A CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL E OS CONTRATOS DE ADESÃO

A CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL E OS CONTRATOS DE ADESÃO

30 de junho de 2024 Off Por Cognitio Juris

THE ARBITRATION CLAUSE AND ADHESION CONTRACTS

Artigo submetido em 07 de março de 2024
Artigo aprovado em 22 de março de 2024
Artigo publicado em 30 de junho de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 55 – Junho de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Pedro Fusco Nicolau[1]

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo principal trazer as noções acerca da cláusula compromissória arbitral e sua possível utilização nos contratos de adesão. Nele será analisado não somente as principais características do contrato de adesão, mas também a eficácia da clausula compromissória arbitral nesse tipo de instrumento, como forma de verificar se sua simples inclusão já é suficiente para considerar válida a referida cláusula. Além disso, o presente artigo também irá trazer o entendimento da melhor doutrina e da jurisprudência sobre o tema, interpretando quais os requisitos necessários para a validade da cláusula compromissória arbitral nos contratos de adesão e sua consonância com o ordenamento jurídico brasileiro.

Palavras-chave: Cláusula Compromissória Arbitral. Contratos de Adesão. Código de Processo Civil. Código de Defesa do Consumidor.

ABSTRCT: The main purpose of this article is to present the concepts related to the arbitration clause and its potential use in adhesion contracts. It will analyze not only the main characteristics of adhesion contracts but also the effectiveness of the arbitration clause in this type of instrument, in order to determine whether its mere inclusion is sufficient to consider the clause valid. Additionally, this article will also explore the understanding of the best legal doctrine and jurisprudence on the subject, interpreting the necessary requirements for the validity of the arbitration clause in adhesion contracts and its alignment with the Brazilian legal system.

Keywords: Arbitration Clause. Adhesion Contracts. Consumer Defense Code

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo principal as noções acerca da cláusula compromissória arbitral e sua possível utilização nos contratos de adesão.

Ao longo das últimas décadas o procedimento arbitral se tornou, cada vez mais, um meio muito utilizado para a resolução de controvérsias. Isso se deve, possivelmente, em razão de uma maior simplicidade do procedimento e da suposta celeridade decorrente do mesmo.

Em linhas gerais, a arbitragem é uma alternativa processual que permite que as partes escolham outro meio, além do poder judiciário, para resolução de conflitos contratuais. Trata-se de um meio extremante especializado para a apreciação dessas divergências e um desafogo para o cobiçado Poder Judiciário Brasileiro.

Como forma de dirimir o referido assim, em 1996, foi criada a Lei n.º 9.307-96 (“Lei da Arbitragem”), que estipulou diretrizes para o correto andamento do procedimento arbitral.

Assim, para que exista a possibilidade da resolução de litígios contratuais pelo procedimento arbitral, é necessário que as partes instituam a convenção de arbitragem, por meio de cláusula compromissória contratual, comprometendo-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir relacionados à determinado contrato.[2]

Todavia, embora as partes tenham a liberdade de estipular a arbitragem como o meio para a resolução de conflitos, em se tratando de relação entre consumidor e fornecedor, mais especificamente em contratos de adesão, existem algumas especificidades que devem ser cumpridas para a validade da cláusula compromissória arbitral, não bastando apenas a sua mera existência no contrato, sendo essas as especificidades que serão abordadas no presente artigo.

2. O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E OS CONTRATOS DE ADESÃO

Para melhor entender sobre a validade da cláusula compromissória arbitral, necessário entender o conceito do contrato de adesão. O referido instrumento é oferecido ao contratantes (consumidor) de maneira uniforme e padronizada, sendo que em muitos casos, os consumidores precisam apenas preencher os seus dados pessoais para assiná-lo, ou seja, a exatidão dos referidos contratos é tamanha, que o campo para preenchimento dos referidos dados é o único local de disparidade entre o contrato de um consumidor e outro.

Assim, ao contratar com determinada empresa, os consumidores receberão os termos de forma regulamentada, não havendo um alinhamento de vontade entre as partes e opção de alteração, ou seja, ou o consumidor adere integralmente o referido instrumento ou nenhum negócio será feito. Para Claudia Lima Marques (2011, p. 76):

O contrato de adesão é oferecido ao público em um modelo uniforme, geralmente impresso e estandardizado, faltando apenas preencher os dados referentes à identificação do consumidor-contratante, do objeto e do preço. Assim, aqueles que, como consumidores, desejarem contratar com a empresa para adquirirem produtos ou serviços já receberão, pronta e regulamentada, a relação contratual, não poderão efetivamente discutir, nem negociar singularmente os termos e condições mais importantes do contrato.

Isso significa que não existe uma fase de negociação entre as partes, a aquisição do produto ou serviço pelo consumidor depende apenas da aceitação ou não dos termos previamente praticados pelo fornecedor.

Assim, é importante destacar que os contratos de adesão possuem, em sua essência, três características básicas, que nas palavras de Claudia Lima Marques são (2011, pp. 77-78):

1) a sua pré-elaboração unilateral; 2) a sua oferta uniforme e de caráter geral, para um número ainda indeterminado de futuras relações contratuais; 3) seu modo de aceitação, pelo qual o consentimento se dá por simples adesão à vontade manifestada pelo parceiro contratual economicamente mais forte

Dada as referidas particularidades, deve-se destacar e analisar a relação de consumo presente nos referidos contratos. A lei n.º 8.078-90 (“Código de Defesa do Consumidor”) dispõe em seu artigo 2º, que o consumidor é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Sendo assim, para que um contrato de adesão seja enquadrado na relação consumerista, é necessário que o contratante seja, pessoa física ou jurídica, o destinatário final do produto ou serviço.

Por sua vez, o fornecedor na relação consumerista é o responsável pelo desenvolvimento da atividade produção, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços, nos termos do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor[3].

Entre os fatores para o recebimento de um tratamento diferenciado está a questão da hipossuficiência do consumidor, sendo esse, talvez, o principal fator para tanto. A referida hipossuficiência se dá não só pela fragilidade econômica do consumidor perante o fornecedor – mesmo porque, em algumas ocasiões, os consumidores do produto possuem uma excelente situação financeira. Ela se dá principalmente pela vulnerabilidade técnica e fática que os consumidores, em geral, possuem em relação aos fornecedores.

Nesse sentido, a referida hipossuficiência está pautada e respaldada nos princípios constitucionais da vulnerabilidade e igualdade, o que permite uma equiparação na relação.

O princípio da vulnerabilidade está disposto no artigo 4º, inciso I do Código de Defesa do Consumidor[4] e no artigo 5º, inciso XXXII da Constituição Federal[5], e com eles, a fragilidade do consumidor e a posição de desigualdade perante o fornecedor são reconhecidas, permitindo, assim, um tratamento adequado e equiparado ao consumidor[6].

Por sua vez, o princípio da igualdade está previsto no artigo 6º, inciso II do Código de Defesa do Consumidor[7] e no artigo 5º, caput da Constituição Federal. Com ele, o sistema consumerista protege o consumidor exigindo um equilíbrio entre as partes e contemplando o direito à informação, à revisão contratual e outras questões, na tentativa de colocar o consumidor na posição de igualdade nas contratações realizadas entre ele e o fornecedor.

Sobre o tema, destaca-se o entendimento de Luiz Antônio Souza (2015, p. 26):

esse é um dos princípios mais importantes e que se apresenta do art. 4º, I, do CDC, sendo emanação do disposto no art. 5º, XXXII, da CF: reconhece a fragilidade do consumidor, situação de desigualdade entre ele e o fornecedor, impondo a obrigatória proteção do vulnerável na relação; a vulnerabilidade é requisito obrigatório para a caracterização de uma pessoa como consumidora, podendo ser técnica, jurídica, fática (ou socioeconômica) e informacional.

Além disso, outro pilar que possibilita ao consumidor a concessão de garantias mais benéficas na relação é o fator da assimetria das partes em contratos de adesão. Conforme o já disposto, o contrato de adesão é oferecido ao público em um modelo uniforme, limitando o consumidor a aceitar as cláusulas que foram unilateralmente pré-elaboradas pelo fornecedor, não existindo qualquer negociação prévia ou vontade dos consumidores nos referidos instrumentos..

Logo o tratamento diferenciado e mais benéfico serve como instrumento de tentativa de equiparação de forças entre as partes (consumidor e fornecedor), uma vez em contratos de adesão, a igualdade de forças entre os contratantes não é essencial e, na maioria das vezes, se torna inexistente, tendo os consumidores a necessidade de normas mais benéficas e que os protejam em caso de eventuais controvérsias.

3. A VALIDADE E EFICÁCIA DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL EM CONTRATOS DE ADESÃO

A possibilidade de inserção da cláusula compromissória arbitral em contratos de adesão é um assunto que gerou certa discussão no direito brasileiro ao longo dos anos. Isso porque o direto do consumidor é um direito patrimonial e disponível que está devidamente regulado pelo Código de Defesa do Consumidor, de modo que, em seu artigo 51, inciso VII, é disposto que “são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: determinem a utilização compulsória da arbitragem”.

Por sua vez, a Lei da Arbitragem, em seu artigo 4º, § 2º, afirma que “nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula”.

Assim, em razão da expressa vedação do Código de Defesa do Consumidor na utilização compulsória da arbitragem em cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e dada possibilidade imposta pela Lei da Arbitragem na inserção das referidas cláusulas em contratos de adesão, criou-se uma grande controvérsia acerca da possibilidade de sua inclusão ou não.

Alguns juristas garantem que a inclusão da cláusula compromissória arbitral em contratos de adesão é incompatível com o Código de Defesa do Consumidor. Trata-se do entendimento de José Geraldo Brito Filomeno, que alega que (2004, p. 81):

parece-nos incompatível, em princípio, o novo juízo arbitral, com os marcos angulares da filosofia consumerista, notadamente aqueles consubstanciados pelo inc. I do art. 4º retromencionado, e incs. IV e VII de seu art. 51.

Todavia, a grande maioria dos arbitralistas entendem em sentido diverso, alegando que a Lei da Arbitragem, conforme disciplinado em seu artigo 4º, § 2º, prevê a possibilidade da arbitragem como meio de resolução de conflitos provenientes de contratos de adesão. Cumpre-se destacar o ensinamento trazido por Carlos Alberto Carmona sobre o assunto (2009, p. 52):

as relações jurídicas de que trata o Código de Defesa do Consumidor podem ensejar instauração do juízo arbitral.

Cumpre-se ainda destacar o entendimento do brilhante autor Nelson Nery Junior, que acredita que ambas as leis (Código de Defesa do Consumidor e Lei da Arbitragem) devem conviver de maneira harmônica (2004, p. 582):

ambos os dispositivos legais permanecem vigorando plenamente… (…) é possível, nos contratos de consumo, a instituição da cláusula de arbitragem, desde que obedecida, efetivamente, a bilateralidade na contratação e a forma da manifestação da vontade, ou seja, de comum acordo.

No sentindo da convivência harmônica das leis também está o entendimento de José Antonio Fichtner (2019, p. 265-266):

a Lei n.º 8.7078/1990 veda apenas a utilização compulsória da arbitragem, o que não significa que ela não possa ser válida e livremente pactuada entre as partes para solução de conflitos decorrentes de relações de consumo, desde que observados os requisitos exigidos pela própria Lei de Arbitragem e as normas cogentes (ou normas imperativas ou normas de ordem pública) imposta pelo estatuto consumerista. (…) os direitos do consumidor são patrimoniais (e disponíveis), razão pela qual não há nenhum impedimento teórico à resolução de conflitos daí decorrentes pela via arbitral, que nada mais é do que um método de composição de litígios em que se asseguram às partes todas as garantias processuais inerentes ao devido processo legal

Não se deve esquecer, porém, que, ainda que seja possível a inclusão de cláusula compromissória arbitral em contratos de adesão, esse instituto pode ser utilizado de forma abusiva, motivo pelo qual alguns requisitos devem ser respeitados e estar presentes na redação da referida cláusula.

Conforme o já informado, a Lei da Arbitragem dispõe em seu artigo 4º, § 2º, que a cláusula compromissória arbitral só terá eficácia, se (i) o consumidor tomar a iniciativa de instruir ou concordar expressamente com a instituição da arbitragem e (ii) for escrita em documento anexo ou em negrito, com um visto específico para ela. Trata-se de um meio que identifica que o consumidor possui uma natural desvantagem de negociação com o fornecedor e garante que ele possa visualizar qual o meio mais adequado para a resolução de uma possível futura controvérsia.

O tema chama mais a atenção nos casos em que o fornecedor inicia a arbitragem. Isso porque, quando o consumidor institui o procedimento arbitral, não existem maiores dúvidas sobre sua adesão à cláusula, haja vista que, por meio de sua autonomia e livre vontade, o referido procedimento foi ajuizado. Contudo, quando essa iniciativa parte do fornecedor, o assunto é mais delicado, devendo ser amplamente observados os requisitos de validade e eficácia da cláusula compromissória arbitral.

Aliás, dos autores especialistas em arbitragem entendem que esses requisitos por si sós não são suficientes, tendo em vista que não trazem garantia e segurança para os consumidores e podem, mesmo com as especificações necessárias, passar desapercebidos pela cláusula arbitral. Sobre o tema, José Antonio Fichtner ensina (2019, pp. 268-269):

Realmente, os requisitos de validade previstos na Lei de Arbitragem não protegem efetivamente o consumidor, pois, em geral, dificilmente o simples destaque em negrito da cláusula e a assinatura específica farão com que o consumidor tenha certeza de manifestar sua vontade em prol da opção pela via arbitral. Na prática, o consumidor poderá considerar simplesmente que se trata de mais uma cláusula em negrito no contrato ou que precisa assinar em mais algum lugar no instrumento contratual, sem necessariamente compreender corretamente o significado de sua escolha. Não é essa a proteção que se espera seja dedicada ao consumidor, cuja matriz é constitucional (arts. 5º, XXXII, 170, V e 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias)

Assim, a forma adequada e mais relevante para proteger o consumidor, além dos requisitos do artigo 4º, § 2º, da Lei da Arbitragem, é concordância expressa do consumidor com a arbitragem após a instauração do procedimento arbitral. Isso garante que o consumidor possui a consciência da cláusula arbitral no ato da assinatura do contrato de adesão e que sua vontade de resolução do conflito pela via arbitral é real e correta. Esse é o entendimento de José Antonio Fichtner, que julga ser o mais justo e protetor ao consumidor (2019, pp. 274-275):

Consideramos que o § 2.º do art. 4 da Lei de Arbitragem possui requisitos de forma no plano da validade (“por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para esta cláusula”) e fatores no plano da eficácia (“o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a instituição”), razão pela qual, ainda que a cláusula compromissória preencha todas as formalidades exigidas por lei, ela somente será eficaz no caso de o consumidor tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a arbitragem iniciada pelo fornecedor no momento em que surgir o litígio

5. AS DECISÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SOBRE A CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL EM CONTRATOS DE ADESÃO

Ainda que a Lei da Arbitragem tenha criado requisitos para a validade da cláusula compromissória arbitral em contratos de adesão, ela não garante a devida proteção esperada pelo consumidor. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça vem possuindo um entendimento que permite uma proteção mais adequada e satisfatória ao consumidor.

Em suas primeiras decisões sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça entendia pela impossibilidade da inserção de cláusula compromissória arbitral em contratos de adesão, alegando que, por o consumidor não discutir as referidas cláusulas, elas deveriam ser consideradas nulas, afirmando o ministro Humberto Gomes de Barros, relator do Recurso Especial n.º 819.519-PE, que “nos contratos de promessa de compra e venda de imóveis, o consumidor não discute o conteúdo do contrato: ou adere ou não adquire o bem pretendido

Ocorre que, em 2012, foi proferido um novo acórdão sobre o tema, onde restou demonstrada a possibilidade de utilização da arbitragem como meio de solução de conflitos em casos regulados pelo Código de Defesa do Consumidor, uma vez que “o art. 51, VII, do CDC se limita a vedar a adoção prévia e compulsória da arbitragem, no momento da celebração do contrato, mas não impede que, posteriormente, diante de eventual litígio, havendo consenso entre as partes (em especial a aquiescência do consumidor), seja instaurado o procedimento arbitral”. Trata-se justamente do entendimento que José Antonio Fichtner aborda em sua doutrina.

Assim, em 2016, o Superior Tribunal de Justiça proferiu um novo entendimento no qual foi tratada matéria por completo. No Recurso Especial 1.189.050-SP, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, foram determinados diversos aspectos sobre o assunto.

Em primeiro lugar, restou disposto que o Código de Defesa do Consumidor não se opõe à utilização da arbitragem na resolução de conflitos de consumo. No entanto, apenas, a forma de imposição da cláusula compromissória, que não poderá ocorrer de forma impositiva.

Em segundo lugar, fora determinado que não há incompatibilidade entre os arts. 51, VII, do CDC e 4º, § 2º, da Lei da Arbitragem. Como forma de conciliar os normativos e garantir uma maior proteção ao consumidor, foi firmado o entendimento no sentido de que a cláusula compromissória só virá a ter eficácia caso o aderente tome a iniciativa de instituir a arbitragem ou concorde, expressamente, com a sua instituição, não havendo, por conseguinte, falar em compulsoriedade.

Outro aspecto disposto no referido acórdão foi que a instauração da arbitragem pelo consumidor vincula o fornecedor, mas a recíproca não se mostra verdadeira, haja vista que a propositura da arbitragem pelo fornecedor depende da ratificação expressa do consumidor, não sendo suficiente a aceitação da cláusula realizada no momento da assinatura do contrato de adesão.

Isso evita qualquer forma de abuso, na medida em o consumidor detém, caso desejar, o poder de libertar-se da via arbitral para solucionar eventual controvérsia com fornecedor. Assim, é imperioso destacar que a recusa do consumidor não exige qualquer motivação, propondo ele ação no Judiciário, haverá negativa (ou renúncia) tácita da cláusula compromissória.

Logo, é possível verificar que o referido entendimento exalta a relação harmônica entre o Código de Defesa do Consumidor e a Lei da Arbitragem, uma vez que além de seguir o que está disciplinado em ambas as leis, também permite uma maior proteção ao consumidor, já que caso não haja a concordância expressa do consumidor após o ajuizamento do procedimento arbitral, o referido procedimento não pode prosseguir.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, é possível notar que a possibilidade de inserção da cláusula compromissória arbitral em contratos de adesão é admitida no ordenamento jurídico brasileiro. Ainda que os consumidores necessitem de um tratamento mais adequado e protecionista em suas relações comerciais, a existência desse tipo de cláusula não necessariamente os coloca em desvantagem perante o fornecedor.

O Código de Defesa do Consumidor e a Lei da Arbitragem, coexistem, portanto, de forma harmônica. Os requisitos por elas determinados devem ser aplicados no tocante à inclusão de cláusulas compromissórias arbitrais em contratos de adesão. Entretanto, o aceite final do consumidor para seguir ou não com o procedimento arbitral também deve ser levado em consideração.

O que se nota, nesse sentido, é inexistência de nulidade da cláusula compromissória arbitral nos contratos de adesão, tendo em vista que ela está em pleno acordo com o ordenamento jurídico brasileiro e com o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça.

REFERÊNCIAS

BRASIL. [Código de Defesa do Consumidor]. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Brasília, DF: Presidência da República [2024]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm.

BRASIL. [Código de Processo Civil]. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Brasília, DF: Presidência da República [2024]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.

BRASIL. [Lei da Arbitragem)]. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Brasília, DF: Presidência da República, 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. Recurso Especial n.º 819.519-PE, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 9.10.2007, Dje 5.11.2007, v.u.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. Recurso Especial n.º 1.169.841-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 6.11.2012, Dje 14.11.2012, v.u.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. Recurso Especial n.º 1.189.050-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 1.3.2016, Dje 14.03.2016, v.u.

CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo, 3ª ed., São Paulo, Atlas, 2009.

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SOUZA, Luiz Antônio; KÜMPEL, Vitor Frederico. Direitos difusos e coletivos, 12, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2015.


[1] Advogado. Mestrando em Direito Processual Civil pela PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela FGV Direito SP. Graduado pela PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: pedrofusconicolau@gmail.com

[2] Lei n. 9.307-96: “Art. 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.”

Lei n. 9.307-96: “Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.”

[3] Lei n. 8.078-90: “Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”

[4] Lei n. 8.078-90: “Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;”

[5] Constituição Federal: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;”

[7] Lei n. 8.078-90: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor:    II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;”