A INAÇÃO JUDICIAL
1 de dezembro de 2021JUDICIAL INACTION
Cognitio Juris Ano XI – Número 37 – Dezembro de 2021 ISSN 2236-3009 |
Autor: Marcos Paulo Passoni[1] |
Resumo: Este ensaio visa tratar da questão polêmica: a inação judicial e a recorribilidade.
Palavras-chave: Inação Judicial – Ato Judicial Omissivo – Mora Jurisdicional – Recurso Cabível.
Abstract: This essay aims to address the controversial issue: the judicial inaction and the appeal.
Keywords: Judicial Inaction – Omissive Judicial Act – Jurisdictional Arrears – Applicable Appeal.
1. Generalidades
A ideia deste artigo surge ao tomarmos conhecimento, vez mais, de processos que “vivem no escaninho do fórum” ou paralisados digitalmente, em tempo morto e que estão paralisados há anos, sem a apreciação pelo juízo de pedidos ou requerimentos formulados pelas partes.
A inação continuada do Poder Judiciário engendra ato judicial omissivo?
Cabe recurso contra ato omissivo do Juiz?
Respectivamente, as respostas preliminares são: sim e não.
Vejamos.
2. O processo e o tempo
O direito à tempestiva prestação jurisdicional afigura-se valor constitucionalmente assegurado na ordem jurídica vigente (art. 5º, LXXVIII, da CF/88). Demais, o direito à prestação jurisdicionao e à ação (art. 5º, XXXV, da CF/88) é indissociável do direito a tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva.
A lentidão excessiva do trâmite processual e da própria máquina judiciária, implicam em um problema estrutural, no sentido de que há um estado de coisas atual consolidado e este estado eventual precisa ou necessita de ser içado a um estado de coisas ideal desejável.
Nas palavras de Nicolò Trocker[2], “provoca danos econômicos (imobilizando bens e capitais), favorece a especulação e a insolvência, acentua a discriminação entre os que têm a possibilidade de esperar e aqueles que, esperando, tudo têm a perder” (g.n.).
E conclui: “um processo que perdura por longo tempo transforma-se também num cômodo instrumento de ameaça e pressão, em uma arma formidável nas mãos dos mais fortes para ditar ao adversário as condições da rendição”.
Nesta linha a lição do professor Luiz Guilherme Marinoni[3]: “a demora na obtenção do bem significa sua preservação no patrimônio do réu. Quanto maior for a demora do processo maior será o dano imposto ao autor e, por conseqüência, maior será o benefício conferido ao réu”; e “o processo para ser justo deve tratar de forma diferenciada os direitos evidentes, não permitindo que o autor espere mais do que o necessário para a realização do seu direito”.
O jurisdicionado tem direito à prestação jurisdicional num prazo razoável[4], sem dilações indevidas, porquanto o direito à tutela tempestiva cuida de inabalável direito subjetivo constitucional na contemporaneidade.
Constituem dilações processuais indevidas o atraso na prestação jurisdicional a ultrapassar em demasia os prazos legais ou judiciais, com exacerbado transcorrer de tempo entre os atos processuais imediatamente antecedentes dos atos subsequentes, a provocar um fluxo procedimental desnutrido de atuação estatal, voluntário ou não, em razão da falta de participação (ou mesmo decorrente de atuação frouxa) dos sujeitos interessados como autor, réu, juiz, patronos, peritos, serventuários etc.
Trata-se, portanto, de um conceito aberto, cuja dilação indevida não pode ser considerada como simples desrespeito a prazos.[5]
Estreme de dúvida de que é praticamente impossível estabelecer regras específicas e apriorísticas para prever (com objetividade) vilipêndio e desrespeito ao direito de recebimento e prestação da tutela tempestiva.
Entrementes, afigura-se possível asseverar a existência de elementos objetivos reveladores da provável ocorrência de uma (ainda indevida!) dilação processual: i) a complexidade da lide; ii) o comportamento dos litigantes e de seus procuradores; iii) a atuação (ou não) do órgão jurisdicional[6]; iv) o estado de coisas atual consolidado e enraziado (e.g., prisões superlotadas; ato omissivos do Estado à luz de uma pandemia; racismo estrutural).
Sob essas condições, as dilações processuais indevidas transformam-se, num determinado ponto do fluir procedimental (“tão logo ultrapassado o prazo legal para o cumprimento do ato”), em continuada inação judicial equivalente a ato judicial omissivo.
3. A inação judicial e ato judicial omissivo
De logo, impende registrar que não se examina aqui a conhecida morosidade processual genérica, decorrente máxime de aspectos quantitativos e burocráticos, em que vários processos sofrem e se arrastam no tempo para a finalização da lide, numa irônica isonomia de procedimento com atraso.
Se, por um lado, a morosidade processual decorrente de aspectos quantitativos e burocráticos (“morosidade processual genérica”) releva firme violação ao direito à prestação jurisdicional adequada e tempestiva, por outro lado, com ainda mais força e transgressão a direitos elementares é a morosidade processual dolosa ou direcionada ao patrono ou à parte (“morosidade processual concreta”), porque retira de alguns, de forma pinçada e sub-reptícia, o direito à jurisdição e à ação, o que fere diretamente o preceito do art. 5º, XXXV da CF.
Sob análise está a atividade concreta e continuada de um MM. Juiízo em não decidir expressamente um dado processo ou não decidir sobre um dterminado ato ou pedido ou requerimento formulados pelas partes.
Esta omissão jurisdicional é (ou transforma-se em) uma continuada inação judicial equivalente a ato judicial omissivo a partir do momento em que a parte, por algumas vezes, pede a prestação jurisdicional aguardando prazo razoável de tempo (a ser observado caso a caso) e o MM. Juízo mantém-se silente[7].
Caracterizada a ultrapassagem ao prazo razoável ao exceder os prazos previstos em lei, regulamento ou regimento interno e observadas as dilações indevidas, releva-se patente nos autos a continuada inação judicial (ato judicial omissivo).
Em tese, poderiamos dizer que o Juízo omisso ao ser provocado, por algumas vezes e por algum lapso de tempo, culmina por decidir tacitamente em sentido contrário ao pleiteado pela parte.
Em tese, também poderíamos admitir a interposição de um recurso contra este ato omissivo (ato vazio pela ausência de decisão judicial). No caso, ocorre a negativa de prestação jurisdicional por nada fazer, isso em afronta ao comando do artigo 5°, inciso LXXVIII, da Constituição Federal. Neste caso, estará o juiz tacitamente decidindo por omissão, mas, de plano, como se verá infra, não caberá recurso algum (ao menos em um primeiro momento).
4. Ato judicial omissivo e representação
O ato judicial omissivo não é recorrível porquanto o tribunal por meio de seu corregedor ou o relator do Conselho Nacional de Justiça determinará a intimação do representado, MM. Juizo ou Relator, por meio eletrônico para que, em 10 (dez) dias, pratique o ato. Caso seja mantida a inércia, também não caberá recurso, pois os autos serão remetidos ao substitito legal do juiz ou do relator contra o qual se representou para efetiva tomada de decisão em 10 (dez) dias.
Dispõe o artigo 235 do Código de Processo Civil:
“Art. 235. Qualquer parte, o Ministério Público ou a Defensoria Pública poderá representar ao corregedor do tribunal ou ao Conselho Nacional de Justiça contra juiz ou relator que injustificadamente exceder os prazos previstos em lei, regulamento ou regimento interno.
§ 1º Distribuída a representação ao órgão competente e ouvido previamente o juiz, não sendo caso de arquivamento liminar, será instaurado procedimento para apuração da responsabilidade, com intimação do representado por meio eletrônico para, querendo, apresentar justificativa no prazo de 15 (quinze) dias.
§ 2º Sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis, em até 48 (quarenta e oito) horas após a apresentação ou não da justificativa de que trata o § 1º, se for o caso, o corregedor do tribunal ou o relator no Conselho Nacional de Justiça determinará a intimação do representado por meio eletrônico para que, em 10 (dez) dias, pratique o ato.
§ 3º Mantida a inércia, os autos serão remetidos ao substituto legal do juiz ou do relator contra o qual se representou para decisão em 10 (dez) dias.”.
Convém registrar, num primeito momento, consoante os comandos dos artigos 218 e 226 do Código de Processo Civil que os prazos assinados ao juiz são impróprios, de modo que seu descumprimento não gera a princípio sanção ou preclusão.
Contudo, o art. 235 do CPC, acima transcrito, prescreve duas consequências para eventual ato judicial omissivo.
A primeira consequência: a sanção administrativa-disciplinar ao magsitrado, na hipótese do excesso de prazo ser injustificado (art. 93, IX da CF). Ao ser injusitificado, o magistrado incorrerá no descumprimento do dever imposto pelo artigo 35, inciso II, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que assim dispõe:
“…
Dos Deveres do Magistrado
Art. 35 – São deveres do magistrado:
I – Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;
II – não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar;
III – determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais;
IV – tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência.
V – residir na sede da Comarca salvo autorização do órgão disciplinar a que estiver subordinado;
VI – comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão, e não se ausentar injustificadamente antes de seu término;
VII – exercer assídua fiscalização sobre os subordinados, especialmente no que se refere à cobrança de custas e emolumentos, embora não haja reclamação das partes;
VIII – manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.
…”
Neste caso, o magistrado se suejeitará ao regular processo administrativo-disciplinar.
A segunda consequência: o envio do processo para substituto legal, à luz do art. 235 acima transcrito, para que este novo juízo “pratique o ato” (antes omisso).
Mas antes disso, são realizados alguns atos, assim resumidos:
O procedimento de denúncia é formulado pela representação da parte, ou das partes, do Minsitério Público ou da Defensoriaa Pública, à corregedorai do rescpetivo tribunal ou ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Este segundo órgão só atuará na hipótese de omissão do corregedor do tribunal.
A legitimidade da representação é, assim: da parte, do Ministério Público e da Defensoria Pública.
Tal rol não é taxativo porquanto um terceiro que tem direito de recorrer, certamente, também terá o direito de pedir a movimentação da máquina juridicária à vista de uma inação judicial injustificada.
A denúncia será indeferida liminarmente se não houver plausibilidade do pedido, o que levará ao arquivamento liminar do pedido.
Havendo plausibilidade, será instaurado o procedimento representatório para apuração de responsabbilidade pelo órgão corregedor.
A omissão judicial poderá ser jusitifica, o que levará nesta hipótese ao arquivamento da representação. A plausubilidade ou não da representação será evidenciada pela justificativa apresentada in caso pelo magistrado.
É imprescindível que haja prova[8] robusta desta dilação indevida a provocar o ato omissivo ou inação judicial e, consequente, responsabilização do agente público. E tal ônus de prova incumbe àquele que apresenta a representação, o autor, portanto, destas alegações.
Com ou sem imposição de sanções administrativas cabíveis, o corregedor do tribunal ou o relator do Conselho Nacional de Justiça determinará a intimação do representado (juiz ou relator) por meio eletrônico para que, em 10 (dez) dias, pratique o ato omisso.
Mantida a inércia, os autos serão remetidos ao substituto legal do juiz ou do relator contra o qual se representou para decisão também em 10 (dez) dias.
Apesar de os prazos serem considerados impróprios para os magistrados, é certo também que em nome da responsabilidade dos agentes públicos em um Estado Democrático de Direito, seus atos têm de ser fiscalizados, sobretudo quanta à contuda omissiva e injustificada de seus agentes.
Como se vê, ao fim e ao cabo, será determinado ao MM. Juízo omisso que pratique o ato omisso.
Caso ele se mantenha inérte, o seu substituto irá praticar o ato e terá também o prazo de 10 (dez) dias para tanto.
E se o substituto, também mantenha tal inércia.
O que fazer?
5. Ato judicial omissivo recorrível
Permanecendo o ato omisso após o pratique o ato, acim analisado, há de se debruçar previamente sobre o estudo do ato judicial recorrível. Afinal, somente cabe recurso contra ato judicial[9] e, num segundo momento, em sendo judicial e provocando lesão à parte, o ato será recorrível.
Os atos judiciais classificam-se em decisões recorríveis ou em decisões irrecorríveis (art. 203 do CPC). Decisões interlocutórias, monocráticas, sentenças, acórdão são decisões recorríveis, ao passo que os despachos de mero expediente são decisões irrecorríveis.
De despacho ou de despacho de mero expediente não cuida a hipótese de continuada inação judicial sub examine, porquanto capaz de provocar lesão grave ou de difícil reparação à parte.
Afigura-se sentença o ato judicial que põe fim à fase cognitiva do feito (fase de conhecimento ou fase de liquidação) ou põe fim propriamente ao processo (fase de cumprimento de sentença ou ao processo de execução extrajudicial). De regra, contra o ato jurisdicional classificável como sentença cabe apelação (art. 1.012, do CPC).
Decisão interlocutória, segundo o texto legal (art. 203, § 2º, do CPC), cuida de ato do juiz que, no curso do processo, resolve questão incidente sem colocar fim ao procedimento (ou fase procedimental). É atributo de caracterização da decisão interlocutória, portanto, os seguintes elementos: i) ato comissivo ou omissivo que resolver questão incidente; ii) tal ato não põe fim ao procedimento (ou fase procedimental); iii) causa lesão à parte ou está prestes a causar lesão à parte.
Qualquer ato judicial, ao nosso ver, seja comissivo ou omissivo, que possa resultar lesão à parte, com fundamento neste comando legal e caput do art. 1.015 do CPC, afigura-se ato recorrível.
Se de um lado, a sentença é ato judicial necessariamente comissivo no sentido de que põe termo ao procedimento, por outro lado, a decisão interlocutória é ato comissivo ou omissivo. A sentença, para pôr pá de cal na lide tem, irrelutavelmente, de pôr fim ao procedimento. Não há como o juiz omitir-se e, por isto, exsurgir uma sentença. A sentença, portanto, há de ser expressa. Trata-se de ato material, pois.
Já a decisão interlocutória não. Pode surgir por ato comissivo ou omissivo, sem, por evidência, pôr fim à lide. O juízo que falta à decisão, por continuada inação, exara ato interlocutório omissivo.
Explicitados os atos judiciais e a síntese de sua classificação, volta-se ao tema: O ato judicial omissivo encaixa-se em um dos tipos de atos judiciais supra-analisados?
O ato sob análise afigura-se, ao nosso sentir, decisão interlocutória, porque: i) trata-se de ato judicial que, por omissão, resolve questão incidente ao não pronunciar-se, empós inequívoca provocação; ii) não põe fim ao procedimento ou fase procedimental; iii) causa evidente lesão/prejuízo à parte; iv) na ocorrência de procedimento sem atuação judicial, nasce ato judicial omissivo.
Ora, se o jurisdicionado pede ou requer algo no curso do processo e o juiz, provocado por algumas vezes, deixa de pronunciar-se, decide o órgão judicial por omissão. Trata-se de ato omissivo indeferitório. Se a parte pleiteou, por exemplo, o levantamento de depósito judicial efetuado nos autos, em processo transitado em julgado, não há dúvida alguma de que o juiz decide por omissão, indeferindo tal pleito. O omitir-se pela continuada inação é decidir por omissão, conforme supra defendido.
Note-se que a continuada inação judicial não se constitui um não-ato, mas, pelo contrário, constitui-se num ato judicial, que por não ter sido apreciado, produz efeito às avessas; resolve, por omissão, questão incidente, conforme item “i” supra.[10]
Tal ato omissivo advindo da inação judicial não põe termo ao procedimento, contudo, provoca lesão grave ou de difícil reparação à parte. Exatamente por ser um ato omissivo (imaterial) ele não tem capacidade de finalizar a lide (art. 203 e 1.012, CPC), pois ao promover o ato omissivo, o juiz não põe termo ao procedimento. Por outro lado, o ato omissivo é lesivo. Quer seja de fato ou de direito, há lesão na clara omissão. Há, na espécie, e.g., evidente vilipêndio de direito subjetivo constitucional à tempestiva prestação jurisdicional, ainda que apreciado em tese e apenas pelo campo do cabimento (ou não) de recurso, conforme item “iii” supra.
O sistema recursal não veda o cabimento de recurso conta ato judicial omissivo, mas antes o admite. Basta observar-se o cabimento de embargos de declaração contra ato omissivo (art. 1.022, II, do CPC). Existem súmulas (n° 356/STF ou n° 282/STF) entrelaçando a figura dos recursos e da omissão. Cabe inclusive recurso especial fundado em ato omissivo do tribunal a quo que, provocado, não aprecia apontada omissão, a violar, por efeito, a literalidade do art. 1.022, inciso II, do CPC.
Não se argumente que na hipótese estar-se-ia suprimindo o primeiro grau de jurisdição. Ao nosso ver, isto não ocorre. Primeiro, porque houve evidente oportunidade para o órgão judicial não faltar à prestação jurisdicional. Segundo, ao faltar no decidir expressamente engendra decisão tácita indeferitória do quanto requerido. Em outras palavras, o juiz de primeiro grau, bem ou mal, aprecia a questão incidente a ele posta, indeferindo-a. Terceiro, ad cautelam, o sistema admite decisão per saltum, ex vi o art. 1.016 do CPC.
Por fim, a doutrina[11] ensina que o direito ao duplo grau de jurisdição não é garantia intransponível.
Numa interpretação da história do sistema recursal atual valem as palavras de ALFREDO BUZAID, ao elaborar o Anteprojeto do Código de Processo Civil em 1964, deixou alvíssimo na Exposição de Motivos do CPC: “Outro ponto é o da irrecorribilidade, em separado, das decisões interlocutórias. A aplicação deste princípio entre nós provou que os litigantes, impacientes de qualquer demora no julgamento do recurso, acabaram por engendrar esdrúxulas formas de impugnação. Podem ser lembradas, a título de exemplo, a correição parcial e o mandado de segurança. Não sendo possível modificar a natureza das coisas, o projeto preferiu admitir agravo de instrumento de todas as decisões interlocutórias. É mais uma exceção. O projeto a introduziu para ser fiel à realidade da prática nacional.” (item 15 da Exposição de Motivos). E conclui: “Concede apelação só de sentença; de todas as decisões interlocutórias, agravo de instrumento. Esta solução atende plenamente aos princípios fundamentais do Código, sem sacrificar o andamento da causa e sem retardar injustificadamente a resolução de questões incidentes” (item 33).
Ilustrativamente, vale ponderar que à luz de decisão interlocutória que aprecia uma questão incidente, indeferindo-a e, ao mesmo tempo e na mesma decisão, deixa de apreciar uma segunda questão, omitindo-se, pois, literalmente em tal apreciação, a parte embarga de declaração (art. 1.022, II, CPC) e o juízo, voluntária ou involuntariamente, persiste na omissão quanto à segunda questão. Não há dúvida alguma, neste caso, quanto ao cabimento de agravo de instrumento como sói acontece na praxe forense.
Ora, interpõe-se o recurso de agravo de instrumento requerendo a reforma da primeira decisão materialmente indeferida e, mais, reitera-se a apreciação da segunda questão, voluntária ou invonluntariamente, apreciada imaterialmente pelo mesmo juízo. Afinal, o juízo singular violou a literalidade do artigo 1.022, II, do CPC, ao não manifestar-se expressamente, incumbindo ao tribunal “ad quem” apreciar e corrigir essa segunda questão.
Caberá ao tribunal suprimir tal omissão. Terá alguém a coragem de dizer que sobre o ponto materialmente decidido (primeira questão) caberá agravo de instrumento e sobre o segundo ponto (ato judicial omissivo – segunda questão) caberá outra medida, burocratizando e conturbando o sistema recursal vigente?
Invoca-se, para corroborar a tese de cabimento de recurso contra ato omissivo, o art. 5º, LV, da Constituição Federal, que afirma que “aos litigantes, em processual judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Conclui-se que, em último caso, sem nem o magistrado diretamente responsável pelo caso e nem os seus substituto agirem (= “pratique o ato”, no dizer da lei), este ato omisso injustifidavel provavelmetne será recorrível por meio de agravo de instrumento (art. 1.015, CPC), pois, o ato judicial omissivo advindo de continuada e permanente inação judicial — verdadeira decisão indeferitória por omissão —, por cuidar-se de ato jurisdicional enquadrável na classificação dos atos processuais, qual seja, decisão interlocutória (art. 203, § 2º do CPC).
Ou, caso o agravo de instrumento venha a ser inadmitido por falta de uma decisão interlocutória em seu sentido clássico (i.e., por falta de um ato decisório “material”), ou porque a decisão “não está no rol” (e nem poderia!) do artigo 1.015 do CPC, sem dúvida, caberá mandado de segurança por violação ao direito líquido e certo do jurisdicionado, com estofo no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal.
6. Conclusão
Posto isto, é possível concluir pelos estudos supra que a inação judicial pode ser classificada como ato judicial omissivo ilegal, tão logo o MM. Juízo ou Relator no tribunal exceder injutificamente os prazos prevsitos em lei, regulamento ou regimento interno, nos termos do art. 235 do CPC.
Contudo, este ato judicial omissivo injustificável não é recorrível porquanto o tribunal, por meio de seu corregedor ou o relator do Conselho Nacional de Justiça determinará a intimação do representado, MM. Juizo ou Relator, por meio eletrônico para que, em 10 (dez) dias, pratique o ato. A interposição de recurso neste caso implicará na falta de interesse recursal.
Caso, ainda assim, seja mantida a inércia, também não caberá recurso, pois os autos serão remetidos ao substitito legal do juiz ou do relator contra o qual se representou para efetiva tomada de decisão em 10 (dez) dias.
Se, ainda assim, em último caso, o substituído venha a manter o estado de coisas de inércia e de inação jujdicail para o caso, o que significaria uma segunda omissão judicial ilegal, a nosso sentir, não restaria outra situação, senão, a interposição de agravo de instrumento ou, em último caso, caso este seja considerado inadmissível, a impetração do mandado de segurança.
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[1] Doutorando em Direito pela PUC-SP. Mestre em Direito Difusos e Coletivos pela Unimes/Santos-SP. Professor de Direito Processual Civil da Escola Superior de Advocacia de São Paulo. Advogado.
[2] Trocker, Nicolò. In Processo Civile e Constituzione, p. 276/277
[3] Marinoni, Luiz Guilherme. In A Antecipação da Tutela. 3ª. Edição. Ed. Malheiros. p. 107.
[4] Artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, que dispõe: “LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”. Já em 1950, portanto há mais de meio século, o art. 6º, 1, da Convenção Européia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, tratava da ideia de prazo razoável: “Toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada eqüitativa e publicamente num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial instituído por lei, que decidirá sobre seus direitos e obrigações civis ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal contra ela dirigida.” Em 1969, nesta mesma trilha de pensamento e repúdio à dilações indevidas, o art. 8º, 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada em San José, Costa Rica, prescreve: “Toda pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, instituído por lei anterior, na defesa de qualquer acusação…”.
[5] Ressalte-se, outrossim, que a preclusão desempenha importante papel no combate à dilações indevidas, pois soluciona o descumprimento dos prazos de natureza preclusiva (art. 507, CPC), fechando as portas internas dos ambientes processuais à parte reticente, ao passo que o texto sob estudo alude a prazos não sujeitos à preclusão. Afinal, os recursos não são aptos a desconstituir ato omissivo já acobertado pela preclusão consumativa (STF, 2ª T., RE 212.003-1, RS).
[6] José Rogério Cruz e Tucci, in Tempo e Processo, São Paulo: RT, 1997, p. 66-80.
[7] Ao nosso sentir, na prática, basta a parte comprovar via publicações do Diário Oficial que outros atos, durante certo lapso de tempo, foram editados pelo juízo daquele foro. Não há necessidade de apresentação de prova de ocorrência de elementos subjetivos, mas tão-só, faz-se mister comprovar a existência de elementos de percepção da omissão como esses externados pelas publicações do Diário Oficial.
[8] Luis Guilherme da Costa Vagner Jr., in Breves Comentários ao Novo CPC, p. 679: “Extrai-se a importante ideia de que eventual responsabilização do magistrado, bem como o encaminhamento de seus processos para um substituo exige a demonstração de que a demora no cumprimento dos prazos é injustificada, devendo, portanto, serem analisadas e ponderadas as condições estruturais (número de funcionários, número de distribuição de processos, equipamento disponível, comparação com a produção de outros magistrados etc.) a que o magistrado estava submetido, antes de qualquer decisão.”
[9] Os atos das partes, do Ministério Públicos, dos auxiliares do juízo são insuscetível de recurso. “Em primeiro lugar, cumpre-nos observar que, no direito processual civil brasileiro, somente os atos do juiz são passíveis de recursos.”, Nelson Nery Jr, in Teoria Geral dos Recursos, São Paulo: RT, 2004, p. 234.
[10] Nessa linha de pensamento é a lição do jurista Nelson Nery Jr., “A recorribilidade das interlocutórias é, portanto, ampla, não se justificando a subsistência do instrumento espúrio e inconstitucional da correição parcial. Assim como no direito penal existem crimes que se tipificam se praticados por ato comissivo ou omissivo, possibilitando, portanto, o reconhecimento de que possa haver ato lesivo por omissão, da mesma maneira entendemos que as omissões do juiz no processo civil, se tiverem aptidão para causar dano à parte ou interessado, são corrigíveis por intermédio do recurso de agravo ou do mandado de segurança, conforme o caso.” In Teoria Geral dos Recursos, 6ª ed., São Paulo: RT, 2004, p. 87.
[11] Por todos, Dinamarco, Nova Era do Processo Civil, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 122. “Em algumas hipóteses, é plenamente racional a dispensa do duplo grau, especialmente em nome do direito de acesso à justiça ou, mais precisamente, de uma maior qualidade e tempestividade da tutela jurisdicional.” in Luiz Guilherme Marinoni, 5ª ed., São Paulo: RT, 2002, p. 220.