A IMPORTÂNCIA DA REGULARIZAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS SOB ENFOQUE DO REGISTO DE IMÓVEIS E SUA SEGURANÇA JURÍDICA

A IMPORTÂNCIA DA REGULARIZAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS SOB ENFOQUE DO REGISTO DE IMÓVEIS E SUA SEGURANÇA JURÍDICA

10 de junho de 2023 Off Por Cognitio Juris

THE IMPORTANCE OF REGULARIZATION OF INDIGENOUS LANDS UNDER THE APPROACH OF THE REAL ESTATE REGISTRATION AND ITS LEGAL SECURITY

Artigo submetido em 31 de maio de 2023
Artigo aprovado em 07 de junho de 2023
Artigo publicado em 10 de junho de 2023

Cognitio Juris
Ano XIII – Número 47 – Junho de 2023
ISSN 2236-3009

.

Autor:
Matheus Cerazi Sartori[1]
Antônio Hilário Aquilera Urquiza[2]
Henrique Furtado Tavares[3]
Camila Neves Porciúncula[4]

.

RESUMO

O presente trabalho irá conceituar e tratar os direitos humanos, o direito de propriedade e suas evoluções, como direito fundamental voltado à relevância do registro de imóveis como forma de garantia à segurança jurídica, dando enfoque para as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas e a importância da regularização destas. Para chegar ao objetivo de delimitar: a importância da regularização das terras indígenas e suas dificuldades, bem como denotar como vem sendo concretizada através da análise de números. A metodologia de pesquisa será o método hermenêutico, com pesquisa bibliográfica e análise qualitativa dos dados do Sistema Indigenista de Informações, da FUNAI, do ano de 2022, do Estado do Mato Grosso do Sul.

PALAVRAS-CHAVE: Direitos Fundamentais. Indígenas. Conflitos de terras. Segurança Jurídica. Registro de Imóveis.

ABSTRACT
The present work will conceptualize and treat human rights, property rights and their evolution, as a fundamental right focused on the relevance of property registration as a way of guaranteeing legal certainty, focusing on lands traditionally occupied by Indians and the importance of regularization of these. To reach the objective of delimiting: the importance of regularization of indigenous lands and its difficulties, as well as denoting how it has been achieved through the analysis of numbers. The research methodology will be the hermeneutic method, with bibliographic research and qualitative analysis of data from the Indigenous Information System, from FUNAI, in the year 2022, in the State of Mato Grosso do Sul.

KEYWORDS: Fundamental rights. Indigenous. Land conflicts. Legal Security. Property Registration.

1       INTRODUÇÃO

O direito de propriedade e sua função social, por meio de uma abordagem conceitual voltada ao direito fundamental interno à cidadania, como inderrogável que é, deve sempre ser debatida, a fim de que possa ser desenvolvida efetivamente.

O Brasil assumiu, perante a comunidade internacional, a obrigação de manter e desenvolver o Estado Democrático de Direito e de proteger, mesmo em situações de emergência, um núcleo de direitos básicos e inderrogáveis (PIOVESAN, 2009).

Importante estabelecer uma distinção de ordem conceitual entre direitos humanos e direitos fundamentais. Enquanto os direitos humanos correspondem a uma nomenclatura mais ligada ao Direito Internacional, por força do direito dos tratados, a terminologia direitos fundamentais está ligada ao direito interno, mais precisamente, ao constitucionalismo que ocorreu depois da Segunda Guerra Mundial (SARLET, 2018).

De acordo com Ferreira Filho (2016, p. 22), existem três gerações de direitos fundamentais. Explica o autor:

Na verdade, o que aparece no final do século XVII não constitui senão a primeira geração dos direitos fundamentais: as liberdades públicas. A segunda virá logo após a primeira Guerra Mundial, com o fito de complementá-la: são os direitos sociais. A terceira, ainda não plenamente reconhecida, é a dos direitos de solidariedade. (grifos do autor).

Sendo o direito de propriedade indígena um direito fundamental e imprescindível para uma vida digna é clarividente sua importância no âmbito nacional. A união de esforços para a solução dos problemas das demarcações de terras indígenas é necessária visando preservar a identidade, as tradições e a cultura dos povos indígenas. Nesse sentido, políticas públicas devem ser exercitadas com o objetivo de auxiliar nas demarcações.

Por meio deste, almejando o fim dos conflitos de terras e com o intuito de cooperar para a constituição de uma sociedade “pluriétnica e multicultural” e, consequentemente, conformando a segurança jurídica dos registros públicos.

Este artigo está divido em sua primeira parte em um estudo aprofundado dos Direitos Humanos Fundamentais, no qual será conceituado e denotado a evolução dos direitos. Em seguida será contextualizado o direito de propriedade. Para posteriormente, mencionar a relevância do registro de imóveis e a importância da segurança jurídica, identificando-se cada um deles e, para posteriormente, delimitar acerca das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a regularização no estado do Mato Grosso do Sul, bem como denotar como vem sendo concretizado através da análise de números.

A metodologia de pesquisa será desenvolvida por meio do método hermenêutico através de uma abordagem de pesquisa aplicada, com pesquisa bibliográfica nas plataformas “Scielo” e “Google Acadêmico” e em obras clássicas sobre os temas, bem como por uma análise qualitativa dos dados do Sistema Indigenista de Informações, da FUNAI, do ano de 2022, do Estado do Mato Grosso do Sul.

2       O DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL DO DIREITO DE PROPRIEDADE

Neste primeiro capítulo, é dada uma abordagem mais abrangente a respeito do direito de propriedade, com foco na temática dos direitos humanos. Para isso, é preciso trazer uma breve abordagem acerca dos direitos humanos.

De acordo com Rocasolo e Silveira (2010, p. 185), sabe-se que a história dos direitos humanos representa uma sucessão de batalhas na qual se busca pela abertura de espaços diante do poder estabelecido, mediante a racionalidade, os avanços econômicos e tecnológicos, e a concepção jusnaturalista que – fundamentada no humanismo – auxilia com as ferramentas jurídicas destinadas à sustentação de um direito axiológico, superior ao reconhecido apenas numa norma escrita, ou seja, atribui-se potestade assim como legitimidade.

Destarte, os direitos humanos se encontram em constante evolução. Assim explica Rocasolo e Silveira (2010, p. 198-199):

Os direitos humanos nascem, se desenvolvem e se modificam — mas não morrem — nas gerações ou dimensões seguintes, obedecendo a um núcleo existencial traduzido e sedimentado num período inserido no contexto social, a partir da ideia de dignidade da pessoa humana. Neste contexto se manifestam as três dimensões de direitos humanos — a primeira, a segunda e a terceira gerações —, decorrentes da necessidade de tutelar novos interesses e novas demandas da sociedade.

Todavia, é de conhecimento que não se pode conceituar Direitos Humanos com propriedade, de forma culturalmente unânime (ROCASOLO E SILVEIRA, 2010, p. 187-188).

Muito embora exista a dificuldade supramencionada, no processo da dinamogenesis[5], a comunidade social inicialmente reconhece como valioso o valor que fundamenta os direitos humanos (dignidade da pessoa humana) (p. 197).

Por isso, é necessário entender toda a evolução dos direitos humanos e que os direitos previstos se consubstanciam de acordo com o atual momento da sociedade. Nesse sentido, é o entendimento de Rocasolo e Silveira (2010, p. 189): “A realidade é mutável e, como ela, o direito também pode variar – de outra maneira os conceitos e categorias jurídicas não corresponderiam à realidade que se pretende ordenar”.

Também de acordo com Norberto Bobbio (2004, p. 9):

 Do ponto de vista teórico, sempre defendi — e continuo a defender, fortalecido por novos argumentos — que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.

Em síntese, os direitos nascem quando devem ou quando podem nascer, portanto, são imprevisíveis e pautados pela resistência.

No que concerne ao surgimento dos Direitos Humanos muito se discute sobre sua primeira aparição. Tal fato se dá em razão do pressuposto adotado para definir os Direitos Humanos. De acordo com Fábio Konder Comparato, em seu livro “A afirmação Histórica dos Direitos Humanos” (2003, p. 7), foi durante o período axial[6] que se enunciaram os grandes princípios e se estabeleceram as diretrizes fundamentais de vida, em vigor até hoje.

Com isso, decorreu um de seus primeiros conceitos, no qual sintetizou Comparato (2003, p. 9):

Em suma, é a partir do período axial que, pela primeira vez na História, o ser humano passa a ser considerado, em sua igualdade essencial, como ser dotado de liberdade e razão, não obstante as múltiplas diferenças de sexo, raça, religião ou costumes sociais. Lançavam-se, assim, os fundamentos intelectuais para a compreensão da pessoa humana e para a afirmação da existência de direitos universais, porque a ela inerentes.

A respeito desse período, forçoso concluir que, a humanidade despertou do mundo da magia para a filosofia. Nesse sentido, o homem foi considerado como ser consciente e livre; e sua vida já não dependia dos desígnios dos deuses, mas de sua vontade (ROCASOLO e SILVEIRA, 2010, p. 206).

Menciona-se, todavia, que foram necessários vinte e cinco séculos para que a primeira organização internacional proclamasse que: “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (COMPARATO, 2003, p. 9).

É de se ressaltar que além do período axial, houve diferença na conceituação dos Direitos Humanos nos demais períodos, quais sejam: idade média, moderna, nas declarações de direitos humanos e, por fim, no período atual.  Como esse trabalho não pretende esgotar todos os períodos dos Direitos Humanos, partirá direto para o estudo no período atual. Assim:

Segundo Mazzuoli:

São direitos indispensáveis a uma vida digna e que, por isso, estabelecem um nível protetivo (standard) mínimo que todos os Estados devem respeitar, sob pena de responsabilidade internacional. Assim, os direitos humanos são direitos que garantem às pessoas sujeitas à jurisdição de um Estado meios de vindicação de seus direitos, para além do plano interno, nas instâncias internacionais de proteção. (2017, p. 24).

Já para Rocasolo e Silveira (2010, p. 216):

Pode-se dizer que os direitos humanos são uma realidade complexa de natureza ética, jurídica e política. Para melhor compreensão do âmbito relativo à fundamentação desses direitos, é possível fixar a seguinte classificação: (i) fundamentação ético-jurídica; (ii) fundamentação jurídico-positiva; e (iii) fundamentação jurídico- -política, considerando também a importância de se retomar, no momento histórico atual, a reflexão sobre o fundamento ou a razão de ser dos direitos humanos.

Em termos contextuais, os direitos humanos surgiram com o objetivo de controlar os conflitos de interesses e disciplinar as relações humanas. Desde que foram estabelecidos, evoluíram gradativamente e migraram, almejando o equilíbrio da ordem social. Sabe, todavia que, o problema fundamental em relação aos direitos humanos não é tanto o de justificá-los, mas sim o de protegê-los[7].

Porém, nesse período de transição, os direitos humanos passaram por momentos de ascensão e retrocessão; no Brasil, não foi diferente, principalmente, no que concerne aos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais. Os direitos humanos em sua evolução gradativa foram divididos em geração ou dimensão[8]. Nesse sentido, imperioso destacar as classificações doutrinárias trazidas por Rocasolo e Silveira a respeito do tema, começando pelo direito de primeira geração:

Primeira geração, como visto, concernem à delimitação da esfera de liberdade individual em relação ao poder do Estado, traduzindo as denominadas “liberdades públicas negativas” ou “direitos negativos”, na medida em que exigem por parte do poder público um comportamento apenas de salvaguarda, sem qualquer interferência efetiva nessa esfera de domínio particular (2010, p. 199).

Já a respeito dos direitos de segunda geração os autores supracitados aduzem (ROCASOLO e SILVEIRA, 2010, p. 199):

Os direitos da segunda geração têm caráter eminentemente prestacional, caracterizando-se como direitos de cunho social, econômico e cultural, e exigem uma atuação estatal voltada ao atendimento de condições mínimas de dignidade da vida humana.

Por fim, no que concerne aos direitos de terceira geração são os ensinamentos (ROCASOLO e SILVEIRA, 2010, p. 199):

Os direitos humanos de terceira geração se voltam à tutela da solidariedade (fraternidade), passando a considerar o homem como não vinculado a esta ou àquela categoria, a este ou àquele Estado, mas como um gênero com anseios e necessidades comuns. E que só serão supridos a partir da união de esforços na construção de um mundo melhor, revelando a preocupação concreta com a paz, o desenvolvimento econômico e o meio ambiente, entre outros temas (p. 199).

Ademais, Norberto Bobbio (2004, p. 9) destaca uma quarta geração de direitos, referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo.  No mais, nesse sentido, de acordo com Ferreira Filho (2016, p. 22), existem três gerações de direitos fundamentais. Explica o autor:

Na verdade, o que aparece no final do século XVII não constitui senão a primeira geração dos direitos fundamentais: as liberdades públicas. A segunda virá logo após a primeira Guerra Mundial, com o fito de complementá-la: são os direitos sociais. A terceira, ainda não plenamente reconhecida, é a dos direitos de solidariedade.

Sabe-se que, o direito à propriedade aparece atualmente na primeira geração mencionada por Ferreira Filho (2016) – das liberdades pública. Todavia, é importante mencionar que a função social da propriedade se enquadra nos direitos de segunda geração.

Senão vejamos os ensinamentos de Marmelstein (2011, p. 165):

 Há quem defenda, a meu ver com razão, que o direito de propriedade só faz sentido se conjugado com o princípio da função social. Cumprindo a sua função social, o direito de propriedade merece proteção estatal, já que a Constituição o consagra como direito fundamental. Por outro lado, não cumprindo a função social, esse direito deixa de merecer qualquer proteção por parte do poder público, já que a Constituição exige que o uso da coisa seja condicionado ao bem-estar geral. 

Além disso, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 – um marco mundial na história dos direitos humanos – deixou claro a necessidade de justiça e de seu desenvolvimento para alcançar uma vida digna para todos os povos. A necessidade de acesso à justiça para a efetivação desse direito também precisa ser mencionada. Nesse sentido, promoverá a busca pela justiça.

Com a assunção dos tratados de direitos humanos[9], o Brasil assumiu, perante a comunidade internacional, a obrigação de manter e desenvolver o Estado Democrático de Direito e de proteger, mesmo em situações de emergência, um núcleo de direitos básicos e inderrogáveis (PIOVESAN, 2009, p. 178).

O acesso à justiça é muito importante no cenário de desenvolvimento estrutural de um país. É, portanto, um dos direitos inderrogáveis, tão necessário que deve ser sempre debatido, seja para o exercício desse direito, seja para a sua validade.

Vale ressaltar, nesse contexto, que os direitos humanos[10] são preocupação legítima da comunidade internacional. Conforme Mazzuoli,

direitos humanos é uma expressão intrinsecamente ligada ao direito internacional público. Assim, quando se fala em ‘direitos humanos’, o que tecnicamente se está a dizer é que existem direitos que são garantidos por normas de índole internacional. (2017, p. 23).

Pode-se dizer que a Constituição Federal de 1988, ao conjugar num só todos os “direitos humanos” pretendeu deixar claro que não há direitos humanos sem a consolidação plena da cidadania.

Em relação ao ordenamento jurídico brasileiro, deve-se ressaltar que o §1º, do artigo 5º da Constituição, prevê que os direitos e garantias constitucionais possuem eficácia plena e aplicabilidade imediata, razão pela qual, não necessitam de nenhuma outra norma para a sua efetivação (BRASIL, 1988).

Além disso, é de conhecimento que a lista constante do texto da Constituição não é exaustiva, como se depreende do § 2º, do artigo 5º da Constituição, o que significa que a lista mencionada é meramente exemplificativa.

Nesse sentido, o direito de propriedade é disposto no Artigo 5º, Inciso XXII,  da Constituição Federal de 1988, junto com os direitos fundamentais, e, dentre outros direitos, tendem a garantir uma vida  digna, livre e igualitária a todos os cidadãos do país. Todavia, isso não constitui que não há vedações impostas ao direito de propriedade, em exemplo, um dos principais, é o da função social da propriedade (BRASIL, 1988). 

Assim, este capítulo apresenta uma abordagem conceitual dos direitos humanos e como, dentro desse foco, o direito de propriedade pode ser incorporado como um direito humano e fundamental. Além disso, comenta a forma como a propriedade deve ser desenvolvida, com sua função social, para que, de fato, seja um exercício de direitos humanos.

3       A RELEVÂNCIA DO REGISTRO DE IMÓVEIS E A SEGURANÇA JURÍDICA

Neste capítulo será realizada uma abordagem do contexto histórico dos serviços de notas e de registros públicos. Após isso, haverá descrição de alguns princípios, características, orientações e responsabilidade que fundamentam e regulamentam a matéria do Direito Notarial e Registral, para então elucidar a segurança jurídica dos registros dos imóveis para toda a sociedade.

O serviço de registro de imóveis, bem como os demais serviços notariais e de registro, tem por objetivo assegurar a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos e negócios jurídicos (BRASIL, 1994)[11].

Primeiramente, é de se denotar o entendimento do ilustre doutrinador Hely Lopes Meirelles (1995, p. 76), o qual vem explicar quem são os personagens que exercem a atividade dos serviços de notas e registro:

 Agentes delegados são particulares que recebem a incumbência da execução de determinada atividade, obra ou serviço público e o realizam em nome próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob a permanente fiscalização do delegante. Esses agentes não são servidores públicos, nem honoríficos, nem representantes do Estado; todavia, constituem uma categoria a parte de colaboradores do Poder Público. Nessa categoria encontram-se os concessionários e permissionários de obras e serviços públicos, os serventuários de ofícios não estatizados, os leiloeiros, os tradutores e intérpretes públicos, as demais pessoas que recebem delegação para a prática de alguma atividade estatal ou serviço de interesse coletivo.

A profissão do notário e do tabelião só fora democratizada com o estabelecimento de concurso público, com a Emenda Constitucional 7/77, acréscimo ao art. 206, § 1º, à EC/69). Com o advento da Constituição de 1988, foi-se atribuído às serventias extrajudiciais a denominação de serviços notariais e de registro (BRASIL, 1988).

 Nesse instante, as atividades delegadas pelo poder público passaram a serem exercidas em caráter privado e sob a fiscalização e controle do Poder Delegante, no que se refere ao ingresso na atividade, esta depende de concurso público de provas e títulos; permanece a cargo da lei a regulação das atividades, disciplinando a responsabilidade civil e criminal dos agentes delegados e a lei federal estabelecerá normas gerais para fixação dos emolumentos dos serviços notariais e de registros (CF/88, art. 236).

Em 18 de novembro de 1994, com a Lei nº 8.935, foi criado o Estatuto dos Notários e Oficiais de Registros, Lei dos Cartórios (BRASIL, 1994)[12].

Esses profissionais pautam o seu exercício em alguns princípios dentre eles, no princípio da fé pública, da legalidade, continuidade, rogação, especialidade, publicidade, dentre outros. O princípio da fé pública é responsável por conferir legitimidade, confiança e respaldo aos atos praticados pelos notários e registradores.

Outro princípio primordial é o da legalidade, o qual está em todos os ramos do direito, bem como conduz toda a administração pública e seus agentes, considerando-se que a noção de legalidade indica se um determinado comportamento atende aos padrões estabelecidos. Ademais, na qualidade de agente público, o notário só pode fazer as coisas claramente estipuladas pela lei e, na qualidade de jurista, deve verificar se os atos das partes ou o contrato estão em conformidade com a lei[13] (LOUREIRO, 2017).

À vista disso, se legitimam a atuar em nome do poder público. Nesse ponto de vista, Ceneviva (2010, p. 54) dispõe que a fé pública corresponde à especial confiança atribuída por lei, realizada pelo oficial no exercício da função, com presunção de verdade. Outrossim, determina a eficácia de negócio jurídico ajustado com base no declarado ou praticado pelo registrador e pelo notário.

Desta forma, a existência do direito registrado ou a inexistência do direito cancelado prevalecem absolutamente em relação ao terceiro de boa-fé que, confiando nos assentos do Registro de Imóveis, celebrou o negócio jurídico como titular aparente.

O princípio da fé-pública se instrumentaliza através do princípio da publicidade. Isso pois, diferentemente dos direitos obrigacionais, que vinculam apenas as partes na relação jurídica, os direitos reais são oponíveis erga omnes. Neste sentido, necessário a publicidade para que sejam de conhecimento de todos os membros da sociedade. A publicidade nesse caso é uma publicidade formal, ou seja, é possibilidade, mas não a obrigatoriedade, da consulta ao registro (LOUREIRO, 2017, 511-513).

Nesse sentido, o princípio da presunção parte da eficácia atribuída pelo sistema aos direitos inscritos no registro de imóveis. De outro modo, o princípio da presunção se aproxima da segurança jurídica por meio da estabilidade dos direitos inscritos (SERRA, 2016).

No mais, de acordo com os ensinamentos de Afrânio de Carvalho, em sua obra Registro de imóveis (2011, p. 167) “estes dois princípios têm cada qual seu significado próprio, mas foram amalgamados durante certo tempo no nosso país por uma corrente da doutrina que pretendeu dar ao primeiro, previsto na lei, a eficácia do segundo, omitido nela”

Conforme mencionado o princípio da publicidade anda junto com a fé-pública registral, isso porque as informações para ter caráter de direito real devem chegar ao conhecimento de todos.

Nesse sentido:

Para que sejam aplicáveis erga omnes devem ser tornadas públicas, o que se dá com a inscrição no Registro de Imóveis. Conforme observa DÍEZ-PICAZO, a respeito dos direitos reais: “Pode ser dito que um negócio constitutivo de direito real, que não seja dotado da necessária publicidade, e em particular da inscrição no Registro, em relação aos terceiros de boa-fé não alcança plena efetividade e, por conseguinte, em alguma medida não chega a ser um autêntico direito real” (L. Diez-Picaw, Fundamentos dei Derecho Civil Patrimonial, t. III, Madrid, 1995 apud LOUREIRO, 2017, p. 515)

Não ingressando no registro de imóveis os negócios jurídicos são, portanto, inexistentes ao mundo jurídico.

Também ingressam nos registros de imóveis as limitações administrativas, dentre elas está a das terras indígenas, as áreas utilizadas por comunidades quilombolas ou ocupadas por florestas nacionais (LOUREIRO, 2017, p. 516).

No mais, convém destacar que a principal função do registro de imóveis é fornecer à sociedade segurança jurídica, na propriedade de todos os imóveis inscritos no fólio real. Quanto mais seguras (e completas) forem as informações contidas, maior será a segurança existente[14], em sua compreensão e em todos os seus contornos e características, e, consequentemente, nos imóveis em si. Assim, o registro de imóveis contribui demasiadamente para o desenvolvimento da sociedade, reduzindo custos de transação e possíveis riscos de litígio.

Porém, no sistema registral brasileiro vige a presunção relativa de veracidade dos atos inscritos na serventia imobiliária, ou seja, os atos inscritos no registro de imóveis são considerados válidos e eficazes, com exceção se for considerado invalido pelos vícios existentes na formação dos direitos neles expressos (SERRA, 2016).

No mais, com a insegurança jurídica e ante a ausência de um sistema de registro de imóveis eficiente poucas pessoas se arriscariam a adquirir imóveis ou a aceitá-los como garantia de dívidas, os investidores se afastariam do mercado imobiliário, ou então exigiriam juros mais elevados (proporcionais ao maior risco). Também as informações dos direitos reais seriam praticamente impossíveis de obter de forma satisfativa, ou então seria extremamente demorada e custosa (LOUREIRO, 2017, p. 512).

É de conhecimento que a segurança jurídica existe através de dois prismas, a segurança jurídica estática e a dinâmica. A chamada segurança jurídica dinâmica, que ocorre quando o adquirente de um imóvel leva o seu título ao Registro de Imóveis e tem garantido todos os benefícios decorrentes do direito registrado. De outra forma, a segurança jurídica estática diz respeito à garantia assegurada pela estabilidade dos direitos reais que decorrem da regulamentação e observância do ordenamento jurídico no que se refere a estes direitos (SERRA, 2016).

Outrossim, necessário ressaltar a importância do registro de imóveis como forma de exercício e garantia da função social da propriedade disposta na constituição.

Sabe-se que, em 1996, o Decreto nº 1.775 regulamentou o artigo 231 (CF/1988) e estabeleceu um largo procedimento para a demarcação dessas terras. Em seguida, foi publicada a Portaria nº. 14/1996, do Ministério da Justiça, que disciplinou as regras sobre a elaboração do relatório circunstanciado de identificação e delimitação de Terras Indígenas. E em meados de junho de 2018, foi editado Provimento 70 do CNJ – Conselho Nacional de Justiça que dispõe sobre a matrícula e registros dessas terras.

Uma vez que se trata de um registro declarativo, para abertura da matrícula basta que seja feito requerimento de abertura de matrícula pela FUNAI – Fundação Nacional do Índio. De outra forma, quando inexistente registro anterior, ou de averbação de demarcação de terra indígena, ou quando existente matrícula ou transcrição, em ambos casos com demarcação homologada, deverá ser instruído com informações e documentos expedidos pelo órgão competente da União (IRIB, 2020).

É de destaque o artigo 6º do Decreto nº 1.775/96, o qual determina o que se segue:

Em até trinta dias após a publicação do decreto de homologação, o órgão federal de assistência ao índio promoverá o respectivo registro em cartório imobiliário da comarca correspondente e na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Fazenda (SPU) (IRIB, 2020).

Outrossim, a Lei nº 5.972/73 autoriza abertura matricial de áreas públicas no Registro de Imóveis, tal fato independe do título anterior constituindo alguns requisitos que podem ser utilizados para as terras indígenas. Tal fato se figura como uma exceção ao princípio da continuidade. Salienta-se, ademais, a necessidade de a matrícula ser aberta figurando como proprietária a União, lançando-se posteriormente uma averbação acerca do decreto presidencial e deixando a área afetada como terra tradicionalmente ocupada por povos indígenas (IRIB, 2020).

Nos termos do Decreto-Lei 1.537/1977, a União está isenta do pagamento de custas e emolumentos aos ofícios e cartórios de registro de imóveis (IRIB, 2020).

Para solicitar o registro[15] de matrícula é necessário (IRIB, 2020):

 I. Decreto homologatório da demarcação da terra indígena (fonte…); II. Declaração de inexistência de registro anterior do imóvel (o órgão apresenta – União); III. Certidão de inexistência de registro para o imóvel expedida pelo Oficial de Registro de Imóveis da circunscrição anterior quando ocorrida alteração da competência (cartório); IV. Número da matrícula e/ou transcrição da respectiva unidade de registro imobiliário no caso de terra indígena com demarcação homologada (cartório); V. Certidões imobiliárias expedidas pelo Oficial de Registro de Imóveis da circunscrição anterior quando ocorrer alteração de competência, no caso de averbação de demarcação da terra indígena (cartório); VI. Certidão de conclusão de processo administrativo expedida pelo órgão competente da União; VII. Número – código de cadastro da terra indígena no Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR – INCRA); VIII. Planta e memorial descritivo do perímetro da terra indígena demarcada e homologada, com anotação de responsabilidade técnica (ART) do profissional responsável, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites da gleba, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional conforme fixado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), dispensadas a respectiva certificação e a inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR) (Funai / INCRA). IX. Número do assentimento do Conselho de Defesa Nacional (CDN) quando se tratar de gleba inserida em faixa de fronteira, se houver, para efeito de averbação na matrícula (lei específica/provimentos dos Estados etc.; X. Requerimento de encerramento de matrículas totalmente incidentes sobre a área (Prov. 70 CNJ).

Muito embora o número de atos seja extenso, o registro trata-se de ato simples e célere. O grande problema existente trata-se dos conflitos fundiários, os quais impedem o registro das terras, bem como causam insegurança jurídica no meio social.

4       AS TERRAS TRADICIONALMENTE OCUPADAS PELOS INDÍGENAS E A REGULARIZAÇÃO NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

Após apresentar a segurança jurídica dos registros de imóveis e sua importância como pacificação de conflitos, bem como o processo de registro, passa-se nesse capítulo, a analisar os conflitos de terras indígenas e a necessidade de regularização e suas dificuldades.

É de conhecimento que os povos indígenas receberam através da Constituição Federal, o reconhecimento da sua diversidade, com isso, materializou-se, em tese, a importância dos direitos fundamentais ao território (e ao desenvolvimento), uma vez que distingue entre o direito dos povos indígenas à organização social e seu direito à reprodução material e cultural (AGUILERA URQUIZA, 2016).

Nesse sentido, os povos indígenas devem ter seus direitos mantidos a fim de preservar seus costumes e instituições próprias.

Nestes termos, elucida Marcelo Neves (2014, p. 225):

Há, então, um entrelaçamentos pluridimensional em torno de direitos humanos. A respeito, é relevante a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, cujo art. 8º, nº 2, prescreve: “Esses povos deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos […].” Esse preceito torna mais complicada a colisão das ordens locais nativas com a ordem dos direitos fundamentais estatais e dos direitos humanos internacionais. Uma interpretação literal desse dispositivo, em nome da proteção absoluta da vida dos recém-nascidos, levaria tendencialmente a um etnocídio contra as respectivas comunidades indígenas.

Também, “as sociedades indígenas não são diferentes e a elas deve ser garantido, por meio de políticas públicas, o direito de seguir com a própria história” (PINEZI, 2008, p. 78).

Parte dos problemas indígenas urge com a globalização que em muitos casos toma os espaços e atrapalha os indígenas em exercer sua cultura.

Nesse sentido,

Los complejos procesos que se encierran en la globalización están produciendo cambios estructurales tan profundos y veloces que están induciendo una transformación radical de los contextos macropolíticos y macrosociales que moldean y condicionan la acción social y la experiencia humana en todo el mundoz (TORRADO, 2000, p. 7).

Outrossim, imprescindível recordar a disposição constitucional a respeito das terras indígenas, o qual dispõe, que, são bens da União as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, nos termos do artigo 20, XI, da Constituição Federal. No mais, nos termos do art. 231, da Constituição Federal são reconhecidos aos índios dentre outras coisas direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, de que compete à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (BRASIL, 1988).

Nestes termos, o §1 do referido artigo dispõe o que se considera terras indígenas:

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes (BRASIL, 1988).

Nestes termos necessário salientar que as terras indígenas são inalienáveis, indisponíveis e imprescritíveis (BRASIL, 1988)[16].

Também, dispõe a Constituição sobre a nulidade e extinção dos efeitos jurídicos da posse das terras indígenas. Nesse sentido,

§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé (BRASIL, 1988).

Demais disso, o artigo 232 da Constituição Federal de 1988 outorgou às comunidades indígenas a legitimidade ad causam para ajuizar a defesa de seus direitos, o que ampliou a validade da proteção constitucional.

Para tornar mais efetiva a demarcação administrativa das terras indígenas, o artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias previu que a União concluiria a demarcação no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição.

Neste sentido, José Afonso da Silva destaca:

O tradicionalmente refere-se, não a uma circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção, enfim, ao modo tradicional de como eles se relacionam com a terra, já que há comunidades mais estáveis, outras menos estáveis, e as que têm espaços mais amplos pelo qual se deslocam etc. Daí dizer-se que tudo se realize segundo seus usos, costumes e tradições (SILVA, 2010, p. 858).

Apresentadas as disposições constitucionais e infraconstitucionais, bem como salientada a importância do acompanhamento das terras indígenas, passa-se a análise das terras indígenas do Estado de Mato Grosso do Sul.

No total são 58 terras indígenas já identificadas no Mato Grosso do Sul. Das quais apenas 24 estão regularizadas, 7 declaradas, 6 homologadas, 5 delimitadas, 14 em estudo e 2 são reservas indígenas. Destas 58, por ora, compreende uma superfície de 732.345,6278 hectares (ha). Ressalta-se que, esses números não compreendem a realidade. Isso porque, as áreas em estudo não são computadas pela FUNAI (FUNAI, 2022).

A FUNAI elenca as principais etapas da demarcação, sendo elas: 1) Em estudos, na qual pressupõe a ocorrência de estudos antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais fato pelo qual motivam a delimitação da terra indígena. 2) O procedimento de Delimitação: Compreende as terras que foram concluídos os estudos publicados no Diário Oficial da União pela FUNAI e se deparam em exame pelo Ministério da Justiça para expedição de Portaria Declaratória da Posse Tradicional Indígena. 3) Declaradas: Terras que obtiveram a expedição da Portaria Declaratória e estão permitidas para serem demarcadas. 4) Homologadas: Terras que foram demarcadas e obtiveram seus limites homologados pela Presidente da República. 5) Regularizadas: Terras que, após a homologação de seus limites. foram registradas em cartório em nome da União e no Serviço de Patrimônio da União. Existem também as Reservas Indígenas: São terras ofertadas por terceiros, obtidas ou desapropriadas pela União que não se confundem com as de posse tradicional e, por esse motivo, não se submetem ao procedimento acima descrito (FUNAI, 2022).

 Muito embora seja o registro o ato final do procedimento, antes de chegar ao registro no registro de imóveis, o procedimento passa por fases anteriores e mais atravancadas, das quais muitas em fase de judicialização, em processos que correm durante décadas.

Como foi o exemplo do Território Indígena Xucuru/PE, no qual chegou até a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) e o Brasil foi condenado pela demora excessiva no processo de demarcação. A ação de reintegração de posse interposta em 1992 somente chegou a uma decisão definitiva em 2014, quando adquiriu força de coisa julgada, isto é, 22 anos depois de sua interposição (MPF, 2019).

Ademais, os povos indígenas estão inseridos em uma base territorial e esse vínculo comum com a terra de seus ancestrais é um dos pressupostos que orientam seus processos organizacionais a relação com a gestão dos territórios tem desempenhado um papel fundamental (HIERRO, 2001).

Para regularizar o procedimento se desenrola na seguinte ordem: De início, ocorre o estudo de identificação e delimitação. Após, passa por um contraditório administrativo. Posteriormente, trata-se da fase da Declaração dos limites, a cargo do Ministro da Justiça. No mais, vem a fase de Demarcação física, a cargo da Funai, levantamento fundiário de avaliação de benfeitorias implementadas pelos ocupantes não-índios, a cargo da Funai (BRASIL, 1996).

 Depois, vem a Homologação da demarcação, a cargo da Presidência da República. Este ato é realizado mediante decreto presidencial. No mais, faz a retirada de ocupantes não-índios, com pagamento de benfeitorias consideradas de boa-fé, a cargo da Funai. Por fim, vem o Registro das terras indígenas na Secretaria de Patrimônio da União, a cargo da Funai e, consequentemente, passa a ser regularizada (BRASIL, 1996).

Ante as dificuldades, é por isso que a única saída sensata, justa e multicultural é deixar a regulação, proteção e uso de seus territórios e dos recursos que os compõem à autonomia de cada povo (HIERRO, 2001).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A justiça, por meio de uma abordagem conceitual voltada aos direitos humanos e o direito de propriedade tanto em uma abordagem da relevância do registro como segurança jurídica como também voltado aos territórios indígenas foi amplamente discutida no presente trabalho.

Em termos contextuais, os direitos humanos surgiram com o objetivo de controlar os conflitos de interesses e disciplinar as relações humanas. Desde que foram estabelecidos, evoluíram gradativamente e migraram, almejando o equilíbrio da ordem social.

Porém, nesse período de transição, os direitos humanos passaram por momentos de ascensão e retrocessão; no Brasil, não foi diferente, principalmente, no que concerne aos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais.

O direito de propriedade e sua função social tem importância no cenário de desenvolvimento estrutural dos países. Portanto, trata-se de um dos direitos inderrogáveis, extremamente necessário, tanto é que foi amplamente debatido neste trabalho.  No mais, foram analisados os procedimentos inerentes para a regularização do imóvel.O que se concluiu que, as demarcações encontram problemas que chegam até Judiciário.

Dessa forma, os conflitos de terras oriundos das disputas indígenas acabam por prejudicar todo o contexto social. Isso porque, não indígenas ficam disputando pelas terras que não são realmente deles e impedem os indígenas de utilizarem seus territórios.

Ademais, foram analisados os dados relacionados das 58 terras indígenas já identificadas no Mato Grosso do Sul. Das quais apenas 24 estão regularizadas, 7 estão declaradas, 6 estão homologadas, 5 estão delimitadas e 14 estão em estudo e 2 são reservas indígenas (FUNAI, 2022).

 Nesse diapasão, forçoso concluir que, uma vez partindo do pressuposto que a regularidade vem só com o registro, e consequentemente, sendo o registro oriundo após a fase de regularização, cerca de 55% (cinquenta e cinco por cento) do território de indígenas no Estado de Mato Grosso do Sul não detém segurança jurídica. Nesse sentido, necessário destacar pela importância do Judiciário para prevenir e reparar esses danos.

No mais, sendo a o direito de propriedade indígena um direito fundamental e imprescindível para uma vida digna é clarividente sua importância da união de esforços para a solução dos problemas das demarcações de terras indígenas, bem como visando preservar a identidade, as tradições e a cultura dos povos indígenas. Nesse sentido, políticas públicas devem ser exercitadas com o objetivo de auxiliar nos conflitos de terras. Por meio deste, almejando o fim dos conflitos de terras e, com o intuito, de cooperar para a constituição de uma sociedade “pluriétnica e multicultural” e, consequentemente, conformando a segurança jurídica dos registros públicos.

Em síntese, o presente artigo abordou as evoluções dos direitos fundamentais internos, o direito de propriedade, a relevância do registro de imóveis e a importância da segurança jurídica, a delimitação acerca das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a regularização no estado do Mato Grosso do Sul, estudou os números das terras não regularizadas neste Estado e apresentou os motivos dá necessidade de regularização como fim de pacificação social.

REFERÊNCIAS

AGUILERA URQUIZA, Antonio H. Antropologia e história dos povos indígenas em Mato Grosso do Sul. Campo Grande: Editora UFMS, 2016.

BOBBIO, Norberto. Era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil, 2004.

BRASIL, Ministério Público Federal. Manual de jurisprudência dos direitos indígenas/6ª Câmara de Coordenação e Revisão, Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais. – Brasília: MPF, 2019.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2020]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em: 19 nov. 2020.

BRASIL. Decreto nº 1.775, 8 de janeiro de 1996. Dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d1775.htm >. Acesso em: 23 mai. 2022.

BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notarias e de registro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8935.htm>. Acesso em: 27 dez. 2020.

CARVALHO, Afrânio de. A matrícula no registro de imóveis. In: DIP, Ricardo; JACOMINO, Sérgio (Orgs.) Direito registral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. v. VI (Coleção Doutrinas Essenciais).

CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2003.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

FUNAI. Sistema Indigenista de Informações. Ministério da Justiça. Brasília, 2022. Disponível em: <http://sii.funai.gov.br/funai_sii/informacoes_indigenas/visao/visao_terras_indigenas.wsp> Acesso em 23 de maio. de 2022.

HIERRO, Pedro García. Territorios indígenas: tocando a las puertas del derecho. Revista de Indias, v. 61, n. 223, p. 619-647, 2001.

IRIB. Manual de Processo de Registro de Terras Indígenas. Brasília: IRIB, 2020. Disponível em: <https://irib.org.br/arquivos/manual_de_processo_de_registro_de_terras_indigenas.pdf>. Acesso em: 23 maio. 2022.

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros públicos: teoria e prática. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2011.

MAZZUOLI, Valério Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1995.

NEVES, Marcelo. (Não) Solucionando problemas constitucionais: transconstitucionalismo além de colisões. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, p. 201-232, 2014.

PINEZI, Ana Keila M. O direito de fazer a história. In: Criança Indígena, olhar multidisciplinar. 2008.

PIOVESAN, Flávia. Direito internacional dos direitos humanos e lei de anistia: o caso brasileiro. Revista anistia política e justiça de transição, n. 2, p. 176-189, 2009.

ROCASOLANO, Maria Mendez; SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. Direitos Humanos, conceitos, significados e funções. Editora Saraiva, 2010.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Livraria do Advogado Editora, 2018.

SERRA, Márcio Guerra. Col. Cartórios Registro de Imóveis I–Parte Geral. 2ª Ed. Saraiva Educação SA, 2016.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. TORRADO, Jesús Lima. Globalización y derechos humanos. Anuario de filosofía del derecho, p. 43-74, 2000.


[1] Advogado. Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS. Pós-Graduado em Direito Civil e Direito Notarial e Registral. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS.

[2] Professor da Pós-graduação em Antropologia Social e da Pós-graduação em Direito da UFMS. Doutor em Antropologia de Iberoamérica pela Universidad de Salamanca (USAL). Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Mestrado profissional em Tecnologías de la Educación pela USAL. Especialista em Antropologia, Teorias e Métodos pela UFMT. Professor associado da UFMS. Líder do Grupo de Pesquisa “Antropologia, Direitos Humanos e Povos Tradicionais. Bolsista PQ2.

[3]Advogado. Mestrando em Direito na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Membro do núcleo de estudos em tribunais internacionais da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Membro do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Direitos Difusos da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

[4]Juíza Substituta do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul. Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS. Pós-Graduada em Direito Público. Graduada em Direito pela Universidade do Estado da Bahia- UNEB

[5] A dinamogenesis dos valores e o direito referem-se ao processo continuado no qual os valores estão imersos e que pode resumir-se nas seguintes etapas […]: 1) conhecimento-descobrimento dos valores pela sociedade; 2) posterior adesão social aos valores e a consequência imediata; e 3) concretização dos valores por intermédio do direito em sua produção normativa e institucional  (SILVEIRA; ROCASOLO, 2010, p. 191)”

[6] O século VIII a. C. é apontado como o início do período axial

[7] Nossa tarefa, hoje, é muito mais modesta, embora também mais difícil. Não se trata de encontrar o fundamento absoluto — empreendimento sublime, porém desesperado —, mas de buscar, em cada caso concreto, os vários fundamentos possíveis. Mas também essa busca dos fundamentos possíveis — empreendimento legítimo e não destinado, como o outro, ao fracasso — não terá nenhuma importância histórica se não for acompanhada pelo estudo das condições, dos meios e das situações nas quais este ou aquele direito pode ser realizado. Esse estudo é tarefa das ciências históricas e sociais. O problema filosófico dos direitos do homem não pode ser dissociado do estudo dos problemas históricos, sociais, econômicos, psicológicos, inerentes à sua realização: o problema dos fins não pode ser dissociado do problema dos meios. Isso significa que o filósofo já não está sozinho. O filósofo que se obstinar em permanecer só termina por condenar a filosofia à esterilidade. Essa crise dos fundamentos é também um aspecto da crise da filosofia (BOBBIO, 2004, p. 16)

[8] Os direitos humanos nascem, se desenvolvem e se modificam — mas não morrem — nas gerações ou dimensões seguintes, obedecendo a um núcleo existencial traduzido e sedimentado num período inserido no contexto social, a partir da ideia de dignidade da pessoa humana. Neste contexto se manifestam as três dimensões de direitos humanos — a primeira, a segunda e a terceira gerações —, decorrentes da necessidade de tutelar novos interesses e novas demandas da sociedade (ROCASOLO E SILVEIRA, 2010, p.198-199)

[9] Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966); Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966); Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965); Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (1979); Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984); Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969); Convenção Interamericana para Punir e Prevenir a Tortura (1985); entre outros.

[10] Importante estabelecer uma distinção de ordem conceitual entre direitos humanos e direitos fundamentais. Enquanto os direitos humanos correspondem a uma nomenclatura mais ligada ao direito internacional, por força do direito dos tratados, a terminologia “direitos fundamentais” está ligada ao direito interno, mais precisamente, ao constitucionalismo que ocorreu depois da Segunda Guerra Mundial (SARLET, 2018).

[11]  Nos termos da lei nº 8935/94: Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos (BRASIL, 1994).

[12] A seguinte lei vem regulamentar o art. 236 da CF/88, dispondo sobre os serviços notariais e de registros, compondo-se de IX títulos e 55 capítulos, incluindo Das Disposições Gerais. Trata da natureza e fins; titulares; atribuições e competência dos notários e dos oficiais de registros; normas comuns para o ingresso na atividade e dos prepostos; responsabilidade civil e criminal; incompatibilidade e impedimentos; deveres e direitos; infrações disciplinares e penalidades; fiscalização pelo Poder Judiciário; extinção da Delegação; seguridade social e Das Disposições Gerais e Transitória (BRASIL, 1994).

[13] Tradicionalmente o princípio da legalidade decorre da lei como fonte primordial do Direito, ou seja, do denominado princípio da primazia da lei cunhado no século XIX, com o início do processo de codificação das normas jurídicas, que foi inaugurado com a publicação do Código Civil francês de 1804, o chamado Código de Napoleão. Nos tratados clássicos sobre a teoria do Direito e mesmo nos manuais atuais, a lei serve como parâmetro para a classificação hierárquica das demais fontes: abaixo dela estão a jurisprudência, os costumes e os regulamentos e os atos de execução da norma e, acima, encontramos a Constituição. Mas se a lei antes era o ponto no qual os eixos se cruzam (demais fontes jurídicas), hoje se observa uma reorientação das ordens jurídicas nacionais, entre as quais a brasileira, em torno do eixo da constitucionalidade que, na verdade, possui um vínculo de complementaridade com a legalidade. Com efeito, o advento das modernas constituições de natureza normativa, com reflexo direto e imediato na regulação das situações jurídicas das mais diversas áreas do Direito (direito civil, administrativo, processual, etc.), implica em uma reavaliação da lei como ponto central do sistema de fontes jurídicas. Essa nova organização do sistema de fontes substitui aquela que existia antes e podia ser representada como um sistema de degraus, em que a lei é colocada ao centro e as outras fontes tiram sua força normativa da lei que reenvia, ela própria, a outras fontes. Assim, a lei era praticamente a única verdadeira fonte do direito, ou, dito de outra maneira, a fonte das fontes. Por outro lado, atualmente, mesmo que a lei continue no centro do sistema, os efeitos jurídicos das outras fontes não dependem mais dela (ou apenas dela), mas dependem, sobretudo, da Constituição. Por consequência, a Constituição regulamenta essencialmente o sistema de fontes do direito que se apresenta mais como uma cascada de fontes. A passagem ao Estado de direito constitucional coloca em primeiro plano a noção de constitucionalidade e deve, ademais, ser levado em conta mesmo se isso contraria certos hábitos. (LOUREIRO, 2017, p. 1023).

[14] Um sistema registrai eficiente confere maior segurança jurídica ao adquirente de imóvel e ao credor que busca garantia para realização de empréstimo. O adquirente estará seguro quando ninguém puder perturbar seu direito por motivos anteriores à sua aquisição. Para tanto, ele deve ter certeza de que aquele que está alienando o imóvel é seu verdadeiro dono, e de que não incide sobre o bem qualquer ônus ou gravame que impeça a alienação. Da mesma forma, quem concede um crédito garantido por um imóvel (v.g., hipoteca, alienação fiduciária, etc.) requer certeza da validade e eficácia dessa garantia. Para isso, ele deve saber previamente se aquele que oferece o imóvel como garantia é seu verdadeiro dono, se o bem é alienável e se existem gravames anteriores e preferenciais (LOUREIRO, 2017, p. 511).

[15] Registro e matrícula são conceitos diferentes. Nesse sentido: REGISTRO – A matrícula será efetuada por ocasião do primeiro registro a ser lançado na vigência da Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), mediante os elementos constantes do título apresentado e do registro anterior nele mencionado. O registro espelha a situação jurídica do imóvel. Seu objetivo é tornar público e transparente, para a sociedade, a forma de detenção dos imóveis, garantindo, assim o direito de propriedade. Ao registro de imóveis não interessa área não titulada. Neste ponto, identifica-se o conflito entre o registro e cadastro. CADASTRO – Espelha a realidade física dos imóveis urbanos e rurais, por meio de sua descrição minuciosa e correta. Destina-se a alcançar os fins a que se propõe, tais como os jurídicos, administrativos, fiscais, econômicos e sociais (IRIB, 2020).

[16] § 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.