SUPERENDIVIDAMENTO NOS CONTRATOS BANCÁRIOS

SUPERENDIVIDAMENTO NOS CONTRATOS BANCÁRIOS

1 de março de 2022 Off Por Cognitio Juris

OVER-INDEBTEDNESS IN BANK CONTRACTS

Cognitio Juris
Ano XII – Número 39 – Edição Especial – Março de 2022
ISSN 2236-3009
Autores:
Thais Lino dos Santos[1]
Markus Samuel Leite Norat[2]

RESUMO: Este artigo é um estudo sobre o advento do superendividamento decorrente de onerosidades contratuais e os potenciais danos à dignidade humana, tendo como principal finalidade o reconhecimento de garantias ao consumidor. Tem como objetivo analizar as infrações penais tipificadas como crimes contra o consumidor, abordando os dispositivos que integram o Código de Defesa do Consumidor, a Legislação brasileira e seus principios. Este diploma legal instituiu uma série de normas que visam à proteção do consumidor, dispondo o legislador como forma de proteção do bem jurídico e prevenção sobre delitos contra as relações de consumo. O Superendividamento atinge o consumidor como indivíduo e ser social, além da dignidade da pessoa humana, no momento em que o consumidor é atingido pelo endividamento crônico. Com a criação de novos produtos os indivíduos tentem a consumir cada vez mais novos produtos, visto que somos uma sociedade consumerista. Com o consumo excessivo, surge o problema do superendividamento. O extremo endividamento gera consequências sociais, entre eles, o desafio para o desenvolvimento sustentável da economia. Nesses contratos bancários, as instituições financeiras visam o lucro e dessa maneira conseguem atrair clientes, seduzidos pelas propagandas publicitarias para fazer empréstimos a fim de obter determinado produto ou serviço de forma facilitada. Com essa facilidade, os consumidores fazem novos empréstimos que não conseguem adimplir fazendo com que seu cenário econômico piore cada vez mais, devido às taxas de juros impostas pelos órgãos bancários. Para a solução desse problema, está em trâmite o projeto de Lei 3.515/2015 que prevê medidas judiciais para garantir o mínimo existencial e preservar a dignidade do consumidor, evitando o abuso bancário. O consumidor, leigo e de boa-fé, encontra-se, então, superendividado, à medida que seus rendimentos presentes e futuros são incapazes de suportar o pagamento das dívidas, globalmente. De outra banda, a dignidade da pessoa humana – conceito nascido na Antigüidade e de roupagem contemporânea assumida após a Segunda Guerra Mundial – é protegida pela Constituição da República de 1988 já em seu artigo 1º, inciso III. Princípio reitor do ordenamento jurídico, a dignidade é plenamente aplicável às relações jurídico-privadas e, conseqüentemente, às relações de consumo. O Brasil não pode, então, face à realidade crescente dos casos de superendividamento, omitir-se, devendo desenvolver mecanismos adequados para prevenir e tratar o consumidor superendividado, resgatando a dignidade da pessoa humana perdida. Será demostrada a Lei 8.078/90, importante ferramenta para a proteção do consumidor diante das práticas abusivas no mercado de consumo, não está preparada para amparar as pessoas/consumidores que por questões alheias a sua vontade ficam impossibilitadas de adimplir com as suas dívidas. O presente estudo visa ainda à definição do Superendividamento, pois tema novo nos debates jurídicos e o projeto de lei n° 283/2012, que será um avanço significativo para a prevenção e combate ao Superendividamento. Por ser um tema pouco explorado, objetiva-se também demonstrar as opiniões doutrinárias e jurisprudências acerca da problemática. A metodologia aplicada foi a qualitativa com o uso do método de procedimento histórico-comparativo-sociológico e de investigação bibliográfica, onde foram consultados livros, artigos publicados em periódicos, jurisprudencias, documentos eletrônicos e a legislação pertinente ao tema.

Palavras-chaves: Superendividamento. Contratos Bancários. Dignidade da Pessoa   Humana. Direito do Consumidor.

ABSTRACT: This article is a study on the advent of over-indebtedness resulting from contractual burdens and potential damage to human dignity, with the main purpose of recognizing consumer guarantees. It aims to analyze criminal offenses typified as crimes against the consumer, addressing the provisions that integrate the Consumer Defense Code, the Brazilian legislation and its principles. This legal diploma instituted a series of norms aimed at consumer protection, providing the legislator as a form of protection of the legal asset and prevention of crimes against consumer relations. Over-indebtedness affects the consumer as an individual and a social being, in addition to the dignity of the human person, when the consumer is affected by chronic indebtedness. With the creation of new products, individuals tend to consume more and more new products, as we are a consumer society. With excessive consumption, the problem of over-indebtedness arises. Extreme indebtedness generates social consequences, including the challenge for the sustainable development of the economy. In these banking contracts, financial institutions aim for profit and thus manage to attract customers, seduced by advertising advertisements to make loans in order to obtain a certain product or service in an easy way. With this ease, consumers make new loans that they are unable to repay, making their economic scenario worse and worse, due to interest rates imposed by banking agencies. For the solution of this problem, the bill of Law 3.515/2015 is in progress, which provides for legal measures to guarantee the existential minimum and preserve the dignity of the consumer, avoiding banking abuse. The consumer, layman and in good faith, finds himself, therefore, over-indebted, as his present and future income is unable to support the payment of debts, globally. On the other hand, the dignity of the human person – a concept born in Antiquity and of contemporary clothing assumed after the Second World War – is protected by the Constitution of the Republic of 1988 already in its article 1, item III. As a guiding principle of the legal system, dignity is fully applicable to legal-private relationships and, consequently, to consumer relationships. Brazil cannot, therefore, given the growing reality of cases of over-indebtedness, omit itself, and must develop adequate mechanisms to prevent and treat over-indebted consumers, rescuing the dignity of the lost human person. Law 8078/90 will be demonstrated, an important tool for consumer protection against abusive practices in the consumer market, it is not prepared to support people/consumers who, for reasons beyond their control, are unable to pay their debts. This study also aims to define Over-indebtedness, as it is a new theme in legal debates and the bill of law No. 283/2012, which will be a significant advance in preventing and combating over-indebtedness. As it is a little explored theme, the objective is also to demonstrate the doctrinal opinions and jurisprudence about the issue. The methodology used was qualitative, using the method of historical-comparative-sociological procedure and bibliographical investigation, where books, articles published in periodicals, jurisprudence, electronic documents and legislation relevant to the subject were consulted.

Keywords: Over-indebtedness. Banking Contracts. Dignity of Human Person. Consumer Law.

INTRODUÇÃO

O ato ou processo de consumir bens de consumo sempre foi uma característica do ser humano, desde os primórdios da humanidade. A nova realidade das relações de consumo, advinda das transformações econômicas e tecnológicas, proporcionou, em diversos países, a implementação de uma legislação específica para proteger o consumidor, com fito de equilibrar essas relações consumeristas. Nas últimas décadas, o Brasil passou por três momentos importantes para consolidação dos direitos e da cidadania. O primeiro ocorreu por ocasião da promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988. O segundo momento aconteceu com entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, em 11 de março de 1991. O terceiro se iniciou em 2003, com a aplicação do novo Código Civil, que tramitará no Legislativo brasileiro por cerca de vinte e cinco anos.

O referido código implementou um equilíbrio nas relações privadas da população brasileira. Com o advento do Código de Defesa do Consumidor (CDC), editado pela Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, foram estabelecidas novas regras para o consumidor de produtos e serviços. Este microssistema jurídico cunhou cláusulas denominadas abusivas, proibindo práticas comerciais desleais, equilibrou as partes do contrato, constituindo-se como instrumento de amparo aos seus direitos, além de ser um mecanismo voltado a disciplinar deveres e obrigações dos produtores e fornecedores de bens e serviços. Além disso, a efetividade das normas inseridas no CDC demonstra um novo posicionamento do consumidor nas relações de consumo, isto é, uma nova ordem movida pela conscientização de que produtos e serviços de qualidade que não ponham em risco a incolumidade física ou a vida das pessoas são exigências básicas, senão primárias, de toda sociedade moderna que se pretenda reconhecer como justa.

Compõem esta Lei as infrações penais que são tratadas nos artigos 63 a 74 que demonstram essas temáticas: dispõe sobre a omissão de dizeres essenciais, nocividade e periculosidade; informações sobre características de produtos e serviços; práticas de produtos e serviços; prática de publicidade enganosa ou abusiva; ameaça e constrangimento na cobrança de dívidas; dificuldade de acesso aos bancos de dados; correção de informações e sobre a entrega do termo de garantia.

Desta forma, o presente estudo visa analisar as origens do superendividamento, suas características, e o possível tratamento, analisando a forma com que países como a França garantem a proteção e tratamento deste fenômeno, a fim de determinar especificamente quais práticas dos fornecedores acarretam no superendividamento do consumidor e as possíveis sanções a serem aplicadas, visto que, conforme será explicitado, esta condição desrespeita o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

No primeiro capítulo é feita uma abordagem histórica da evolução do consumo, do Código de Defesa do Consumidor brasileiro e a conceituação de consumidor perante do CDC. Já no segundo capítulo, é feita a análise do fenômeno do Superendividamento, analisaremos o conceito, as espécies, as causas, pressupostos e efeitos deste fenômeno, bem como a caracterização do consumidor neste quadro. Partindo desse pressuposto, mencionaremos a Lei Francesa que inspirou o Projeto de Lei brasileiro sobre o Superendividamento e o modelo de renegociação com a proposta brasileira de prevenção e tratamento ao consumidor, a chamada PL nº 3515/2015. Também enfatizaremos o anteprojeto brasileiro para alteração do Código de Defesa do Consumidor ao qual visa a proteção do superendividado.

Partindo desse pressuposto, no terceiro capítulo, discutiremos o tratamento do consumidor superindividado e a tutela da dignidade da pessoa humana versus sua responsabilidade penal. Já no quarto capítulo, apontaremos aas relações de consumo e o consumidor de serviços bancários, abordando os princípios gerais dos contratos. E por fim, no quinto e último capítulo, iremos mostrar o rol de possibilidades legais em relação a prevenção e tratamento do superendividado constantes na Constituição de 1988, no Código Civil de 2002, no Código de Defesa do Consumidor, juntamente com seus deveres contratuais e no Código de Processo Civil, bem como, os entendimentos dos tribunais de justiça, regionais federais e superiores acerca do tema ora estudado.

Não pretendemos, com o presente trabalho, esgotar o tema, em face das inúmeras peculiaridades que o abarcam, contudo, tencionaremos apresentar uma reflexão acerca do fenómeno do Superendividamento comum nas sociedades de consumo atuais, ao qual vem ganando destaque nas discussões jurídicas sobre direitos do consumidor e a lei que os protege.

            A importancia da pesquisa em comento, envolve não só fatores de direito económico, relativos às relações de consumo, mas também fatores ligados aos direitos humanos, tendo em vista a garantía constitucional do principio da dignidade da pessoa humana.

Para a elaboração deste artigo, foi empregada em grande parte a metodologia dedutiva, buscar-se-á, com fundamento na pesquisa documental e bibliográfica através dos poucos doutrinadores atuantes na área, além da análise de jurisprudências, artigos especializados, sites e revistas jurídicas sobre o referido tema, além de fazer uma interpretação dos documentos e da legislação pertinente ao tema da pesquisa, buscando-se uma visão abrangente dos problemas a seguir relatados.  A vertente metodológica a ser utilizada na pesquisa será qualitativa, analisando as causas e efeitos do Superendividamento. Visa o presente estudo a tutela penal do consumidor através da tipificação de condutas que caracterizam crimes contra as relações de consumo e suas respectivas sanções à luz do CDC e leis especiais. Será analisado, ainda, o princípio da dignidade da pessoa humana atingido pelo superendividamento do consumidor nos contratos bancários. A evolução do consumismo se faz necessárias normas protecionistas para preservação de um mercado em crescimento expansionista.

1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONSUMO

            O estudo desse tópico pretende-se estudar a evolução do Direito do Consumidor. Para que o sistema de proteção do consumidor, como o conhecemos hoje, seja bem compreendido, é necessário arrolar uma série de ocorrências históricas envolvendo o consumo, de forma a demonstrar a evolução dos institutos jurídicos aplicáveis às relações de consumo.

            Para a concretização das relações de consumo, necessário se faz a coexistência de fornecedor e consumidor. O primeiro, fabricando, expondo a venda ou prestando o serviço solicitado pelo consumidor; o segundo, adquirindo os produtos para a satisfação de suas necessidades e desejos. Referida relação deve guardar compatibilidade para que uma das partes não seja prejudicada. Sabe-se que o crescimento populacional impulsionou o consumo, consequentemente, aumentou a oferta de produtos e serviços para atender a demanda, o que fez com que os fornecedores oferecessem produtos e serviços em grande escala (produção em série), o que foi possível, graças ao surgimento da tecnologia, do incremento na informática e meios de comunicação.

            Os fenômenos de intercâmbio de bens e convivência entre os homens são derivados de sua natureza gregária. São, por isso mesmo, anteriores à regulamentação jurídica e, ao longo da evolução das sociedades organizadas politicamente, continuam a inovar e surpreender os legisladores. Não é o direito que cria a realidade e procura outorgar à sociedade instrumentos que orientem as pessoas a se resguardarem contra práticas abusivas e a contarem com o apoio da autoridade estatal, mas a própria vida em sociedade[3].

            Tornou-se, portanto, necessária a regulação das relações de consumo advindas da oferta de produtos do fornecedor ao consumidor, que antes eram por escambo ou simples operações mercantis, evoluindo para as modalidades atuais de compra e venda, arrendamento, financiamentos para que atendam ao consumo em massa e, ao mesmo tempo, respeitem o consumidor, que se apresenta cada vez mais fragilizado.

            Exemplo de providência legislativa, que visa atender as constantes transformações do direito contemporâneo em busca de diminuir desigualdades advindas das relações jurídicas referentes ao consumo, é a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispõe sobre o Código de Defesa do Consumidor no Brasil.

            O Estado passou a intervir com intensidade nas relações particulares, buscando atender e dar suporte as relações sociais, econômicas e jurídicas, que evoluíram a partir do incremento das relações de consumo. Diversos direitos subjetivos foram reconhecidos, como, por exemplo, os direitos dos trabalhadores, dos consumidores, dos idosos, entre outros, editando-se normas em benefício das referidas categorias, protegendo-as e cumprindo a Constituição Federal.

            O Código de Defesa do Consumidor representa uma inovação no ordenamento jurídico nacional, uma verdadeira mudança de paradigma por parte do Poder Público em relação ao consumidor, que se afastou da visão liberal do direito civil, passando a trilhar o caminho do direito do consumidor sob uma ótica social, que, enquanto norma, busca o equilíbrio nas relações de consumo.

1.1  EVOLUÇÃO DO DIREITO DO CONSUMIDOR

A temática envolvendo o consumidor tem sido amplamente estudada, abrangendo países, desenvolvidos ou não, que mesmo sem ter recebido tal denominação inicialmente, foi objeto de proteção na idade antiga. De maneira suscinta iremos explanar a Evolução histórica do Código de Defesa do Consumidor.

            Registros históricos – a exemplo o Código de Hamurabi, na Babilônia – que datam do século XVIII a.C. apontam a existência de regras para tratar de questões de cunho familiar e sucessório, além de patrimoniais, assuntos relativos a preço, qualidade e quantidade de produtos também são mencionados[4].

            Há, também, registros de que os interesses dos consumidores estavam resguardados na Mesopotâmia, no Egito Antigo e na Índia do século XIII a.C., onde o Código de Massu previa pena de multa e punição, além de ressarcimento de danos, aos que adulterassem gêneros, ou entregassem coisa de espécie inferior à acertada ou, ainda, vendessem bens de igual natureza por preços diferentes[5].

            Prescrevia, ainda, o Código de Manu, em todo contrato de compra e venda, um prazo de 10 dias para a confirmação da venda (art. 215), podendo o negócio ser desfeito, dentro daquele prazo, demonstrando a preocupação nas rudimentares relações de consumo[6].

            As leis e regramentos eram editadas pelo Estado que intervinha no mercado e na economia, regulando o fornecimento de produtos e serviços, bem como o abastecimento em Roma[7].

            Colaciona-se o escólio de Rafael Correia de Meira acerca do tema:

Com a Lei das XII Tábuas, as incertezas do sistema jurídico romano desaparecerem. O direito romano deixara de ser um direito exclusivamente consuetudinário, para se transformar num direito legítimo, fundado em normas escritas. Estava dado o grande passo em direção de seu futuro. O mais era continuar, acompanhar a evolução constante dos fatos sociais, que se modificavam, dia a dia[8].

Depoimentos de Cícero, século I a.C., asseguram garantia sobre vícios ocultos na compra e venda no caso do vendedor prometer que determinada mercadoria era dotada de certas qualidades e estas serem inexistentes, registrando-se, novamente, a preocupação com o consumidor[9].

Sob o domínio de Justiniano, a responsabilidade pelos vícios da coisa também era atribuída ao vendedor, mesmo que desconhecesse o defeito. A boa-fé do consumidor era base utilizada nas ações redibitórias e quanti minoris nas situações de ressarcimento de vícios ocultos na coisa vendida. Se o vendedor tivesse conhecimento do vício deveria devolver o que recebeu em dobro. Ensina Oscar Ivan Prux:

[…] no período romano, de forma indireta, diversas leis também atingiram o consumidor, tais como: a Lei Sempcônia de 123 a.C., encarregando o Estado da distribuição de cereais abaixo do preço de mercado; a Lei Clódia do ano 58 a.C., reservando o benefício de tal distribuição aos indigentes e; a Lei Aureliana, do ano 270 da nossa era, determinando fosse feita a distribuição do pão diretamente pelo Estado. Eram leis ditadas pela intervenção do Estado no mercado ante as dificuldades de abastecimento havidas nessa época em Roma[10].

Destaca-se no período de Deocleciano, ainda, no Império Romano, as práticas do controle de abastecimento de produtos, principalmente nas regiões conquistadas, na decretação de congelamento de preços, uma vez que se fazia sentir o processo inflacionário, gerado em grande parte pelo déficit do tesouro imperial na manutenção das hostes de ocupação[11].

Marco histórico para o direito do consumidor é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, consequência da Revolução Francesa, em 1789, pois antes do sujeito ser um consumidor, deve-se reconhecê-lo como cidadão, titular de direitos individuais; tal perspectiva, fundamental na evolução histórica, serviu, e serve, de suporte para as inovações legislativas advindas do Estado[12].

O jurista português Carlos Ferreira de Almeida afirma que no direito português:

Os códigos penais de 1852 e o vigente de 1886, reprimindo certas práticas comerciais desonestas, protegiam indiretamente interesses dos comerciantes: sob o título genérico de crimes contra a saúde pública, punem-se certos actos de venda de substâncias venenosas e abortivas (art. 248º) e fabrico e venda de gêneros alimentícios nocivos à saúde pública (art. 251º); consideram-se criminosas certas fraudes nas vendas (engano sobre a natureza e sobre a quantidade das coisas – art. 456)[13].

A partir do século XVIII, as descobertas que partejaram a Revolução Industrial modificaram, de modo fundamental, as relações de consumo, repercutindo nos direitos comercial e civil[14].

Em 1º de agosto de 1905, foi promulgada na França a primeira lei, que trata sobre fraudes e falsificações de mercadorias, em especial destinada à alimentação, expressão da preocupação do Estado para com o consumidor, início do século XX[15].

A partir da década de 1970, diversos países, fomentados por movimentos e associações de consumidores, desenvolveram legislações sobre os direitos do consumidor, que fizeram com que o assunto se desenvolvesse.

Na Itália, na década de 1970, não havia legislação específica sobre consumidor, relata J. M. Othon Sidou: na França, apenas em 1973, foi editada a lei Royer que previa normas de proteção aos consumidores, servindo de orientação ao comércio e artesanato da época[16].

            Entre as primeiras leis de proteção do consumidor deste período, merecem lembrança as leis francesas: (a) Lei de 22/12/1972 que permitia aos consumidores um período de sete dias para refletir sobre a compra; (b) Lei de 27/12/1973 – Loi Royer, que em seu art. 44 dispunha sobre a proteção do consumidor contra a publicidade enganosa; (c) Lei nº 78, 22 e 23 (Loi Scrivener), de 10/1/1978, que protegiam os consumidores contra os perigos do crédito e cláusulas abusivas[17].

Segundo Oscar López Santos: “A lei espanhola, por exemplo, que é de 1984, regulamentou o artigo 51, da Constituição de 1978 daquele país, o qual estabelece aos poderes públicos que garantam a defesa dos consumidores[18].

            Jean Calais-Auloy, observa que houve evolução do direito do consumidor na Europa como um todo:         

Quando a Comunidade Europeia foi instituída pelo Tratado de Roma, em 1957, a lei do consumidor não existia. É a partir dos anos de 1970 que o desequilíbrio entre profissionais e consumidores tornou-se um problema social e que foi tomada, na maioria dos países europeus, uma legislação para proteger os consumidores. Assim nasceu o direito do consumidor, puramente nacional a origem[19].

Nota-se assim, evolução considerável em benefício do consumidor em diversas partes da Europa – que se estendeu pelo continente americano e pelo Brasil – e que contribuíram para a estruturação e desenvolvimento até o atual estágio.

Quando da formação e estruturação do Brasil o direito português foi aplicado até que leis próprias fossem editadas. Influenciadas, por certo, pelo direito europeu de modo geral, essas leis continham normas de direito civil, comercial, náutico entre outras e traziam modestas disposições acerca do consumidor.

Comenta Giordano Bruno Soares Roberto que:      

Não é possível compreender o momento atual do direito privado brasileiro sem olhar para sua história. Para tanto, não será suficiente começar com o desembarque das caravelas portuguesas em 1500. A história é mais antiga. O direito brasileiro é filho do direito português que, a seu turno, participa de um contexto mais amplo[20].

Tendo vigido no Brasil durante todo o período da colonização, as Ordenações do Reino de Portugal, ou seja, o direito brasileiro compreendia a extensão dos direitos dos colonizadores, que foram substituídos gradativamente, como dito. Assim, em 1850, é editado o Código Comercial de 1850 e, em 1916, o Código Civil.

Esclarece-nos a respeitos das regras de consumo na época do Império no Brasil, Laurentino Gomes:

Numa ocasião, chegou de surpresa às lojas do centro do Rio de Janeiro depois de receber a denúncia de que os comerciantes fraudavam as medidas para enganar os clientes na venda de tecidos e outras mercadorias. Munido da medida padrão do império, foi de loja em loja mensurando as réguas métricas tomando nota dos infratores, que seriam punidos mais tarde[21].

Quanto às legislações correlatas, contendo dispositivos que, de forma indireta atendiam ao consumidor, serviam de suporte ao tema: o Decreto nº 22.626, de 1933, destinado a reprimir a usura; o Decreto-Lei nº 869 de 1938, que tratava sobre os crimes contra a economia popular e, em 1962, a Lei nº 4.137, sobre a Repressão ao Abuso Econômico.

Destaca-se em nível estadual, a criação do Procon de São Paulo, em 1978, por meio da Lei nº 1.903, de 1978, e no âmbito federal, em 1985, o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor por meio de Decreto nº 91.469, experiências iniciais relativas à defesa específica do consumidor.

Na década de 70, foi criada a Associação de Defesa do Consumidor de Porto Alegre/RS, que editava a Revista Consumidor. Outras associações foram criadas Brasil afora, entre elas, na década de 80, o IDEC – Instituto de Defesa do Consumidor, em São Paulo, que editava a revista Consumidor S.A[22].

Representando avanço para o assunto, em 1985 foi promulgada a Lei nº 7.347, que dispõe sobre a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao consumidor, dispondo acerca dos interesses difusos e outras proteções.

No 7º Encontro Nacional do Movimento Consumerista Brasileiro, realizado em 1987, pela ocasião das discussões dos constituintes sobre os direitos do consumidor, novas propostas foram encaminhadas a Assembleia Nacional Constituinte, tendo recebido o nº 2.875, de 08 de maio de 1987 do referido Órgão. Estudos apontam que na segunda metade da década de 80 o consumidor brasileiro preocupou-se mais com seus direitos, em especial após a implantação do Plano Cruzado e toda a celeuma dele decorrente. Em 1990, editou-se a Lei nº 8.078, criando o Código de Defesa do Consumidor (CDC), atendendo a determinação da CF/88, prevista no art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; estabelecendo normas de ordem pública, contendo regras de direito material e processual nas áreas cível, criminal e administrativa para a regulação da temática do consumidor. As associações de consumidores passam a ser destacadas e protegidas como entidades de defesa do consumidor.

Ressalta-se que o CDC, editado em 11 de setembro de 1990, passou a vigorar a partir de 11 de março de 1991, contribuindo para estruturação do tema no Brasil, pois, apesar de ter elaborado sob a égide do CC de 1916, foi permeado por correntes doutrinárias, com inovadoras medidas em benefício dos consumidores, apresentando um corte no sistema jurídico.

A visão da sociedade e a proteção ao consumidor expandiram-se em alguns países a partir dos anos 1960. Em especial, pelo surgimento de associações de consumidores nas entranhas da sociedade, que desenvolveram o tema permitindo inovações legislativas em benefício do consumidor.

O CDC brasileiro foi editado com base nas legislações modernas, considerando-se as experiências legislativas então vigentes, em especial as disposições do Código Civil, aplicadas às relações jurídicas de consumo.

Pelas regras do Código Civil de 1916, vigia o pacta sunt servanda, que as partes pactuavam livremente o que pretendiam, observando a autonomia da vontade. Com o advento do CDC, tal autonomia da vontade não mais é observada, vez que o contrato de adesão sobrepõe-se à autonomia de vontade.

Neste sentido, Afrânio Carlos Moreira Thomaz leciona:

Consciente dessa realidade, o Estado brasileiro procurou dotar o consumidor de instrumentos e expedientes jurídicos que pudessem atenuar esse desequilíbrio, afastando, com isto, a opressão normalmente exercida pelo fornecedor, que o CC de 1916, em virtude da ideologia vigente à época em que foi elaborado, não conseguiu evitar. Com efeito, naquele diploma as limitações à ampla liberdade contratual cingiam-se, basicamente, às hipóteses de nulidade e de anulabilidade dos negócios jurídicos, cujo rol era taxativamente elencado em seu texto[23].

            As discussões acerca do desenvolvimento do direito do consumidor e do direito coletivo no Brasil, consta da elaboração do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, apresentado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual, submetido à apreciação do Ministro da Justiça no final de 2002, e que tinha por objetivo aperfeiçoar as regras do microssistema brasileiro de processos coletivos[24].

            A temática consumidor não permanece parada no tempo, haja vista as mudanças advindas da sociedade, do mercado de consumo, que requerem adequações, tanto, que foi instituída Comissão de Juristas[25] pela Presidência do Senado Federal, visando sugerir alterações ao CDC atual, adequando-o às novas realidades.

No Brasil, o Direito do Consumidor surgiu entre as décadas de 40 e 60, quando foram sancionados diversas leis e decretos federais legislando sobre saúde, proteção econômica e comunicações. Dentre todas, pode-se citar: a Lei n. 1221/51, denominada Lei de Economia Popular; a Lei Delegada n. 4/62; a Constituição de 1967 com a emenda n. 1/69, que consagrou a defesa do consumidor; e a Constituição Federal de 1988, que apresenta a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica (art. 170) e no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que expressamente determinou a criação do Código de Defesa do consumidor.

1.2 CONCEITO DE CONSUMIDOR NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR BRASILEIRO

            O conceito de consumidor adotado no CDC foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, foi considerado tão somente o personagem que, no mercado de consumo, adquire tão somente o personagem que, no mercado de consumo, adquire bens ou então contrata a prestação de serviços como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de sua necessidade própria e não para aplicação de outra atividade. Assim, o legislador procurou abstrair tal conceituação, componentes de natureza sociológica. Para melhor entendimento, as figuras criadas no ordenamento Jurídico da lei 8.078/90, expõem as definições de consumidor (art. 2º) e fornecedor (art. 3º) da referida lei:

Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Observa-se que o conceito de consumidor, adotado pelo nosso ordenamento jurídico, difere de muitos conceitos adotados por legislações em outros países. A abrangência da legislação brasileira é significamente ampla e possui uma gama de situações diversificadas. Embora não esteja definida em lei uma regra para enquadramento da pessoa jurídica na figura do consumidor, a doutrina estabelece requisitos que norteiam o envolvimento da pessoa jurídica. Embora não esteja definida, em lei, uma regra para o enquadramento da pessoa jurídica na figura do consumidor, a doutrina estabelece requisitos que norteiam o envolvimento da pessoa jurídica. Para um melhor entendimento, cita-se o comentário de Filomeno (2007, p. 29) a seguir:

Em primeiro lugar, o fato e que, os bens adquiridos são bens de consumo e não bens de capital. Em segundo lugar, no caso que houver um desequilíbrio entre fornecedor e consumidor que favoreça o primeiro. O CDC não veio para revogar o Código Comercial ou Código Civil no diz respeito a relações Jurídicas entre parte iguais, do ponto vista econômico.

            O consumidor é essencial para a caracterização da relação de consumo, ele é quem retira do mercado o produto ou o serviço como destinatário final. Sem a figura do consumidor o fornecedor não teria razão para fabricar, produzir, construir, importar, ou comercializar bens de consumo que podem ser produto ou serviço.

            No entanto, o que vem a ser consumidor? O CDC o conceitua em seu art. 2°: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.” Parece-nos simples a definição da figura do consumidor, no entanto, não é, o CDC o conceituou de maneira abrangente, dando margem a interpretações. De acordo com Nehemias Domingos Melo (2010, p. 13):

Não se há de ficar adstrito à figura do consumidor stricto sensu previsto no caput do art. 2°, que prevê como tal aquele que seja destinatário final se um produto ou serviço, pois é forçoso que se amplie esta conceituação porque o legislador, no parágrafo único do mesmo artigo, criou a figura do consumidor por equiparação ao prever a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, desde que tenham intervindo nas relações de consumo, devem ser equiparadas a consumidores.

Para Leonardo de Medeiros Garcia (2006, p. 07), defendendo a ideia de Nelson Nery Júnior, a composição do conceito de consumidor definido pelo art. 2° do CDC possui três elementos: “o primeiro deles é o subjetivo (pessoa física ou jurídica), o segundo é o objetivo (aquisição de produtos ou serviços) e o terceiro e último é o teleológico (a finalidade pretendida com a aquisição de produto ou serviço) caracterizado pela expressão destinatário final”.

Importante esclarecer que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em regra, consagra a teoria finalista, para a definição de consumidor, no entanto, admite e reconhece a necessidade de abrandamento em casos específicos, onde a vulnerabilidade é evidente, esse abrandamento é tratado pela doutrina como uma subteoria do conceito de consumidor, chamada de teoria finalista mitigada.

2 O SUPERENDIVIDAMENTO

            É notório que cada vez mais se verifica o fenômeno do superendividamento, pois com a facilidade de acesso ao crédito, institui-se uma política de incentivo ao consumo dos serviços creditícios das instituições financeiras, consubstanciando-se em verdadeira “sociedade do endividamento” que, conforme observa Costa (MARQUES e CAVALLAZZI, coord., 2006, p. 231), “nela, o crédito ao consumo promove um colossal crescimento da produção, mas gera o flagelo social do superendividamento do consumidor”.

            Ainda Costa (MARQUES e CAVALLAZZI, coord., 2006, p. 231), indica com precisão as mazelas da facilidade do crédito e do incentivo ao consumo desse tipo de serviço:

Na economia do endividamento, tudo se articula com o crédito. O crescimento econômico é condicionado por ele. O endividamento dos lares funciona como ‘meio de financiar a atividade econômica’. Segundo a cultura do endividamento, viver a crédito é um bom hábito de vida. Maneira de ascensão ao nível de vida e conforto do mundo contemporâneo, o crédito não é um favor, mas um direito fácil. Direito fácil, mas perigoso. O consumidor endividado é uma engrenagem essencial mas frágil da economia fundada sobre o crédito.

Então, onde reside a verdadeira culpa, ou a verdadeira responsabilidade pelo endividamento do consumidor? Única e exclusivamente do consumidor? Do governo e sua política de incentivo ao consumo? Das instituições financeiras, que pregam a ideologia do capitalismo predatória e por manipular interesses por meio de lobby?

Lopes (1996, p. 111) aponta que:

Em geral, a questão, do ponto de vista do direito, é tratada como um problema pessoal (moral, muitas vezes) cuja solução passa apenas pela execução pura e simples do devedor. Esquece-se que o endividamento depende de que o consumidor tenha tido acesso ao crédito (responsabilidade do credor),

            Observa-se que o problema do superendividamento não se trata tão-somente de um problema pessoal, mas de um flagelo social e político, ante a sociedade de consumo pautada na política do endividamento.

            No mercado econômico a facilidade de abertura de crédito gera propensão ao endividamento. O endividamento pode ter várias causas e passa a ser uma preocupação social quando os empréstimos se tornam a solução de problemas financeiros por dívidas contraídas, ou até mesmo, quando o crédito é necessário para satisfação das necessidades básicas.

            Pode-se afirmar que o superendividamento é um fenômeno próprio do capitalismo moderno, atingindo pessoas de todas as classes sociais, independentemente do nível econômico e da capacidade intelectual, pois os indivíduos na busca pela aceitação social, visando ser inseridos na comunidade, consomem cada vez mais, perdendo o controle da saúde financeira, endividando-se além do limite da sua receita mensal, sendo vítimas de si mesmo e do consumismo desenfreado (BRITO; ARAÚJO, 2014).

            Consumindo, o indivíduo satisfaz desejos pessoais e é possível alcançar um nível de conforto, usufruindo de produtos e serviços que lhe proporcionam uma melhor qualidade de vida. Todavia, por outro lado, pode levar a um descontrole financeiro, gerando o endividamento, por vezes, crônico, podendo-se chegar à exclusão social, com consequências no campo por tal fenômeno, pois sua finalidade lucrativa passa a ficar comprometida pela possibilidade de não pagamento das dívidas contraídas. Qualquer pessoa, na qualidade de consumidor, está sujeito ao endividamento crônico, sendo esse um fenômeno que não está restrito, então, a uma determinada classe social, nível econômico ou intelectual, e, portanto, até o consumidor mais cauteloso pode ser vitimado pelo superendividamento.

            Por tais razões é necessária a discussão acerca do endividamento crônico, pois esse ultrapassa a esfera individual da pessoa humana, repercutindo socialmente, sendo imprescindível a implementação de políticas públicas, bem como, um disciplinamento legal visando prevenir tal fenômeno e solucionar os problemas que surgem a partir dele.

2.1 CONCEITO DE SUPERENDIVIDAMENTO

            A melhor definição de superendividamento – ou sobreendividamento, como no direito português –, e por todos, é a dada por Cláudia Lima Marques:

O superendividamento pode ser definido como a impossibilidade global de o devedor pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, oriundas de delitos e de alimentos)[26].

A situação de superendividamento somente pode ser imputada à pessoa física e, deste modo, excluem-se desse rol as pessoas jurídicas, ainda que consideradas, nos temos do art. 2º do CDC, consumidores, já que possuem disciplina jurídica própria para tratamento de situações assemelhadas. O consumidor pessoa física deve ser leigo, portanto, segundo definição corrente, pessoa que é inexperiente no assunto, ou seja, excluem-se daí pessoas que possuem conhecimentos técnicos avançados em finanças e economia.

            Pode haver um aspecto subjetivo na definição de Cláudia Lima Marques no tocante à boa-fé, se ela for entendida no sentido clássico do princípio. Contudo, modernamente, distingue-se a boa-fé subjetiva da boa-fé objetiva:

Distingue-se a boa-fé subjetiva, que se refere a um estado subjetivo ou psicológico do indivíduo, aplicável notadamente ao Direito das Coisas (fala-se em ―possuidor de boa-fé”, por exemplo), da boa-fé objetiva, correspondente a uma regra de conduta, um modelo de comportamento social, algo, portanto, externo em relação ao sujeito. A boa-fé aqui referida é a boa-fé objetiva[27].

Orlando Gomes refere-se à boa-fé objetiva quando trata, em sua obra, do Direito Contratual. Com isso, se é levado a crer que, em matéria de Direito do Consumidor, que notadamente trata de matéria contratual, a boa-fé relativa ao conceito de superendividamento ancora-se na boa-fé objetiva. Esse entendimento torna-se ainda mais claro quando se analisa o próprio conceito dado por Orlando Gomes à boa-fé objetiva como algo ―externo ao sujeito e ligado a um modelo comportamental social e não um estado anímico e psicológico.

A boa-fé do conceito da Prof. Marques é, sem dúvida, a boa-fé objetiva, externa ao consumidor e relacionada objetivamente ao seu comportamento social. Por fim, no conceito, verifica-se a existência de dívidas ―atuais e futuras de consumo‖, excluindo-se as dívidas com o Erário e as oriundas de delitos e de alimentos. Isto porque, para que exista uma situação de superendividamento é necessário que se tenha endividamento, por

óbvio. Ademais, as dívidas com o Fisco são executadas segundo disciplina própria[28], bem como as dívidas oriundas de delitos[29] e de alimentos[30].

Assim, para que se possa reputar uma pessoa como superendividada, faz-se necessário o preenchimento dos pressupostos no conceito anteriormente exposto.

2.2 CAUSAS E EFEITOS DO SUPERENDIVIDAMENTO

Ainda que o fator histórico tenha contribuído para a taxa elevada de inadimplência, atualmente nos deparamos com um marketing publicitário irresponsável dos fornecedores de produtos e serviços, que prometem liberar crédito e empréstimos sem analisar a vida econômica pregressa do consumidor. Esta publicidade acaba fazendo com que o consumidor crie expectativa de compras, e até uma ambição por algo que sabia que antes não poderia ter, atraído pela suposta facilidade de realizar seus sonhos.

Os fornecedores de crédito alimentam a compulsão pela aquisição de bens e serviços dos consumidores, inclusive daqueles que não possuem mais condição alguma de continuar gastando. Apenas oferecem mais crédito, mas nunca expõe o verdadeiro risco desse movimento financeiro, muito menos fazem alguma análise individual do perfil de cada consumidor de modo a selecionar aqueles que realmente têm condições de, posteriormente, arcar como as consequências da contratação de crédito, ou seja, pagar em dia sua dívida, e caso isso não ocorra, arcar com os juros da mora.

Conforme Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC) realizada em julho deste ano, o cartão de crédito é a maior causa do endividamento no Brasil: 76,7%[31] do endividamento das famílias se deve ao cartão de crédito, o que pode ser observado nos gráficos do endividamento disponibilizados pelo PEIC.

O resultado não surpreende. Como já foi dito, a sociedade de consumo atual se sustenta pela enganosa facilidade em realizar sonhos, alimentada por uma publicidade enganosa e concessão de crédito irresponsável por parte dos fornecedores. Consequência disso, observa-se uma bancarização do consumo. Cada vez mais pessoas aderem ao cartão de crédito, movidas pela suposta facilidade de aquisição de bens.

De acordo com dados disponibilizados pelo SPC, 52 milhões de brasileiros usam o cartão de crédito como forma de pagamento, o que representa quase dois cartões de crédito por pessoa. Os dados são de uma pesquisa feita pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC)[32]e pelo portal Meu Bolso Feliz em todo Brasil, com o objetivo de analisar os hábitos de compra do consumidor e vantagens e desvantagens da utilização do cartão de crédito.

Apesar do crescente número de adeptos ao cartão de crédito, esta ferramenta ainda não sabe ser corretamente utilizada pela maioria dos consumidores. De acordo com dados disponibilizados pela pesquisa já referida, um terço (34%) dos entrevistados não sabe o limite do cartão; a grande maioria (96%) não sabe as taxas de juro mensais que incidem sobre o mesmo, e 93% admitem o risco de gastar além dos seus rendimentos. Estes dados evidenciam a grande vulnerabilidade do consumidor perante o mercado financeiro, uma vez que a falta de uma educação financeira atrelada a concessão de crédito irresponsável, são fatores essenciais para a elevada taxa atual de pessoas endividadas.

Além da falta de informações acerca das movimentações financeiras em geral, é importante destacar também fatores externos à vontade do consumidor, o chamado superendividamento passivo. De acordo com dados[33] disponibilizados pelo Projeto de Prevenção e Tratamento de Consumidores Superendividados, realizado pelo Curso de Direito, da Universidade Franciscana, no Procon de Santa Maria/RS, os consumidores apontaram como principal causa do endividamento as despesas além da renda, representando 28% dos casos. Segunda maior causa de endividamento, a doença pessoal ou familiar aparece com 28%, seguida da redução de renda (18%), e desemprego (17%), e por último, outros motivos (9%). 

Com os dados acima expostos, fica evidente que o descontrole financeiro é o principal causador do endividamento em massa, descontrole esse que se deve em grande parte à desinformação dos consumidores. Porém, ao analisar as demais causas, observamos fatores “surpresa”. Culturalmente, o consumidor brasileiro não é acostumado a ter uma reserva financeira, o que os deixa sem recursos no momento em que se deparam com uma doença, redução de renda ou até mesmo com o desemprego.

A concessão desmedida de crédito acaba por, muitas vezes, endividar pessoas que já possuíam dívidas vencidas, e sem conseguir pagar estas, que acabam acumulando cada vez mais juros com o decorrer do tempo, se veem obrigadas a contratar mais crédito para saldar a dívida antiga. O consumidor se encontra então, em uma situação em que é impossível pagar todas as suas dívidas sem comprometer o mínimo existencial, levando-o a uma condição de vida indigna.

2.3 PRESSUPOSTOS PARA A CARACTERIZAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DO CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO

            A caracterização do superendividamento depende de definição expressa em lei, que, conforme já foi dito, ainda não existe. Em razão disso, utiliza-se o direito comparado para que seja possível elaborar pressupostos para caracterização deste fenômeno.

Para que se caracterize objetivamente o superendividamento, é necessário observar a pessoa superendividada e a natureza da dívida. A respeito disso, Cláudia Lima Marques destacou alguns conceitos inerentes a compreensão do fenômeno do superendividamento, quais sejam: consumo, crédito, boa-fé e endividamento[34].

            O consumo pressupõe a exclusão de pessoas jurídicas, visto que estas já estão amparadas legalmente pelos institutos jurídicos da recuperação judicial e falência de empresas. Assim, é necessário que a pessoa afetada pelo endividamento seja pessoa física. Ademais, o superendividamento se caracteriza quando o consumidor não possui meios idôneos para sanar suas dívidas. Ou seja: o superendividamento se caracteriza quando a pessoa física, ao adquirir bens e serviços, se torna excessivamente inadimplente, ao ponto de afetar setores básicos à sua vida com dignidade. Importante destacar também que a doutrina estabelece como pressuposto de caracterização a boa-fé do sujeito, tido como um comportamento leal, cooperativo deste, seguindo os ditames da boa-fé objetiva presente em todas as relações de consumo.

            Mesmo que não exista um valor determinado que caracterize o superendividamento, bastando a impossibilidade manifesta de solução das dívidas, entende-se que no momento em que o pagamento das dívidas comprometa mais de trinta por cento da renda líquida mensal do consumidor, presume-se que o mesmo e sua família têm afetado o mínimo existencial, ou seja, a impossibilidade de arcar com despesas necessárias a uma vida digna, como alimentação, vestuário, higiene, saúde e etc. Isso posto, é possível facilmente vislumbrar que a manutenção do mínimo existencial é inerente ao princípio da dignidade da pessoa humana. 

            A respeito disso, Ricardo Lobo Torres afirma:

Sem o mínimo necessário à existência, cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais de liberdade. A dignidade humana e as condições materiais da existência não podem retroceder aquém do mínimo, do qual nem os prisioneiros, os doentes mentais e os indigentes podem ser privados[35].

Utilizando-se também da legislação francesa, a doutrinadora portuguesa Maria Manuel Leitão Marques elaborou uma classificação que dividiu os consumidores superendividados em dois grupos: passivo e ativo. Esta classificação leva em conta o fator da consciência do indivíduo e a causa do endividamento. O superendividamento passivo se dá por motivos externos à vida do consumidor, os chamados “acidentes de vida”, como o desemprego, redução de renda, divórcio, doença e etc. Observa-se que nestes casos a vulnerabilidade do consumidor é maior devido ao fator emocional que permeiam destes acidentes, e acabam por optar pelo uso do crédito por grande necessidade. Por óbvio, é extremamente necessária a tutela efetiva do Estado nestes casos, principalmente, tamanha a vulnerabilidade do consumidor. É necessário haver expressa previsão legal de sanções aos fornecedores de crédito que se utilizem dessa condição de vulnerabilidade do consumidor em seu benefício, prejudicando cada vez mais a pessoa endividada.

Em contrapartida, o superendividamento ativo subdivide-se em duas categorias: ativo inconsciente e ativo consciente. A primeira se caracteriza quando o consumidor contrai a dívida voluntariamente, incorrendo em movimentos financeiros imprudentes, face de um total descontrole financeiro, movido pelas estratégias de marketing e publicidade dos fornecedores de crédito, o que ocorre, muitas vezes, pela falta de instrução acerca das movimentações financeiras existentes. Ou seja, “o devedor superestima o seu rendimento por incapacidade de administrar seu orçamento ou por ceder as tentações do consumo e da publicidade, na busca de um padrão de vida mais elevado, que ele próprio (psicológica e socialmente) se impõe”[36].

Todavia, no superendividamento ativo consciente o consumidor, mesmo sabendo da sua incapacidade em arcar com os valores gastos, contrai a dívida, e, portanto, não deve ser tutelado pelo Estado, uma vez que, como já foi dito, o superendividamento pressupõe a boa-fé do consumidor para a sua caracterização.

2.4 MODELO DE RENEGOCIAÇÃO E A PROPOSTA BRASILEIRA DE PREVENÇÃO E TRATAMENTO DO CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO: PL Nº 3515/2015

            Atualmente, em âmbito nacional, é possível observar duas previsões legislativas, não conflitantes, acerca da concessão de crédito e o tratamento e prevenção do superendividamento: o Projeto de Lei 3515/2015 (PLS nº 263/2012) de autoria do ex-presidente José Sarney, e o Anteprojeto de Lei, elaborado pela professora Claudia Lima Marques e pelas magistradas Clarissa Costa de Lima e Karen Rick Danilevicz Bertoncello.

            Dada a notável urgência em garantir um aparo judicial às pessoas que se encontram em situação de superendividamento, realizaram-se estudos acerca deste fenômeno pela Comissão de Juristas instituída para a atualização do Código de Defesa do Consumidor. Ao analisar o modelo norte-americano fresh start e o modelo de reeducação francesa, constatou-se que a legislação francesa é a que melhor se adequa ao Brasil.

            Em virtude disso, surge a PL 283/2012 (futura PL 3515/2015), que tem por finalidade a alteração da Lei nº 8.078/1990 – Código de Defesa do Consumidor – aperfeiçoando a disciplina do crédito ao consumidor e dispondo sobre medidas de prevenção e tratamento judicial e extrajudicial do superendividamento no Brasil, sendo diretamente influenciada pelo Code de la Consommation. Estas medidas visam, primordialmente, garantir o mínimo existencial, tutelando o direito à vida com dignidade.

Nesta senda, na busca da reconstrução do homo economicus, e, sobetudo, do consumidor idoso, por meio do clamor por uma tutela preventiva e de tratamento, o Projeto de Atualização do Código de Defesa do Consumidor busca reforçar os direitos já consagrados no Código de Defesa do Consumidor e na Lei Maior, quais sejam os direitos de informação, transparência, cooperação nas relações envolvendo crédito, bem como a boa-fé, a função social do contrato e a dignidade da pessoa humana[37].

A proposta acrescenta ao artigo 5º um novo inciso, o IV, que expressa o objetivo de “prevenir o superendividamento da pessoa física, promover o acesso ao crédito responsável e à educação financeira do consumidor, de forma a evitar sua exclusão social e o comprometimento de seu mínimo existencial”[38], sendo o mínimo existencial compreendido como as despesas básicas de todos os cidadãos, como alimentação, eletricidade, transporte e moradia[39]

          O projeto estabelece direitos básicos ao consumidor, como a garantia de práticas de crédito responsável e educação financeira, prevendo também medidas repressivas à publicidade abusiva e enganosa, proibindo aquelas que fizerem referência a crédito gratuito, sem acréscimos e expressões semelhantes.

            Assim como no Código de Consumo francês, o projeto em questão salienta o direito do consumidor à informação, determinando que, no fornecimento de crédito e em vendas à prazo, o fornecedor deve disponibilizar, prévia e adequadamente, na oferta e por meio do contrato ou fatura, informações como o custo efetivo total, elementos abrangidos pelo contrato, taxa efetiva mensal e anual de juros, taxas de juros em caso de mora, todos os encargos de qualquer natureza, além de salientar o direito do consumidor à liquidação antecipada e não onerosa do débito.

            Reforçando o dever de informação, especialmente em relação a contratação de crédito, o art. 54-F apresenta cinco novos incisos a serem adicionados ao art. 39 do CDC, protegendo o consumidor de condutas abusivas violadoras da vulnerabilidade presumida do consumidor[40].

            Outra previsão importante da proposta é a de que os fornecedores, ao concederem o crédito, devem conduzir uma análise prévia a fim de avaliar se o consumidor tem reais condições de arcar com a quitação do débito futuramente, evitando que este se encontre em uma situação extrema de endividamento, onde se vê obrigado a contratar mais crédito para quitar o contratado anteriormente. Além disso, o fornecedor deve deixar claro a natureza e a modalidade do crédito contratado, indicando sempre aquele que se adequar melhor à condição do contratante. Estes limites são expostos expressamente no art. 54-D, que prevê que a concessão do crédito não poderá ultrapassar 30% da renda líquida mensal do consumidor, medida esta imposta com escopo de proteger o mínimo existencial.

3 O TRATAMENTO DO CONSUMIDOR SUPERENVIDIADO E A TUTELA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

            A dignidade da pessoa humana é um princípio consagrado pela Constituição Federal de 1988, prevista em seu artigo 1º, inciso III, sendo este um valor supremo que permeia todos os direitos fundamentais, devendo este ser aplicado tanto em âmbito privado quanto público, sendo o núcleo de todo o ordenamento jurídico brasileiro. A própria palavra “princípio” já exprime a ideia de começo, onde tudo se inicia. Ao esculpir este termo dentro do contexto dos princípios fundamentais, é possível vislumbrar que corresponde à base na qual todo o ordenamento jurídico se sustenta e se desenvolve.

            Como bem elucida Martinez:

A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos[41].

Adotar a dignidade da pessoa humana como valor básico do Estado democrático de Direito é reconhecer o ser humano como valor-fonte do direito, considerada como sentido e consciência que tem em si mesmo, alargando para todos os sentidos da vida. Assim, a dignidade da pessoa humana se vincula a todos os direitos, dando legitimidade a interesses sociais, culturais e econômicos presentes na Constituição.

            Como já foi dito anteriormente, o conceito de dignidade da pessoa humana também foi recepcionado pelo Código de Defesa do Consumidor pela Política Nacional das Relações de Consumo, uma vez que este princípio se traduz, inclusive, como objetivo deste código. Sendo o direito do consumidor de cunho constitucional em vista dos artigos 5º, XXXII e 170, V, ambos da Constituição Federal, este é legitimado para intervir nos casos em que o princípio da dignidade da pessoa humana seja desrespeitado, em vista de que o consumo é necessidade humana.

Nesse sentido, faz-se necessária a intervenção estatal nos casos em que se caracterize o superendividamento para que se possa garantir a dignidade humana dos consumidores endividados, protegendo o mínimo existencial a fim de que se obtenha verdadeiramente a justiça.

3.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA X RESPONSABILIZAÇÃO PENAL

O Direito Penal tem, por finalidade, proteger a sociedade através da tutela de bens jurídicos considerados fundamentais, ou seja, aqueles bens vitais que exigem garantia legal tendo em vista a sua representação social; por assim dizer, a vida, a integridade física, a honra, o patrimônio, a dignidade sexual, entre outros, permitindo, uma convivência mais harmônica na sociedade sendo, portanto, um instrumento de controle.

Enriquece o tema Eliana Passarelli (2002, p. 09) afirmando que a tutela penal insere-se no interesse público, denominado ius puniendi, cujo único titular é o Estado. Até mesmo nas ações penais de iniciativa privada, onde é transferido, tão somente, o jus accusationis. Assim, é através do ius puniendi estatal que surgirá a possibilidade de responsabilização penal e que a responsabilização penal não impede a responsabilização civil e administrativa. É o que ocorre, por exemplo, nas relações de consumo, onde o CDC estabelece formas de responsabilização a depender da conduta que fora praticada pelo fornecedor do produto ou serviço.

No Estado Democrático de Direito, onde os direitos sociais são resguardados, a tutela penal não deve estar separada do pressuposto do bem jurídico, e assim, deve ser considerada legítima quando socialmente necessária; ou seja, quando imprescindível para assegurar as condições de vida e a dignidade da pessoa humana (PRADO, 1996).

Assim, é legítima a tutela penal que visa proteger a pessoa humana e sua dignidade. E a legislação penal proporciona essa proteção. Todavia, não tipifica todas as condutas que podem trazer prejuízos à pessoa, estabelecendo sua própria escala de valores. E assim, o Estado é omisso, mesmo diante de situações que vêm a transgredir o princípio da dignidade da pessoa humana. É o caso do superendividamento do consumidor idoso quando ele surge a partir de condutas ilícitas praticadas pelos fornecedores quando da contratação do crédito.

Para se efetivar essa tutela, o consumidor é reconhecido, nos termos da lei, como parte vulnerável diante do fornecedor na relação de consumerista. Surge, assim, a vulnerabilidade diante da desigualdade ou da desproporcionalidade entre as partes no contrato de consumo.

Se a dignidade humana é a base de todos os direitos e suporte para tipificação penal, o Estado foi omisso quando não tipificou a conduta ilícita do fornecedor do crédito que leva a pessoa ao superendividamento, hipervulnerável, com a consequente perda da sua dignidade como ser humano.

Dentre as infrações contra as relações de consumo definidas no CDC não há previsão sobre a responsabilização penal do fornecedor do crédito nas condições acima descritas, nem tampouco, no Projeto de Lei do Senado n°283\2012, que previne e trata o superendividamento, muito menos no Código Penal, caracterizando a omissão estatal.

Não se pode desconsiderar que os mecanismos de prevenção não se adequam a todas as situações. Os “acidentes da vida”, por exemplo, desafiam toda forma de prevenção ao superendividamento, só restando, em alguns casos, uma possibilidade: a responsabilização. Afinal, os credores podem avaliar melhor os riscos do contrato de crédito (LIMA, 2014).

Através dessa discussão, a intenção não é demonstrar a necessidade de tipificação penal da conduta do fornecedor do crédito. Não há com isso um intento positivista mas, sim, levanta-se uma crítica sobre a omissão estatal no que diz respeito à prática da conduta lesiva ao consumidor, sendo atingida a sua dignidade como ser humano, em comparação a outros bens jurídicos de menor relevância social.

3.2 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA DO SUPERENDIVIDADO

            A dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental da Constituição Federal, estando inserido em seu artigo 1º, inciso III, dispondo que “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: a dignidade da pessoa humana”. Assim sendo, verifica-se que todo ser humano é digno de respeito pelo Estado e sociedade, tendo direito a uma qualidade moral, tendo condições mínimas para uma vida saudável e de bem-estar.

            Todavia, o superendividamento causa abalos à dignidade da pessoa humana, podendo ser causador de consequências dispendiosas a pessoa endividada, suscitando a exclusão do indivíduo no mercado de consumo e ainda a exclusão social do mesmo, já que estando inadimplente, possuindo dívidas acumuladas, poderá arcar com a inclusão do seu nome nos registros de empresas de proteção ao crédito, e, desta forma, as atividades de crédito serão impedidas a este consumidor.

            Fica evidente, portanto, que o superendividamento está diretamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, já que o consumidor estando inadimplente, sem conseguir custear seu sustento e de sua família, passa a se sentir angustiado, tendo baixa alta-estima e outros sentimentos ligados à esfera pessoal do indivíduo, principalmente se este fator estiver ligado ao desemprego.

            O Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 4º, também dá respaldo sobre a dignidade da pessoa humana, explanando que as relações de consumo devem atender os propósitos dos consumidores, bem como os interesses econômicos, manter a harmonia, senão vejamos:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: IV – educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo.

Assim, fica nítido que o Código de Defesa do Consumidor preza pela dignidade da pessoa humana, ressaltando que as relações de consumo devem estar em consonância com tal principio.

4 SUPERENDIVIDAMENTO E OS CONTRATOS BANCÁRIOS

O grande problema que enfrentamos atualmente no Brasil, é fruto do lucro que o capitalismo impõe, onde o maior símbolo é a atividade comercial que é desenvolvida com ajuda dos bancos.

            As instituições financeiras utilizam vários métodos para atrair clientes e assim venderem seu produto ou serviço. Do outro lado dessa relação jurídica está o consumidor, que seduzido pelas propagandas publicitárias contrai novas dívidas. Os bancos querendo maximizar seus lucros e capitar mais clientes, de forma que eles possam adquirir seus produtos e serviços fazem práticas nada convencionais como práticas agressivas ou de ágio fácil. A partir disso, os consumidores são compelidos ao superendividamento ou a um endividamento sem fim, devido aos programas de refinanciamentos ofertados pelos bancos.

            Para Geraldo de Farias Martins Costa o problema da facilidade do crédito e do consumo é:

“Na economia do endividamento, tudo se articula com o crédito. O crescimento econômico é condicionado por ele. O endividamento dos lares funciona como ‘meio de financiar a atividade econômica’. Segundo a cultura do endividamento, viver a crédito é um bom hábito de vida. Maneira de ascensão ao nível de vida e conforto do mundo contemporâneo, o crédito não é um favor, mas um direito fácil. Direito fácil, mas perigoso. O consumidor endividado é uma engrenagem essencial mas frágil da economia fundada sobre o crédito”. (COSTA, 2002, p. 259-260)

Devido ao fato das instituições bancárias prestarem serviços, elas se submetem ao Código de Defesa do Consumidor, é o entendimento dos nossos tribunais:

PELAÇÕES CÍVEIS – REVISIONAL – CONTRATO DE CARTAO DE CRÉDITO – APLICABILIDADE DO CDC AOS CONTRATOS BANCÁRIOS – JUROS REMUNERATÓRIOS – APLICAÇAO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO -VEDADA CAPITALIZAÇAO DE JUROS COM PERIODICIDADE INFERIOR À ANUAL – PERMISSAO DESTA, DESDE QUE PACTUADA – AUSÊNCIA DE CONTRATO – MANUTENÇAO DA SENTENÇA – PRINCÍPIO DO NAO REFORMATIO IN PEJUS. COMISSAO DE PERMANÊNCIA – MANUTENÇAO DA EXCLUSAO DA COMISSAO. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos contratos bancários, por serem as instituições financeiras expressamente definidas como prestadoras de serviço. Súmula 297 do STJ; Juros Remuneratórios. A ausência de contrato impede a verificação da compatibilidade da taxa de juros remuneratórios pactuada com a taxa média de mercado, tornando essa aplicável ao caso em tela, de acordo com precedentes da Corte Superior; Quanto à permissividade da capitalização anual de juros autorizada pela sentença, em que pese a jurisprudência do STJ só admiti-la quando expressamente pactuada, é de manter-se inalterada a disposição sentencial de primeiro grau, em virtude do princípio da não reformatio in pejus; Inadmissibilidade de previsão da comissão de permanência de forma cumulativa com outros encargos durante o período de inadimplência, conforme jurisprudência dominante do STJ; Recurso conhecido e improvido. (TJ-SE – AC: 2012212539 SE, Relator: DES. CEZÁRIO SIQUEIRA NETO, Data de Julgamento: 10/07/2012, 2º CÂMARA CÍVEL)

É também o que ordena o artigo 3º, §2.º, in verbis:

Art. 3°  – Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
(…) § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Também o nosso Superior Tribunal de Justiça estabeleceu, com a Súmula 297 que: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Isto posto, o Código de Defesa do Consumidor se encontra do lado da pessoa, seja física ou jurídica mais vulnerável na relação de consumo, protegendo o desigual, o “mais fraco” do contrato estabelecido, portanto, protege-se o consumidor perante o fornecedor de crédito, ou seja, a instituição bancária, sendo por uma vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica.

A grande questão é como tratar o superendividamento quando os bancos, segundo Schmidt Neto:

“[…] os bancos criaram renegociações com encargos exorbitantes e nomes com conotações que induziam a pensar que estariam preocupados com os devedores, como a ‘novação salvadora da dívida’, denominação marqueteira que propõe uma salvação, mas que, na verdade, se fundava em práticas abusivas”. (NETO, 2012, p.337)

Com base nos fatos acima, fica claro a necessidade do judiciário intervir nas relações contratuais quando estes são sucessivos e excessivamente abusivos, visto que, após o primeiro empréstimo que o consumidor faz ao banco para saldar sua dívida, o banco torne impossível que o consumidor consiga adimplir sua dívida, configurando o superendividamento.

Giacoline expõe que:

“Somente o superendividado, ou seja, aquele indivíduo que necessita da tutela jurisdicional do Estado para garantir a manutenção digna de sua capacidade de crédito para sua sobrevivência social mínima é quem possui legitimidade ativa para esta hipótese revisional”. (GIANCOLI, 2008, p.160).

Com isso, deve haver uma revisão nos contratos pelo fato superveniente que é o endividamento exagerado feito pelo consumidor, para a proteção do consumidor seja mais eficaz.

Para os consumidores de boa-fé, mesmo aqueles com muitas dívidas, devem ter o direito de renegociá-las com as instituições bancárias, a partir de um novo plano de pagamento para que o consumidor consiga voltar ao mercado de forma mais consciente e financeiramente educado em relação as suas finanças.

Portanto, é de suma importância a correta aplicação do Código de Defesa do Consumidor para se evitar que o endividou contraia tamanha dívida que chegue ao ponto de não conseguir mais adimpli-las correntemente, fazendo com que se torne um consumidor superendividado sem a possibilidade de sair desta situação de maneira satisfatória. É necessário evitar situações tanto no aspectos pré-contratuais, em se tratando da publicidade e ofertas e as situações pós-contratuais que é quando o consumidor pode entrar em juízo e as contratuais propriamente ditas, que deve ser observado e aplicado as interpretações mais favoráveis ao consumidor superendividado.

Devido a facilidade do crédito que os bancos disponibilizam, os consumidores tem sua atenção capturadas de maneira mais fácil, afrontando o Código de Defesa do Consumidor que deveria ser calcadas na informação

Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha do Supremo Tribunal Federal lembra que:

“(…) E é nessa perspectiva que a conclusão que se me impõe é a de que não é a mera instituição legal de capitalização mensal, semestral, anual ou qualquer outra que importa juridicamente para o respeito aos direitos constitucionais e legais do consumidor, mas a clareza (diria mesmo a transparência) do contrato firmado, ou seja, o respeito ao direito à informação de que é titular o consumidor que lhe permite saber o que efetivamente pagará de juros e determinará, assim, o respeito a seu direito”. (STF, Diário de Justiça, 2018, p. 1099)

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu pelo REsp 1586910 que não é válido que o judiciário delibere quanto ao limite de imposto para que os bancos possam debitar na conta corrente dos clientes/devedores que fizeram empréstimos. Anteriormente, a Terceira Turma do Tribunal Superior de Justiça tinha validado o limite de até 30%, para preservar a dignidade da pessoa humana, visto que, com dívidas em excesso, é necessário que o devedor detenha do mínimo necessário para a sua sobrevivência.

Para a Terceira Turma do STJ:

 […] Os descontos, todavia, não podem ultrapassar 30% (trinta por cento) da remuneração percebida pelo devedor. 4. Preservação do mínimo existencial, em consonância com o princípio da dignidade humana. 5. Precedentes específicos da Terceira e da Quarta Turma do STJ. 6. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (BRASIL, STJ online, 2012.)

Mas, segundo o entendimento da Quarta Turma do STJ que declarou:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. INOVAÇÃO, EM SEDE DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INVIABILIDADE. PRESTAÇÕES DE MÚTUO FIRMADO COM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCONTO EM CONTA-CORRENTE E DESCONTO EM FOLHA. HIPÓTESES DISTINTAS. INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 1.022 E INCISOS DO CPC DE 2015. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. 1. (BRASIL, STJ online, 2017)

O problema em questão é que ainda que o consumidor aceite as condições presentes nas cláusulas contratuais dos empréstimos, isso não deveria afastar a possibilidade de revisão dos contratos, devido a autonomia da vontade do devedor e do mesmo ainda ser consumidor nessa relação, e por tanto, é a parte vulnerável do contrato.

Outro ponto preocupante de não se estabelecer um limite é que se for reconhecido o risco para a subsistência do consumidor e de sua família, não haveria como diferir do contrato já estabelecido. Por isso que, o princípio da autonomia privada não é absoluto e deve-se levar em conta a dignidade da pessoa humana e sua liberdade de contratar e de descontratar se o contrato acabar por ser oneroso demais para que consiga pagar.

Com a decisão da Quarta Turma do STJ cria-se uma instabilidade jurídica e não é possível delimitar qual dos entendimentos serão aplicados nos processos que ainda estão em trâmite. Dessa maneira, a decisão seria um infortúnio do ponto de vista econômico, pois iria impedira recuperação do consumidor superendividado.

Se não houver a pacificação entre as duas Turmas, o que irá prevalecer é o contrato firmado entre o consumidor e a instituição financeira, independente do risco a sua subsistência e o princípio da dignidade humana não prevalecerá sobre o contratual.

Sendo assim, a limitação do valor dos descontos mensais no percentual de 30% do salário do devedor deve prosperar para que não haja a violação da dignidade da pessoa humana e devido ao fato do superendividamento ser uma preocupação global, já que o acesso aos créditos ocorre com uma imensa facilidade.

Segundo Guttmann e Plihon:

“Foram as reformas monetárias que possibilitaram uma moeda elástica e um sistema bancário seguro, que se tornaria um pilar do expressivo crescimento do pós-guerra, pois “ao permitir a criação de moeda através da extensão do crédito, o sistema bancário ficou em posição de financiar o rápido crescimento econômico”. (GUTTMANN; PLIHON, 2008, p. 575).

O artigo 52 do Código de Defesa do Consumidor preceitua que quando há concessão de financiamento ou fornecimento de produtor ou serviços que tenham outorga de crédito, o fornecedor deve informar o consumidor previamente sobre o preço do produto ou serviço, os juros de mora e da taxa efetiva anual de juros, os acréscimos legalmente previstos, o número e periodicidade das prestações e soma total a pagar, com e sem financiamento.

Entretanto, isso não é cumprido pelos bancos, visto que os juros não são postos em destaque para que o consumidor tenha maior visibilidade e entendimento do que está assumindo, não é posto também, as consequências de se pagar o valor mínimo, os limites de crédito são aumentados, mesmo sem o consentimento do consumidor, que o faz consumir cada vez mais, e, por consequência, os endivida mais e são utilizados termos técnicos que pessoas fora daquela área econômica não conseguem compreender e por isso, muitas vezes, o consumidor acaba assinando papéis com situações que ele não entende do que se trata.

Exatamente por isso, a Redação dada pela nº 11.785, de 2008)  alterou o Código de Defesa do Consumidor, especificadamente no seu artigo 54, §3º CDC que  passou a declarar que:

“Art. 54, §3 – Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.”

Assim sendo, é incompatível que o consumidor superendividado sofra estímulos para novos financiamento ou outorga de créditos, visto que o superendividamento fere o princípio da dignidade da pessoa humana, já que suas economias estaria comprometidas, fazendo com que o consumidor não tenha condições de manter o mínimo existência e por isso, esses financiamento e créditos devem ser feitos de forma responsável pelas instituições bancárias, afim de desestimular o superendividado a consumir mais.

Com o objetivo de amparar o consumidor superendividado, está em trâmite o Projeto de Lei 3.515/2015 que dispõe sobre o superendividametno e prevê medidas judiciais para garantir o mínimo e preservar a dignidade do consumidor/devedor para que se evite o abuso praticado pelos bancos nos contratos, especialmente com indevidos com dívidas extensas, de modo que o consumidor se veja livre das dívidas e que não seja necessários renegociar com os órgãos de proteção de crédito, onde irá voltar a inadimplência, fazendo com que o cenário só piore e a dívida ficando cada vez maior e mais onerosa devido a taxa de juros.

Em relação ao Projeto de Lei 3.515/2015 Cláudia Marques esclarece que:

“A população brasileira está muito endividada, e é um risco sistêmico. Se não fizermos algo rapidamente, a verdade é que o que aconteceu nos Estados Unidos, com a quebra do sistema financeiro, pode acontecer no Brasil. Só que lá eles têm uma lei de falência da pessoa física. Aqui, nós não temos.”(MARQUES, 2017, online)

E para José Virgílio Neto:

 “Ele é benéfico para as instituições financeiras, ele é benéfico para a população brasileira, ele traz para a lei princípios e valores que são de extrema importância no tráfego comercial e financeiro. Por exemplo, o princípio de ética na contratação, transparência, prestação de informações, entrega do contrato, ética no pagamento. […] O projeto não tem nenhum tipo de perdão de dívida, o que para a gente é obviamente importante. Traz uma questão muito forte de responsabilização na contratação, seja do fornecedor, seja do consumidor. […] E dois últimos valores que para a gente são absolutamente fundamentais, que é o prestígio à mediação e conciliação. A gente precisa, cada vez mais, promover a desjudicialização das relações de consumo no Brasil. […] E o segundo ponto essencial é a inserção do conceito de mínimo existencial, que o credor não pode arruinar seu devedor que seja acometido por um fato, muitas vezes, imprevisto no momento da celebração do contrato.” (NETO, 2017, online)

A importância desse projeto é a introdução do capítulo V no Código de Defesa do Consumidor, que irá tratar do procedimento judicial de repactuação de dívidas, onde os credores irão ser convocados para ir em audiência e caso não forem, serão punidores com a inexigibilidade das suas dívidas e a interrupção da mora.

Bruna Simões Franca e José Moacyr Doretto Nascimento declaram:

“Por este procedimento, a requerimento do consumidor superendividado o juiz designará uma audiência de conciliação para que o credor apresente um plano de pagamento para todos os seus credores (excetuados créditos alimentares, fiscais, parafiscais os com garantia real, créditos imobiliários e rurais e ainda aquelas adquiridas dolosamente pelo consumidor). Este plano deverá ter prazo máximo de 05 anos para pagamento total e deverá respeitar o mínimo existencial”. (FRANCA; NASCIMETNO, 2017, p.110)

Esse projeto é uma oportunidade para que os consumidores endividados possam adimplir suas dívidas e recomeçar. Com a aprovação do projeto de lei 3515/2015 o consumidor superendividado terá um tratamento judicial diferenciado, com o parcelamento dos débitos, as reduções das taxas de juros e de reinclusão no mercado e principalmente, servirá para educar o fornecedor sobre a validade dos contratos e o consumidor sobre os riscos desses.

CONSIDERACÕES FINAIS

            Por tudo que foi possível observar, ao longo da pesquisa bibliográfica e cotejo de todas as informações levantadas, pôde-se chegar a algumas conclusões, que se presumem fundamentais que o fenômeno do Superendividamento é um problema que não atinge tão somente as famílias brasileiras. Há uma preocupação mundial, mesmo que relativamente recente, acerca da proteção e tratamento dos consumidores superendividado. Trata-se de um fenômeno que leva o consumidor a condições extremas, mergulhando em dívidas impagáveis, comprometendo seu sustento e o de sua família. Em casos mais extremos, a família se encontra em uma situação em que o comprometimento da renda com as dívidas é tão grande, que acaba por comprometer inclusive o mínimo existencial.

            As condições de vida em que se encontram o consumidor endividado e sua família, desrespeitam claramente o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Dentre as razões que levam o consumidor a esta condição, destaca-se a concessão desmedida de crédito corroborada pela publicidade abusiva e enganosa feita por parte dos fornecedores de crédito.

            Porém, a questão vai além da prodigalidade ou irresponsabilidade na administração do patrimônio do consumidor, pois, em larga escala, os reflexos desse fenômeno podem atingir a economia do país. Preocupados com a crescente falência da pessoa civil observada atualmente, alguns países da Europa se movimentaram para discutir propostas que fossem capazes de prevenir e tratar o superendividamento, dentre as quais se destaca a iniciativa francesa, que influenciou fortemente os doutrinadores brasileiros. Incentivado pela tendência europeia de criação de normas específicas que versem sobre o endividamento, o Brasil atualmente apresenta duas propostas para prevenção e tratamento do superendividamento: o Projeto de Lei nº 3515/2015 e o Anteprojeto elaborado por doutrinadores. O Projeto de Reforma do Código de Defesa do Consumidor apresenta medidas que visam proteger o consumidor de ter prejudicado o seu mínimo existencial, garantindo uma vida com dignidade.

            A implementação de legislação específica que verse sobre medidas de prevenção e tratamento do consumidor endividado no Brasil faz-se de extrema importância, em face do completo desrespeito ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.

            No Brasil, o crédito passa a ser oferecido de forma irrestrita, rápida, ostensiva e fácil. Consumir a crédito, seja por meio de cartões de crédito, cheque-especial, crédito consignado, empréstimos e dentre outras informações relevantes de financiamento, passa a ser o espírito comum no país consolidando a cultura do endividamento. Por esse motivo, desenvolveu-se, nesta pesquisa, a partir de estudo sobre o perfil do superendividado brasileiro, formas de tratamento encontradas na doutrina e na legislação, com a evidência de que a situação de superendividamento leva a perda da dignidade e ameaça a manutenção do mínimo existencial e, como tal, merece tratamento e proteção especial.

            Neste diapasão, este trabalho defendeu que a abusividade, seja no âmbito da publicidade agressiva e enganosa ou mediante o excesso de cobrança de juros pelas instituições financeiras, é fato social institucionalizado no Brasil, constituindo um dos enormes motivadores do fenômeno do superendividamento no país.

O exame da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dos tribunais de justiça de vários estados brasileiros permitiu ainda a constatação de que referidas Cortes não somente reconhecem o problema do superendividamento, como geralmente dispensam tratamento ao consumidor superendividado em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana e a preservação do mínimo existencial. Sendo assim, entende-se que o consumidor pessoa física, que agiu de boa-fé e se encontra superendividado, faz jus a uma tutela jurídica diferenciada.

            O Projeto de Lei nº 283, que propõe a reforma do Código de Defesa do Consumidor e encontra-se atualmente em trâmite no Congresso Nacional, privilegia as medidas preventivas e repressivas aqui sugeridas. Entende-se, portanto, que a referida reforma, se aprovada pelo Congresso, representará um significativo avanço no tratamento do problema.

            Por todo o exposto, os estudos realizados neste trabalho resultaram na constatação da premente necessidade da criação de uma tutela jurídica efetiva para o consumidor superendividado, condizente com o princípio da dignidade da pessoa humana, a Política Nacional das Relações de Consumo e os princípios do Código de Defesa do Consumidor. Espera-se, por fim, ter contribuído, ainda que modestamente, para a reflexão sobre este problema de grande relevância social, econômica e jurídica na contemporaneidade.         

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[1] Mestre em Direito e Desenvolvimento pelo Centro Universitário de João Pessoa.

[2] Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais; Mestre em Direito e Desenvolvimento Sustentável; Pós-Graduação em Direito do Consumidor; Pós-Graduação em Direito da Criança, Juventude e Idosos; Pós-Graduação em Direito Educacional; Pós-Graduação em Direito Eletrônico; Pós-Graduação em Direito Civil, Processo Civil e Direito do Consumidor pela UNIASSELVI – Centro Universitário Leonardo da Vinci – ICPG – Instituto Catarinense de Pós Graduação; Pós-Graduação em Direito de Família; Pós-Graduação em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela ESA-PB – Escola Superior da Advocacia da Paraíba – Faculdade Maurício de Nassau; Pós-Graduação em Direito Ambiental pelo Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ; Pós-Graduação em Tutoria em Educação à Distância e Docência do Ensino Superior; Advogado; Assessor Jurídico do Ministério Público do Estado da Paraíba; Coordenador Pedagógico e Professor do Departamento de Pós-Graduação da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado da Paraíba; Professor convidado da Escola Nacional de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça; Professor do Curso de Graduação em Direito no Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ; Membro Coordenador Editorial de Livros Jurídicos da Editora Edijur (São Paulo); Membro Diretor Geral e Editorial da Revista Científica Jurídica Scientia et Ratio; Membro Diretor Geral e Editorial da Revista Brasileira de Direito do Consumidor; Membro Diretor Geral e Editorial da Revista Brasileira de Direito e Processo Civil; Membro Diretor Geral e Editorial da Revista Brasileira de Direito Imobiliário; Membro Diretor Geral e Editorial da Revista Brasileira de Direito Penal; Membro Diretor Geral e Editorial da Revista Científica Jurídica Cognitio Juris, ISSN 2236-3009, www.cognitiojuris.com; Membro Coordenador Editorial da Revista Ciência Jurídica, ISSN 2318-1354; Membro do Conselho Editorial da Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, ISSN 2237-1168; Autor de livros e artigos jurídicos.

[3] WEINGARTEN, Célia. La equidade como principio de seguridad económica para los contratates. Revista dwe direito do consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 39, jul./set. 2001, p. 33.

[4] OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito do consumidor: doutrina, prática forense e legislação. São Paulo: Jurídica brasileira, 2010. p. 6.

[5] OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito do consumidor: doutrina, prática forense e legislação. São Paulo: Jurídica brasileira, 2010. p. 6.

[6] PINHEIRO, Ralph Lopes. História resumida do direito. 11 ed. Rio de Janeiro: Thex, 2004. p. 52.

[7] OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito do consumidor: doutrina, prática forense e legislação. São Paulo: Jurídica brasileira, 2010. p. 6.

[8] MEIRA, Rafael Correia de. Curso de direito romano. São Paulo: Saraiva, 1983. p. 69.

[9] OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito do consumidor: doutrina, prática forense e legislação. São Paulo: Jurídica brasileira, 2010. p. 7.

[10] PRUX, Oscar Ivan. Responsabilidade civil do profissional liberal no Código de Defesa do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 79.

[11] FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor. 10. ed., São Paulo: Atlas, 2010. p. 3-4.

[12] OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito do consumidor: doutrina, prática forense e legislação. São Paulo: Jurídica brasileira, 2010. p. 7.

[13] ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Os direitos dos consumidores. Coimbra: Almedina, 1982. p. 19.

[14] SAAD, Eduardo Gabriel. SAAD, José Eduardo Duarte. BRANCO, Ana Maria Saad C. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor e sua jurisprudência anotada: Lei n. 8.078, de 11.9.90. 6. ed. rev. e amp. São Paulo: LTr, 2006. p. 21/22.

[15] OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito do consumidor: doutrina, prática forense e legislação. São Paulo: Jurídica brasileira, 2010. p. 8

[16] SIDOU, J. M. Othon. Do cheque. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 146.

[17] CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2008. p. 6/7

[18]  SANTOS, Oscar López. Protección jurídica del consumidor de servicios en España. Revista AJURIS, Porto Alegre, v. I, Edição Especial, mar. / 1998. p. 274.

[19] Quand fut instituée la Communauté européenne par le Traté de Rome, en 1957, le droit de la consummation n’existait pas. C’est à partir des annés 1970 que le déséquilibre entre professionnels et consommateurs devint un problème de société et que fut prise, dans la plupart des Etats européens, une législation cherchant à protéger les consommateus. Ainsi naquit le droit de la consommation, puramente national à l’origine. In: CALAIS-AULOY, Jean. Regard critique sur l’harmonisation européenne du droit de la consommation. In: Liber Amicorum Mário Frota. A causa dos direitos dos consumidores. Coimbra: Almedina, 2012. p. 311.

[20] ROBERTO, Giordano Bruno Soares. Introdução à história do Direito Privado e da codificação: uma análise do novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 5

[21] GOMES, Laurentino. O imperador D. Pedro I. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. p. 115.

[22] GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de direito do consumidor. Rio de janeiro: Forense, 1999. p. 05.

[23] THOMAZ, Afrânio Carlos Moreira. Lições de direito do consumidor. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 3

[24] ASSIS, Araken de [et al.] Processo coletivo e outros temas de direito processual: homenagem 50 anos de docência do professor José Maria Rosa Tesheiner, 30 anos de docência do professor Sérgio Gilberto Porto. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 12/13

[25] Comissão de Juristas para atualização do CDC, criada pelo Ato do Presidente do Senado Federal nº 305/2010.

[26] MARQUES, Cláudia Lima Marques. Sugestões para uma lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoas físicas em contratos de crédito ao consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul. In: ______; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli (Coord.). Direitos do consumidor endividado: superendividamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 256. (Biblioteca de direito do consumidor, n. 29).

[27] GOMES, Orlando. Contratos. Atualização: Antônio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Crescenzo Marino. 26. ed. rev., atual. e aum. de acordo com o Código Civil de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 43.

[28] Lei 6.830/1980: ―Art. 1º – A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil‖

[29] A Responsabilidade Civil está prevista no Título IX, Capítulos I e II do Código Civil, arts. 927 et seq.

[30] Segue o rito do Capítulo IV do Código de Processo Civil, arts. 646 et seq., mas tem peculiaridades, que chegam até ao único caso de prisão civil por dívida, no Brasil, conforme exposto.

[31] Disponível em: http://cnc.org.br/central-do-conhecimento/pesquisas/economia/pesquisa-de-endividamento-e-inadimplencia-do-consumidor-6. Acesso em 05 de Agosto de 2021

[32] http://cnc.org.br/editorias/economia/pesquisas/peic-abril-de-2019.  Acesso em 12 de agosto de 2021.

[33] Os dados apresentados fazem referência às informações coletadas entre os anos de 2017 e 2019.

[34] MARQUES, Cláudia Lima. Algumas perguntas e respostas sobre prevenção e tratamento do superendividamento dos consumidores pessoas físicas. In: Bruno Miragem, & Cláudia Lima Marques. Doutrinas essenciais: Direito do Consumidor – Vulnerabilidade do consumidor e modelos de prevenção (Volume II, pp. 563-594. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 2011.

[35] TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/download/46113/44271> Acesso em: 04 de agosto de 2021.

[36]KIRSCHNER, Felipe. Os novos fatores teóricos de imputação e concretização do tratamento do superendividamento de pessoas físicas. Revista do Direito do Consumidor. São Paulo: RT, volume 17, n. 65. 2008, p. 74.

[37] FERREIRA, Vitor Hugo do Amaral. LIMA, Bruna Giacomini. Homo Economicus: Os (des)encontros da Sociedade de Consumo Superendividada. In: FERREIRA, Vitor Hugo do Amaral. CARVALHO, Diógenes Faria de. SANTOS, Nivaldo dos. Sociedade de Consumo: Pesquisas em direito do consumidor. Editora Espaço Acadêmico. 2015, p. 30.

[38] BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado nº 281/12. Altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, para aperfeiçoar as disposições gerais do capítulo I do título I e dispor sobre o comércio eletrônico e o art. 9º do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, para aperfeiçoar a disciplina dos contratos internacionais comerciais e de consumo e dispor sobre as obrigações extracontratuais. Brasília, DF. Justificação. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=112479&tp=1>. Acesso em 04 de outubro de 2018.

[39] MARQUES, Cláudia Lima. LIMA, Clarissa Costa de. BERTONCELLO, Karen Rick Danielevicz. Prevenção e tratamento do superendividamento. Brasília: Ministério da Justiça-Secretaria de Direito Econômico- Departamento de Defesa e Proteção do Consumidor. 2010, p. 20.

[40] SILVA, Joseane Suzart Lopes de. Superendividamento dos consumidores brasileiros e a imprescindível aprovação da PL 283/2012. In: MARQUES, Cláudia Lima. CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli. LIMA, Clarissa Costa de. Direito do Consumidor Superendividado II: Vulnerabilidade e inclusão. Editora Revista dos Tribunais. 2017, p. 251.

[41] MARTINEZ, Carolina Curi Fernandes. A tutela do consumidor superendividado e o princípio da dignidade da pessoa humana. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17312/ a-tutela-do-consumidor-superendividado-e-o-principio-da-dignidade-da-pessoa-humana/1. Publicado em setembro de 2010. Acesso em: 24 de Julho de 2021.