A GARANTIA DO DIREITO DAS MULHERES EM PRIVAÇÃO DE LIBERDADE DURANTE A GESTAÇÃO E MATERNIDADE

A GARANTIA DO DIREITO DAS MULHERES EM PRIVAÇÃO DE LIBERDADE DURANTE A GESTAÇÃO E MATERNIDADE

1 de dezembro de 2023 Off Por Cognitio Juris

GUARANTEING THE RIGHT OF WOMEN TO BE DEPRIVED OF FREEDOM DURING PREGNANCY AND MATERNITY

Artigo submetido em 17 de novembro de 2023
Artigo aprovado em 26 de novembro de 2023
Artigo publicado em 1 de dezembro de 2023

Cognitio Juris
Volume 13 – Número 51 – Dezembro de 2023
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Ian Reis Nogueira Felício [1]
Marcelo Wordell Gubert [2]
Roseli Johner Backes [3]

Resumo: A declaração de direitos humanos visam a dignidade das pessoas, sem nenhum tipo de discriminação. Considerando a situação de mulheres gestantes e/ou mães de crianças até 12 anos de idade, é fundamental atentar-se as questões dos riscos e impactos do encarceramento. O aparato legal que determina a substituição de prisão em cárcere pela domiciliar ainda enfrenta barreiras na sua aplicação. Devido a uma Política Criminal pautada no encarceramento em massa da população baseando-se na ideologia de segurança nacional, de defesa da sociedade, do policiamento, muitas vezes viola direitos dessas mães. Considera-se portanto, que são necessárias e urgentes as políticas sociais para atendimento desse grupo.

Palavras-chave: Mulheres Encarceradas; Maternidade na Prisão; Sistema Prisional.

Abstract: The Declaration of Human Rights aims at the dignity of individuals, without any form of discrimination. Considering the situation of pregnant women and/or mothers of children up to 12 years old, it is crucial to pay attention to the risks and impacts of incarceration. The legal framework that determines the substitution of prison with house arrest still faces barriers in its application. Due to a Criminal Policy based on mass incarceration of the population, relying on the ideology of national security, societal defense, and policing, often violates the rights of these mothers. It is therefore considered necessary and urgent to implement social policies to address the needs of this group.

Keywords: Imprisoned Womans; Motherhood in Prison; Prison System.

INTRODUÇÃO

A Constituição brasileira está alicerçada na democracia e no respeito à dignidade da pessoa humana. No caso das pessoas em privação de liberdade, sabe-se que existem graves problemas estruturais no sistema penitenciário. Essas dificuldades tornam-se ainda maiores quando há a necessidade de atender com a garantia de direitos, as especificidades da mulher, sobretudo de mães e/ou gestantes, embora a legislação preveja um atendimento para esse público.

Pressupõe-se que todas as mulheres deveriam ser tratadas em condição de igualdade e ter a dignidade garantida nas prisões. E se, o momento da maternidade já apresenta grandes desafios para as mulheres livres, dadas as questões de vulnerabilidade, sobretudo socioeconômicas e de acesso à saúde que afetam o seu bem-estar, tornam-se muito maiores em um ambiente prisional.

Cabe ressaltar que as crianças dependentes dessas mulheres também estão inseridas no Estatuto da Criança e do Adolescente, que no Art. 3º afirma serem portadoras de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral. 

Cabe-nos ressaltar a imprescindível atuação judiciária no cumprimento da lei e da jurisprudência no campo de proteção de crianças e pessoas com deficiência dependentes de mães, pais e responsáveis em privação de liberdade. A garantia do cuidado a pessoas em formação e com necessidades específicas, permitindo a convivência familiar e dignidade na execução penal (Brasil, 2022).

Desta forma, quais os aparatos legais e o que ocorre na realidade em relação a mulheres gestantes e mães em privação de liberdade? Será que a garantia de direitos estabelecidos em Lei é realmente efetiva, ou ainda existem falhas e violações desses direitos?

Diante disso, esse artigo tem o objetivo de apresentar os direitos constitucionais e garantias legais das gestantes e mães em privação de liberdade e seus filhos no cumprimento da legislação que determina sempre que possível, a substituição da privação de liberdade por prisão domiciliar a esses grupos e o debate sobre os impactos da consecução ou violação desses direitos.

METODOLOGIA

A metodologia usada será a pesquisa bibliográfica, documental, leis e artigos.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Dados de dezembro de 2021, resultantes de uma pesquisa realizada pelo World Female Imprisonment List apontaram que o Brasil, com quase 43 mil mulheres, ocupa a terceira posição mundial quanto a população carcerária feminina, sendo superado apenas pelos Estados Unidos e China (AGÊNCIA BRASIL, 2023). Mesmo assim, no sistema carcerário brasileiro, segundo dados do IBGE (2020), as mulheres representam menos de cinco por cento dos encarcerados do país,

Quanto ao perfil, no Brasil a maioria das mulheres nessa situação é composto por jovens, com idade entre 18 e 30 anos, declaradas como pretas ou pardas, de baixa renda. Geralmente as mulheres, mães, são presas provisórias suspeitas de crime relacionado ao tráfico de drogas ou contra o patrimônio; e, em menor proporção, condenadas por crimes dessa natureza (BRASIL, 2021).

Em dezembro de 2021, havia em todo no sistema prisional, 159 gestantes e mais de 900 crianças. No entanto, dados de 2017, informam que apenas 14% das unidades prisionais que recebem mulheres têm espaço reservado para gestantes e lactantes, 3,2% têm berçário ou centro de referência materno-infantil e 0,66% têm creches (CNJ, 2022)

A maioria dessas mulheres, possui histórias de vida parecidas. Estão em situação de vulnerabilidade social, possuem baixa escolaridade, pouco acesso a políticas públicas universais e ao mercado formal de trabalho. São ainda as responsáveis pelos cuidados com os filhos e filhas e provedoras do sustento familiar (BRASIL, 2021).

Nesse contexto, a prisão domiciliar como alternativa ao encarceramento provisório de gestante e mãe de criança até 12 anos, é um tema amplo, complexo e que pode ser analisado sob várias nuances. Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei. Os Artigos 6 e 7 da Declaração dos Direitos Humanos afirmam que todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei e têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole essa premissa.

Tratando-se de mulheres mães, essa proteção se inicia durante a gestação, se estende ao pós-parto e ao cuidado com a criança para adequados crescimento e desenvolvimento. O encarceramento de mulheres merece destaque.

              No âmbito internacional, as chamadas Regras de Bangkok que são as Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras, é o principal marco normativo. Visam um olhar diferenciado para as mulheres no encarceramento de acordo com as suas especificidades vislumbrando a execução penal, e a as medidas não privativas de liberdade como forma de evitar o encarceramento de mulheres (BRASIL, 2016).

 No Brasil, os primeiros passos de atenção específica à mulher em privação de liberdade foram relacionados a saúde, com a criação do Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário em 2004. O Plano apontou a necessidade de acompanhamento do pré-natal, do controle do câncer cérvico-uterino e de mama para as mulheres encarceradas (BRASIL, 2004).

Esse cuidado foi reafirmado em 2009, com a criação da Lei nº 11.942, que em seu artigo nº 14 apresentou a necessidade de proteção diferenciada e qualificada ao cuidado materno-infantil, assegurando a assistência integral à saúde da mulher gestante em situação de privação de liberdade, e ao seu bebê após o nascimento (BRASIL, 2009).

Nesse intuito, considerando-se a importância da salvaguarda de direitos e garantias compatíveis com o ordenamento jurídico brasileiro, conforme parâmetros internacionais de direitos humanos que versam sobre o interesse de crianças e adolescentes, e a manutenção dos vínculos familiares, em 2016 o tema foi ainda objeto da Lei nº 13.257, conhecida como “Marco Legal da Primeira Infância”.

 O Marco apresentou a possibilidade de substituir-se a prisão provisória pela prisão domiciliar tanto para as mulheres gestantes quanto para as que tiverem filhos até 12 anos, com exceção daquelas que estejam sendo julgadas por crimes contra crianças. Constata a gravidade do encarceramento de mães, gestantes e cuidadores para as crianças, a situação de risco para as gestantes desassistidas em suas necessidades de atenção pré-natal e no puerpério. Afirma ainda que os impactos da privação de liberdade dos responsáveis, também podem trazer prejuízos para o adequado desenvolvimento das crianças e para a formação de vínculos fundamentais para um processo de socialização saudável e promotor de integração (BRASIL, 2016)

Em 2018, a Lei nº 13.769/2018, alterou o Código de Processo Penal, regulando a prisão domiciliar da mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência. O artigo 3º apresenta os requisitos para progressão de regime que cumulativamente são:

I – não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;

II – não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;

III – ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior;

IV – ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento;

V – não ter integrado organização criminosa.

§ 4º O cometimento de novo crime doloso ou falta grave implicará a revogação do benefício

Também nesse sentido, os Habeas Corpus (HCs) nº 143.641/SP, impetrado pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos, e nº 165.704/DF, cujas ordens foram concedidas pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018 a todas as gestantes e mães encarceradas nessas condições também tratam dessas questões.

Os HCs nº 143.641/SP e 165.704/DF, apresentam que o encarceramento de mães, gestantes e outras pessoas cuidadoras principais coloca crianças em grave situação de risco.

 “seja pelos ciclos gravídico-puerperais desassistidos, pelo permanente comprometimento do desenvolvimento das crianças e/ou pela fragilização de vínculos fundamentais para um processo de socialização saudável e promotor de integração. Por isso, a privação de liberdade deve ser excepcional” (Brasil, 2021, pág.43).

Para o relator, do HC nº 143.641/SP, Min. Ricardo Lewandowski, não podem ser usados como exceções que justifiquem o descumprimento do precedente, nem a ausência de emprego formal, nem a situação de rua, a execução provisória da pena, o tráfico em unidade prisional ou na residência das acusadas. Esses aspectos não devem ser barreira para a execução da ordem de Habeas Corpus. As únicas exceções previstas por lei que afastam o dever – mas não a possibilidade – da pronta substituição são a violência, grave ameaça ou acusação de crime contra o descendente.” A existência de condenação anterior irrecorrível, não exclui a incidência da Resolução CNJ nº 369/2021, nem afasta os precedentes dos HCs nº 143.641 e nº 165.704. O caso concreto deverá ser analisado considerando-se as regras estabelecidas no Código do Processo Penal (CPP) (Brasil, 2021).

Relaciona-se igualmente ao tema, a Resolução CNJ nº 369/2021, que define procedimentos e diretrizes para a substituição da privação de liberdade de gestantes, mães, pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência, nos termos dos arts. 318 e 318-A do CPP, tendo por pressuposto o arcabouço constitucional, internacional e legal de proteção da infância e do desenvolvimento humano integral, considerando impactos deletérios do encarceramento de gestantes, lactantes, mães e pais responsáveis.

O público beneficiário da Resolução CNJ nº 369/2021, deve ser identificado durante a audiência de custódia. Nesse momento também, deve-se decidir sobre a substituição ou não da prisão pela liberdade provisória ou por medida cautelar diversa da prisão. Outro fator preponderante é que o STF já decidiu que não é necessário produção de prova da imprescindibilidade dos cuidados da mãe aos filhos. Não é necessário comprovar a aptidão de mulheres para o exercício da maternidade, e nem ter que comprovar da inadequação do ambiente carcerário específico (Brasil, 2021).

A Resolução representa avanços tanto na implementação de uma política pública judiciária de substituição da privação de liberdade de mães, gestantes, cuidadoras e cuidadores principais, coordenando diferentes atores para que viabilizem, cumpram e monitorem seus marcos normativos quanto  junto das Resoluções CNJ nº 252/20183, que estabelece princípios e diretrizes para o acompanhamento das mulheres mães e gestantes privadas de liberdade e da 254/20184, que trata do Cadastro Nacional de Presas Grávidas e Lactantes (Brasil, 2021). 

Sendo assim, com uma reflexão sobre as condições de gestação e de garantia de adequação ao crescimento e desenvolvimento infantil imerso em um sistema carcerário, percebe-se que não há como garantir-se a dignidade de condições de vida e nem como garantir o pleno desenvolvimento psíquico e social de qualquer criança. Para Medeiros et al (2022, pág. 4548), “independentemente do desfecho, haverá prejuízos para a díade materna, uma vez que o aprisionamento da mãe com o filho potencializa a pena e acarreta danos para ambos”

Diante disso, as decisões judiciais não deveriam comprometer e condenar nenhuma criança a essa situação. Porém há grandes dificuldades a serem enfrentadas para que se decida pela prisão domiciliar de mulher grávida e mãe de criança até 12 anos, começando pelo fato de que tal decisão depende de um julgamento unânime do STJ/STF para garantir legitimidade das decisões colegiadas (Silva e Barros, 2023).

 As mulheres em situação de prisão têm demandas e necessidades muito específicas, o que não raro é agravado por históricos de violência familiar e condições como a maternidade, a nacionalidade estrangeira, a perda financeira ou o uso de drogas. Não é possível desprezar, nesse cenário, a distinção dos vínculos e relações familiares estabelecidos pelas mulheres, bem como sua forma de envolvimento com o crime, quando comparados com a população masculina, o que repercute de forma direta as condições de encarceramento a que estão submetidas (BRASIL, 2016). 

No Brasil, quando os filhos nascem, é obrigatório que estes fiquem nas penitenciárias pelo prazo mínimo de um ano e seis meses após o parto, para fins de amamentação e há a possibilidade de as mães optarem pela permanência das crianças no presídio até que completem os sete anos de idade. Justifica-se essa permanência para a manutenção do vínculo materno, e pela inexistência de familiares com condições de assumir os cuidados com essas crianças. Diplomas legais exigem diversas regras para essa convivência, visando que os filhos não sejam penalizados junto com a mãe, como por exemplo, a presença de estruturas como creches e berçários buscando-se a efetivação de todos os direitos que as crianças são detentoras (DA SILVA CARDOSO e GONZAGA, 2019).

Apesar de o Governo Brasileiro ter participado ativamente das negociações para a elaboração das Regras de Bangkok e a sua aprovação na Assembleia Geral das Nações Unidas, até o momento elas não foram plasmadas em políticas públicas consistentes, em nosso país, sinalizando, ainda, o quanto carece de fomento a implementação e a internalização eficaz pelo Brasil das normas de direito internacional dos direitos humanos.

Cumprir esta regra é um compromisso internacional assumido pelo Brasil. Embora se reconheça a necessidade de impulsionar a criação de políticas públicas de alternativas à aplicação de penas de prisão às mulheres, é estratégico abordar o problema primeiramente sob o viés da redução do encarceramento feminino provisório. De acordo com as Regras de Bangkok, deve ser priorizada solução judicial que facilite a utilização de alternativas penais ao encarceramento, principalmente para as hipóteses em que ainda não haja decisão condenatória transitada em julgado 

“ Art. 8º É assegurado a todas as mulheres o acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher e de planejamento reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde.

§ 1º O atendimento pré-natal será realizado por profissionais da atenção primária.

§ 2º Os profissionais de saúde de referência da gestante garantirão sua vinculação, no último trimestre da gestação, ao estabelecimento em que será realizado o parto, garantido o direito de opção da mulher.

§ 3º Os serviços de saúde onde o parto for realizado assegurarão às mulheres e aos seus filhos recém-nascidos alta hospitalar responsável e contrarreferência na atenção primária, bem como o acesso a outros serviços e a grupos de apoio à amamentação.

              Embora constem nos documentos legais, o direito da mulher e as especificidades de atenção à saúde e ao bem-estar durante a gestação, parto e pós-parto, ainda não são efetivas quando comparadas aos dados obtidos por meio de estudo realizados.

Em dados obtidos em 2020 pela Divisão de Atenção às Mulheres Presas sobre as especificidades desse público, verificou-se o Total de 208 presas gestantes, 44 presas puérperas e 12.821 presas mães de crianças com até 12 anos. Das informações, também verificou-se que entre as presas provisoriamente 77 (setenta e sete) estão grávidas; 20 (vinte) estão puérperas; e 3.136 (três mil cento e trinta e seis) mães de crianças até 12 anos.

Chaves e Araújo (2020) verificaram em uma pesquisa realizada em uma unidade de assistência materno-infantil do Sistema Único de Saúde (SUS) no estado de Minas Gerais, a falta de autonomia da mulher encarcerada em um dos momentos mais marcantes da vida de uma mulher, o parto.  As gestantes entrevistadas referiram que embora seja uma política do Hospital a preferência pelo parto normal, elas têm o direito de escolha pelo tipo de parto negado, e por isso entendem que esse fato termina sendo uma espécie de punição. Os relatos coletados para este estudo, apontam que para essas mães, estar encarcerada significa estar privada de inúmeras escolhas. Outro fator citado é a negação do direito de escolha do acompanhante, sendo que são acompanhadas pelos próprios agentes prisionais durante o parto, violando um direito que deveria ser garantido.

Os relatos descritos corroboram com o que foi citado por Leal et al (2014) em resultado a pesquisa realizada com 241 mulheres do sistema prisional de várias capitais brasileiras. Os autores verificaram que quase 40% das mulheres não receberam visita de familiares ou amigos durante o período gestacional, e o início do trabalho de parto foi informado aos familiares para apenas 10% das mulheres. Quanto a escolha de acompanhantes durante a internação para o parto, somente 3% das entrevistadas puderam fazê-la. Os dados revelaram também que 16% relataram ter sofrido maltrato ou violência durante a estadia nas maternidades pelos profissionais de saúde e 14% referiram o mesmo comportamento pelos guardas ou agentes penitenciários. Apenas 10% e 11% das mulheres referiu ter sido respeitada quanto à sua intimidade pelos profissionais de saúde e pelos guardas/agentes penitenciários, respectivamente. Ainda foi citado o uso de algemas em algum momento da internação para o parto por 36% das gestantes e 8% relataram que ficaram algemadas durante o parto.

Importante salientar que conforme disposto no art. 19-J da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 em relação ao parto, é prevista a autorização de acompanhante da parturiente, devidamente cadastrada/o junto ao estabelecimento prisional, durante todo o período de trabalho de parto e pós-parto imediato. E por meio da Resolução nº 3, de 1º de junho de 2012, do CNPCP, o uso de algemas em mulheres em trabalho de parto e parturientes é proibido.

Conforme Medeiros et al (2022) pode-se afirmar que para as mulheres gestantes e mães encarceradas os sentimentos de punição pelo delito cometido são exacerbados e ultrapassam as questões de culpa, ou cometimento de crime, e compromete o prazer e a alegria que poderia ser vivenciado pelo momento da maternidade e/ou crescimento e desenvolvimento dos filhos.

O sistema prisional feminino, quando associado à maternidade, transpõe o aprisionamento e potencializa a pena da mulher pelo delito cometido, uma vez que as singularidades da gestação e do puerpério são comprometidas a partir dos fatores presentes nas entrelinhas do cárcere (MEDEIROS, 2022, pag.4549).

Portanto, faz-se necessária, antes de tudo, a efetivação, em plenitude, das leis e políticas sociais, educacionais e de saúde que regem o universo prisional feminino, juntamente com o olhar ampliado e humanizado dos profissionais e da sociedade sobre o público focalizado. Destaca-se, também, que a mulher apenada, independente do crime cometido, é um ser humano com singularidades e necessidade (MEDEIROS et al, 2022).

Cabe salientar o complexo ciclo que pode se formar diante da situação indigna a que são submetidas as crianças que acompanham as mães em situação de cárcere. Esse fato, por si só, demonstra a gravidade da situação, tendo em vista que se mais mulheres forem presas, mais crianças irão nascer no cárcere e, consequentemente, carregarão os reflexos do encarceramento na infância por toda vida (Freire e Cordazzo, 2022).

Freire e Cordazzo ressaltam também sobre a garantia da Proteção a integridade e a dignidade humana de mães e filhos em ambientes sem estrutura, que não possuem berçários e creches, compostos por celas superlotadas, desprovidas de higiene, de assistência médica especializada e de mínimas condições necessárias para a sobrevivência. Além disso, alertam para um paradoxo e uma supressão de garantias, quando ao garantir o direito de amamentar da mãe, e o direito do filho em conviver com a sua mãe, viola-se a liberdade deste, violando por consequência o princípio do processo penal da intranscendência da pena.

O Ordenamento Jurídico Brasileiro, por meio de normas constitucionais ou infraconstitucionais visa focar no entendimento de que a pena não deve ultrapassar a pessoa do apenado, com determinação, implícita e explicita, que a responsabilidade penal será sempre pessoal, excluindo-se o núcleo familiar das consequências decorrentes do crime imputado a um de seus membros (De Oliveira, 2014). O estudo concluiu que a adoção de medidas desencarceradoras permitiu o exercício do direito à convivência familiar e melhor acesso à saúde, quando comparado com as condições das grávidas nas prisões, e que mesmo diante desse fato, as situações violência institucional ou a falta de proteção do estado persistem reduzindo a chance de rompimento do ciclo de exclusão formado, o que dificulta a efetiva inclusão social destas mães e seus filhos (Simas, 2021)

As recomendações para o procedimento na porta de entrada às mulheres presas o gestor prisional responsável por: perguntar à mulher presa se ela possui filhos menores de idade, em casos positivos indagar sobre onde eles estão e posteriormente,  informar imediatamente sobre a condição de prisão da mãe e da necessidade de atenção aos menores de idade por meio de ofício, de e-mail e de telefone, à Vara da Infância e Juventude, Conselho Tutelar da localidade de residência informada pela mulher presa, Defensoria Pública do Estado e à Vara de Execuções Criminais ou Vara de Execuções Penais. Os questionamentos também devem seguir para informação de gestação ou suspeita ou teve filho nas últimas 2 semanas; Em caso de suspeita de gravidez, antes de incluir a presa com as demais, providenciar teste, organizar de imediato a consulta médica para que seja examinada a saúde da pessoa presa e após triagem, alocá-la em espaço de vivência específico. Essas informações devem ser registradas por meio de formulários ou sistemas informatizados destinados a essa finalidade.

A sanção penal traz consigo males diversos, com efeitos negativos à toda a sociedade. Não obstante a isto, há ainda a invisibilização desta realidade. Os preconceitos e estigmatizações passam intocados pelo olhar desatento do Estado. A ressocialização, em mesma forma, cumpre apenas o papel de mera fábula jurídica, posto que os dados de reincidência ainda são alarmantes (Leite, 2019).

Tendo em vista que os direitos previstos na Lei de Execução Penal à assistência social, saúde, trabalho e renda, educação e assistência religiosa são dimensões da cidadania e, que devem ser garantidos constitucionalmente, e que, no âmbito do Depen (Brasil, 2020)

Por fim, destaca-se que em situações excepcionalíssimas em que houver a privação da liberdade, é necessário minimizar os efeitos da hipermaternidade e hipomaternidade. Entende-se por hipermaternidade, o fato de que as mães ficam ininterruptas 24 horas com seus bebês, sem poderem frequentar a escola ou realizar atividades e trabalhos, o que em muitos casos, resulta na interrupção da remição da pena no caso das mulheres adultas. Enquanto a hipomaternidade se dá quando a convivência entre mãe e criança é interrompida, e esta é entregue para a família ou encaminhada para abrigamento, momento de rompimento imediato do vínculo, sem transição e/ou período de adaptação.

Deve-se atentar para a interface com as demais políticas de cidadania e o público beneficiário da Resolução CNJ nº 369/2021 que ainda permaneça privada de liberdade devem ter seus direitos garantidos. Importa, por fim, ressaltar que ao estar em privação de liberdade, não torna uma mulher uma mãe má. Por isso é muito importante que pré-julgamentos e estereótipos não pautem as decisões que envolvam a relação mãe-bebê. O exercício de maternidade em privação de liberdade, quando ocorrer, deve se basear em autonomia e amparo, longe de julgamentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Evidenciou-se neste estudo, as particularidades do encarceramento feminino e as dificuldades em acessar as garantias dispostas na legislação de gestantes e mães privadas de liberdade.  A legislação nacional e internacional visa a oferta de apoio, ambiente adequado e um atendimento humanizado durante a gestação, após o parto e para mães de crianças até 12 anos.

Considerando que o Estado deve auxiliar na superação das barreiras que podem levá-las a retomar a dignidade da pessoa humana e com isso possibilitar o rompimento de um ciclo que pode ser repetido por seus filhos.

É fundamental detonar com a invisibilidade das subjetividades das populações mais vulneráveis no sistema prisional, sendo, portanto, necessário e urgente promover políticas públicas sociais para este público. E sobretudo, um esforço em promover formações tenham caráter multidisciplinar e envolvam profissionais de diferentes áreas, em especial do direito. É de suma importância atentar-se sobre as temáticas do cuidado na primeira infância para que se possa compreender as graves consequências que o rompimento brusco do vínculo afetivo-familiar pode acarretar entre mães e seus(suas) filhos(as) ou entre cuidador e a pessoa por quem é responsável, aumentando ainda mais a condição de vulnerabilidade que perpassa o público beneficiário da Resolução CNJ nº 369/2021.

REFERÊNCIAS

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Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Manual Resolução nº 369/2021 [recurso eletrônico] : substituição da privação de liberdade de gestantes, mães pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência / Conselho Nacional de Justiça, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Departamento Penitenciário Nacional ; coordenação de Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi … [et al.]. Brasília : Conselho Nacional de Justiça, 2021.

https://www.cnj.jus.br/cnj-lanca-painel-com-dados-sobre-maes-pais-e-responsaveis-no-sistema-prisional/ (CNJ)  2022

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[1] Brasileiro, Aluno da Faculdade de Ensino Superior de Marechal Cândido Rondon – ISEPE Rondon. E-mail: ianrnf@outlook.com.

[2] Brasileiro, Doutor em Direito (UNIMAR, 2022), Mestre em Direito Processual e Cidadania (UNIPAR, 2010), Especialização Latu Sensu pela Escola da Magistratura do Estado do Paraná (2002), Especialização em Docência no Ensino Superior (2016), Especialização em Gestão Pública (2018) e Graduação em Direito (UNIPAR, 2001). Advogado. Professor da Faculdade de Ensino Superior de Marechal Cândido Rondon – ISEPE Rondon. E-mail: marcelo@gubertepaz.com.

[3] Brasileira, Aluna da Faculdade de Ensino Superior de Marechal Cândido Rondon – ISEPE Rondon. E-mail: roselijohner@hotmail.com.