A IMPORTÂNCIA DA CONSCIÊNCIA E DA AÇÃO ÉTICA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A IMPORTÂNCIA DA CONSCIÊNCIA E DA AÇÃO ÉTICA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

30 de dezembro de 2024 Off Por Cognitio Juris

THE IMPORTANCE OF CONSCIENCE AND ETHICAL ACTION IN PUBLIC ADMINISTRATION

Artigo submetido em 25 de outubro de 2024
Artigo aprovado em 05 de novembro de 2024
Artigo publicado em 30 de dezembro de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 57 – Dezembro de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Anne Jackeline Correa da Costa Martins[1]

Resumo: Neste artigo busca-se demonstrar como a ética na Administração Pública é importante e pode influenciar positivamente toda a sociedade, para isso, necessário foi investigarmos a compreensão e desenvolvimento da ética e da moral em toda história, começando pelo nascimento até os dias atuais. Fizemos um breve comentário da ética no contexto social que envolve a Administração Pública e seus agentes, destacando nesse cenário os princípios basilares que regem a administração e servem como mantenedores da ordem social, dando ênfase ao princípio da moralidade. Por último, demonstramos a importância do despertar de uma consciência ética inicialmente na autoridade responsável pela administração dos interesses públicos, que devem não somente ministra-la, ensiná-la como vivenciá-la de forma exemplar, respeitosa e séria. Constatamos que o conhecimento ético aliado à prática ética produz resultados ou uma força ética capaz de melhorar o meio em que vivemos.

Palavras-chaves: Ética. Moral. Administração Pública. Consciencia. Ação.

Abstract: This article seeks to demonstrate how ethics in Public Administration is important and can positively influence the entire society, for this, it was necessary to investigate the understanding and development of ethics and morals throughout history, starting from birth to the present day. We made a brief comment on ethics in the social context that involves the Public Administration and its agents, highlighting in this scenario the basic principles that govern the administration in order to maintain social order, emphasizing the principle of morality. Finally, we demonstrate the importance of awakening an ethical conscience initially in the authority responsible for the administration of public interests that should not only minister it, teach it how to experience it in an exemplary, respectful and serious way. We found that ethical knowledge combined with ethical practice produces results or an ethical force capable of improving the environment in which we live.

Keywords: Ethics. Moral. Public administration. Conscience. Share.

Introdução:

A proposta deste artigo é demonstrar a importância de despertar a consciência, e a ação ética, na Administração Publica e em seus agentes, consciência essa que deve se dar não só por meio de ensino e aperfeiçoamento dos quadros funcionais, como também através das práticas éticas, do pensar corretamente, do respeito à pessoa humana e da obediência aos princípios morais que devem nortear a Administração Pública, na pessoa de seus representantes. Para tanto, incialmente abordaremos como surgiu à ética e a moral, bem como sua necessidade e contribuição na formação do indivíduo. Ato contínuo, diremos o que é a Administração Pública e quais os princípios que norteiam sua atuação, para fins de compreender a importância da observância de tais princípios, dando ênfase ao princípio da moralidade. A partir de então, falaremos da ética sob a perspectiva pública, onde o individuo enquanto encarregado da administração ou membro da sociedade, carece do conhecimento e da aplicação dos valores éticos, para fins de possibilitar o bom desempenho de sua função, bem como o seu melhoramento, de forma a tornar-se um cuidador zeloso pelo bem comum, passando a viver de forma mais harmônica, feliz e organizada possível.

  1. A Ética e a Moral

A Ética nasceu na Grécia Antiga com os pitagóricos[2], que partindo de fundamentos matemáticos de investigação de diferentes séries numéricas, conceberam todo universo como um campo que se contrapõem o mesmo e o outro, de modo que estabeleceram diferentes níveis de realidade através da tábua de opostos, como por exemplo: finito/infinito, impar/par, unidade/multiplicidade, direita/esquerda, macho/fêmea, repouso/movimento, bem/mal, dentre outros, sendo a ética, a variação de uma oposição fundamental, no caso, destes últimos opostos (bem/mal). 

Um estudo mais aprofundado partiu dos filósofos gregos, dentre eles, Sócrates, Platão, Demócrito e Aristóteles, sendo este último, o filósofo que a sistematizou. Na obra os Pensadores, extrai-se a respeito de Demócrito, que:

“Em seu pensamento parecem coexistir, assim, duas ordens de preocupações, não necessariamente interligadas e coesas: a do cientista que procura uma explicação racional para os fenômenos físicos e a do moralista, de índole conservadora, que se empenha em traçar normas para a ação humana, tentando refrear a vaga do relativismo e de individualismo que envolvia a sociedade grega, ameaçando valores e instituições e anunciar novos tempos e novas idéias.” (Os Pensadores, Pré-Socráticos, p.23, grifo nosso)

Desde o princípio, a ética e a moral se entrelaçam, para Sócrates, o pressuposto da ética é o conhecimento, e ela se desenvolve através da consciência do agente moral, logo, uma pessoa só é ética quando sabe o que esta fazendo, sendo todo erro, fruto do desconhecimento e toda virtude fruto do conhecimento.  A este respeito:

“Demócrito, do mesmo modo que Sócrates considerava a “ignorância do melhor” como causa do erro. Guiado pelo prazer, o homem deveria saber distinguir o valor dos diferentes prazeres, buscando em sua conduta a harmonia capaz de lhe conceder a calma do corpo – que é a saúde – e a da alma – que seria a felicidade.” (Os Pensadores,  Pré-Socráticos, p. 41,42)

            Para Platão, é também na alma humana, que os valores morais se apresentam, a ética em seu entender consistia na busca pela felicidade individual e coletiva, visto que a seu ver, não seria possível ao individuo ser feliz em uma sociedade viciosa. Sócrates em um de seus diálogos ao falar da justiça, levou Trasímaco a concluir que a alma má, é viciosa e injusta, portanto, comanda e vigia mal, já a alma boa, é virtuosa e justa, de modo que, comanda e vigia de forma bem feita[3].

            Aristóteles compreendeu que a ética consiste não só no conhecimento, como na prática, e que nem todo erro é fruto do desconhecimento, como acreditava Sócrates. Em seu entender, a habitualidade dos atos virtuosos praticados pelo agente moral, a moderação em suas ações, bem como, a boa deliberação, revelam um homem ético/virtuoso. MATTAR em relação à ética de Aristóteles comentou:

“A ética das virtudes implicaria o cultivo de traços de caráter como uma das principais funções morais, qualidades que as pessoas possuiriam e que seriam externalizadas por meio de suas ações diárias. A pessoa virtuosa, segundo Aristóteles, seria aquela que buscasse a moderação entre os extremos, evitando tanto o vício do excesso quanto seu oposto, mediante uma sabedoria prática baseada na experiência e em grande habilidade de julgamento.” (MATTAR, João. 2004. p. 32)

De acordo com SERRANO:

“A palavra “ética”, do grego ethos, pode vir a significar a razão pela qual, de certa maneira, sentimos e agimos. Com efeito, todo comportamento humano se funda na ética. Logo, a convivência humana pode ser orientada com base na ética. Em verdade, a ética tem o propósito de orientar a convivência social, isto é, direcionar a prática das boas ações, e seu objetivo primordial é a realização (da convivência humana) do homem no contexto em que vive.” (2010, p. 15)

MENDIETA compreende a ética e a moral como sendo similares, ao que cita a definição de R.VARGAS:

“De outra perspectiva mais genérica, a ética ou a moralidade, que etimologicamente significam a mesma coisa, seria “o conjunto de instituições e concepções que diferentes grupos humanos e indivíduos usam para identificar o que é certo e o que é errado, o que deve ser feito e o que devem ser evitados.[4](VARGAS, 1998, apud MENDIETA, OCT-DIC, 2002, p. 661)

Atualmente a ética e a moral embora conceitualmente separadas, permanecem lado a lado, haja vista que a moral é o objeto de estudo da ética[5], e consoante explica Mota, seu papel é “compreender como se dá a formação dos hábitos, costumes e, até mesmo, das regras e leis que regem uma determinada sociedade”. (MOTA, p.2)

A ética, portanto, é um ramo da filosofia ou uma ciência, que se dedica ao estudo de assuntos morais, cujo conhecimento se extrai da investigação do comportamento humano, ou seja, do consenso de várias morais individuais, guiada pela cultura da sociedade e pelas normas e regras sociais. Já a moral, é de caráter prático, ou seja, o modo pessoal de agir de cada individuo, seus costumes e hábitos formados ao longo de sua vida com base em suas experiências e aprendizado, sendo guiada pela consciência particular e fundamentado nas obediências as normas estatais, culturais ou religiosas.

  • Breve comentário a cerca da Ética na Administração Pública

Em sendo os homens seres racionais sociais que necessitam viverem conjuntamente e de se relacionarem entre si, trocando experiências, ideias, afetos, serviços, bens, dentre outras coisas, é impossível não se falar de ética pública, já que desse convívio decorrem conflitos das mais variadas ordens que necessitam ser superados. E tais superações, conforme explica Mendieta, ocorre graças às disposições naturais humanas, à suas capacidades de procurarem soluções compartilhadas nas desavenças, e à uma razão prática que permita acordos racionais e razoáveis[6]. Por tais razões, a imposição e observância de princípios e normas de condutas se fazem absolutamente necessárias, a fim de possibilitar um convívio minimamente harmonioso em sociedade.

               Neste sentido, são os princípios basilares que regem a Administração Pública: o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, e o princípio da indisponibilidade do interesse público. Frisa-se que é a partir destes princípios que decorrem os demais princípios que regem a administração, sendo estes demais analisados em tópico próprio.

               Pelo principio da supremacia do interesse público sobre o interesse particular, todas as condutas estatais tem como finalidade a satisfação das necessidades coletivas, razão pela qual, os interesses da sociedade devem prevalecer diante das necessidades específicas dos indivíduos[7]. Já em relação ao princípio da indisponibilidade do interesse público, este princípio consoante explica CARVALHO:

“[…] define os limites da atuação administrativa e decorre do fato de que a impossibilidade de abrir mão do interesse público deve estabelecer ao administrador os seus critérios de conduta. De fato, o agente estatal não pode deixar de atuar, quando as necessidades da coletividade assim exigirem, uma vez que suas atividades são necessárias à satisfação dos interesses do povo.” (CARVALHO, 2017, p. 65).

               A Administração Pública por meio de seus agentes, é um instrumento do Estado encarregado de gerenciar esses interesses coletivos, bem como, zelar pelo patrimônio comum, pelo cumprimento das normas e princípios, dentre outros. De acordo com o Professor Henrique Meirelles a Administração Pública é atividade neutra, normalmente vinculada à lei ou à norma técnica, e por meio dela o Estado põe em prática as opções políticas do Governo[8]. Para CARVALHO, a Administração Pública pode ser vista de dois modos:

“A expressão Administração Pública, em sentido formal, orgânico ou subjetivo, designa o conjunto de órgãos e agentes estatais no exercício da função administrativa, independente do poder a que pertençam – seja ao Executivo, Judiciário, Legislativo ou qualquer outro organismo estatal. Nesse sentido, a expressão deve ser grafada com as primeiras letras maiúsculas. Por sua vez, administração pública (em letra minúscula), embasada no critério material ou objetivo, se confunde com a função administrativa, devendo ser entendida como a atividade administrativa exercida pelo Estado, ou seja, a defesa concreta do interesse público.” (CARVALHO, 2017, p. 35-36)

               Nota-se dai a importância de se buscar meios para organização da sociedade, para se administrar a coletividade, de modo que a ética, constitui um meio, sendo expressa em forma de normas/códigos de conduta ou princípios.

De acordo com MENDIETA:

“A ética pública tenta definir o que é certo e errado para a comunidade, aquilo que poderia constituir um padrão moral básico de caráter universal e generalizável, dada a racionalidade e razoabilidade de suas finalidades, valores e prescrições de conduta, um padrão compatível com a busca razoável do bem. Esta ética afeta os indivíduos como membros de uma sociedade.[9] (MENDIETA, OCT-DIC, 2002, p. 663)

               Nesse diapasão além dos princípios da supremacia do interesse público sobre o interesse privado e da indisponibilidade do interesse público passemos a analisar os princípios que norteiam todo o regime jurídico administrativo.

  • Dos Princípios Constitucionais a serem observados pela Administração Pública

De acordo com o disposto no artigo 37 da nossa Carta Maior:

 “a administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência[10]”. (CF, Art. 37, caput)

Tais princípios além de estabelecerem normas de condutas a serem observadas pelo Estado, são relevantes para a demarcação da atuação Estatal, bem como, para nortear as condutas do agente público que deverá satisfazer os interesses da coletividade[11]. Passemos a análise destes princípios de forma breve, dando ênfase ao princípio da moralidade.

O princípio da legalidade, conforme explica Lenza, surgiu com o estado de direito opondo-se a toda e qualquer forma de poder autoritário e antidemocrático, de modo que, sendo o estado uma pessoa jurídica responsável por criar o direito, essa pessoa jurídica se submete ao ordenamento jurídico por ela própria criado, e que é aplicável a todos os cidadãos[12]. Assim, à administração pública, só poderá fazer o que a lei permitir, devendo, portanto andar nos “trilhos da lei”[13].  De acordo com CAMARGO:

“A própria Administração, por decorrência lógica, está adstrita à legalidade constitucional cuja violação supõe a reparação dos danos decorrentes. É a prática do preceito: “faça o que eu mando porque eu também o faço”; e “cumpra as determinações legais porque eu também as cumpro”, o que, no mais das vezes, não se mostra verdadeiro no mundo da vida jurídico-política.” (CAMARGO, 2014, p. 35)

O princípio da impessoalidade nasce do principio fundamental previsto no artigo 5º da Constituição que garante que todos são iguais perante a lei, de modo que com a Administração Pública o mesmo deverá ocorrer, visto que, consoante explica Lenza, ela deverá atuar sem favoritismo ou perseguição, tratando todos de modo igual, ou quando necessário fazendo a discriminação necessária para se chegar à igualdade real ou material[14]. Isto implica dizer que, para a Administração, é irrelevante conhecer quem será atingido pelo ato, visto que sua atuação é impessoal[15]. CARVALHO, no que se refere à impessoalidade comentou que:

“Este princípio se traduz na idéia de que a atuação do agente público deve-se pautar pela busca dos interesses da coletividade, não visando a beneficiar ou prejudicar ninguém em especial – ou seja, a norma prega a não discriminação das condutas administrativas que não devem ter como mote a pessoa que será atingida pelo seu ato. Com efeito, o princípio da impessoalidade reflete a necessidade de uma atuação que não discrimina as pessoas, seja para benefício ou para prejuízo.” (CARVALHO, 2017, p.70)

            No que se refere ao princípio da publicidade, este se conecta com a transparência[16], que constitui um dever da Administração Pública atuar de modo a tornar conhecida sua atuação, e um direito da sociedade o acesso a essa atuação, de modo que é proibida a edição de atos secretos pelo poder público já que ele atua no interesse de todos, não fazendo sentido um Estado democrático de direito, agir de modo oculto.

            Já o principio da eficiência, esta ligada a busca pela excelência e pela efetividade dos atos praticados pela Administração Publica, ele se mede pela publicidade e transparência da atividade administrativa, o que aponta para a ideia de democracia participativa[17], de acordo com CAMARGO:

“O princípio da eficiência impõe que “a atividade administrativa produza efeitos com o máximo de eficácia possível” e este é o aspecto gerencial do princípio. Um primado da atividade administrativa, a eficiência, num primeiro momento, conecta-se aos efeitos relacionados com a prossecução do interesse público, objetivo atingido “com o “menor dispêndio de tempo e de recursos financeiros possível, bem como o maior nível de satisfação e de utilidade possível”. (CAMARGO, 2014, p. 160)

            Por outro lado, para Camargo, a eficiência se reveste também de um caráter moral vinculado à dignidade humana[18].  Passemos a análise do princípio da moralidade e de sua relação com a Ética, bem como, o entendimento de sua importância e reflexos na Administração Pública.

  • O Princípio da Moralidade

Conforme mencionado no início, o bem e o mal é o oposto do qual decorre a ética ou a moral, assim, todo homem capaz de agir e atuar no mundo deve ser também capaz de distinguir o bem do mal. De igual modo, na Administração Pública, o homem também deve ser capaz de não somente fazer essa distinção, como também, de escolher entre o legal e o ilegal, entre o justo e o injusto, entre o honesto e o desonesto, e muito embora o comportamento do agente seja legal, essa legalidade por si só não basta, haja vista que nem tudo o que é legal é moral, visto que uma pessoa pode enganar a outra, por exemplo, pegando sua assinatura em um cheque ou na aquisição de um bem, ocasião em que o documento é juridicamente legal, todavia tal ação decorre de um ato imoral, injusto ou desonesto. Daí verifica-se que o princípio da moralidade é mais exigente e amplo do que o princípio da legalidade. E não só, se considerarmos que mesmo a busca pela máxima eficiência por parte do administrador público poderá acarretar em imoralidade administrativa, perceberemos mais uma vez a amplitude e reflexos do referido princípio, já que é dever do administrador não só viver honestamente, não prejudicar a outrem, como também, de entregar a cada um, o que lhe é devido.

Para SERRANO o princípio da moralidade é o “fundamento da ética administrativa que norteia o exercício da atividade administrativa e constitui ferramenta essencial da aplicabilidade dos demais princípios constitucionais e da realização da cidadania.” (2010, p. 100)

De acordo com Brandão (p. 457), foi Maurice Hauriou, jurista e sociólogo Francês quem inaugurou a moralidade administrativa pela primeira vez, em um acórdão ao Conselho do Estado em 1917, donde na ocasião ele comentou que a fiscalização da legalidade dos atos administrativos é baseada no recurso da violação da lei, enquanto que à conformidade desses mesmos atos que inclusive é a base da boa administração, tendo como recurso o desvio de Poder, cuja zona de policiamento fica a cargo da moralidade administrativa.

Brandão explica ainda que, para alguns estudiosos no assunto, a moralidade administrativa não se confunde com a moralidade comum, haja vista que, aquela é composta por regras de uma boa administração, que disciplinam o exercício do poder da Administração, ao que citou em seu texto, a distinção que o filósofo Bergson fez da moral, como sendo de dois tipos: moral aberta e moral fechada, ao que concluiu que a moral da Administração Pública é fechada.

A moral fechada se refere a todo o sistema de hábitos que regulam a conduta do homem de acordo com as exigências sociais e que chamamos ou que relacionamos com a obrigação moral, mas que na verdade provém da vida. Já a moral aberta é o chamado Herói, do homem superior, do santo ou do místico, suscitado pelo próprio impulso vital e que tenta atrair outros homens em seu rastro. Tais foram Sócrates, especialmente Jesus Cristo e os santos do Cristianismo. A moral aberta é uma obrigação de natureza completamente diversa, que esta em causa: não é a sociedade que pesa sobre o indivíduo o peso do hábito, mas o indivíduo que escuta, em si mesmo, as ressonâncias de uma emoção que o liberta de seus hábitos, isto é, tanto da sociedade como de sim mesmo[19].

Para CAMARGO:

“A moralidade, adjetivo fundamentado na moral ou no comportamento probo, reto, justo, imparcial e ético arraiga-se na “dignidade da pessoa humana e na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. (CAMARGO, 2014, p. 81)

            Conclui-se que o princípio da moralidade deve nortear a Administração Pública e os atos de seus agentes encarregados, sendo um princípio basilar dos demais princípios. Frisa-se ainda que o referido princípio esta diretamente ligada à probidade da conduta do administrador público, logo, desrespeitá-lo é o mesmo que cometer ato de improbidade administrativa com previsão expressa no §4º do artigo 37 da Constituição Federal.

  • Da ação e da consciência Ética

Ao olharmos ligeiramente para os primeiros balbucios e conclusões a respeito da ética, bem como, ao observarmos a cronologia de sua evolução, percebemos um desenvolvimento gradual, moroso e sistemático, que não pode ser negligenciado ou simplesmente colocado na vitrine imaginária da mente humana como um modelo utópico a ser admirado, é necessário, trazer-lhe a existência, para que seja seguido, praticado. De acordo com Freire:

“Não podemos nos assumir como sujeitos da procura, da decisão, da ruptura, da opção, como sujeitos históricos, transformadores, a não ser assumindo-nos como sujeitos éticos. Neste sentido, a transgressão dos princípios éticos é uma possibilidade, mas não é uma virtude. Não podemos aceitá-la.” (FREIRE, p. 10)

            E indo mais além em sua reflexão quanto à importância do agir ético, comentou:

“Como presença consciente no mundo não posso escapar à responsabilidade ética no meu mover-me no mundo. Se sou puro produto da determinação genética ou cultural ou de classe, sou irresponsável pelo que faço no mover-me no mundo e se careço de responsabilidade não posso falar em ética.” (FREIRE, p. 11)

Assim é importante que a ética faça parte da vida cotidiana do sujeito dicotômico (individual/coletivo), e nesta proposta, na vida do sujeito enquanto agente da Administração Pública encarregada de gerenciar as relações coletivas.

Ao que parece, o filósofo Sócrates não estava errado ao dizer a ética decorre do conhecimento e da consciência moral do agente, todavia, apenas deixou de notar que casos apartados, muito embora conheçam e se conscientizem de sua importância, optam por absterem-se de pratica-las haja vista algum fator que julga impeditivo, como é o caso do sujeito acrático, ou simplesmente optam por desprezá-la, como é o caso do sujeito intemperante, neste sentido, é o olhar mais atento do filósofo Aristóteles ao notar essas duas exceções, concluindo ainda de seus estudos éticos, que além do conhecimento da ética em si, é necessário que o agente proceda de maneira ética.

Assim, mais do que educar, treinar e conscientizar o agente moral encarregado da Administração Pública no sentido da importância da observância aos preceitos éticos, e das implicações nos casos de inobservância, é necessário que todo o aparelho público engaje em um movimento de ação ética, onde os envolvidos passem a agir eticamente no exercício de suas funções. Nesse sentido, citamos por analogia, o entendimento de Freire de que é possível alcançar à ética, sendo ético, e isso se conquista com respeito.

Mulheres e homens, seres histórico-sociais, nos tornamos capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper, por tudo isso, nos fizemos seres éticos. Só somos porque estamos sendo. Estar sendo é a condição, entre nós, para ser. Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. Estar longe ou pior, fora da ética, entre nós, mulheres e homens é uma transgressão. É por isso que transformar a experiência em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador. Se se respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do educando.” (FREIRE, p. 18)

            Logo, em considerando que o cidadão deve respeito à Administração Publica e às suas normas, tal qual um aluno deve respeito ao seu professor e a todo aparato escolar, do mesmo modo, o agente encarregado dessa administração deve respeitar e fazer valer os direitos dos cidadãos enquanto membros da sociedade, de igual modo o professor deve também respeito aos seus alunos em sua dignidade humana. E agindo assim, a formação moral do agente público, cidadão ou aluno, se alinha ao conteúdo ensinado, tornando a ética eficaz, e esse agente encarregado da administração, torna-se um verdadeiro protetor do bem comum, visto que passou a pensar corretamente e agora age em função desse bem. Consoante Freire:

“…Mas como não há pensar certo à margem de princípios éticos, se mudar é uma possibilidade e um direito, cabe a quem muda – exige o pensar certo – que assuma a mudança operada. Do ponto de vista do pensar certo não é possível mudar e fazer de conta que não mudou. É que todo pensar certo é radicalmente coerente”. (FREIRE, p.18)

            O professor Pedro Gonçalves Mota em relação à necessidade de educação na Administração Pública comentou que:

“A educação seria o mais forte instrumento na formação do cidadão consciente para a construção de um futuro melhor. No âmbito Administrativo, funcionários mal capacitados e sem princípios éticos que convivem todos os dias com mandos e desmandos, atos desonestos, corrupção e falta de ética tendem a assimilar por este rol “cultural” de aproveitamento em benefício próprio. Se o Estado, que a princípio deve impor a ordem e o respeito como regra de comportamento para uma sociedade civilizada, é o primeiro a evidenciar o ato imoral, vêem esta realidade como uma razão, desculpa ou oportunidade para salvar-se, e, assim sendo, através dos usos de sua atribuição pública.” (MOTA, p. 6)

            No que se refere à conduta dos responsáveis pela Administração Pública, temos à exemplo, os atos desonestos de corrupção, improbidade, desvio de poder, que por si só merecem repudio por atentarem contra a moralidade, a coletividade e ao bem comum, visto que tais atos e desvios de conduta, arrasta consigo milhares de pessoas à fome, a morte por falta de alimento ou cuidado médico, etc. Freire em relação a gravidade da imoralidade e da transgressão ética, comentou:

“Daí a minha recusa rigorosa aos fatalismos quietistas que terminam por absorver as transgressões éticas em lugar de condená-las. Não posso virar conivente de uma ordem perversa, irresponsabilizando-a por sua malvadez, ao atribuir a “forças cegas” e imponderáveis os danos por elas causados aos seres humanos. A fome frente a frente abastança e o desemprego no mundo são imoralidades e não fatalidades como o reacionarismo apregoa com ares de quem sofre por nada poder fazer.

Não junto a minha voz à dos que, falando em paz, pedem aos oprimidos, aos esfarrapados do mundo, a sua resignação. Minha voz tem outra semântica, tem outra música. Falo da resistência, da indignação, da “justa ira” dos traídos e dos enganados. Do seu direito e do seu dever de rebelar-se contra as transgressões éticas de que são vítimas cada vez mais sofridas”. (FREIRE, p. 52)

Ainda quanto à conduta dos agentes responsáveis pela Administração Pública, donde se nota a ausência de autoridades qualificadas, mais uma vez, fazemos uso das palavras de Freire:

“Há professores e professoras cientificamente preparados, mas autoritários a toda prova. O que quero dizer é que a incompetência profissional desqualifica a autoridade do professor. Outra qualidade indispensável à autoridade em suas relações com as liberdades é a generosidade. Não há nada que mais inferiorize a tarefa formadora da autoridade do que a mesquinhez com que se comporte. A arrogância farisaica, malvada, com que julga os outros e a indulgência macia com que se julga ou com que julga os seus. A arrogância que nega a generosidade nega também a humildade que não é virtude dos que ofendem nem tampouco dos que se regozijam com sua humilhação. O clima de respeito que nasce de relações justas, sérias, humildes, generosas, em que a autoridade docente e as liberdades dos alunos se assumem eticamente, autentica o caráter formador do espaço pedagógico.” (FREIRE, p. 47)

            Tal qual ocorre em relação a um professor (servidor público ou particular), ocorre também aos administradores públicos em geral que embora cientificamente preparados para o exercício de sua função é desprovido de valores éticos mínimos, que adotam no exercício de suas atividades, condutas autoritárias, arrogantes, mesquinhas, demonstrando ausência de humildade, generosidade e preocupação com o próximo. Daí a importância do treinamento do quadro funcional, da prática do respeito à pessoa humana e às normas éticas. Ainda nessa linha é o entendimento de Mota:

“A falta de ética nasce nas estruturas administrativas devido ao terreno fértil encontrado ocasionado pela existência de governos autoritários, no qual são regidos por políticos sem ética, sem critérios de justiça social e que, mesmo após o aparecimento de regimes democrático, continuam contaminados pela doença da desonestidade, dos interesses escusos. Esses interesses são geralmente oriundos de sociedades dominadas por situações de pobreza e injustiça social, abala a confiança das instituições, prejudica a eficácia das organizações, aumenta os custos e afeta o bom uso dos recursos públicos e compromete a imagem da organização e ainda castiga cada vez mais a sociedade que sofre com a pobreza, com a miséria, a falta de sistema de saúde, de esgoto, habitação, ocasionados pela falta de investimentos financeiros do Governo, porque os funcionários públicos priorizam seus interesses pessoais em detrimento dos interesses sociais.” (MOTA, p. 6)

Frisa-se ainda no que se refere a moral fechada já mencionada, ou a moral social, que esta implica em um atuar limitado do homem dentro da sociedade, limitado às normas de condutas e princípios da Administração Pública. E neste contexto, o administrador público é aquele individuo que deve ter a consciência da importância dessa limitação, da observância dos preceitos morais, e do devido respeito à pessoa humana e ao bem comum.

A nossa Constituição Federal em seu artigo 5º inciso LXXIII, prevê que:

“qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise à anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico cultural[20] […] (grifo nosso)

Da citada previsão legal, podemos verificar a responsabilidade que é zelar pela moralidade pública, o que constitui dever tanto dos cidadãos participantes da sociedade, quanto da própria Administração Pública que deve fazer cumprir o princípio que ela própria instituiu, mesmo porque, a República do Brasil tem como fundamento a igualdade, a justiça, a solidariedade, o desenvolvimento, a erradicação da pobreza, bem como, a promoção do bem de todos[21], e lutar pela ética, não deve ser uma opção, mas uma missão. E “se não se pode esperar de seus agentes que sejam santos ou anjos, pode-se e deve-se deles exigir seriedade e retidão”. (FREIRE, p. 34)

Conclusão

O presente estudo nos levou a confirmar fatos já sabidos, como a carência da prática e da conscientização ética na Administração Pública, bem como, na sociedade como um todo. Percebemos que o problema de há muito se estende e que sua resolução é imperiosa e necessária. Notamos que a história da ética e da moral não pode ser negligenciada ou esquecida, e que tais valores expressos na forma de normas de conduta, leis ou princípios que regem a Administração Pública, devem ser zelados e obedecidos, a começar pelos agentes no âmbito da Administração, que é a entidade encarregada de ditar essas normas e gerenciá-las. Concluímos ainda que, as autoridades encarregadas dessa missão devem conhecer a ética e agirem eticamente no exercício de suas funções para que possamos manter um mínimo de ordem social possível, de harmonia, respeito, retidão e justiça. Por último, constatamos que, zelar pela ética é dever de todo cidadão, e que, ainda que as autoridades encarregadas pela Administração Pública não à respeitem, é papel de todo cidadão comum respeitá-la, bem como fiscalizar aqueles que a desobedecem, e, sendo constada irregularidades, propor ação popular requerendo medidas judiciais cabíveis.

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MENDIETA, Manuel Villoria. Artigo: Ética Publica y Corrupción el inicio de un novo milenio. OCT-DIC 2002.

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VAZQUEZ, Adolfo Sanches. Ética, tradução de João Dell’Anna. 32ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.


[1] Pós-graduanda em Direito Público pelo Legale Educacional, Mestranda em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita”.

[2] Os Pensadores, Pré-Socráticos, Editora Cultural

[3] PLATÃO. A República. 353e, p.79, Edipro, 3ª edição, 2019

[4] Desde otra perspectiva más genérica, la ética o la moral, que etimologicamente significan lo mismo, sería “el conjunto de intuiciones y concepciones de las que se valen los distintos grupos humanos e individuos para identificar lo que está bien y lo que está mal, lo que se debe hacer y lo que se debe evitar”.

[5] VASQUEZ, 2011, p. 23

[6] MENDIETA, OCT-DIC, 2002, p. 663

[7] CARVALHO, 2017, p. 62.

[8] MEIRELLES, 2010, p. 66

[9] La ética pública trata de definir lo que está bien y mal para la colectividad, aquello que podría constituir un patrón moral básico de carácter universal y generalizable, dado lo racional y razonable de sus fines, valores y prescripciones de conducta, patrón compatible con la propia búsqueda razonable del bien. Esta ética afecta a los individuos en cuanto miembros de una sociedad.

[10] CF, Art. 37, caput.

[11] CARVALHO, 2017, p. 66.

[12] CARVALHO, 2017, p.66

[13] LENZA, 2015, p. 1166.

[14] LENZA, 2015, p. 1521.

[15] CARVALHO, 2017, p. 70.

[16] LENZA, 2015, p. 1527.

[17] CARVALHO, 2017, p. 161

[18] CAMARGO, 2014, p.162

[19] Wilkipédia, As duas fontes de moralidade e religião, p.3.

[20] CF, Art. 5º, LXXIII

[21] CF, Art. 3º, incisos I ao IV.