A LEI DA ALIENAÇÃO PARENTAL NA CONTRAMÃO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA
16 de julho de 2025THE LAW OF PARENTAL ALIENATION IS AGAINST THE BEST INTEREST OF THE CHILD
Artigo submetido em 08 de julho de 2025
Artigo aprovado em 14 de julho de 2025
Artigo publicado em 16 de julho de 2025
| Cognitio Juris Volume 15 – Número 58 – 2025 ISSN 2236-3009 |
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| Autor(es): Ana Paula Prado[1] |
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RESUMO: O presente artigo analisa criticamente a Lei nº 12.318/2010, conhecida como a Lei da Alienação Parental, e seus impactos sobre a proteção dos direitos das crianças e adolescentes no Brasil. A norma, inicialmente pensada para combater práticas de manipulação de filhos em contextos de separação conjugal, tem gerado sérias preocupações sobre sua efetividade e aplicação, especialmente quando observada à luz do princípio do melhor interesse da criança. Ao longo do texto, argumenta-se que a lei, em sua aplicação prática, muitas vezes serve como instrumento de coação e silenciamento, prejudicando o bem-estar das crianças, especialmente nos casos de violência doméstica e abuso sexual. Além de explorar as falhas estruturais da Lei da Alienação Parental, como a falta de critérios objetivos e a ausência de escuta ativa da criança, o artigo destaca a importância de revisar a legislação para que ela esteja alinhada com os princípios constitucionais de proteção integral e prioridade absoluta dos direitos da criança. A análise também é complementada por jurisprudência recente e a comparação com normas internacionais, que evidenciam o papel essencial da escuta especializada e da abordagem interdisciplinar para garantir decisões judiciais mais justas e sensíveis à realidade dos menores. O artigo conclui que a Lei da Alienação Parental precisa ser revista para evitar distorções em sua aplicação e garantir que o melhor interesse da criança seja efetivamente priorizado nas decisões judiciais envolvendo litígios familiares.
Palavras-Chave: Lei da Alienação Parental; Melhor Interesse da Criança; Práticas Nocivas; Direitos das Crianças e Adolescentes.
ABSTRACT: This article presents a critical analysis of Law No. 12.318/2010, known as the Parental Alienation Law, and its impact on the protection of children’s and adolescents’ rights in Brazil. Originally designed to address manipulation of children in the context of parental separation, the law has raised significant concerns regarding its effectiveness and implementation, particularly when evaluated through the lens of the best interests of the child. The article argues that, in practice, the law often operates as a tool of coercion and silencing, compromising the well-being of children—especially in cases involving domestic violence and sexual abuse. Structural flaws in the legislation are examined, including the absence of objective criteria and the lack of active listening to the child. The study underscores the need for legislative reform to better align the law with constitutional principles of full protection and the absolute priority of children’s rights. The analysis is supported by recent jurisprudence and a comparison with international standards, emphasizing the importance of specialized listening and interdisciplinary approaches to ensure more just and sensitive judicial decisions. The article concludes that reforming the Parental Alienation Law is essential to prevent distortions in its application and to truly prioritize the best interests of the child in family disputes.
Keywords: Parental Alienation Law; Best Interests of the Child; Harmful Practices; Children’s and Adolescents’ Rights.
1. Introdução
A Lei nº 12.318/2010, que dispõe sobre a alienação parental, foi concebida com a finalidade de coibir práticas nocivas à convivência familiar da criança e do adolescente, especialmente em contextos de separação litigiosa dos genitores. A norma buscou, em tese, proteger o desenvolvimento psicológico da criança frente à manipulação afetiva exercida por um dos pais ou responsáveis, assegurando o direito à convivência familiar saudável e equilibrada.
No entanto, ao longo da última década, a aplicação da lei tem gerado intensos debates e severas críticas no meio jurídico, psicológico e social. Diversos estudos e casos concretos apontam que a norma, na prática, tem sido utilizada de forma distorcida, muitas vezes invertendo seu propósito original e servindo como mecanismo de intimidação, silenciamento de denúncias de abuso e retaliação contra genitores, em especial as mães, que buscam proteger seus filhos.
Tal cenário tem levantado questionamentos relevantes sobre a compatibilidade da Lei da Alienação Parental com os princípios fundamentais do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Constituição Federal, especialmente o princípio do melhor interesse da criança, que deve nortear toda e qualquer medida judicial, administrativa ou legislativa que a envolva.
Diante disso, o presente artigo propõe uma análise crítica da Lei nº 12.318/2010, examinando seus impactos práticos, suas falhas estruturais e os argumentos doutrinários que sustentam a necessidade de sua revisão ou revogação. Pretende-se demonstrar que, em diversas situações, a aplicação da lei tem se colocado na contramão da proteção integral e prioritária da criança e do adolescente, ferindo direitos fundamentais e comprometendo sua segurança e bem-estar.
2. O Princípio do Melhor Interesse da Criança
O princípio do melhor interesse da criança constitui um dos fundamentos mais relevantes do Direito da Criança e do Adolescente, servindo como vetor interpretativo para a aplicação das normas jurídicas que envolvam menores. Previsto na Constituição Federal de 1988 (art. 227), no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei nº 8.069/1990, art. 100, parágrafo único, IV), e em tratados internacionais como a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU (1989), esse princípio exige que todas as decisões administrativas, judiciais e legislativas priorizem, acima de qualquer outro interesse, aquilo que seja mais benéfico ao desenvolvimento integral da criança.
Conforme preleciona Maria Berenice Dias:
“O melhor interesse da criança deve ser o norte de toda e qualquer decisão judicial que lhe diga respeito, mesmo que isso contrarie os interesses dos próprios pais, pois a proteção da infância é dever do Estado e da sociedade” (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022).
A proteção integral, como expressão do melhor interesse, envolve não apenas a guarda e convivência familiar, mas também o acesso à saúde, educação, integridade física e emocional, e à escuta qualificada em processos judiciais. Nesse aspecto, a Resolução nº 299/2019 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reforça a obrigatoriedade da escuta da criança nos processos que lhe dizem respeito, especialmente em ações de família.
Segundo dados do CNJ, em 2023, havia mais de 82 mil processos envolvendo guarda e convivência em trâmite no Brasil, sendo que em cerca de 35% dos casos havia conflito grave entre os genitores. Relatórios da ANCED (Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente) apontam que decisões judiciais baseadas exclusivamente em laudos periciais, muitas vezes desatualizados, têm resultado na violação dos direitos da criança, com transferências de guarda que desconsideram relatos de violência ou vínculos afetivos estabelecidos.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também reforça a centralidade do princípio em decisões sobre guarda e convivência. Veja-se:
STJ, REsp 1.251.000/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 28/06/2011: “A aplicação do princípio do melhor interesse da criança exige análise minuciosa do caso concreto, não podendo a guarda ser fixada de forma automática ou exclusivamente com base em disputas entre os genitores.”
Em outro julgado, a Corte foi enfática ao afastar a aplicação da Lei de Alienação Parental quando identificou tentativa de silenciar denúncias:
STJ, HC 578.861/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 13/10/2020: “O argumento de alienação parental não pode ser utilizado como instrumento para reprimir a manifestação legítima da genitora na proteção da criança contra possível violência.”
Nos sistemas jurídicos de outros países, o princípio do best interests of the child (melhor interesse da criança) também ocupa papel central. Contudo, o modo como esse princípio é operacionalizado difere significativamente.
No Canadá, por exemplo, o Divorce Act (atualizado em 2021) define de forma detalhada os fatores que devem ser considerados para se avaliar o melhor interesse da criança, incluindo a existência de violência familiar, segurança emocional e relações significativas. Lá, há um cuidado expresso em não permitir que o argumento da alienação parental seja usado para neutralizar denúncias de abuso.
Da mesma forma, o sistema do Reino Unido adota um modelo mais cauteloso, conforme previsto no Children Act 1989, que impõe ao tribunal a obrigação de ouvir a criança e priorizar sua proteção, evitando decisões automáticas ou guiadas por estigmas sociais.
A jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos também tem destacado a importância de o melhor interesse da criança ser concretamente analisado, e não apenas invocado de forma genérica. No caso R.M.S. v. Spain (2013), a Corte condenou o Estado por ignorar relatos de abuso ao transferir a guarda a um genitor sob o pretexto de manter o vínculo familiar.
Tanto a doutrina quanto a jurisprudência nacional e internacional demonstram que o princípio do melhor interesse da criança não pode ser aplicado de forma simbólica ou genérica. Sua efetivação exige decisões pautadas em avaliações técnicas, escuta ativa da criança e compromisso com sua proteção integral — inclusive contra o mau uso de institutos jurídicos como a alienação parental.
3. Críticas à Lei da Alienação Parental
A Lei nº 12.318/2010, que dispõe sobre a alienação parental, surgiu com o intuito de proteger crianças e adolescentes dos efeitos prejudiciais da manipulação afetiva praticada por um dos genitores ou responsáveis, normalmente em contexto de litígios familiares. Apesar da intenção legítima de garantir o melhor interesse da criança, a norma tem sido alvo de críticas relevantes por parte da doutrina e de movimentos sociais.
Uma das principais críticas diz respeito ao uso da lei como instrumento de silenciamento de denúncias de violência, especialmente em casos em que mães relatam abusos cometidos por pais.
Para alguns juristas, a legislação, ao invés de proteger as crianças, pode colocá-las em risco ao desqualificar automaticamente a conduta protetiva de um dos genitores como “alienação”. Nesse sentido, Silvia Pimentel adverte: “A Lei da Alienação Parental vem sendo utilizada, em diversos casos, como uma ferramenta para desacreditar denúncias de abuso sexual, revertendo a guarda de crianças para seus supostos agressores, sob a alegação de que a mãe estaria manipulando o filho” (PIMENTEL, Silvia. Direitos Humanos e Justiça: gênero e violências. São Paulo: Cortez, 2019).
O perigo também está na possibilidade de que a Lei da Alienação Parental seja utilizada como instrumento de coerção contra o genitor que denuncia abusos ou negligência, especialmente em casos de violência doméstica ou sexual. Em tais situações, há o risco de inversão da guarda como punição ao denunciante, em flagrante afronta ao princípio da proteção integral.
Outro ponto de crítica refere-se à conceituação vaga e ampla do que seria alienação parental, o que pode gerar interpretações subjetivas e decisões judiciais arbitrárias. Para Andréa Pachá, “A lei é falha ao não delimitar com precisão os comportamentos que caracterizam alienação parental, abrindo margem para a patologização das relações familiares conflituosas e para abusos judiciais” (PACHÁ, Andréa. A vida não é justa. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012).
Além disso, a lei tem sido questionada por não observar suficientemente o princípio da escuta qualificada da criança, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente e em tratados internacionais. Há um clamor por reformas legislativas que tragam maior equilíbrio, técnica e garantias processuais às partes envolvidas, sobretudo à criança.
Diante desse cenário, cresce o debate sobre a necessidade de revisão ou até revogação da Lei nº 12.318/2010, a fim de harmonizá-la com os direitos fundamentais da criança e com os avanços no campo da proteção contra a violência doméstica e familiar.
4. Impactos no Judiciário e nas Famílias
A promulgação da Lei nº 12.318/2010 provocou significativas transformações no modo como o Poder Judiciário brasileiro trata os conflitos familiares, especialmente nos casos envolvendo disputas de guarda, convivência e denúncias de violência intrafamiliar. Ao introduzir a figura jurídica da alienação parental, a lei impôs aos juízes a tarefa complexa de identificar condutas de manipulação psicológica no seio familiar, frequentemente com base em provas subjetivas e periciais.
No campo judicial, observou-se um aumento considerável na judicialização de conflitos parentais sob o rótulo de alienação parental, o que, segundo alguns autores, tem sobrecarregado o sistema judiciário e gerado decisões nem sempre baseadas em evidências técnicas consistentes. Segundo Guilherme Assis de Almeida,
“O Judiciário passou a lidar com a alienação parental como um fenômeno muitas vezes mais jurídico do que psicológico, sem os instrumentos adequados para a devida aferição da veracidade dos relatos e das motivações envolvidas” (ALMEIDA, Guilherme Assis de. Interesses Difusos e Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2015).
Já no âmbito familiar, os impactos também são profundos. A lei tem contribuído para a intensificação dos conflitos parentais, especialmente quando utilizada de forma estratégica, como meio de ataque processual. Para Rodrigo da Cunha Pereira, “a alienação parental passou a ser, em muitos casos, um instrumento jurídico para mascarar relações abusivas e reforçar o poder do alienador sob o pretexto de proteger a criança” (PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias. 7. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2021).
Essa dinâmica tem gerado insegurança jurídica e riscos à estabilidade emocional das crianças, que acabam expostas a disputas judiciais prolongadas, exames psicológicos invasivos e decisões de guarda baseadas mais em estratégias jurídicas do que em avaliações técnicas centradas no melhor interesse do menor.
Diante disso, é crescente o apelo de profissionais do Direito e da Psicologia para que o Judiciário atue com cautela, escuta qualificada e com a colaboração de equipes interdisciplinares, garantindo que a aplicação da lei não se desvie de sua função originária: a proteção integral da criança.
5. A Necessidade de Escuta Ativa das Crianças ou Adolescentes em Caso de Acusações de Alienação Parental
A escuta ativa e qualificada de crianças e adolescentes nos processos judiciais que lhes digam respeito é um imperativo jurídico e ético previsto em normas nacionais e internacionais. Em especial nos casos de acusação de alienação parental, essa escuta torna-se ainda mais relevante, pois é o meio mais legítimo para que o Judiciário compreenda as vivências, os vínculos e os sentimentos da criança, evitando decisões baseadas apenas em laudos técnicos ou percepções “adultocêntricas”.
A Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU (1989), ratificada pelo Brasil, dispõe em seu artigo 12 que toda criança capaz de formar suas próprias opiniões tem o direito de expressá-las livremente, sendo tais opiniões levadas em consideração nos processos que a envolvem. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por sua vez, em seu artigo 100, parágrafo único, inciso XII, estabelece como diretriz da proteção integral o direito da criança e do adolescente à participação e à escuta nos procedimentos judiciais.
Na mesma linha, a Resolução nº 299/2019 do CNJ instituiu a obrigatoriedade da escuta especializada e do depoimento especial, como formas adequadas de garantir o respeito à dignidade e à condição peculiar de desenvolvimento da criança.
Como destaca Luciana Temer,
“Não ouvir a criança em processos de família é negar a ela o direito à sua própria narrativa, especialmente quando o conflito entre os adultos tenta transformá-la em objeto de disputa e não sujeito de direitos” (TEMER, Luciana. Violência Doméstica e Poder Judiciário: A Criança Invisível. São Paulo: Atlas, 2020).
A ausência dessa escuta pode conduzir a erros graves na apuração da veracidade das alegações de alienação parental, comprometendo a adequada avaliação dos vínculos afetivos e da existência (ou não) de manipulação psicológica. Frequentemente, crianças são submetidas a mudanças forçadas de guarda ou restrições de convivência com base apenas em interpretações subjetivas de peritos ou em argumentos unilaterais dos genitores.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido, progressivamente, a importância da escuta ativa da criança:
STJ, REsp 1.846.052/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 12/11/2019: “A escuta da criança não é apenas um direito dela, mas também uma garantia de que a decisão judicial será tomada com base em elementos concretos e sensíveis à sua realidade.”
Em caso semelhante, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul anulou uma sentença que determinava a reversão da guarda com base em alienação parental, justamente pela ausência de escuta da criança:
TJRS, Apelação Cível nº 70082990209, 8ª Câmara Cível, Rel. Des. Rui Portanova, julgado em 03/09/2020: “Não se pode decidir sobre a vida de uma criança sem ouvi-la. A escuta não é mera formalidade, é ferramenta indispensável à efetivação do melhor interesse.”
Tais decisões revelam a crescente sensibilidade do Judiciário à necessidade de respeitar a voz da criança nos litígios familiares. Contudo, ainda há resistência e omissões, especialmente em varas com sobrecarga de trabalho ou sem estrutura de equipes interdisciplinares adequadas.
A escuta ativa de crianças e adolescentes, conduzida com responsabilidade técnica e sensibilidade, é um requisito essencial à legitimidade das decisões em casos de alegada alienação parental. Ignorar esse direito é não apenas violar a legislação, mas também arriscar a perpetração de injustiças com danos psicológicos profundos e duradouros para os menores envolvidos.
6. Necessidade de Revisão Legislativa
Diante das incongruências observadas, várias entidades de defesa dos direitos das crianças e mulheres têm se posicionado pela revogação ou reformulação da Lei da Alienação Parental. É essencial que qualquer legislação sobre o tema coloque, de forma inequívoca, os direitos da criança e do adolescente no centro das decisões judiciais.
Desde sua promulgação, a Lei nº 12.318/2010 vem sendo alvo de intensos debates doutrinários e sociais, principalmente em razão de sua aplicação controversa nos tribunais e de seus impactos sobre crianças, adolescentes e genitores envolvidos em disputas familiares. Diante das críticas e da complexidade do tema, cresce a percepção, entre juristas e profissionais da área da infância, da necessidade urgente de revisão legislativa da norma.
A crítica mais contundente refere-se à amplitude conceitual e subjetividade da definição de alienação parental, que, por sua vaguidade, permite interpretações judiciais muitas vezes descoladas da realidade psicossocial dos envolvidos. Nesse sentido, destaca-se a lição de Luiz Edson Fachin:
“A lei carece de critérios técnicos mais objetivos e mecanismos de proteção à criança que impeçam o uso abusivo do instituto como arma processual, especialmente em contextos de violência doméstica” (FACHIN, Luiz Edson. Estatuto da Criança e do Adolescente: Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020).
Ademais, organizações de defesa dos direitos das mulheres e da infância têm denunciado a utilização da lei para reverter guardas e descredibilizar denúncias de abuso sexual ou violência, o que indica a necessidade de se compatibilizar a legislação com os princípios da proteção integral e da escuta especializada da criança e do adolescente, previstos na Constituição Federal e no ECA.
Iris Helena Medeiros Nogueira, desembargadora do TJDFT, aponta que:
“A revisão da Lei da Alienação Parental deve ser pautada pela necessidade de se estabelecer um equilíbrio entre coibir manipulações parentais e garantir que a proteção da criança não seja desvirtuada para encobrir abusos e silenciar vozes vulneráveis” (NOGUEIRA, Iris Helena. Alienação Parental e o Princípio do Melhor Interesse da Criança. Brasília: CJF, 2021).
Nesse contexto, diversos projetos de lei tramitam no Congresso Nacional propondo alterações ou a revogação da norma, como o PL nº 6330/2019, que propõe sua revogação completa. Tais iniciativas refletem uma mobilização crescente por uma legislação mais técnica, protetiva e alinhada com os avanços nas áreas da psicologia jurídica, dos direitos humanos e da proteção da infância.
A revisão legislativa, portanto, não se mostra apenas recomendável, mas necessária, a fim de evitar distorções em sua aplicação, assegurar a segurança jurídica dos processos e garantir que o princípio do melhor interesse da criança continue sendo efetivamente observado.
6. Conclusão
A análise crítica da Lei nº 12.318/2010 evidencia que, embora tenha sido concebida com o objetivo legítimo de proteger crianças e adolescentes contra práticas manipuladoras no seio familiar, sua aplicação prática frequentemente tem se desviado desse propósito. Em diversos casos, a lei tem servido como instrumento de coação e silenciamento, principalmente em contextos em que há denúncias de violência doméstica ou abusos sexuais, invertendo a lógica de proteção para uma lógica punitiva, que fragiliza ainda mais os vínculos afetivos e o bem-estar dos menores.
A insuficiência de critérios técnicos objetivos, a falta de capacitação de operadores do Direito em lidar com a complexidade das relações familiares e a ausência da escuta ativa da criança são falhas estruturais que comprometem a compatibilidade da lei com o princípio do melhor interesse da criança, consagrado na Constituição Federal, no ECA e em normas internacionais.
Como ressaltado por doutrinadores e evidenciado pela jurisprudência, a centralidade do melhor interesse da criança exige mais do que boas intenções legislativas — requer medidas práticas, sensibilidade interdisciplinar e um compromisso real com a voz e a dignidade dos menores.
Diante disso, impõe-se a necessidade urgente de revisão legislativa, seja para reformar profundamente a Lei da Alienação Parental, seja para substituí-la por um marco legal mais protetivo, que leve em conta as dinâmicas da violência de gênero, a escuta especializada e os riscos reais à saúde emocional das crianças. Além disso, recomenda-se o fortalecimento das equipes técnicas do Poder Judiciário, com formação contínua em direitos da infância, psicologia e mediação de conflitos familiares.
Por fim, é fundamental compreender que a criança não é objeto de disputa, mas sujeito de direitos, cuja proteção integral deve orientar todas as etapas do processo judicial. Reafirmar esse compromisso é não apenas dever jurídico, mas um imperativo ético e social diante das futuras gerações.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Guilherme Assis de. Interesses Difusos e Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2015
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto da Criança e do Adolescente: Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020
NOGUEIRA, Iris Helena. Alienação Parental e o Princípio do Melhor Interesse da Criança. Brasília: CJF, 2021
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias. 7. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2021
PIMENTEL, Silvia. Direitos Humanos e Justiça: gênero e violências. São Paulo: Cortez, 2019 TEMER, Luciana. Violência Doméstica e Poder Judiciário: A Criança Invisível. São Paulo: Atlas, 2020
[1] Doutoranda pela FADISP. Mestre em Direito na Sociedade da Informação pela UniFMU (2014). Especialista em Direito e Processo Civil pelo Complexo Jurídico Damásio de Jesus (2012) e Especialista em Direito e Processo Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2010). Possui graduação em Direito pela Fundação Armando Álvares Penteado (2008). Advogada com experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal/ Processo Penal, bem como em Direito Civil/Processo Civil. Membro da Comissão de Sustentabilidade e Meio Ambiente OAB/SP. Tutora na Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP. Professora de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia na Faculdade das Américas – FAM e Professora de Direito Civil no Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL. Professora na Universidade Cruzeiro do Sul. Sócia do Escritório Prado Advocacia. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6176218000679568

