A ALIENAÇÃO PARENTAL NO SISTEMA JUDICIÁRIO BRASILEIRO E A APURAÇÃO JUDICIÁRIA DE SUA OCORRÊNCIA, POR INTERMÉDIO DAS PERÍCAS JUDICIAIS

A ALIENAÇÃO PARENTAL NO SISTEMA JUDICIÁRIO BRASILEIRO E A APURAÇÃO JUDICIÁRIA DE SUA OCORRÊNCIA, POR INTERMÉDIO DAS PERÍCAS JUDICIAIS

30 de setembro de 2024 Off Por Cognitio Juris

PARENTAL ALIENATION IN THE BRAZILIAN JUDICIAL SYSTEM AND THE JUDICIAL DETERMINATION OF ITS OCCURRENCE, THROUGH JUDICIAL EXPERIENCES

Artigo submetido em 30 de agosto de 2024
Artigo aprovado em 06 de setembro de 2024
Artigo publicado em 30 de setembro de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 56 – Setembro de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Juliana Schewinsky[1]

RESUMO: O presente artigo, visa estudar o desenvolvimento e a prática do instituto da alienação parental no Brasil bem como a apuração da ocorrência e a condução do tema no sistema judicial, além da atuação multidisciplinar da matéria entre judiciário e profissionais de psicologia, a fim de garantir a veracidade das situações vivenciadas pelos menores, a evolução do entendimento sobre a prática lesiva e providências jurídica a ser adotadas, especialmente em defesa aos interesses dos menores e garantia dos direitos fundamentais dos envolvidos.

Palavras-chave: Alienação Parental, Traumas Psíquicos, Alienação do menor e danos aos filhos.

ABSTRACT: This article aims to study the development and practice of the institute of parental alienation in Brazil, as well as the investigation of the occurrence and management of the issue in the judicial system, in addition to the multidisciplinary action on the matter between the judiciary and psychology professionals, in order to guarantee the veracity of the situations experienced by minors, the evolution of understanding about the harmful practice and legal measures to be adopted, especially in defense of the interests of minors and guaranteeing the fundamental rights of those involved.

Keywords: Parental Alienation, Psychic Trauma, Alienation of minors and harm to children.

INTRODUÇÃO

Antes de adentrarmos no tema especificamente da alienação familiar, é importante entender os possíveis envolvidos nessa dinâmica, o núcleo social, em que conceito está inserido, bem como o momento histórico e os elementos atrelados as situações e consequências.

Inicialmente, a palavra família, na língua portuguesa é conceituada por:

“Grupo de pessoas que partilha ou que já partilhou a mesma casa, normalmente estas pessoas possuem relações entre si de parentesco, de ancestralidade ou de afetividade. Pessoas cujas relações foram estabelecidas pelo casamento, por filiação ou pelo processo de adoção. Grupo de pessoas que compartilham os mesmos antepassados; estirpe, linhagem, geração.”[i](Dicionário Online de Português)

A origem familiar, até mesmo na sua forma mais primitiva, constituiu os primórdios da linhagem da sociedade, uma entidade que precedeu a qualquer norma jurídica, no que se refere ao próprio Direito, este objetivou regrar as inúmeras relações entre os indivíduos, decorrentes de determinado momento social como: histórico, moral, cultural e econômico.

Acentua Fachin (2006), em um de seus elementos críticos:

“A família como fato cultural, está antes do Direito e nas entrelinhas do sistema jurídico. Mais que fotos nas paredes, quadros de sentido, possibilidades de convivência. Na cultura, na história, prévia a códigos e posteriores a emoldurações. No universo jurídico, trata-se mais de um modelo de família e de seus direitos. Vê-la tão só na percepção jurídica do Direito de Família é olhar menos que a ponta de um “iceberg”. Antecede, sucede e transcende o jurídico, a família como fato e fenômeno (FACHIN, 2006)”

Essa base estrutural é de suma importância no desenvolvimento do ser humano e possui muita influência no período de educação e formação da criança, especialmente se analisado o período da primeira infância (fase compreendida entre os 0 a 6 anos de idade)

A família, âmbito de desenvolvimento das crianças, principalmente, na primeira infância, constitui-se historicamente como uma instituição susceptível aos impactos das transformações culturais, sociais e econômicas. Tais circunstâncias podem incidir, direta ou indiretamente, sobre os papéis exercidos pela parentalidade, podendo afetar o cuidado e a proteção da criança e o direito a uma vida saudável. Esses aspectos comprometem o cultivo dos afetos e, por consequência, o direito à convivência familiar, preconizado pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA – Lei n. 8.8069/1990), com nova redação dada pela Lei n. 13.257/2016:

Art. 19.  É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral. (BRASIL, 1990).

A dificuldade em admitir a quebra de um relacionamento é comum a todos que já se submeteram a essa experiência, e a situação tende a demostrar  piora quando há filhos envolvidos nessas situações, pois algumas pessoas conseguem administrar os sentimentos envolvidos e outras não., Algumas pessoas ao invés de reconhecerem as necessidades das crianças, tentando resolver os conflitos da melhor maneira possível, partem para o confronto e mantém a briga, como uma forma de conservar o poder perdido e manter-se superior ao outro, e, nessa guerra todas as armas, inclusive a própria criança, são utilizadas como instrumento de disputa.

Importante fazer a distinção entre “dissolução da sociedade conjugal” de “dissolução da família”, separando-se conjugalidade, da questão familiar, pois os genitores devem ficar atentos em aceitar e assumir novas responsabilidades. Não basta um simples acordo, é necessário pôr fim ao litígio.

Sendo a dissolução da sociedade conjugal referente ao encerramento ou término do matrimônio. Esse fim pode ocorrer por meio de diferentes procedimentos dependendo das intenções do casal e conforme a legislação brasileira, mas geralmente envolve a obtenção de um divórcio ou anulação.

Já a dissolução familiar é um termo entendido como mais abrangente que englobaria não apenas a dissolução da sociedade conjugal (como divórcio ou anulação), mas também outras formas de término de relacionamentos familiares ou laços legais.

Segundo dados do CNJ e do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF) demonstram que o ano de 2020 registrou aumento de 15% no número de divórcios, com relação ao ano de 2019.

Ainda, seguindo essa perspectiva com relação ao rompimento das uniões conjugais, segundo levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nos anos de 2015 a 2021, utilizando a base de dados disponibilizada pelo sistema DataJud, verifica-se:

Tabela 1 – Total de processos extraídos do DataJud por grupamento de classes, 2015-2021

Grupo de ClassesTotal(%)
Dissolução Consensual1.238.06849,2
Dissolução Litigiosa1.155.09645,9
Dissolução não classificada99.1733,9
Dissolução da União Estável25.2301,0
Total2.517.567100,0

Fonte: Adaptado de Conselho Nacional de Justiça. DataJud, 2021.

São crescentes as contendas acerca do abandono afetivo e da alienação parental nas relações afetivas, associadas inclusive ao número progressivo de divórcios, conforme demostrado pelos números apurados pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Neste diapasão, diante do significativo aumento das demandas envolvendo conflitos entre os cônjuges, nos quais os menores se veem em disputas orquestrada pelos genitores e/ou familiares, denota-se um crescimento nos transtornos oriundos das desavenças.

Os transtornos psicológicos derivados da falta de base ou existência de conflitos estruturais no seio familiar são capazes de provocar sequelas intransponíveis nos menores envolvidos. Essa relação é notória, vez que  procuramos sempre estar mais próximo das pessoas que se assemelham a nós, no âmbito dos valores fundamentais, para uma vida mais saudável ao desenvolvimento do ser humano, de maneira especial esses transtornos gerados na infância afetam, no que diz respeito à formação do caráter e valores das crianças e princípios que regerão a vida adulta.

Sob todos os ângulos, o divórcio acirra uma significativa desarrumação familiar, sendo ocasionadas por fontes variadas: o amor acaba entre o casal; os danos da separação provocam um desequilíbrio socioafetivo; e não existem mais projetos conjugais, nem parentais. (GRISARD, 2002).

O abandono infantil refere-se à ação dos pais ou cuidadores em negligenciar e desabitar crianças que seriam de suas responsabilidades.  (D’AGOSTINO, 2014).

O abandono infantil trata-se de  uma prática cometida pelo próprio genitor, que por motivações pessoais ou familiares opta por romper o vínculo familiar e afetivo com o menor, momento em que deixa de interagir com a criança por uma conduta pessoal. Apesar de também representar diversas consequências prejudiciais aos menores, o abandono infantil não será objeto desse artigo, que irá se concentrar na ocorrência, prática, diagnóstico e consequências psíquicas da alienação parental.

O Ministério Público do Estado do Paraná – MPPR, conceitua a alienação parental como um dos temas mais delicados tratados pelo direito de família, considerando os efeitos psicológicos e emocionais negativos que pode provocar nas relações entre pais e filhos. A prática caracteriza-se como toda interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos pais, pelos avós ou por qualquer adulto que tenha a criança ou o adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância. O objetivo da conduta, na maior parte dos casos, é prejudicar o vínculo da criança ou do adolescente com o genitor. A alienação parental fere, portanto, o direito fundamental da criança à convivência familiar saudável, sendo, ainda, um descumprimento dos deveres relacionados à autoridade dos pais ou decorrentes de tutela ou guarda.

A alienação parental é uma prática que vem sendo utilizada de forma recorrente e irresponsável. Quando um dos cônjuges não consegue superar a separação e os sentimentos de rejeição, traição, vingança, desencadeiam um processo de destruição, desmoralização e de descrédito do pai ou mãe e/ou a outros membros da família (DIAS, 2006).

O instituto da alienação parental é uma forma de maltrato ou abuso, é um transtorno psicológico que se caracteriza por um conjunto de sintomas pelos quais um genitor, denominado cônjuge alienador, transforma a consciência de seus filhos, mediante diferentes formas e estratégias de atuação, com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor, denominado cônjuge alienado, sem que existam motivos reais que justifiquem essa condição.

Em outras palavras, consiste em um processo de induzir e “educar” uma criança para que desperte ou desenvolva o sentimento de raiva, ódio e/ou receio sobre um dos seus genitores, sem justificativa, de modo que a própria criança ingresse numa trajetória de desmoralização desse mesmo genitor, gerando em casos mais gravosos o rompimento da relação entre o menor com o genitor alienado.

Os primeiros estudos sobre a temática da alienação parental foram desenvolvidos por volta dos anos 1980 pelo psiquiatra norte-americano Richard Gardner. O conceito foi formulado com base nas condutas dos(as) responsáveis em razão das disputas no âmbito das famílias diante da dissolução conjugal, tendo os(as) filhos(as) como instrumentos de manipulação e vingança (GARDNER, 2002).

Também com fulcro nos números e levantamentos expostos pelo CNJ, é possível analisar que a ocorrência de alienação parental é mais comum durante o processo judiciais de separação e divórcio de casais, especialmente naqueles que consiste na disputa de guarda dos filhos menores.

Desde 2010, com a promulgação da Lei n. 12.318/2010, a alienação parental obteve um maior holofote nas disputas judiciais e passou a ser pauta de inúmeras discussões, inclusive criando posicionamento favoráveis a existência e manutenção da legislação, bem como um movimento crescente que é contrário a legislação vigente.

A lei busca salvaguardar a proteção e o direito à convivência familiar de crianças e adolescentes bem como o exercício da parentalidade ao(à) genitor(a) ou familiar em situação de alienação, porém, em relação à aplicação, existe na sociedade brasileira um debate controverso entre profissionais, instituições e movimentos sociais. De um lado, defende-se a importância da lei à proteção da criança e se endossa a pertinência dos dispositivos estabelecidos nessa normativa. De outro lado, discute-se que na prática do Judiciário a tese da alienação parental se banalizou e vem sendo usada recorrentemente de forma equivocada em processos de dissolução da sociedade conjugal e disputa de guarda. Assim, pesquisadores apontam a necessidade de problematização dessa conduta, por ser considerada como um mecanismo que pode ser utilizado de forma manipulatória contra as mulheres, em defesa de abusadores e agressores de crianças (VIANA, 2013).

A Lei nº 12.318/2010, visando trazer garantia e proteção aos melhores interesses dos menores, conceitua a alienação parental em seu artigo 2º da seguinte forma:

Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. (BRASIL, 2010).

Segundo Araújo (2014) , a alienação parental é vista como nova para o Judiciário brasileiro, mas o tema vem crescendo cada vez mais no Direito de Família, e traz com ela efeitos trágicos quando não detectada e tratada com eficiência e rapidez.

Conforme estabelecido pela Lei 12.318/10, conhecida como a Lei da Alienação Parental, define-se tal ato como sendo a interferência na formação psicológica da criança ou adolescente, de modo que cause nesta um repúdio em relação ao genitor alienado, com a intenção de dificultar seus vínculos com ele. Este ato pode ocasionar o que se denomina de Síndrome de Alienação Parental (SAP), que refere-se às sequelas emocionais e comportamentais da criança ou adolescente oriundas da Alienação Parental.

A alienação parental pode ser realizada pelo pai, pela mãe, ou até mesmo pelos dois. Ou seja, o alienador é quem impede ou dificulta o contato do filho com outro genitor, alienado, com o intuito de destruir ou de prejudicar o vínculo. Principalmente, o genitor/genitora que assumiu a guarda da criança ou adolescente após a separação. No entanto, a alienação também pode ser praticada por avós, tios ou outras pessoas que convivem com a criança ou adolescente.

A identificação de quadros alienantes consiste em uma complexa tarefa em que se faz necessária a avaliação da dinâmica familiar como um todo, e de cada indivíduo em particular. Uma completa avaliação psicológica e biopsicossocial das partes será utilizada como embasamento no laudo pericial. Desde modo, deverá englobar a análise ampla do histórico do casal e da separação, como todos os pormenores psicologicamente relevantes bem como a avaliação dos envolvidos e da criança. (Baisch & Stein, 2016).

Além do artigo 2º, da referida Lei, especificar a prática tida como alienação parental, ele ainda elenca alguns exemplos de condutas praticadas que representam a efetivação da alienação parental, sendo elas:

Parágrafo único.  São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:  

I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; 

II – dificultar o exercício da autoridade parental; 

III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; 

IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; 

V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; 

VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; 

VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. 

Além dos comportamentos citados no rol exemplificativo supracitado, a atuação em contextos de avaliações psicossociais de processos de alienação parental, corriqueiramente verificados em processos judiciais, levou à compreensão de que outras condutas também podem promover o afastamento de um determinado genitor da vida do filho, tais como:

  • Induzir a criança e/ou adolescente a reconhecer o (a) novo (a) companheiro (a) como pai/mãe.
  • Crença de que o (a) outro (a) genitor (a) não sabe cuidar da criança e/ou adolescente, tendo como convicção que é o único ou a única que é capaz de ser o (a) guardião (ã), mostrando-se extremamente apegado ao filho.
  • A criança e/ou adolescente passam a integrar as percepções negativas do (a) genitor (a) como se fossem suas, a ponto de evitar o contato com o pai ou a mãe, ou mesmo se recusar ter a convivência.
  • Em alguns casos, a recusa da criança e/ou adolescente se estende aos demais familiares.
  • O (A) genitor (a) pode dificultar a avaliação psicológica ou psicossocial, negando se a participar dos atendimentos, induzindo as falas dos filhos ou mesmo mantendo uma postura manipuladora com os profissionais.
  • A criança e/ou adolescente tem dificuldade de demonstrar afeto pelo genitor (a) na frente do outro para não o (a) desagradar.
  • Falta de sentimento de ambivalência da criança e/ou adolescente diante do genitor (a), referindo somente sentimentos negativos, não se recordando de lembranças positivas.
  • Dificuldades na criação/educação dos filhos podem ser supervalorizadas, gerando mais desentendimentos e sofrimento.
  • Falsas acusações de violência (física, psicológica, sexual ou negligência) contra os filhos.

No Brasil, o Estado prioriza a defesa dos interesses dos menores. Com a premissa da importância da participação dos genitores na vida criança, sendo necessário um convívio salutar e a participação efetiva na criação e educação do menor.

Assim, a legislação tem o condão de reforça a importância da família e de um convívio saudável entre pais e filhos. Sendo que a prática da alienação parental fere este princípio, princípio este que é um direito fundamental da criança ou do adolescente e a ideologia de garantia de convivência harmônica com os genitores.

Dessa forma, observa-se que sendo a alienação parental fenômeno lesivo à criança e ao adolescente, que têm seu direito à convivência familiar e à afetividade coibidos, resultando em uma série de consequências negativas em relação aos outros direitos, como o da dignidade da pessoa humana e direitos da personalidade, além de ter seu crescimento emocional e psicológico comprometidos.

Sabe-se que a atual perspectiva do Direito de Família guarda estreita ligação com o Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, pois ao se tentar dificultar ao filho o exercício da boa convivência familiar, que é indispensável à formação equilibrada do seu caráter, da sua autoestima e da sua liberdade de relacionar-se com quem deseja, o genitor alienante passa a ir de encontro com a dignidade do seu filho, esbarrando com os princípios constitucionais. (NETO et al., 2015)

Está previsto na Constituição Federal brasileira e em vários outros diplomas legais que regem o Direito de Família, do Jovem e da Criança, que crianças e adolescentes têm pleno direito à plena convivência familiar, porém, através da alienação parental tal direito é violado. Esse tipo de acontecimento é factualmente antigo, porém elencado juridicamente como novo, pois só foi regulamentado no ano de 2010, com a Lei nº 12.318/2010.

A alienação parental é uma forma de abuso emocional e moral, uma violência psicológica para com as crianças com graves consequências, quer para seu bem-estar psicoemocional, quer para o desenvolvimento da personalidade e projeção na vida adulta, sendo que os atos de alienação parental violam gravemente a dignidade e os direitos fundamentais da criança.

A criança/adolescente é a vítima, que sofre abuso psicológico e lesão de seus direitos constitucionalmente garantidos.

A prática de alienação parental descumpre os deveres relacionados à autoridade dos pais ou decorrentes de tutela ou guarda.

A Lei 13.431/2017 (art. 4º, II-b), reconheceu a alienação parental como violência psicológica.

Violência psicológica são atos que causam DANO emocional, como a intimidação, o constrangimento, a ofensa, o estresse, a diminuição da autoestima, o insulto, a chantagem, a ridicularização, a depreciação, o desrespeito, a humilhação, a ameaça, a manipulação, o isolamento, a agressão verbal, a indiferença, a limitação de ir e vir, a intimidação sistemática etc.

Demonstrou-se, assim, uma dificuldade tanto social como jurídica de compreender e configurar esse tipo de conflito, que pode é prejudicial aos direitos das crianças e adolescentes e à formação de famílias saudáveis (STRÜCKER, 2014).

A Lei n. 12.318/2010 é composta por onze artigos, que versam sobre o conceito de atos de alienação parental, exemplificam formas em que podem ocorrer e prevê sanções e multas à parte alienadora. O texto determina ainda que os processos com indícios de alienação parental deverão ter tramitação prioritária e orienta os procedimentos e prazos a serem adotados para averiguar cada situação, o que inclui perícia psicológica ou biopsicossocial e participação do Ministério Público.

A lei pretendeu definir juridicamente a alienação parental, não apenas para afastar a interpretação de que tal, em abstrato, não existe, sob o aspecto jurídico, mas também para induzir exame aprofundado em hipóteses dessa natureza e permitir maior grau de segurança aos operadores do Direito na eventual caracterização de tal fenômeno. É relevante que o ordenamento jurídico incorpore a expressão alienação parental, reconheça e iniba claramente tal modalidade de abuso, que, em determinados casos, corresponde ao próprio núcleo do litígio entre ex-casal. O texto da lei, nesse ponto, inspira-se em elementos dados pela Psicologia, mas cria instrumento com disciplina própria, destinado a viabilizar atuação ágil e segura do Estado em casos de abuso assim definidos. (PEREZ, 2013).

Assim, a legislação vigente preconiza (dentre outras coisas) que, quando houver algum indicador de ato de alienação parental, será solicitada uma perícia psicológica ou biopsicossocial, que deverá ser realizada por profissional ou equipe multiprofissional qualificada.

É de grande auxílio a intervenção de um profissional da área psíquica para resolver litígios de forma menos danosa às partes envolvidas. Nesse sentido, se determina a perícia psicológica no processo, sendo ela um conjunto de procedimentos técnicos que tenha como finalidade o esclarecimento de um fato de interesse da Justiça, que deve ser acompanhada por perito, ou seja, um técnico incumbido pela autoridade de esclarecer fato da causa, auxiliando, assim, na formação de convencimento do juiz para a elaboração do laudo, que irá ajudar na decisão. (GUILHERMANO, 2012).

A importância do tratamento correto de casos de alienação parental pela justiça possui viés, além de obviamente jurídico, social, pois uma vez que o Estado toma para si a responsabilidade de solucionar situações de foro tão íntimo ele precisa estar atento às consequências que o processo poderá trazer para os indivíduos envolvidos, principalmente o menor, no futuro. Portanto, é crucial que se discuta quais as melhores ferramentas e alternativas para lidar com tais situações de maneira a efetivamente pacificar a situação entre os litigantes e resguardar o menor envolvido da melhor maneira possível para que os traumas do processo não afetem sua funcionalidade na vida adulta.

A violência psicológica compromete o desenvolvimento psíquico e emocional da criança, adolescente e da parentela alienada.

A Síndrome da Alienação Parental (SAP), possui 3 estágios diferentes, são eles: leve, médio e grave. Por isso, vejamos cada um:

  • Estágio I Leve – No estágio leve os filhos possuem fortes vínculos emocionais com os dois genitores. Na qual surge a delapidação da imagem do outro genitor. Nesse estágio o alienador negligência informações e compromissos, reuniões, festas escolares.
  • Estágio II Médio – Nesse estágio, é o momento no qual alguns conflitos mais severos surgem normalmente, nos períodos de visitas. O alienador usa diferentes formas para afastar o outro genitor e enfraquecer o laço afetivo na vida da criança. Durante esse estágio a criança começa a recusar a sair com o outro genitor, e na hora da visita a criança apresenta um comportamento ofensivo, após algum tempo esse comportamento apresentado se torna mais brando.
  • Estágio III Grave – No último estágio, as crianças já demonstram sentimentos de raiva, ódio e recusa diante do alienador, e pelo outro responsável sentimento de proteção, amor por completo e irracional. Nessa etapa surgem alguns casos de falsas denúncias de abuso sexual. O último estágio é considerado grave e a criança aponta comportamentos de agressividade, crises de pânico, e até depressão, principalmente, no momento que antecede a visita.

Caso haja suspeita de alienação parental, a orientação é que que primeiro haja uma conscientização por parte das pessoas envolvidas; em seguida buscar auxílio especializado, para que, tanto os cuidadores quanto as crianças e os adolescentes possam tratar suas emoções no momento pós- separação; e em último caso buscar o caminho judicial para as providências cabíveis.

 O sofrimento psíquico dos filhos alienados é imensurável. As crianças ou adolescentes se sentem inseguros, acuados e impossibilitados de expressarem seus desejos, porque, se vêm obrigados a fazer um pacto de lealdade com o genitor opressor.

O filho não tem estrutura emocional e nem maturidade suficiente para dar um basta na violência psicológica.

A violência psicológica causada pela alienação parental deixa os filhos ansiosos, agressivos, inseguros e medrosos. A violência psicológica é um ato perverso. As crianças ou adolescentes pressionados emocionalmente relatam ter um bloqueio emocional e não conseguem falar sobre os sentimentos que os incomodam.

As vítimas da violência psicológica decorrente da alienação parental relatam sentimento de culpa, inadequação e não compreensão do mundo dos adultos.

Cabe ao psicólogo a identificação dessas situações e o posicionamento ao magistrado por intermédio do laudo, a fim de evitar maiores danos aos menores e para que haja uma decisão justa e efetiva ao caso.

Ocorre que além da prática da alienação parental, identifica-se que alguns casos os genitores, visando a agressão ao outro, bem como prejudicar o relacionamento do genitor alienado com o menor e ainda rotular aquele genitor como uma pessoa ruim, identificou-se que alguns casos, a alienação parental é criada de forma falsa, com alegações inexistentes e relatando fatos que nunca ocorreram.

Uma falsa alegação de alienação parental ocorre quando um dos pais ou responsáveis faz acusações infundadas de que a outra parte está alienando a criança contra ele.

Essas acusações são feitas com o objetivo de obter vantagens em processos de guarda ou visitação, prejudicando a imagem do outro genitor e influenciando negativamente a percepção do sistema judiciário.

A falsa alegação de alienação parental pode envolver a distorção de eventos, apresentação de evidências fabricadas, manipulação de testemunhas ou relatos enganosos sobre as interações entre o genitor e a criança.

As consequências da falsa alienação podem ser significativas tanto para o genitor acusado quanto para a criança envolvida. Algumas das possíveis repercussões incluem:

  • Aumento do conflito: A falsa alegação pode intensificar o conflito entre os pais, tornando ainda mais difícil alcançar acordos pacíficos e saudáveis para a criança.
  • Prejuízo à imagem do genitor acusado: A reputação do genitor acusado pode ser prejudicada perante a família, amigos e até mesmo perante as autoridades judiciais, afetando negativamente a sua imagem e relacionamento com a criança.
  • Impacto na custódia e visitação: As falsas acusações podem influenciar a decisão sobre a guarda e visitação, levando a uma restrição ou limitação do tempo de convivência com a criança para o genitor acusado.
  • Processos legais prolongados: As alegações de alienação parental falsas podem resultar em disputas legais prolongadas, pois é necessário investigar e analisar cuidadosamente as evidências, o que pode levar a um processo moroso e custoso.
  • Efeitos negativos na criança: A criança pode ser afetada emocionalmente pelas falsas acusações de alienação parental, sentindo-se pressionada a escolher um lado ou experimentando confusão e ansiedade devido ao conflito entre os pais.

Ressalta que as falsas alegações de alienação parental podem ter consequências legais para o genitor acusador como pagamento de DANO MORAL.

No Brasil, o estudo empírico sobre o resultado das alienações parentais nos processos judiciais encontra-se bastante deficitário e críticos acreditam que essa ausência de conteúdo seja decorrente inclusive cultural e estrutural.

Já, nos Estados Unidos, país de Gardner, o National Council of Juvenile and Family Court Judges, em publicação de 2008, defende que as cortes não devem aceitar depoimentos sobre síndrome de alienação parental, pois a teoria que postula a existência da síndrome da alienação parental (SAP) tem sido desacreditada pela comunidade científica. Eles ressaltam que desde 1999 a Suprema Corte americana decidiu que mesmo depoimentos de especialistas baseados em soft science devem atender ao padrão que requer a aplicação de um teste multifator, incluindo revisão por pares, publicação, testabilidade, taxa de erro e aceitação geral. O trabalho de Gardner não atende a esse padrão. Qualquer testemunho de que uma parte em caso de disputa de guarda sofre com a síndrome ou “alienação parental” deve, portanto, ser julgada inadmissível e prejudicada.

No Brasil, entretanto, a maior parte da literatura sobre o assunto tem somente corroborado as ideias de Richard Gardner sem maiores questionamentos. E, considerando as informações estatísticas mencionadas anteriormente, a aplicação da lei vem sendo feita predominantemente em prejuízo de mulheres. É cediço que o nosso sistema de Justiça não está efetivamente aparelhado para ofertar um tratamento multidisciplinar às demandas de família e nem todas as famílias têm condições de custear uma perícia.

Ademais, as disposições da lei que previam a utilização da mediação para a solução do litígio foram vetadas. Assim, o que se vê são respostas judiciais que promovem um acirramento ainda maior no conflito em torno da alienação parental, do que o próprio cuidado e preservação da família ou da criança e adolescentes envolvidos.

A grande crítica ao envolvimento do judiciário está pautada na questão de que os conflitos que envolvem abuso psicológico de crianças e adolescentes devem ser tratados por profissionais da psicologia e de outras áreas afins, não por juízes. A tratativa dessas questões no judiciário pode inclusive aumentar e cronificar os problemas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos pontos apresentados ao longo deste artigo, podemos denotar que o tema da alienação parental é bastante recente para o ordenamento jurídico brasileiro e ainda enfrenta algumas dificuldades, não apenas para sua aplicação, mas também uma corrente de posicionamento forte e contrária a sua condução no âmbito judicial.

No que tange as dificuldades enfrentadas no dia a dia da constatação da alienação parental se dão por diversos motivos, dentre eles, a ausência de profissionais multidisciplinares habilitados, limitação a poucas entrevistas durante os atendimentos, procedimentos insuficientes para a comprovação da alienação parental e ausência de espaço físico adequado nos fóruns para os atendimentos.

Ao analisar os argumentos das correntes de posicionamento antagônicas (favoráveis e contrárias à legislação da alienação parental) fica evidente que ambos os pontos possuem motivações honrosas e que efetivamente devem ser valorizadas.

Ainda assim, entende-se que a promulgação da lei e aplicabilidade desse instituto representa um avanço para o sistema judicial brasileiro e atende harmonicamente as demais legislações, dentre elas o Estatuto da Criança e Adolescente.

Entretanto, após a análise dos pontos trazidos e destacados pelas correntes que expressam seus posicionamentos antagônicos acerca da Lei nº 12.318/2010, uma das alternativas encontradas para minimizar os efeitos negativos apontados, seria uma otimização dos serviços psicossociais prestado pelas unidades forenses. Isso é, uma área técnica de psicólogos, terapeutas, assistentes sociais e demais profissionais associados ao tema familiar, com aprimoramento dos profissionais para prestar assistência e apoio às famílias em situações de divórcios e separações, a fim de que haja uma redução significativa da prática da alienação parental.

Vez que, entende-se como a forma mais eficiente e rápida para uma mudança no panorama judicial das alienações parentais reside no suporte emocional dos pais e demais membros familiares envolvidos na lide, diante da verificação da alienação ser proveniente de um sentimento de culpa, raiva, abandono e demais condições emocionais que na maioria das vezes não é trabalhada pelo alienador, que repassa esses sentimentos aos menores.

Assim, ao lidar com a fonte do problema, bem como conscientizando os envolvidos sobre as consequências dessas condutas praticadas para a vida adulta dos menores e a lesão permanente que esses conflitos podem gerar no psicológico do menor. Isso porque, mesmo praticando a alienação parental, o genitor alienador não busca uma mágoa em seu filho, na realidade a criança é apenas uma peça para afetar o genitor alienado.

Portanto, com uma companha de conscientização e um maior suporte profissional para enfrentar as condições emocionais geradas pelo momento do divórcio, estaremos aumentando as chances de os menores serem menos impactados de forma negativa pelas atitudes e escolhas dos seus pais, garantindo uma convivência mais harmônica e um ambiente mais propício para a solução dos eventuais conflitos que poderão surgir.

REFERÊNCIAS

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[1] Advogada, graduada pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, pós-graduada pela Escola Paulista de Direito em Direito Constitucional e Administrativo e mestranda em Processo Civil pela PUC/SP.