A DIFICULDADE DA PROVA DO DOLO E O DOLO EVENTUAL NOS CRIMES DE LAVAGEM DE CAPITAIS E A TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA NO BRASIL
30 de setembro de 2024POSSIBLE INTENT IN MONEY LAUNDERING CRIMES AND THE THEORY OF WILLFUL BLINDNESS IN BRAZIL
Artigo submetido em 25 de setembro de 2024
Artigo aprovado em 28 de setembro de 2024
Artigo publicado em 30 de setembro de 2024
Cognitio Juris Volume 14 – Número 56 – Setembro de 2024 ISSN 2236-3009 |
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Autor(es): Andréa Isabel Halada de Carvalho[1] |
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RESUMO: O artigo aborda a dificuldade da prova do dolo e o dolo eventual nos crimes de lavagem de capitais e a teoria da cegueira deliberada nesse contexto, abarcando brevemente os desafios e as estratégias estrangeiras para se utilizar esse elemento subjetivo no contexto da lavagem de capitais. Para tanto, em um primeiro momento, construiu-se a análise a partir de casos concretos para poder se chegar ao elemento subjetivo em estudo, pois embora esse elemento não exista no Brasil, essa subjetividade frequentemente se entrelaça, especialmente no contexto do crime de lavagem de capitais, para, em seguida, debruçar-se sobre uma revisão bibliográfica explorando os métodos utilizados para se chegar no elemento que se encontra antes do dolo eventual, discutindo sua existência e como não pode se confundir com a culpa. A pesquisa explora ainda os elementos cognitivos e volitivos, com o objetivo de analisar a lacuna de punibilidade a ser preenchida pela cegueira deliberada.
Palavras-chave: Direito Penal. Cegueira deliberada. Lavagem de capitais. Dolo. Dolo eventual.
ABSTRACT: The article addresses the difficulty of proving intent and possible intent in money laundering crimes and the theory of willful blindness in this context, briefly covering the challenges and foreign strategies for using this subjective element in the context of money laundering. In order to do this, the analysis was first built on concrete cases in order to reach the subjective element under study, because, although this element does not exist in Brazil, this subjectivity is often intertwined, especially in the context of the money laundering crime, to then focus on a bibliographical review and analysis of case studies, exploring the methods used to reach the element that lies before possible intent, discussing its existence and how it cannot be confused with guilt. The research also explores the cognitive and volitional elements, with the goal of analyzing the lack of a punishability gap to be filled by willful blindness.
Keywords: Criminal law. Willful blindness. Money laundering. Criminal intent. Possible intent.
- INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo principal demonstrar a ligação entre o crime de lavagem de capitais e a teoria da cegueira deliberada, trazendo a problemática do dolo e do dolo eventual nesse contexto. Para tanto, cabe destacar que a definição de lavagem de capitais é feita a partir de um ato de ocultação ou dissimulação de sua origem proveniente de ilícitos de valores ou bens que são corolários a crimes preliminares a este. O elemento subjetivo deste delito é extremamente importante para se compreender as situações de desconhecimento autoprovocado.
A cegueira deliberada, ou willful blindness, pode ser definida na legislação internacional como a plena condição de sabedoria de um agente que sabia que participava de atividade ilícita, mas optou por fechar os olhos à descoberta, devendo ser tão culpável quanto se possuísse o conhecimento pleno.
A ligação entre o crime de lavagem de capitais e a teoria da cegueira deliberada é nítida, uma vez que os criminosos escolhem “fingir não saber” da prática ilícita de suas atividades de lavagem, mesmo possuindo ciência da elevada probabilidade de existência de uma circunstância elementar do delito. Através dessa teoria, o agente toma medidas deliberadamente voltadas a evitar comprovar a existência do fato ou da circunstância ilícita ligada à lavagem de capitais, portanto, de forma alguma, o agente acredita na inexistência do fato ou da circunstância.
Os Estados Unidos reconheceram a teoria em 1899, tendo sido consolidada em todo o país. Porém, no Brasil, esta teoria é equiparada a figura do dolo eventual até hoje, tendo recebido diversas críticas com o argumento de que não há lacuna a ser preenchida pela cegueira deliberada, pois não há referência no direito positivo à esta teoria.
Nessa conjuntura, é importante frisar a respeito da relevância do presente artigo para que se possa compreender a complexidade dessas figuras subjetivas entrelaçadas ao crime e analisar detalhadamente quais são os desafios e as estratégias para que se possa utilizar a teoria da cegueira deliberada no Brasil, sendo avaliada a sua viabilidade e conformidade com as normas nacionais.
Nesse sentido, também será analisado o papel do dolo direto e do dolo eventual no que diz respeito ao delito de lavagem de capitais, explicando melhor a relação com a teoria da cegueira deliberada e analisando o elemento da culpa também nesse cenário. Por fim, será analisado se a lei penal pode ser interpretada de maneira extensiva e por analogia in malam partem.
- A TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA: DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS
O conceito da teoria da cegueira deliberada pode ser definido a partir do momento em que o agente finge não perceber determinada situação de ilicitude para, a partir daí, alcançar a vantagem pretendida em delitos de lavagem de capitais.
De acordo com a definição da doutrina americana, o termo ostrich instructions, ou instruções de avestruz, é difundido para definir essa teoria como um avestruz que enterra e sua cabeça abaixo da terra para não tomar conhecimento da natureza dos acontecimentos que o cercam. Portanto, essa ignorância proposital e o escolher não saber acerca do ilícitonão pode conduzir a inocência do agente, visto que há o elemento subjetivo do dolo eventual em sua conduta.
Segundo Ragués i Vallés[2] encontra-se em estado de ignorância deliberada todo aquele que podendo e devendo conhecer determinadas circunstâncias penalmente relevantes de sua conduta, toma deliberada ou conscientemente a decisão de manter-se na ignorância com relação a elas. Nessa mesma toada, o relator Ministro Joel Ilan Paciornik[3] preceitua que, para que haja a aplicação da teoria da cegueira deliberada, deve-se demonstrar o quadro fático apresentado na lide que o agente finge não perceber determinada situação de ilicitude para, a partir daí, alcançar a vantagem pretendida.
Existem doutrinadores, porém, que defendem que essa teoria não deveria ser transplantada para o Brasil, como Callegari e Weber[4] que preconizam que há a possibilidade de aplicação da teoria em países adeptos da civil law, porém a problemática toda está na admissão do dolo eventual no crime de lavagem e em impor parâmetros à imputação e aos requisitos que autorizem o uso da teoria no Direito Penal pátrio.
Embora boa parte da doutrina e da jurisprudência defenda a não aplicação dessa teoria por falta de disposição expressa, não cabe interpretação extensiva, comportando, apenas, o dolo direto, que se traduz no conhecimento pleno e vontade de fazê-lo. Outra parte, porém, sustenta que a teoria da cegueira deliberada se equipara ao dolo eventual nos crimes de lavagem de capitais e, para tanto, para se configurar a teoria, comporta-se tanto o dolo eventual nos delitos de lavagem, quanto o dolo direto.
Segundo Badaró e Bottini[5] a teoria da cegueira deliberada é equiparada ao dolo eventual nos casos de criação consciente e voluntária de barreiras que evitam o conhecimento de indícios sobre a proveniência ilícita de bens, nos quais o agente represente a possibilidade da evitação recair sobre atos de lavagem de capitais.
Existe, portanto, uma linha muito tênue no que tange à esfera da cegueira deliberada e do dolo eventual, sendo considerado por muitos doutrinadores a mesma coisa. Mais adiante o tema do dolo eventual será abordado, assim como se ele pode se coadunar com a questão da teoria da cegueira deliberada.
- A TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA E A SUA RELAÇÃO COM O DOLO EVENTUAL
Preliminarmente, cumpre definir o conceito de dolo eventual: segundo Rogério Greco[6] o conceito de dolo eventual se baseia a partir do momento em que o agente, embora não querendo diretamente praticar a infração penal, não se abstém de agir e, portanto, assume o risco de produzir o resultado que por ele já havia sido previsto e aceito. Nesse sentido, Luiz Flávio Gomes[7] leciona que o dolo eventual deve possuir três elementares: o agente (i) representa o resultado como possível; (ii) assume o risco de produzi-lo e, ainda, (iii) atua com total indiferença frente ao bem jurídico.
Nessa senda, Bittencourt[8] ensina que, em se tratando de dolo eventual, o agente atua com indiferença, aceitando que ocorra o resultado lesivo. Portanto, para que se caracterize o dolo eventual, é necessário que o agente consinta na indiferença ou aceitação do resultado e, consequentemente, este conhece a possibilidade de sua conduta causar um resultado lesivo, mas continua agindo, não se importando se ocorrerá ou não tal resultado, que por fim ocorre.
Dessa forma, como já definido antes, parte da doutrina e da jurisprudência coadunam a teoria da cegueira deliberada com o dolo eventual, de forma que o agente se faz de cego para não ter que lidar com as consequências de sua conduta. André Luís Callegari[9], em suas lições, ensina que nos casos em que o agente possui efetiva ciência dos elementos do tipo e nos casos em que há um desconhecimento deliberado, ambos possuem ligação com a culpabilidade, podendo e devendo optar por tomar conhecimento de algumas circunstâncias nos dois casos, optando, porém, por se manter ignorante.
É importante, porém, frisar que diversos doutrinadores não concordam com essa relação, visto que há uma diferença entre os casos em que o agente não quer conhecer a origem delitiva dos bens, porém a representa como provável, conforme as circunstâncias objetivas e os casos em que o agente não quer saber nada acerca dos bens, porém, tampouco, representa sua origem delitiva, conforme será estudado adiante.
- O cabimento de equiparação ao dolo eventual
Apesar de não estar pacificado na doutrina ou tampouco na jurisprudência acerca desse tema, diversos doutrinadores defendem e comparam o dolo eventual a cegueira deliberada, afirmando que esta é uma forma de dolo eventual, na qual o agente se faz de cego para não precisar lidar com as consequências de sua conduta.
Muitos doutrinadores, porém, condenam o estrangeirismo da teoria e não conseguem equipará-la ao dolo eventual. Isso porque a ausência de um termo expresso demonstra a intenção intrínseca do legislador, de modo que a lei não pode ser interpretada de maneira extensiva, o que causaria uma ampliação demasiada e uma elasticidade que não é permitida no nosso ordenamento jurídico.
Segundo Juarez Tavares[10] a teoria da cegueira deliberada não pode ser comparada ao dolo eventual, dado que no dolo eventual há a aceitação do risco, enquanto na cegueira deliberada há a evitação deliberada de um conhecimento, não podendo ser confundida com a aceitação consciente de um resultado lesivo.
Dessa forma, o Ministro Ribeiro Dantas[11], em um de seus julgamentos, entendeu que não havia nenhum nexo de causalidade entre o crime e o agente, não sendo possível aplicar a teoria da cegueira deliberada, visto que a lei brasileira não permite a responsabilidade penal objetiva, portanto, não sendo cabível utilizar a teoria em comento.
Já a Ministra Laurita Vaz[12], por sua vez, é defensora da teoria da cegueira deliberada e, inclusive, em um trecho de sua decisão, especificou que os sócios administradores de uma determinada empresa, quando praticam todos os atos em seu nome, no mínimo, agiram com cegueira deliberada.
Nessa esteira, Renato Brasileiro de Lima[13] preceitua que a cegueira deliberada não é propriamente uma conduta dolosa, mas sim uma forma de se aproximar do dolo eventual, de forma que o agente se coloca em uma posição de não saber intencional. Nessa mesma linha, Bitencourt[14] também ensina que a cegueira deliberada se aproxima muito do dolo eventual, pois o agente, deliberadamente, se mantém em ignorância aceitando implicitamente os riscos de sua conduta.
Em suma, a doutrina e a jurisprudência não são pacificadas no que diz respeito a esse assunto, um tema muito debatido até hoje e o objetivo desse artigo não é o esgotar. Enquanto muitos doutrinadores defendem que os conceitos se aproximam pois ambos envolvem uma aceitação de risco pelo agente, outros dirão que há uma clara distinção entre ignorância voluntária e aceitação de riscos.
- O erro de tipo em organizações criminosas e a teoria da cegueira deliberada
Preliminarmente, cumpre salientar que o conceito de erro de tipo nada mais é que uma falsa percepção da realidade pelo agente dos elementos constitutivos do tipo penal. Wessels[15] ensina que, nesse caso, o agente ao cometer o fato típico desconhece uma circunstância elementar que pertence ao tipo, incluindo qualificadoras e majorantes. Portanto, ao não saber que se trata de um delito, o agente pratica o delito “sem querer”.
Dessa forma, a elementar do dolo é afastada da conduta do agente pois ele não possui conhecimento acerca da ilicitude de sua própria conduta, tampouco sobre os elementos do tipo.
Nessa toada, como a teoria da cegueira deliberada conversa diretamente com o elemento subjetivo do dolo, o erro do tipo em organizações criminosas seria nada mais que um agente que ignora ou se equivoca da realidade, de forma que não possui plena consciência dos seus atos. Isso se coaduna diretamente com a teoria da cegueira deliberada, de forma que o agente ignora a realidade ilícita em que está inserido.
Nas lições de Guilherme de Souza Nucci[16], o erro de tipo, quando analisado em contextos de criminalidade organizada, deve ser minuciosamente examinado à luz da possibilidade de cegueira deliberada, principalmente quando há indícios de que o agente evitou adquirir conhecimento dos fatos. Um claro exemplo que ilustraria essa situação seria no caso de um membro de uma organização alegar desconhecimento de um determinado elemento do crime (erro de tipo), contudo, se for demonstrado que ele deliberadamente evitou tomar conhecimento da ilicitude (cegueira deliberada), a responsabilização penal se torna possível.
Nessa mesma linha, Renato Brasileiro de Lima[17] afirma que a cegueira deliberada serve como uma resposta jurídica ao subterfúgio do erro de tipo, garantindo a responsabilização de quem, voluntariamente, escolhe não saber. Portanto, ao adotar tal teoria não podemos falar em erro de tipo, garantindo que a justiça penal não se torne refém de alegações infundadas, desde que provada a cegueira deliberada do caso concreto.
Por fim, como bem leciona Zaffaroni[18], a cegueira deliberada atua como uma espécie de dolo eventual, em que a ignorância é adotada como estratégia para evitar a responsabilização penal, o que, paradoxalmente, reforça o vínculo subjetivo do agente com a conduta ilícita.
Portanto, em suma, deve-se concluir que, para se analisar o erro de tipo em organizações criminosas, deve haver uma análise cautelosa e minuciosa de caso a caso em relação ao conhecimento que o agente possuía ou deveria possuir em determinada situação, no que tange aos elementos que compõe o tipo penal, tornando a fronteira entre o desconhecimento genuíno e a indiferença calculada uma linha muito tênue, porém não impossível de ser analisada no caso concreto e na prática de cada empresa e a função que cada funcionário exercia.
- A TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA E SEU USO NO BRASIL
Cumpre salientar que o estrangeirismo da teoria e seu transplante para o Brasil não é muito bem aceito por diversos doutrinadores.
Comparando os sistemas jurídicos-penais da common law nos Estados Unidos e da civil law no Brasil, já existem diferenças consideráveis. Como no Brasil utilizamos a teoria do dolo, a teoria da cegueira deliberada poderia acabar por ser desnecessária, se equiparada a figura de um dolo eventual, conforme visto anteriormente, já sendo algo praticado por diversos tribunais. Além disso, a teoria do dolo utilizada no ordenamento pátrio é classificada como volitiva ou cognitiva. A cegueira deliberada, em muitos casos, não possui o elemento preciso do conhecimento, e sim dodesconhecimento deliberado.
Portanto, partindo-se da premissa do princípio da presunção de inocência, aplicar a teoria da cegueira deliberada em casos de desconhecimento deliberado seria violar diretamente o dito princípio, visto que o agente poderia então se enquadrar no elemento da culpa, que é, inclusive, in bonam partem para o réu.
Se faz necessário, inclusive, distinguir duas situações: (i) a primeira seria um agente que não quer conhecer a origem delitiva dos bens, porém a representa como provável em razão das circunstâncias objetivas que o permeiam; (ii) a segunda seria um agente que não quer saber absolutamente nada sobre os bens e, muito menos representa sua origem delitiva.
No que tangencia esses exemplos, Blanco Cordero[19] ensina que no caso do segundo agente, ele não pode estar abarcado pelo elemento do dolo, enquanto, no caso do primeiro agente, ele estaria classificado no dolo eventual, visto que ele assumiu o risco.
Portanto, vislumbrar a aplicação dessa teoria aqui no Brasil não haveria necessidade, visto que o dolo eventual e, em alguns casos a culpa, já são suficientes e já bastam para se fundamentar qualquer condenação que seja de lavagem de dinheiro. Além disso, aplicar a estudada teoria in malam partem seria contraditório com o nosso ordenamento jurídico pois não seria viável, em um caso de completa culpa do agente, alegar a equiparação com o dolo eventual.
Ainda, nessa mesma linha de raciocínio, mesmo que haja condenação por dolo eventual, a dita teoria se mostra desnecessária e completamente dispensável, podendo até mesmo causar confusão nos Tribunais ou na sua aplicação prática pois, se estão presentes os requisitos para imputação do crime por dolo eventual, não há necessidade alguma de transplantar para o Brasil uma teoria que não soma em nada, tampouco, como reforço argumentativo.
Resta claro, portanto, que além de tudo o que já foi trazido como ponto negativo, a teoria poderia possuir um alcance prático de serventia para punir condutas culposas como se dolosas fossem, não sendo admitido em nosso ordenamento jurídico essa conduta, tendo em vista o in dubio pro reo. No mais, é muito difícil entrar na mente do agente para se comprovar que ele agiu “com cegueira deliberada”, principalmente se tratando de responsabilidade de dirigentes em uma grande empresa.
Ainda, a aplicação dos princípios processuais penais como forma de diretriz é de suma importância para se respeitar o contraditório e a ampla defesa, assim como os princípios basilares deste código e os preceitos constitucionais, para assim coibir práticas criminosas ao invés de tão somente fomentar e aumentar cada vez mais o poder punitivo.
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
A apuração do dolo já é algo desafiador nos delitos de lavagem de capitais, pois além de se analisar minuciosamente as condutas volitivas e cognitivas, coadunar o conceito da teoria da cegueira deliberada nesse cenário seria mais desafiador e inviável no Brasil, já que o dolo eventual poderia ser equiparado aos casos envolvendo a cegueira deliberada. Se faz necessário analisar os desafios e as estratégias para combater esse crime, ressaltando a necessidade de um olhar prático envolvendo os casos concretos contidos na conduta da suposta cegueira deliberada.
A reflexão acerca deste tema é de suma importância, visto a sua essência e seu caráter de complexidade e gravidade. O dolo eventual, caracterizado pela aceitação do risco de contribuir para a lavagem, significa a responsabilização daqueles que, mesmo não buscando diretamente a concretização do crime, aceita suas consequências. Existe uma diferença clara no que tange ao dolo e a culpa do agente, no caso da teoria da cegueira deliberada, podendo afirmar que ela se encontra no meio desses dois elementos subjetivos, ou seja, entre o dolo e a culpa, não se configurando exatamente nenhum dos dois.
Porém, apesar dessa teoria poder ser equiparada ao dolo eventual, ao mesmo tempo, o ordenamento jurídico, em seus princípios processuais penais, proíbe qualquer tipo de conduta prejudicial ao réu no caso de dúvida (in dubio pro reo), além de levar em conta a vedação do reformatio in pejus. Isso porque a aplicação dessa teoria no Brasil ainda enfrenta resistências doutrinárias e jurisprudenciais, uma vez que a sua utilização pode ser vista como uma flexibilização dos princípios tradicionais do direito penal.
Alguns doutrinadores argumentam que, por um lado, a cegueira deliberada é essencial para combater crimes de elevada complexidade como a lavagem de capitais mas, por outro, é importante afirmar que sua aplicação, hoje, não é recepcionada no Brasil, a fim de se evitar abusos e interpretações que possam violar garantias constitucionais.
Diante dessa reflexão, pode-se concluir que o dolo eventual pode muito bem ser equiparado à teoria da cegueira deliberada, não sendo necessário mais um elemento subjetivo tão específico como este para adotar em nosso ordenamento jurídico, não sendo o caso, portanto, de dolo eventual e, nesse sentido, a conduta deverá ser equiparada à modalidade culposa.
Por fim, no ordenamento jurídico, a teoria da cegueira deliberada não parece possuir nenhuma utilidade ou necessidade, sendo, ainda, desproporcional, acabando por servir somente como punição de condutas culposas como se fossem dolosas. As condutas nos delitos de lavagem de capitais não devem ficar impunes, mas, por óbvio, devem receber a punição adequada e proporcional com base na Constituição Federal e nas garantias processuais penais, não cabendo nesse caso o estrangeirismo da dita teoria e o abuso de poder estatal.
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[1] Mestranda pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Email: andreaisabelcarvalho@gmail.com
[2] RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. La ignorancia deliberada en Derecho penal. Barcelona: Atelier Libros Juridicos, 2007, p. 25.
[3] AgRg no REsp 1.565.832/RJ, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 6/12/18, DJe de 17/12/18.
[4] CALLEGARI, André Luís; WEBER, Ariel Barazzetti. Lavagem de dinheiro. São Paulo: Atlas, 2014.
[5] BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro aspectos penais e processuais penais – comentários à Lei 9.613/1998, com as alterações da Lei 12.683/2012. 2ª ed. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 101.
[6] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. v. I. 6. ed. Niterói: Impetus, 2006. Página 190.
[7] GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. II, 2007.Página 379.
[8] BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2004. Página 288.
[9] CALLEGARI, André Luís; WEBER, Ariel Barazzetti. Lavagem de Dinheiro. – 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017, Página 120.
[10] TAVARES, Juarez. “Teoria do Injusto Penal”. 4ª ed., Editora Saraiva, 2020. Página 179.
[11] AREsp 2.247.534, Ministro Ribeiro Dantas, DJe em 09/02/23.
[12] HC 641.343, Ministra Laurita Vaz, DJe em 09/08/22.
[13] LIMA, Renato Brasileiro de. “Manual de Direito Penal – Parte Geral”. 8ª ed., Editora Juspodivm, 2020. Página 521.
[14] BITENCOURT, Cezar Roberto. “Tratado de Direito Penal – Parte Geral”. 20ª ed., Editora Saraiva, 2020.Página 295.
[15] WESSELS, Johannes. Derecho penal — Parte general. Buenos Aires: De Palma, 1980, página 129.
[16] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 21. ed. São Paulo: Forense, 2021.Página 528.
[17] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 11. ed. São Paulo: Juspodivm, 2023.Página 411.
[18] ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. Página 362.
[19] BLANCO CORDERO, Isidoro. El Delito de Blanqueo de Capitales. Pamplona: Arazandi, 1997, Página 383.