federal promulgada à época, a qual determinava que o Poder Legislativo seria por ele exercido, e sua composição se dá pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.

Pois bem, primeiro, é necessário que o projeto de lei seja apresentado inicialmente em uma das referidas casas, de modo que se aprovado pelos parlamentares desta será enviada a outra casa, denominada Casa Revisora, para que seus integrantes realizem uma análise com o objetivo de determinar se o referido projeto será aprovado, quais modificações devem ser feitas, ou, verificada sua inadequação ou existência de lei com o mesmo objeto, indicará a reprovação do projeto.

Na hipótese de ser aprovado o projeto de lei, restando indicadas modificações a serem feitas, o mesmo retornará à casa de origem para que os seus membros decidam se aceitam ou não as mudanças introduzidas pela Casa revisora.

A aprovação de determinado projeto de lei ordinária, como é o caso do Código Penal, deve contar com votos favoráveis da maioria dos Deputados e Senadores, sendo obrigatório que haja a participação de pelo menos metade do total deles na votação, comumente chamado de quórum (quantidade necessária de votantes).

Após a aprovação por ambas as Casas, o projeto de lei será submetido à apreciação do Presidente da República para a fase denominada sanção. Nesta, será verificada a constitucionalidade do projeto de lei, ocasião em que poderá ser vetada total ou parcialmente, ou sancionada pelo chefe do poder executivo.

Importa ressaltar que, em que pese a fase anterior indique o Presidente da República tem a palavra final acerca da aprovação ou não de determinado projeto de lei, sendo o mesmo por ele rejeitado, caberá ainda à maioria dos Deputados e Senadores decidirem sobre a permanência do veto presidencial, de modo que decidindo-os pela invalidade do veto passará por nova votação e aprovado será sancionado pelo Presidente da República.

Por fim, haverá a promulgação deste projeto, o qual tornar-se à lei, a depender da publicação para que tenha validade.

Superado o procedimento, passemos à análise de leis criadas a partir da influência recebida por instrumentos midiáticos.

Em 04 de maio de 2012 um site hospedado em Londres, capital da Inglaterra, publicou fotos íntimas da atriz Carolina Dieckmann, as quais rapidamente se espalharam pela internet por meio de correios eletrônicos e redes sociais. Durante a investigação policial, restaram levantadas duas hipóteses, as quais apontavam para uma possível violação através da empresa de assistência técnica que havia realizado reparo no computador da vítima, e para um hacker que teria acessado o e-mail da atriz e acessados as imagens.

Foi nesse contexto, após concluir que o e-mail da atriz teria sido infectado, meio pelo qual acessaram seus arquivos, a então Presidente da República Dilma Rouseff sancionou a Lei 12.737/2012, mais conhecida como Lei Carolina Dieckmann, a qual dispõe acerca da tipificação criminal dos delitos informáticos, dentre eles a violação à dispositivo informático de terceiros.

Na época, diversas revistas e canais de televisão expuseram o ocorrido. Daí se tem que o instrumento que mais influenciou a criação da referida lei foi de fato a mídia, vejamos:

O vazamento das fotos íntimas da atriz Carolina Dieckmann repercutiu até no Congresso Nacional, levando a Câmara dos Deputados a aprovar na terça-feira, em regime de urgência, o projeto de lei 2793/11, de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que tipifica crimes cibernéticos. A nova lei prevê punições específicas para delitos como violação de senhas, invasão de computadores e devassa de outros dispositivos de informática (VEJA, 2012, Rio de Janeiro).

Prova disso é que o caso obteve do canal Record, à época, 20 minutos exclusivos.

Anteontem, o canal chegou a ficar 20 minutos em um de seus jornalísticos comentando a ida de Carolina à delegacia para prestar depoimento. Para ilustrar a reportagem, a Record mostrou as fotos vazadas com efeito embaçado e imagens da atriz em filmes, mas nenhuma cena em novelas da Globo. O caso acabou deixando em segundo plano o plantão sobre a evolução do estado de saúde de Pedro, filho do cantor Leonardo (FOLHA ONLINE, 2012, s.p.).

Deste se infere que, em que pese este estudo evidencie o crescimento acelerado das mídias e sua influência sobre a criação das leis, a pressão e influência da mídia sobre o poder legislativo não são fenômenos recentes.

A cobertura midiática pode tanto amplificar as vozes da sociedade civil, dando visibilidade a problemas e demandas populares, como também pode moldar a agenda política, destacando determinados temas e influenciando a atuação dos legisladores.

Outro caso marcante e, desta vez, sem que tenha envolvido redes de internet para sua consumação, mas que ganhou fama após o seu acontecimento foi o chamado “Henry Borel”.

Este, por sua vez, ocorreu em março de 2021, quando um menino de 4 anos de idade, fora encontrado morto no apartamento de seu padrasto conhecido como Jairinho, então vereador na cidade do Rio de Janeiro.

Inicialmente, o padrasto de Henry e sua mãe, Monique Medeiros, informaram que o menino havia sofrido um acidente enquanto dormia. No entanto, as investigações revelaram que a causa da morte foi um traumatismo cranioencefálico e abdominal, indicando sinais de agressão física.

À medida em que a investigação avançava, fora descoberto que Henry havia sido vítima de violência doméstica, posto que encontrados vídeos e mensagens de texto do menor que indicavam maus tratos.

Diante de tanta brutalidade acima narrada, verificou-se uma comoção social em todo o país, trazendo à torna a discussão acerca da proteção dos direitos das crianças e a necessidade de lutar contra a violência infantil. Além disso, foi questionada a integridade das instituições e a justiça no país, já que verificado que o Estado poderia ter agido antes para protegê-lo.

Em que pese o processo ainda se encontre em andamento, tendo em vista os recursos apresentados, o alto volume de manifestações de caráter repudiantes ensejaram de forma indireta a criação da Lei n° 14.344, de 24 de maio de 2022.

Esta, traz consigo a criação de mecanismos que objetivam prevenir e ainda, enfrentar a violência contra crianças e adolescentes em contexto doméstico e familiar. Para tanto, conceitua a própria violência e, consequentemente, dispõe de como identificá-la e, ainda da assistência que deverá ser ofertada quando verificada.

  • TODO O PODER EMANA DO POVO: UMA CRÍTICA AO DISCURSO PUNITIVISTA

Nesta seção, pode-se analisar como a mídia contribui para a construção do discurso punitivo na sociedade, que muitas vezes resulta em demandas por leis mais severas e repressivas.

A relação entre os meios de comunicação e o discurso punitivo na sociedade é um tema complexo e controvertido. Os meios de comunicação têm um papel influente na forma como se interpreta e se apresenta a informação sobre o crime e a justiça na sociedade. Com Frequência, os meios de comunicação tendem a se concentrar em histórias sensacionalistas e na representação de delitos graves, o que pode levar a uma narrativa punitiva e gerar medo e estigmatização na sociedade.

Afinal, à medida em que a mídia se expande, seu alcance e impacto sobre o público aumentam, assim como sua influência sobre o mundo político. Os meios de comunicação desempenham um papel crucial na interpretação e modelagem da demanda social por segurança, muitas vezes falecida de forma subliminar, e por vezes direta, ação legislativa. Em muitos casos, eles são capazes de criar essa demanda, exercendo uma poderosa influência na agenda política.

Garland, ao escrever A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea, aduziu:

A ideologia de guerra permanentemente disseminada pela mídia justifica­se em razão do discurso da “segurança cidadã”, fundado na proteção dos “cidadãos de bem” em face do “‘inimigo”, figura essencial para a consolidação do paradigma bélico do poder punitivo, afinal, seria uma contradição em termos falar de guerra suma existência de um inimigo a ser combatido (BOLDT, 2013, p. 91).

O discurso punitivo, por sua vez, se refere a uma mentalidade e abordagem que promove uma resposta punitiva e orientada para o castigo aos delinquentes, em vez de abordar as causas subjacentes dos problemas sociais, buscando abordagens mais reabilitadoras e preventivas.

Nesse mesmo sentido, Howard Zehr, autor e conhecido como um pioneiro da justiça restaurativa, escreve que “o discurso punitivo tende a enfatizar a retribuição e a vingança, em vez de buscar abordagens restaurativas e de reabilitação” (Zehr, 2002).

O experimento controlado por Ciarelli e Avila, por sua vez, tinha como objetivo analisar como a maneira e a frequência com que a mídia noticia certos assuntos podem influenciar a percepção das pessoas, especificamente acerca da ocorrência de diferentes causas de morte. O tema escolhido para o experimento foi baseado na ampla cobertura midiática de mortes violentas, e visava investigar como essa abordagem midiática influencia o entendimento do público sobre a frequência e a probabilidade de ocorrência de mortes violentas (CIARELLI e AVILA, 2009).

Os resultados do experimento podem fornecer insights sobre como a mídia pode moldar as ocorrências do público e ressaltar a importância de uma cobertura jornalística equilibrada e precisa, especialmente quando se trata de assuntos sensíveis como a violência e a morte.

Em verdade, os meios de comunicação, ao ressaltar certos delitos e apresentá-los de maneira exagerada, podem contribuir para a criação de um clima de temor e uma demanda pública de respostas mais duras e punitivas por parte do sistema de justiça, o que pode levar a um aumento das políticas e leis penais mais diversas.

Ora, a medida em que cobre a criminalidade com o objetivo de gerar empatia em sua audiência, as mídias aumentam o medo de ser ela própria, a próxima vítima.

A vítima é agora, de certo modo, um personagem muito mais representativo, cuja experiência é projetada para o comum e o coletivo, em lugar de ser  considerada  individual  e  atípica.  Quem  quer  que  fale  pelas  vítimas  fala  por  todos  nós  ­ assim  recomenda  a  nova sabedoria  política  das  sociedades  que  possuem  altas  taxas  de  criminalidade.    Imagens  publicadas  de  vítimas  reais  servem  de  metonímia  personalizada  da  vida  real,  do  “poderia ter  sido  você”  relacionada ao  problema  de  segurança  que  se  tornou  um  componente  decisivo  da  cultura contemporânea.  (GARLAND, 2008, p. 55­56).

Embora seja positivo o aumento da participação dos cidadãos na elaboração das leis através de manifestações em redes sociais, por outro lado, é importante discutir como os meios de comunicação podem distorcer a realidade dos fatos, produzindo estereótipos e caricaturas que afetam a percepção da população sobre o sistema jurídico.

Para exemplificar, a plataforma Netflix disponibilizou um documentário denominado “O Dilema das Redes”, dirigido por Jeff Orlowski, o qual traz uma trama fictícia ao acompanhar a vida de um jovem que passa todo o seu tempo nas redes sociais, trazendo à tona ainda relatos de ex-funcionários e executivos das chamadas big techs, também conhecidas como Tech Giants.

O termo Big Tech surgiu na mídia em meados do ano de 2013, sinalizando alta possibilidade de dominação do mercado, e ainda, com quase nenhuma regulamentação. Em suas, são empresas que dominam o setor de tecnologia da informação.

O documentário aborda ainda o relato de alguns dos responsáveis por instrumentos que transformaram empresas como Google, Facebook e Twitter, Instagram, Apple, revolucionando-as.

Em suma, a documentário objetiva criticar a quantidade de tempo gasto navegando nas redes sociais, trazendo, para tanto, comparativos acerca da grande concentração de seu uso tanto por americanos quanto por brasileiros.

Nesse sentido, demonstra ainda como a tecnologia se tornou uma fonte de lucro que não tem um olhar voltado para a geração de exploração da vulnerabilidade do psicológico humano.

No campo jurídico, contudo, as redes sociais retro mencionadas têm sido comumente utilizadas para a manifestação da opinião pública em todos os aspectos, seja para declarar sua indignação em processos criminais nacionalmente polêmicos ou invocar aos governantes que regulamentem os diversos atos criminosos praticados pelo país até então não tratados pela lei penal.

  • OS EFEITOS DA MÍDIA NA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PENAIS: HISTÓRICO DE CASOS EMBLEMÁTICOS QUE INFLUENCIARAM NA CRIAÇÃO/ALTERAÇÃO DE DISPOSTIVOS PENAIS

Diariamente, políticos e mídia promovem a ideia de que a segurança pode ser alcançada por meio da aprovação de leis repressoras. No âmbito do Poder Legislativo, propostas para a criação de novos tipos penais, aumento de penas para certos crimes e implementação de regimes iniciais de cumprimento de penas mais rigorosas têm se tornado comuns.

Aliás, realizando uma análise da legislação argentina, uruguaia e brasileira, Raúl Cervini chegou à conclusão de que “quase a totalidade de normas ultimamente promulgadas, ou em vias de que criminalizam novas condutas ou incrementam penas, foram ou são sistematicamente precedidas e acompanhadas de intensas campanhas dos mass media” (1994, p. 54).

A crítica sobre a espetacularização e banalização da violência pelos órgãos de imprensa é justificada, pois eles costumam seguir uma abordagem na qual retratam a criminalidade, especialmente a violenta, ocupando uma parcela significativa de sua programação diária em comparação com outros graves problemas sociais. As notícias recebem destaque quando despertam sentimentos de medo, indignação e angústia, levando o público a se identificar com a vítima e compartilhar sua posição no conflito. Dessa forma, os meios de comunicação especializaram-se em prender a atenção do público ao priorizar a cobertura sensacionalista da criminalidade.

O ponto é que, não há consenso sobre o quanto de validade detém essa imagem na realidade, vez que é esperado que as demandas animadas em comoção ou sensacionalismo produzam soluções não tão equilibradas. Além disso, uma exposição midiática excessiva sobre a violência não contribui para aumentar a sensação de segurança, pelo contrário. O noticiário não apresenta o contexto social ou interpessoal que deu origem ao conflito, focando apenas na violência em si como uma linguagem brutal e simplificando tanto o fato quanto o autor, retratando este último apenas pela lente da mesquinhez.

Além dos casos já relatados de maneira superficial em tópicos anteriores, cabe trazer à baila ainda outros dois que culminaram em lei em razão da grande comoção social gerada.

O primeiro deles ocorreu com Maria da Penha Maia Fernandes. Vítima de violência doméstica por parte de seu ex-marido, em 1983, Maria da Penha sofreu duas tentativas de homicídio, o que resultou em sequelas permanentes, como a paraplegia.

A vítima, ao buscar ajuda enfrentou um processo que perdurou por mais de 19 (dezenove) anos, motivo pelo qual houve um grande movimento para a criação de uma legislação mais efetiva, quando então surgiu a Lei n° 11.340 promulgada em 7 de agosto de 2006, que objetiva combater a violência doméstica e familiar contra a mulher.

A Lei Maria da Penha estabelece claramente a necessidade de cooperação entre a União, os Estados e os Municípios para sua implementação. Por esta razão, em 2007, o governo federal realizou proposta do que ficou chamado de Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, uma estratégia integrada que visava descentralizar as políticas públicas por meio de um acordo federal (Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2011a).

O principal objetivo do Pacto era garantir a implementação da Lei Maria da Penha, bem como a expansão e o fortalecimento da rede de atendimento às mulheres. Através do Pacto, o Governo Federal, por meio da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, estabeleceu diretrizes e padrões técnicos para a prestação de serviços às mulheres.

O segundo, por sua vez, ocorreu pouco tempo depois, em dezembro de 1992, quando Daniela Perez, uma jovem atriz promissora e talentosa, foi brutalmente assassinada. O crime ocorreu enquanto ela participava da novela chamada “De Corpo e Alma”, da Rede Globo, fato que trouxe ainda mais repercussão aos fatos.

Daniela Perez interpretou a personagem Yasmin na novela, que foi um grande sucesso na época. O autor da novela, Silvio de Abreu, e sua esposa, a atriz Guilhermina Guinle, interpretavam os vilões da trama. No entanto, a relação entre Daniela e um dos atores, Guilherme de Pádua, que interpretou o personagem Bira, acabou indo além dos limites profissionais.

Ocorre que, no dia 28 de dezembro de 1992, Daniela Perez foi atraída por Guilherme de Pádua para uma emboscada em um terreno baldio. Lá, ele a esfaqueou diversas vezes, tirando sua vida de forma brutal. O crime chocou o país e provocou uma enorme comoção na mídia e na sociedade como um todo.

Após a descoberta do corpo, a polícia rapidamente identificou Guilherme de Pádua como o autor do crime, e ele foi preso. Sua esposa, Paula Thomaz, também foi detida por envolvimentos no assassinato. O caso ganhou destaque nacional e se tornou um marco na história do sistema judiciário brasileiro.

O julgamento de Guilherme de Pádua e Paula Thomaz foi amplamente acompanhado pela mídia e pela opinião pública. Nesta oportunidade, foi trazido à tona discussões sobre violência contra a mulher e os limites da fama e da obsessão.

O referido caso teve um impacto significativo na legislação brasileira, principalmente no que diz respeito aos crimes passionais e à proteção das vítimas de violência doméstica. Após o ocorrido, ficou evidente a necessidade de revisão e criação de leis mais rigorosas para lidar com crimes dessa natureza, tendo sido inclusive tema de debate a eventual aplicação de pena de morte, sem êxito.

De todo modo, a morte de Daniella Perez levou a um debate sobre a necessidade de ampliar a abrangência da Lei de Crimes Hediondos no Brasil. Essa lei foi criada em 1990 e inicialmente englobava crimes considerados extremamente graves, como homicídio qualificado, violação, sequestro, entre outros.

Como resultado desse debate, em 1994, foi sancionada a Lei nº 8.072, que modificou e ampliou uma lista de crimes considerados hediondos. Essa lei incluía, por exemplo, o homicídio qualificado cometido por motivo fútil, o genocídio, a tortura, o tráfico de drogas, entre outros.

É importante ressaltar que a Lei de Crimes Hediondos não apenas aumentou as penas para os delitos listados, mas também estabeleceu regras mais rígidas em relação à progressão de regime, concessão de benefícios e outras formas de flexibilização penal. O objetivo é garantir que os criminosos condenados por esses crimes compram suas penas de forma mais rigorosa, o que indica esforço por parte do legislador para responder às demandas da sociedade, sobretudo àquelas que geram punições mais severas, visto ser o posicionamento da maioria.

Por fim, e mais recentemente, conforme já abordado anteriormente, o Brasil teve aprovada lei que ficou conhecida como Lei Carolina Dieckmann, por envolver uma artista famosa no país, caso que gerou grande atração da mídia da época, não só no país, mas também no mundo. A Lei n° 12.737/2012, representa uma modificação no Código Penal Brasileiro que aborda especificamente os crimes cibernéticos e delitos relacionados à informática. Com o avanço da tecnologia e a ampla disponibilidade das redes sociais, o sistema judiciário do Brasil identificou a necessidade de estabelecer penas para condutas criminosas praticadas no ambiente virtual.

O projeto foi apresentado em 29 de novembro de 2011 e recebeu sanção presidencial em 2 de dezembro de 2012, durante o mandato da presidente Dilma Rousseff. Esse foi o primeiro texto legal a estabelecer a tipificação dos crimes cibernéticos, com foco nas invasões de dispositivos sem a autorização do proprietário.

Com isso, acrescentaram-se os artigos 154-A e 154-B, os quais determinam que a ação de acessar um dispositivo informático pertencente a terceiros, independentemente de estar conectado ou não à rede de computadores, com a intenção de obter, modificar ou destruir dados ou informações sem a permissão explícita ou implícita do usuário do dispositivo, ou de inserir vulnerabilidades para obter vantagem ilegal tem como pena a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa. O segundo dispositivo acrescentado aduz que tais crimes somente se procedem mediante representação, salvo se cometido contra a administração pública de qualquer dos poderes da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, adicionando à exceção também as concessionárias de serviços públicos (DECRETO-LEI N° 2.848/1940).

Ademais, alterou a redação dos artigos 266 e 298 do Código Penal, que trata da interrupção ou impedimento dos serviços de informação que sejam de utilidade pública, bem como da falsidade de cartão e documento particular.

Vale ressaltar que, no Brasil, é comum que as leis levem anos para serem aprovadas. No entanto, nesse caso, a pressão midiática após um incidente envolvendo uma personalidade famosa contribuiu para que o processo de aprovação fosse excepcionalmente rápido, sendo concluído em um período recorde de apenas um ano.

Ocorre que, desde a promulgação da referida lei, no ano de 2012, os casos de crimes cometidos por meio de instrumentos tecnológico só cresceram, motivo pelo qual recentemente alguns daqueles artigos ganharam nova forma, alguns deles inclusive trazendo penas mais severas, como é o caso dos crimes praticados por invasão à dispositivo informático.

  • POPULISMO PENAL: UMA ANÁLISE DOS IMPACTOS POLÍTICOS DAS MEDIDAS PUNITIVAS

O populismo penal refere-se a estratégias políticas que visam obter apoio popular através do endurecimento das leis e do aumento das medidas punitivas, muitas vezes em resposta a eventos criminais de grande repercussão midiática.

Nesse sentido, é fundamental analisar os impactos políticos gerados por essas medidas, uma vez que a mídia exerce um papel central na formação da opinião pública e na construção de discursos que podem influenciar na elaboração de leis penais mais rígidas.

O populismo penal é um fenômeno político que se manifesta por meio de políticas e discursos voltados para questões relacionadas à segurança pública, justiça criminal e punição. Ele se caracteriza por apelar às emoções e temores da população, buscando soluções simplistas e punitivas para problemas complexos.

O desenvolvimento desse tipo de discurso pode ser atribuído ao pensamento político reacionário das décadas de 1980 e 1990, que enfatizava a responsabilidade individual e propunha como solução o uso de punições diversas, sem levar em consideração as causas subjacentes do problema (GOMES, 2013).

Nesse período, surgiram grandes problemas nessa área, em sua maior parte, causados pela transição democrática, havendo também um aumento na predileção pela punição, carreado pelo aproveitamento dos meios de comunicação, que encontrou nessa abordagem uma importante fonte de lucro.

O populismo penal tem origem no clamor público, gerando novas leis penais ou novas medidas penais, que inicialmente chegam a acalmar a ira da população, mas depois se mostram ineficientes, porque não passam de providências simbólicas (além de seletivas e contrárias ao Estado de Direito vigente) (GOMES, 2011, n.p.). 

Segundo Luiz Flávio Gomes (2013), há uma forma de “justiça midiatizada” que se utiliza de discursos moralistas e “conservadores” como forma de promover agendas que defendem a adoção de medidas mais rigorosas em nossa legislação penal.

A mídia contribui para o populismo penal a medida em que expõe de forma demasiada e sem filtros a prática de crimes.

Nesse ponto, Luiz Flávio Gomes diz: “O mau jornalismo principia na confusão mental entre liberdade de expressão e libertinagem da impressa, e não resiste à tentação maior de vestir a toga e, a seu bel­ prazer, acusar, julgar, condenar” (GOMES, 2013, p. 55). 

Nesse ponto, se observa que a mídia contribui para este populismo penal não só no que tange à criação de novas leis mais duras, mas também quando se trata de julgamentos de casos de grande repercussão, de tal modo que comprometa a aplicação da justiça, conforme bem se posicionou a Desembargadora Federal do Tribunal Regional Federal da 2° Região, Simone Scheiber, pontuando o seguinte:

A forma como a imprensa lida com o fato criminal (…) e a ocorrência de campanhas de mídia pela condenação de réus em determinados processos pode comprometer o julgamento justo (SCHREIBER, Simone. A Publicidade Opressiva de Julgamentos Criminais)

O alvoroço midiático gira em torno, principalmente, da suposta ausência de ferramentas de punição, fundamento que usam para provocar a criação de leis ou mudanças nas já existentes para que sejam ainda mais rígidas.

Ocorre que, a indignação não merece guarida, sobretudo em razão de que o Brasil está entre os primeiros que mais mantém pessoas encarceradas no mundo. Segundo Informações gerais do 13° Ciclo, fornecido pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN), o Brasil tem uma população prisional de 648.692 (seiscentos e quarenta e oito mil e seiscentos e noventa e dois) pessoas, sem contar as 183.603 (cento e oitenta e três mil e seiscentos e três) presos em domiciliar, isso no período de julho e dezembro de 2022.

A mídia, enquanto oxigênio da opinião pública age no que, na visão do psiquiatra Suíço Carl Gustav Jung, pode ser chamado de inconsciente coletivo. Este, por sua vez, acreditava que a expressão da influência que uma pessoa sofre do ambiente em que vive é resultado de transmissões recebidas pelo mundo, como mitos, histórias, lendas ou verdades que assimilamos ao longo dos anos, cultural e socialmente, e que não são adquiridas por meio de experiências individuais. De acordo com essa perspectiva, tudo o que está presente na sociedade também pode se manifestar de maneira inconsciente em nossas vidas, revelando-se através de histórias compartilhadas por outras pessoas e encontrando eco em experiências semelhantes que vivemos (BARBOSA, 2019, p. 14)

Valendo-se disso, os “comandantes” das mídias de maior alcance, responsáveis por selecionar e apresentar determinados casos criminais, criando uma atmosfera de medo e insegurança. Ora, quanto mais aterrorizada estiver a sociedade, mais esta mesma sociedade rogará por punições mais severas.

No que tange à reação política ao fenômeno do populismo penal, cumpre ressaltar que de um lado, cujo número é minoritário, existem representantes políticos que se opõe, por criticar a abordagem puramente punitivista, defendendo políticas mais seguras, como investimento na educação e reintegração social. De outro, contudo, existe uma grande parcela composta pela maioria das vozes políticas que se apega ao populismo objetivando ganhar o apoio popular, mantendo aparentemente uma postura dura em relação à criminalidade do país, com a promessa de medidas mais rígidas, leis e penas mais duras.

Isso é evidenciado pelo fato de que, entre outras medidas, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-ministro Anderson Torres assinaram e encaminharam ao Congresso Nacional dois projetos de lei com o objetivo de fortalecer as punições para certos crimes, dentre eles tonar mais severos os requisitos para o alcance de progressão de regime durante o cumprimento de pena pelo reeducando.

Essas propostas sugeriam impor penas mais diversas às quadrilhas que realizam grandes assaltos nas cidades depois de as cercar, aumentar o tempo de cumprimento de pena necessário para obter direito à progressão, além de aumentar o período em que o condenado deve ser considerado reincidente.

O primeiro deles, projeto de lei n° 1.439/2019, em tramitação na Câmara dos Deputados, sujeita à apreciação do plenário, sugere alterar a Lei de Execução Penal (Lei n° 7.210/1984), que objetiva aumentar o percentual de pena a ser cumprido pelo reeducando antes que este tenha direito à progressão de regime. Além disso, o prazo para fins de reincidência passaria de 5 para 7 anos.

O segundo projeto, por sua vez, propõe alterar a lei que disciplina o terrorismo no Brasil, Lei n° 13.260/2016, além de objetivar liquidar o chamado “Novo Cangaço”, acrescenta que para a configuração do tipo penal não será mais necessário que o crime tenha sido cometido fundado em razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor e religião. O projeto de Lei n° 610 de 2022 tramita no Senado (Casa Iniciadora), aguardando Relatório a ser emitido pelo Senador Flávio Bolsonaro.

Em entrevista à Revista Latinoamericana de Estudio de Seguridad, o sociólogo Máximo Sozzo pontuou que existe uma discrepância notável entre o que é estabelecido pelo texto legal e como os órgãos estatais responsáveis ​​pela aplicação da lei realmente cumprem, de modo que medidas ou iniciativas que buscam aumentar a severidade das penas podem afetar a operação prática do sistema penal.

Ressaltou ainda, que sempre há uma lacuna entre o que o direito penal estabelece nos livros e sua aplicação na realidade. Portanto, é necessário utilizar outras ferramentas de investigação sociológica que não apenas verificar quais medidas ou iniciativas penais devem ser implementadas, mas que também registrem os efeitos que essas medidas têm nas operações experimentais.

Ainda segundo o sociólogo, existem muitos exemplos aumentaram a dureza no papel, mas que não se traduzem em fatos concretos. Para tanto, citou países da América Latina como Brasil e Argentina que, nos últimos 15 ou 20 anos, com as reformas legais, tiveram aumentas as penas para crimes relacionados à corrupção, que após grandes escândalos de corrupção, uma das respostas dos atores políticos foi promover reformas nas leis criminosas para introduzir penas mais severas para esse tipo de crime.

Ao contrário do que aconselha o populismo penal, é ponto incontroverso que a criação de novas leis ou a alteração de sua severidade não são pontos que de fato contam para a diminuição da criminalidade, vez que é necessário explorar alternativas de políticas criminais baseadas em evidências, focadas na prevenção, na ressocialização e na busca por soluções mais efetivas e justas.

A ressocialização é considerada um dos objetivos da pena privativa de liberdade, objetivo esse que compete ao sistema penitenciário, por meio da gestão das políticas públicas (MIRABETE, 2000; MELO, 2014). Contudo, antes que seja necessário o uso deste instrumento, importa trazer neste ponto umas das formas de prevenção que atuam efetivamente na diminuição da criminalidade, qual seja e educação, porquanto é inconteste que a sua ocorrência na maioria das vezes está ligada ao baixo nível de escolaridade, bem como da desigualdade social dela decorrente.

Nesse sentido, aduz Rocca, à luz do processo de planetarização da existência humana, que sem educação não se constrói a convivência pacífica entre indivíduos e povos, no respeito às diferenças e na luta permanente pela superação das desigualdades.

Paulo Freire afirma que, o ato de educar é uma ação com caráter político, pois contribui para a construção de uma comunidade global na qual direitos e deveres individuais, assim como valores como compreensão, tolerância e amizade entre as nações, são reconhecidos como direitos de cidadania essenciais.

Portanto, conclui-se que a educação deve ser sempre uma preocupação central quando se trata de políticas públicas voltadas para a redução e/ou prevenção da criminalidade.

CONCLUSÃO

Em suma, este artigo explorou o impacto da mídia na legislação penal, o sistema punitivista e o populismo penal. Além disso, trouxe ao feito registro de alguns casos que ganharam evidência por meio das mídias e que influenciaram na criação de novas leis, ou alteração das que já existiam, no sentido aumentar a punição do indivíduo. Ficou evidente que a mídia exerce uma influência significativa na formulação e no desenvolvimento das leis penais, muitas vezes amplificando o clamor por medidas mais severas em resposta a eventos criminais de destaque, alimentando o sistema punitivista, que enfatiza a punição e a retribuição em detrimento de abordagens mais equilibradas, como a prevenção e a reabilitação.

O populismo penal, por sua vez, se aproveita desse ambiente propício para ganhar apoio político, promovendo políticas simplistas e apelando às emoções e ao medo da população. Essas abordagens populistas muitas vezes levam à ampliação das penalidades, ao encarceramento em massa e à marginalização de determinados grupos sociais.

Portanto, é fundamental reconhecer a influência da mídia na formação da opinião pública e na definição das políticas criminais, a fim de buscar um equilíbrio entre a justiça, a proteção da sociedade e o respeito aos direitos individuais. É necessário promover uma abordagem mais abrangente e baseada em evidências, que inclua a prevenção da criminalidade, a promoção da igualdade de acesso à justiça e o respeito aos direitos humanos.

Para isso, fora abordado ainda a questão educação como um ponto crucial, senão o mais importante, no caminho da redução da criminalidade no país. O acesso à educação tem como consequência, dentre outras, a profissionalização, gerando oportunidades de crescimento e mudança da realidade social precária da qual muitas vezes o indivíduo se origina.

Em que pese sua importância, os entusiastas do populismo penal não se importam com os motivos que levam o indivíduo ao crime, sequer consideram a realidade social de onde vieram, as dificuldades de acesso à educação, saúde, moradia e etc., direitos que embora lhe sejam garantidos constitucionalmente, não são efetivados para àqueles que estão à margem.

O processo de que trata a criminalidade no país é, na realidade, oriunda da ausência de suporte estatal aos mais afastados, portanto, um tema que deve ser olhado de tal modo, não apenas com o olhar voltado para a punição que se dará ao indivíduo pelo cometimento de determinado crime, mas carece de disposição para selar as lacunas deixadas pelo Estado para que sejam evitadas até mesmo a prática destes crimes, e se praticados, de que modo educacional, e não apenas punitivo, o caso será tratado.

Quanto as mídias, estas se deleitam na festa que é expor a prática de crimes considerados horrorosos pela sociedade, a fim de terem mais holofotes, bem como de forma agressiva buscando fazer com que sejam criadas formas cada vez mais ferozes de punição, até porque nada ganhariam com a diminuição desta.

Por isso, é preciso fomentar um diálogo construtivo entre a mídia, os formuladores de políticas e a sociedade civil, buscando uma compreensão mais aprofundada dos problemas criminais e explorando soluções que levem em consideração a complexidade dessas questões. Somente assim poderemos avançar em direção a um sistema penal mais justo, eficaz e voltado para a construção de uma sociedade mais segura e equitativa.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Clélia de Souza Máximo, 1982. A influência da mídia nas decisões judiciais: tribunal de júri e casos de alta repercussão. Disponível em:>http://repositorio.unitau.br/jspui/handle/20.500.11874/3717<. Acesso em 23 mai. 2023.

BRASIL, Constituição Federal. Brasília: Senado Fderal, 1988. Disponível em: >https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm<. Acesso em 17 mai. 2023.

BRASIL, Revista Veja. Roubo de fotos de Carolina Dieckmann acelera tramitação de projeto de lei sobre crimes cibernéticos. Disponível em:>https://veja.abril.com.br/politica/roubo-de-fotos-de-carolina-dieckmann-acelera-tramitacao-de-projeto-de-lei-sobre-crimes-ciberneticos<. Acesso em 25 mai. 2023.

BRASIL, Folha de São Paulo. Record usa 20 minutos de telejornal com nudez de Carolina Dieckmann. Disponível em:>https://f5.folha.uol.com.br/televisao/1087394-record-usa-20-minutos-de-telejornal-com-nudez-de-carolina-dieckmann.shtml<. Acesso em 25 mai. 2023.

BRASIL, Lei n° 12.737, de 30 de novembro de 2012: Dispõe sobre a tipificação criminal dos delitos informáticos. Disponível em >https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12737.htm<. Acesso em 25 mai. 2023.

BRASIL, Lei n° 14.344, de 24 de maio de 2022: Dispõe sobre mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente. Disponível em >https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/l14344.htm<. Acesso em 25 mai. 2023.

BRASIL, Lei n° 11.340, de 07 de agosto de 2006: Dispõe sobre mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em > http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm<. Acesso em 25 mai. 2023.

BRASIL, Lei n° 8.072, de 25 de julho de 1990: Dispõe sobre os crimes hediondos. Disponível em > https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm<. Acesso em 25 mai. 2023.

BRASIL, Brasília. Disponível em:>https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/hp/acervo/outras-referencias/copy2_of_entenda-a-violencia/pdfs/pacto-nacional-pelo-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres<. Acesso em 17 mai. 2023.

BRASIL, Decreto Lei n° 2.848/1940, 07 de janeiro de 1940, Código Penal. Disponível em > https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm<. Acesso em 24 mai. 2023.

BRASIL, Ministério da Justiça e Segurança Pública. Disponível em >https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/ministro-anderson-torres-e-presidente-jair-bolsonaro-assinam-propostas-legislativas-para-fortalecer-a-seguranca-publica-3<. Acesso em 25 de mai. De 2023.

BOLDT, Raphael. Criminologia midiática: do discurso punitivo à corrosão simbólica do

garantismo. Curitiba: Juruá Editora, 2013.

CERVINI, Raúl. Incidencia de las “mass media” en la expansion del control penal en Latinoamérica. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 5, ano 2, p. 37-54, jan./mar. 1994.

CIARELLI, Gustavo; ÁVILA, Marcos. A influência da mídia e da heurística da disponibilidade na percepção da realidade: um estudo experimental. Revista Brasileira de Administração Pública, v. 43, p. 541­562, 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rap/a/drNQ4XPNW5jBjmRb66pjZFh/?lang=pt&format=pdf Acesso em 22 mai. 2023.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário escolar da língua portuguesa. 2. ed. Curitiba: Positivo, 2011, p. 594.

GARLAND, David. A Cultura do Controle: Crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan, 2008. Disponível em > https://ria.ufrn.br/jspui/handle/123456789/1027<. Acesso em 22 mai. 2023.

Gomes, Luiz Flávio. Para onde vamos com o populismo penal: Jusbrasil. Disponível em >https://www.jusbrasil.com.br/artigos/para-onde-vamos-com-o-populismo-penal/121927228<. Acesso em 25 de mai. 2023.

GOMES, Luiz Flávio. Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico. São Paulo: Saraiva, 2013.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários a Lei n. 7.210 de 11-07-1984. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2000. 728 p.

REDALYC. Entrevista a Máximo Sozzo: “qué es el populismo penal?”. Disponível em: >https://www.redalyc.org/pdf/5526/552656551011.pdf<. Acesso em 23 mai. 2023.

ROCCA, Cesare de Florio La Rocca. Comentário ao art. 26 – Projeto Axé Bahia. Disponível em: > http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/coment/orocca.html<. Acesso em 23 mai. 2023.

SISDEPEN, Secretaria Nacional de Políticas Penais: Disponível em: >https://www.gov.br/senappen/pt-br/pt-br/servicos/sisdepen<. Acesso em 23 mai. 2023. SCHREIBER, S. (1). A publicidade opressiva de julgamentos criminais. Revista CEJ, 12(42), 98-99. Disponível em > https://revistacej.cjf.jus.br/cej/index.php/revcej/article/view/1056<. Acesso em 25 mai. 2023.


[1] Bacharelando em Direito na Faculdade Serra do Carmo.

[2] Doutora em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais pela Universidade Estadual de Maringá, Brasil (2021). Professora da Faculdade Serra do Carmo, Brasil. E-mail: prof.liviahelena@fasec.edu.br