A EDUCAÇÃO INCLUSIVA DO DIREITO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA COMO CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

A EDUCAÇÃO INCLUSIVA DO DIREITO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA COMO CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

10 de março de 2024 Off Por Cognitio Juris

INCLUSIVE EDUCATION OF THE RIGHT OF PEOPLE WITH DISABILITIES AS A CONSOLIDATION OF HUMAN RIGHTS IN BRAZIL

Artigo submetido em 19 de janeiro de 2024
Artigo aprovado em 30 de janeiro de 2024
Artigo publicado em 10 de março de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 54 – Março de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
José Ary De Souza Gomes [1]

Resumo: Este artigo apresenta o tema do Direito à Educação e os seus reflexos no Estatuto da Pessoa com Deficiência como consolidação dos Direitos Humanos no Brasil. O Direito à educação é firmemente ligado à construção dos Direitos Humanos. Conforme o artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1.948, todo ser humano tem direito à educação como forma de expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem e das liberdades sempre respeitando a igualdade e as diferenças dos sujeitos de direito. No Brasil o direito à educação é tratado como direito fundamental social, sendo assegurado nos artigos 205 e 208 da Constituição da República Federativa do Brasil. O Estatuto da Pessoa com Deficiência, denominado também de Lei Brasileira de Inclusão apresenta ações afirmativas no sentido de incluir e acolher todas as pessoas com deficiência no sistema educacional como forma de inclusão social, reconhecendo estas como sujeitos de direito, distribuindo-se justiça social e o Estado do bem estar social. Assim este artigo objetiva trazer a noção de como o sistema educacional trata as pessoas com deficiência no processo de ensino aprendizagem e a questão da igualdade e liberdade educacional no contexto dos Direitos Humanos. Para a realização deste estudo foi realizado pesquisas em doutrinas e leis. O que possibilitou identificar que as pessoas com deficiência, na maioria das vezes são discriminadas pela sociedade não conseguindo uma inserção social através da educação, e tendo seu direito sepultado em um Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: Educação, Direito – Pessoa com Deficiência – Direitos Humanos – Estado Brasileiro.

ABSTRACT: This article presents the theme of the Right to Education and the consequences of the Statute of Persons with Disabilities as a consolidation of Human Rights in Brazil. The Right to education is firmly linked to the construction of Human Rights. According to article 26 of the Universal Declaration of Human Rights, adopted and proclaimed by the General Assembly of the United Nations on December 10, 1948, every human being has the right to education as a means of expanding the human personality and strengthening human and human rights. freedoms always respecting the equality and differences of the subjects of law. In Brazil, the right to education is treated as a fundamental social right, being guaranteed in articles 205 and 208 of the Constitution of the Federative Republic of Brazil. The Statute of Persons with Disabilities, also called the Brazilian Law of Inclusion, presents affirmative actions in the sense of including and welcoming all people with disabilities in the educational system as a form of social inclusion, recognizing them as subjects of rights, distributing social justice and the welfare state. Thus, this article aims to bring the notion of how the educational system treats people with disabilities in the teaching-learning process and the issue of equality and educational freedom in the context of Human Rights. In order to carry out this study, research was carried out on doctrines and laws. What made it possible to identify that people with disabilities, most of the time, are discriminated against by society, not achieving a social insertion through education, and having their right buried in a Democratic State of Law.

Keywords: Education, Law – People with Disabilities – Human Rights – Brazilian State.

SUMÁRIO: 1 – Introdução 2 – Do Direito à Educação no Brasil 3 – O Estado Democrático De Direito e o Direito a Liberdade 4 – Estatuto da Pessoa com Deficiência 5 – A Educação Inclusiva do Direito da pessoa com Deficiência como consolidação dos Direitos Humanos no Brasil6 – Conclusão 7 – Referências

1. Introdução

O acesso à educação e o direito à aprendizagem são garantias constitucionais universais, ou seja, previstas a todos os brasileiros como dever do Estado e da família. A diversidade de experiências, habilidades, contextos e capacidades entre estudantes é uma realidade que deve ser celebrada através de práticas educacionais inclusivas. Nas últimas décadas, a insistência em modelos pedagógicos padronizados demonstrou ser pouco eficiente, de modo que o presente e o futuro da educação consistem na promoção da diversidade como um valor inegociável. Quanto mais respeitados em suas diferenças, mais os estudantes e educadores avançam, sejam eles pessoas com ou sem deficiência ou não.

Ao se falar de educação inclusiva, é crucial resgatar o histórico de lutas, conquistas e estudos que consolidaram essa estratégia pedagógica como um modelo de avanço educacional. Ao longo da década de 90, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e movimentos sociais em defesa dos direitos das pessoas com deficiência se mobilizaram em torno desse tema, resultando na publicação de importantes documentos. Desde a Declaração de Salamanca (1994) até a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2006 e incorporada à Constituição federal, na forma da Lei Brasileira de Inclusão (LBI), em 2015, um amplo cobertor legal se formou para amparar o combate à segregação e ao capacitismo.

Historicamente, a diversidade de habilidades e características físicas e intelectuais foi categorizada pelo saber médico e científico na forma de padronizações excludentes. Nesse sentido, conformou-se ao longo do século 18 o chamado “corpo normal”, isto é, uma medida arbitrária de humanidade calcada em um conjunto de características tidas como necessárias para se constituir enquanto um sujeito de direitos. Uma pessoa que não atendesse a essas expectativas era definida como menos capaz e, por conseguinte, excluída dos espaços de convivência social, educação e trabalho. A esse fenômeno histórico e social dá-se o nome de capacitismo, o qual resulta da exclusão sistemática e estrutural de pessoas com deficiência.

A LBI (Lei Brasileira de Inclusão) é uma grande conquista na medida em que vai na contramão desse passado histórico, definindo a deficiência como atributo que não pode ser descolado do contexto, uma vez que se dá na interação de uma pessoa que possui uma ou mais características que divergem do padrão com barreiras. Em outras palavras, a deficiência – seja ela de que ordem for – só existe na relação com um mundo repleto de impedimentos para a plena inclusão da pessoa que a possui. As barreiras podem ser arquitetônicas (portas estreitas, banheiros não adaptados, por exemplo); urbanísticas (calçada desnivelada, falta de piso tátil e sinal sonoro em semáforos, entre outros); nos transportes (ausência de rampas e corrimão); na comunicação (ausência de libras, legendas, texto alternativo etc.); tecnológicas (que impedem o acesso à tecnologia); e/ou atitudinais.

O compromisso de uma educação que se propõe universal deve ser o de incluir a diversidade, fugindo de modelos padronizados, que não respeitam as realidades dos estudantes e de suas famílias e promovem cenários de exclusão e fracasso escolar. Historicamente, pessoas com deficiência tiveram o acesso à educação negado ou muito restringido. Apesar dos avanços nas últimas décadas e do aumento progressivo de matrículas, a exclusão escolar ainda atinge desproporcionalmente as crianças e jovens com deficiência.

As restrições se davam através de modelos educacionais de segregação – quando a criança ou o adolescente é apartado do convívio com a sociedade e com a família e confinado a uma instituição – ou de integração, modelo no qual a pessoa com deficiência frequenta uma classe ou escola especial.

A inclusão garante direitos e promove a aprendizagem, estimulando a autonomia e a independência das pessoas com deficiência em todas as fases da vida. Dessa forma, o Brasil estabeleceu na Meta 4 do Plano Nacional de Educação o objetivo de universalizar para a população de 4 a 17 anos com deficiência o acesso à educação de acordo com o modelo de inclusão. A abordagem prioriza o direito de todos os estudantes frequentarem as salas regulares, combatendo qualquer discriminação. Além disso, a meta prevê espaços de atendimento educacional especializado (AEE), como medida complementar e não substitutiva da sala de aula comum, que podem ser frequentados pelos estudantes com deficiência no contraturno. O AEE tem por objetivo identificar demandas específicas e elaborar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem barreiras existentes, garantido a inclusão e autonomia dos estudantes.

Qualquer proposta que vá na contramão da inclusão põe em risco não apenas o acesso à educação de milhões de crianças, adolescentes e adultos, como também o seu desenvolvimento pleno para uma vida adulta independente. Além disso, o retorno aos modelos de segregação e integração empobrece a educação brasileira, impedindo que a comunidade escolar como um todo desenvolva suas capacidades plenamente. A inclusão é um investimento que extrapola os muros da escola, uma vez que é capaz de promover uma sociedade mais plural e democrática, conforme os preceitos salutares frisados na Constituição Republicana Brasileira.

2 – DO DIREITO À EDUCAÇÃO NO BRASIL

Primeiramente é preciso esclarecer o tema educação escolar, para que serve a escola? Qual é o objetivo da educação escolar?

Sendo que a nossa resposta advêm dos seguintes artigos da carta maior, senão, vejamos:

A Constituição da República Federativa do Brasil reconhece o direito à educação no art. 6º, prescrevendo que “são direitos sociais à educação (…), na forma desta Constituição”, art. 205 “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Conforme a carte magna os objetivos da educação escolar são três: pleno desenvolvimento da pessoa; seu preparo para o exercício da cidadania; e, por fim, sua qualificação para o trabalho.

A escola tem um papel fundamental no que diz respeito ao desenvolvimento enquanto ser humano e sua preparação para o exercício da cidadania.

Estudiosos da área do saber já disseram que são quatros os pilares que sustentam a educação, de acordo com relatório para UNESCO da comissão internacional sobre educação para o século XXI – um tesouro a descobrir (DELORS, 1996): Apreender a conhecer; apreender a fazer; apreender a conviver; apreender a ser.

Somente uma escola com arrimo democrático pode propiciar adequadamente esses pilares fundamentais da educação. Alunos com e sem deficiência só podem se desenvolver plenamente como pessoas se conviverem com a diversidade.

3 – O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E O DIREITO À LIBERDADE

3.1 – Estado Democrático de Direito

Democracia é uma palavra de origem grega que pode ser definida como governo (kratos) do povo (demo). Dessa forma, a democracia pode ser entendida como um regime de governo onde o povo (cidadão) é quem deve tomar as decisões políticas e de poder.

Como afirma Bobbio (BOBBIO, 1992, p. 85) os principais ideais da Revolução Francesa de liberdade, igualdade e fraternidade, consolidaram-se a partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembleia Nacional em 26 de agosto de 1789. Interessante ressaltar que direitos tão antigos ainda se fazem tão atuais dentro da sociedade moderna.

Inicialmente cumpre ressaltar o direito à liberdade faz parte da democracia, Afonso da Silva (SILVA, 2002, p. 232) aduz que liberdade consiste na “possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal”.

Dentro de nosso ordenamento jurídico, os artigos 5º e 6º da Constituição Brasileira cuidam de direitos individuais, coletivos e sociais. A maioria desses direitos apresenta-se como formas de digressão dos direitos à igualdade, à liberdade ou à solidariedade, e, se ocorrer colisão entre eles, deverão ser relativizados caso a caso, de acordo com circunstâncias específicas de dada situação, num juízo de proporcionalidade (ALEXY, 1999, p. 68).

A extensão dos direitos humanos em relação ao direito à igualdade, à liberdade e à solidariedade se dá de acordo com a interpretação do caso concreto, e, para tanto, é necessário levar em consideração as circunstâncias presentes durante determinado momento, pois ela dependerá das ocorrências e situações destes casos, que deverão ser analisadas e contrabalanceadas de maneira ponderada, separadamente, para que um não influencie ao outro.

Os direitos sociais à educação são de extrema relevância para garantir que o país caminhe para a construção de uma sociedade mais justa, solidária e desigual, buscando a justiça e o bem estar social de seu povo. Para tanto, devem-se valer de políticas públicas bem definidas que garantam aos seus cidadãos uma educação inclusiva e libertadora.

3.2 – Conceito de Liberdade

O conceito de liberdade será dado pelo filósofo Sartre, em sua obra “O ser e o nada”, trata da liberdade. De forma precisa, na Quarta Parte, o Capítulo 1 referente a esse assunto se inicia com uma primeira subdivisão intitulada “A condição primordial da ação é a liberdade”, na qual ele expõe que a liberdade é um fazer que não acontece a priori, e sim como cumprimento da ação.

Sartre afirma que “[…] é o ato que decide seus fins e móbeis, e o ato é expressão da liberdade” (SARTRE, 1998, p. 541). O homem usa a sua liberdade para escolher o que projeta ser, e a partir desta escolha são criados os seus valores. Para Sartre, não há como recusar a escolha, porque a fuga dessa opção já constitui uma escolha, é nesse sentido que estamos condenados a ser livres. Afinal, dirá Sartre “A escolha é possível num sentido, mas o que não é possível é não escolher” (SARTRE, 1973, p. 23).

Na filosofia sartreana, a consciência é intencional e não possui conteúdo, ela tem uma extensão de irrealidade, portanto descrever a consciência é descrever a liberdade, porque ela não está presa a um objeto. Essa liberdade que o homem possui lhe permite nadificar o seu ser, porque não é possível conceber o nada fora do ser. Em tese, o processo de nadificação leva de alguma forma ao ser. É aqui que aparece um nexo fundamental entre a nadificação e liberdade. Mas qual é, exatamente, a relação entre esses dois conceitos? Yasbek esclarece:

“Em Sartre, a liberdade é precisamente o Ser da consciência: nela, o ser humano é o seu próprio passado — bem como o seu devir — sob a forma de nadificação. Sendo consciência de Ser (liberdade), há para o ser humano um determinado modo de situar-se frente ao passado e ao futuro como sendo e não sendo ambos ao mesmo tempo. A liberdade humana, da perspectiva sartreana, é a escolha irremediável de certos possíveis: o homem não é, mas faz-se. Não há futuro previsível e nem ao menos algumas cartas marcadas de antemão. Há, isso sim, o movimento através do qual o Ser do homem faz-se isso ou aquilo — escolhas que, por seu turno, serão feitas a partir de certas situações jamais encerradas em algum tipo de determinismo.[2]

Percebe-se, assim, que é a liberdade que permite ao homem nadificar o Ser, porque constitui a razão da existência da consciência, algo que se confunde com a forma de existir de sua própria realidade. O nada se inicia no mundo por meio do homem que se questiona sobre o nada do seu ser.

Além disso, a ação é intencional, todo ato humano é por princípio intencional. Neste sentido, a característica fundamental da consciência, sabe-se, é a intencionalidade, é a tendência de estar sempre voltada para fora. A consciência é o nada, o que lhe propicia a capacidade de imaginar, de transcender, de ir além da situação presente dos fatos imediatos. O homem age intencionalmente, premeditando a ação porque é livre, utilizando-se da razão, que o diferencia dos demais animais. O homem é liberdade em seu próprio ser:

“O conceito de ato, com efeito, contém numerosas noções subordinadas que devemos organizar e hierarquizar: agir é modificar a figura do mundo, é dispor de meios com vistas a um fim, é produzir um complexo instrumental e organizado de tal ordem que, por uma série de encadeamentos e conexões, a modificação efetuada em um dos elos acarrete modificações em toda série e, para finalizar, produza um resultado previsto. Mas ainda não é isso que nos importa. Com efeito, convém observar, antes de tudo, uma ação é por princípio intencional. [3]

Realmente, antes de tudo, observa-se que uma ação é intencional, é um projeto consciente. O ajuste do resultado à intenção é suficiente para falarmos da ação. Na filosofia sartreana uma pessoa que age com negligência, não agiu. Sartre exemplifica que um fumante desastrado que, por negligência, fez explodir uma fábrica de pólvoras não agiu, enquanto que, o operário encarregado de dinamitar uma pedreira, agiu quando provocou a explosão, ou seja, agiu intencionalmente. Como se pode ver, a ação tem suma importância na filosofia da liberdade de Sartre, ela, por princípio, é intencional, ou seja, o homem se define ao escolher intencionalmente qualquer ação. Essa ação intencional é a realização da liberdade pela escolha do homem. A liberdade, portanto, não é um atributo, a liberdade é o próprio homem. A esse respeito, Sartre diz:

“A realidade-humana é livre porque não é o bastante, porque está perpetuamente desprendida de si mesmo, e porque aquilo que foi está separado por um nada daquilo que é e daquilo que será. E, por fim, porque seu próprio ser presente é nadificação na forma do ‘reflexorefletidor’. O homem é livre porque não é si mesmo, mas presença a si. O ser que é o que é não poderia ser livre. A liberdade é precisamente o nada que tendo sido no âmago do homem e obriga a realidade humana a fazer-se em vez de ser.[4]

Por esse prisma, conclui-se que a consciência do homem, na linguagem de Sartre, faz-se na materialização das escolhas, pois não é possível modificar o passado. Em última análise, a liberdade é o que fundamenta o vazio da consciência, ou seja, o homem é aquilo que sua liberdade forma. Assim, toda ação tem uma partida intencional fruto da liberdade de escolha do homem.

4 – ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu protocolo facultativo foi assinada em 30 de março de 2007, passando a vigorar no âmbito jurídico externo a partir da sua ratificação pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n. 186, de 9 de junho de 2008 e, no plano jurídico interno, desde a sua promulgação pelo Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009. Referida Convenção foi internalizada por meio do procedimento do §3º, art. 5º, da CRB/88, e foi promulgada pelo Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009, passando a vigorar com força de emenda constitucional. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência é de caráter humanista e inclusivo, porquanto tem por objetivos: promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência (física ou mental) e promover o respeito pela sua dignidade inerente.

A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (internalizada pelo Brasil através do Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009) dispõe sobre a definição do conceito em análise, em seu art. 1º, parágrafo segundo, estabelecendo que:

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. (BRASIL, 2009).

Como explica Flávia Piovesan, a proteção às pessoas com deficiência se divide nas vertentes repressiva, correspondente ao combate à discriminação, e promocional, correspondente à promoção da igualdade efetiva.

A Lei n. 13.146 de 06 de julho de 2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Estatuto da Pessoa com Deficiência, entrou em vigor 180 dias depois de publicada, produzindo efeitos a partir do dia 02 de janeiro de 2.016. O Estatuto da Pessoa com Deficiência trata do tema do direito à educação em seus artigos 27 aos 30.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência o direito à educação enumera diversos instrumentos de realizações do direito fundamental à educação inclusiva. A educação inclusiva deve está preparada a educar na diversidade, oferecendo ensino de qualidade a qualquer pessoa com deficiência, favorecendo a aquisição de habilidades pessoais, sociais e profissionais que contribuam para inclusão social.

Assim, a hermenêutica adotada pelo Estatuto é no sentido de incluir e acolher alunos com deficiência no sistema de educação regular, respeitando os limites e particularidades de cada aluno com deficiência, concretizando o exercício de todos os seus direitos da personalidade em afirmação da dignidade da pessoa humana deficiente.

O processo de inclusão orienta-se a todos os agentes envolvidos no sistema educacional, professores, alunos, funcionários e familiares. O sucesso da inclusão educacional do aluno com deficiência depende da formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, de tradutores e interpretes das libras, de guias interpretes e profissionais de apoio.

Os professores possuem papel fundamental no processo de ensino-aprendizado da pessoa com deficiência, vislumbrando atender ao cumprimento do princípio da igualdade substancial, dando tratamento iguais aos iguais e tratamento diferenciado aos desiguais.

Por fim, o Estatuto garante ao aluno com deficiência o direito à disponibilização de recursos de acessibilidade e tecnologias assistivas adequados, previamente solicitados e escolhidos pelo aluno com deficiência. 

5 – A EDUCAÇÃO INCLUSIVA DO DIREITO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA COMO CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

A educação e a cidadania inclusiva são definições inseparáveis, pois participa efetivamente do processo democrático quem possui a capacidade de aprender a realidade a qual está inserido e formulá-la de maneira crítica.[5]

A educação inclusiva é um direito de todos (alunos com ou sem deficiência) e é a partir dessa perspectiva que nós só apreendemos à conviver com a diferença em um contexto de naturalidade, sendo que o aprendizado de convivência social é um dos pilares da educação.

Para que seja tratada a deficiência com naturalidade é preciso desde a mais tenra idade crianças diferentes estejam, em um ambiente acolhedor e que conviva com as diferenças. A infância é curiosa, é a época de descobrir o mundo desconhecido e se as crianças perceberem desde cedo que neste cenário cabe pessoas diferentes, ficará muito mais fácil a convivência com pessoas diferentes na fase adulta, quando já estamos moldados e mundo já está descoberto. A criança não tem preconceito, ela apreende o preconceito com a vivência entre os adultos.

Nesse sentido, registra-se o ensinamento de Luiz Alberto David Araújo, vejamos:

“Nós (pessoas não portadoras de deficiência) também temos o direito de poder conviver com gente diferente, com problemas diferentes, para apreendermos a ser mais tolerantes; saber como nos comportar diante das diferenças; saber que elas são superáveis a partir de uma vivência afetiva e conjunta com o ensino segregado, tal direito nos foi (a nós, maioria) retirado e fomos impedidos de conviver com colegas de classes cegos, surdos, com deficiência mental leve, etc. E a falta desse convívio hoje se revela quando encontramos alguém em cadeira de rodas, por exemplo e não sabemos muito bem como nos comportar, o que podemos fazer para ajudar, se é que eles precisam de ajuda. E a falta dessa educação inclusiva que nos faz achar sempre que a pessoa portadora de deficiência precisa de ajuda (…)”. [6]

Como podemos ver o acesso ao ensino possibilita ao autorreconhecimento do indivíduo como ser humano dotado de vontade, consciência e capacidade de elaboração do seu próprio projeto de vida.

Nessa caminhada, precisamente após a segunda grande guerra mundial, vem se consolidando um piso mínimo de direitos e garantias inerentes ao próprio conceito do ser humano de forma transcendente. A educação faz parte deste mínimo existencial inserindo-se como um pressuposto para o exercício de outros direitos. Somente por meio da educação é que se alcança a plenitude da autonomia, a libertação e a humanização do indivíduo incluso na sociedade.

Dentre os valores que estruturam a ordem democrática tem-se a igualdade e a dignidade da pessoa humana que fundamentam a educação inclusiva, entendida como aquela direcionada para superação das desigualdades econômicas, sociais e culturais e a plena integração dos educandos em comunidade.

A solidariedade, ao lado da igualdade e da dignidade, é outro valor estruturante dos regimes democráticos. A sua incidência na configuração do sistema de ensino dissemina uma educação fraterna, entendida aquela que sem inimizar as pessoas, reconhece as diversidades culturais, étnicas e religiosas, acolhe os educandos e os integra como membros da comunidade.

O Brasil assumiu o compromisso, ao internalizar a convenção internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência, de assegurar o ensino inclusivo em todos os níveis, com está expresso no art. 24 “…os Estados partes assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis,…”.

No que tange à proteção das pessoas com deficiência, a jurista Flávia Piovesan, entende que a evolução dessa proteção é marcada por 4 fases:

“1ª faseà intolerância às pessoas deficientes. Em tal época, a discriminação era total, os deficientes eram considerados impuros, marcados pelo pecado e pelo castigo divino. 2ª fase à invisibilidade das pessoas deficientes. Há um total desprezo pela condição de tais pessoas. 3ª fase à assistencialismo. As pessoas deficientes são vistas como doentes, essa fase é pautada, portanto, pela perspectiva médica. 4ª fase à visão humanística das pessoas com deficiência. Há ênfase na relação da pessoa deficiente com a sociedade e com o meio no qual ela está inserida. Há uma mudança metodológica, na qual o problema passa a ser do meio e das demais pessoas e não da pessoa deficiente.”

O atual ordenamento jurídico brasileiro vigente transita da terceira para a quarta fase, ao passo que na seara internacional prepondera a quarta fase de proteção.

No âmbito internacional a proteção às pessoas com deficiência ganhou especial destaque com a Convenção sobre as Pessoas com Deficiência em 2006.

Neste mesmo diapasão “…as pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral…”.

Além disso, temos que a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) das pessoas com deficiência, que tem como base o texto da Convenção Internacional, dispôs claramente acerca da educação inclusiva no art. 27 “…a educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida…”.

A universalização da educação inclusiva, como prevê a Constituição Federal e a Declaração Universal dos Direitos Humanos no art. 26 prevê que todos tem direito a educação e, está diretamente ligada ao pleno exercício da cidadania. A educação inclusiva visa o bem estar social, juntamente com a instituição familiar, contribui significativamente para o desenvolvimento social das crianças, adolescentes e adultos, consequentemente, contribui para a melhoria de vida de cada cidadão. Da mesma forma o pacto internacional sobre direitos econômicos, sociais e culturais no art. 13 reconhece o direito à educação universal sem discriminação de qualquer tipo, o que segue o mesmo caminho a conveção sobre os direitos das crianças no art. 23.

Nas palavras de Flávia Piovesan: “Torna-se, contudo, insuficiente tratar o indivíduo de forma genérica, geral e abstrata. Faz-se necessária a especificação do sujeito de direito, que passa a ser visto em sua peculiaridade e particularidade. Nessa ótica, determinados sujeitos de direitos, ou determinadas violações de direitos, exigem uma resposta específica e diferenciada. Em tal cenário as mulheres, as crianças, a população afrodescendente, os migrantes, as pessoas com deficiência, entre outras categorias vulneráveis, devem ser vistas nas especificidades e peculiaridades de sua condição social”.

A educação trata-se de um direito fundamental social porque institui um processo de desenvolvimento individual da própria condição humana. Além disso, ele deve ser visto, sobretudo, como um direito coletivo, com ações afirmativas do Estado que ofereçam à sociedade instrumentos para alcançar seus fins.

6. CONCLUSÃO

Este trabalho buscou apresentar que o tema da Educação Inclusiva do Direito da pessoa com Deficiência mostra-se como instrumento de consolidação dos Direitos Humanos no Brasil, sendo fundamental para se alcançar uma educação com igualdade, liberdade e qualidade no processo de ensino-aprendizagem para todos os alunos e alunas, não distinguindo pessoas com o sem deficiência.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência atende a evolução da sociedade e, respectivamente, à ordem internacional de direitos humanos quanto à inclusão social, expressão que tem o suporte dos princípios da solidariedade, igualdade e dignidade da pessoa humana. A base das instruções do art. 28 do Estatuto, legítimo baluarte do direito à educação inclusiva, está figurada nos objetivos claros da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência quando trata da educação no art. 24.

Apenas a educação inclusiva poderá proporcionar educação de qualidade e desenvolvimento social para as pessoas com deficiência, sendo esta uma garantia de universalidade e não discriminação no direito à educação. Sendo que a Convenção reconhece que as pessoas com deficiência fazem parte da diversidade humana e da humanidade, reconhecendo as valiosas contribuições existentes e potenciais das pessoas com deficiência ao bem estar comum e a diversidade de suas comunidades, e que a promoção do pleno exercício, pelas pessoas com deficiência, de seus direitos humanos e liberdades fundamentais e sua plena participação na sociedade resultará no fortalecimento de seu senso de pertencimento à sociedade e no avanço do desenvolvimento humano, social e econômico da sociedade, bem como na erradicação da pobreza.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência é reconhecido como um avanço nas ações afirmativas de inclusão destas pessoas no sistema educacional, garantindo-os o acesso universal à educação com qualidade em toda comunidade nacional e internacional no caminhar da consolidação dos direitos humanos em um Estado Democrático de Direito.

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Severino, Antonio Joaquim, Metodologia do Trabalho Cientifico – Editora Cortez. 23ª Edição. 2007. YAZBEK, A. C. Cadernos de ética e filosofia política 7, 2/2005, p. 141-164. Disponível em: http://www.fflch.usp.br/df/cefp/Cefp7/yazbek.pdf. Consultado em 06/maio/2023.


[1] Mestrando em Direito Previdenciário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP; Especialista em Direito Civil, Processo Civil pelo ATAME; Especialista em Ciências Penais pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF; Especializando em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG; Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás – UFG, Professor Assistente da disciplina de Direito Previdenciário da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás – UFG, Advogado, consultor jurídico.

[2] YAZBEK, A. C. Cadernos de ética e filosofia política 7, 2/2005, p. 142. Disponível em: http://www.fflch.usp.br/df/cefp/Cefp7/yazbek.pdf. Consultado em 06/maio/2023.

[3] SARTRE, J. P. O existencialismo é um humanismo. Tradução: Vergílio Ferreira. São Paulo: Abril S.A., p. 536,1973.

[4] Idem, p. 545.

[5] FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013, p. 118-120, ao tratar sobre a educação dialógica afirma que “Somente o diálogo, que implica um pensar crítico, é capaz, também, de gerá-lo. Sem ele não há comunicação e esta não há verdadeira educação”.

[6] ARAÚJO, Luiz Alberto David; curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, p. 46-47 2007.