JUSTIÇA MULTIPORTAS E AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS: INOVAÇÕES E IMPACTOS NO ACESSO À JUSTIÇA SEGUNDO O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

JUSTIÇA MULTIPORTAS E AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS: INOVAÇÕES E IMPACTOS NO ACESSO À JUSTIÇA SEGUNDO O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

30 de setembro de 2024 Off Por Cognitio Juris

MULTI-DOOR JUSTICE AND EARLY EVIDENCE PRODUCTION ACTION: INNOVATIONS AND IMPACTS ON ACCESS TO JUSTICE ACCORDING TO THE 2015 CODE OF CIVIL PROCEDURE

Artigo submetido em 27 de agosto de 2024
Artigo aprovado em 31 de agosto de 2024
Artigo publicado em 30 de setembro de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 56 – Setembro de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Priscila Telio Bonilha[1]

RESUMO: O presente artigo apresenta visão geral do princípio do acesso à justiça, após discorre sobre a justiça multiportas, descrevendo sua origem e as inovações introduzidas pelo Código de Processo Civil de 2015. O modelo de justiça multiportas, que inclui métodos como conciliação, mediação e arbitragem, que proporciona alternativas adequadas e eficientes para a resolução de conflitos, aliviando a sobrecarga do Poder Judiciário, oferecendo soluções, muitas vezes, mais satisfatórias às partes envolvidas. Em paralelo, este trabalho vai destacar as inovações da Ação de Produção Antecipada de Provas, trazendo a diferença de como a ação era tratada pelo Código De Processo Civil de 1973 e como é pelo Código de Processo Civil de 2015. Por meio de uma análise teórica, o artigo avalia a efetividade da atual Ação de Produção Antecipada de Provas como mais uma opção dentro da Justiça Multiportas para a resolução de conflitos.

Palavras-chave: Acesso à Justiça. Justiça Multiportas. Código de Processo Civil de 2015. Produção Antecipada de Provas. Efetividade. Resolução de Conflitos.

ABSTRACT: This article presents an overview of access to justice, then discusses multi-door justice, describing its origin and the innovations introduced by the 2015 Code of Civil Procedure. The multi-door justice model, which includes methods such as conciliation, mediation and arbitration, aims to provide more appropriate and efficient alternatives for conflict resolution, relieving the burden on the Judiciary and offering more satisfactory solutions to the parties involved. In parallel, this work will highlight the innovations of the Action for Early Production of Evidence, bringing the difference of how this action was treated by the Code of Civil Procedure of 1973 and by the current Code of Civil Procedure of 2015. Through a theoretical analysis, the article evaluates the effectiveness of the current Action for Early Production of Evidence as another option within Multidoor Justice for conflict resolution.

Keywords: Access to Justice. Multi-Door Justice. Code of Civil Procedure 2015. Early Production of Evidence. Effectiveness. Conflict Resolution.

Sumário: 1. Introdução. 2. Acesso à Justiça. 3. Justiça Multiportas. 3.1 Origem. 3.2. Justiça Multiportas no Brasil. 3.3. Principais Modalidades da Justiça Multiportas. 4. Ação de Produção Antecipada de Provas. 4.1. Medida Cautelar de Produção Antecipada de Provas no Código de Processo Civil de 1973. 4.2. Ação de Produção Antecipada de Provas no Código de Processo Civil de 2015. 4.3. Natureza Juridica da Ação de Produção Antecipada de Provas. 5. Produção Antecipada de Provas como mais uma opção no âmbito da Justiça Multiportas. 6. Conclusão.7.Referências.

1. INTRODUÇÃO

O acesso à justiça é direito fundamental garantido pela Constituição Federal e premissa essencial para a efetivação dos direitos e garantidas individuais.

No entanto, os custos, a morosidade e a complexidade do sistema judiciário brasileira, muitas vezes, significam obstáculos para que haja efetividade ao livre acesso à justiça.

Dentro desse cenário, o Código de Processo Civil em vigor foi responsável por introduzir inovações significativas voltadas à democratização do acesso à justiça e à eficiência processual.

Destaca-se a implementação de diversos meios consensuais de resolução dos conflitos e, com isso, ampliou-se a chamada “justiça multiportas”, que busca diversificar os métodos de resolução dos litígios, promovendo a utilização de alternativas extrajudiciais, como a conciliação, a mediação e a arbitragem.

O referido modelo tem por objetivo não apenas desafogar o Poder Judiciário, mas também proporcionar soluções mais adequadas e satisfatórias às partes envolvidas.

Nessa seara, o vigente Código de Processo Civil introduziu modificações na chamada Ação de Produção Antecipada de Provas, precisamente nos artigos 381 a 383, que permitem prevenir litígios, pois as partes podem obter provas essenciais antes mesmo do ajuizamento de uma ação. Os litigantes, diante do resultado da prova, podem escolher ajuizar ação ou mesmo desistir de seu ajuizamento, ou, ainda, optar por uma das formas de solução consensual de conflitos.

A ação de produção antecipada de provas, com as modificações trazidas pelo atual Código de Processo Civil, contribui para a celeridade processual e traz maior segurança jurídica para as partes, permitindo a elucidação dos fatos relevantes de forma mais efetiva.

O presente trabalho, portanto, tem por objetivo tratar do acesso à justiça para, posteriormente, tratar da origem e principais modalidades da justiça multiportas e, logo em seguida, trazer uma breve comparação entre a medida cautelar e a atual ação de produção de provas, com as inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015. Por meio de abordagem teórica, pretende-se avaliar a efetividade desta ação como mais uma opção dentro da justiça multiportas.

Como é notório, diante da produção antecipada de determinada prova, as partes poderão ter diversas opções, dentre elas judiciais, extrajudiciais ou mesmo renunciando ao litígio, contribuindo, assim, para a diminuição do número de demandas judiciais e, frente a tudo, possibilitando que os contendentes possam utilizar de maneira efetiva da chamada “justiça multiportas”.

2. DO ACESSO À JUSTIÇA

Nos termos do artigo 3º, do Código de Processo Civil:

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.

§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.

Em resumo, o artigo 3º, caput, do Código de Processo Civil prevê o princípio da inafastabilidade da jurisdição, ou princípio do acesso à justiça. Importante destacar que esse princípio não estava previsto de forma expressa no Código de Processo Civil de 1973.

Porém, apesar disso, o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal já possui redação semelhante acerca desse princípio.

Para Cappelletti[2], esse termo era de difícil definição, mas, segundo ele, “acesso à Justiça” serve para determinar dois objetivos básicos do sistema jurídico: “primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos”; segundo “ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos”.

O acesso à justiça, acima de tudo, é garantia constitucional, direito fundamental inerente a todos os cidadãos, que se desdobra em outros princípios fundamentais, como o devido processo legal e a inafastabilidade do judiciário.

Nosso ordenamento jurídico coroa o acesso à justiça como princípio maior, sendo que dele deflui outros princípios, inclusive o da inafastabilidade do judiciário.

Quando se pensa em acesso à justiça, difícil não recordar de Cappelletti[3], que propõe a concepção de “três ondas” de um movimento que busca transpor os obstáculos existentes para se alcançar o direito ao acesso efetivo à justiça:

  1. A primeira “onda” de acesso à justiça diz respeito à assistência judiciária para os pobres, almejando criar condições para que os cidadãos desprovidos de recursos consigam ter acesso efetivo à justiça. A criação de órgãos, como a Defensoria Pública, e a promulgação de leis de assistência judiciária gratuita, como a Lei nº 1.060/1950, são exemplos no Brasil dessa preocupação;
  2. A segunda “onda” concentra sua atenção em reformas que buscam proporcionar a representação jurídica dos direitos e interesses difusos, cuja preocupação estava muito travada em razão da concepção tradicional do processo civil. A crítica de Cappelletti e Garth era bastante pertinente: “O processo era visto apenas como um assunto entre duas partes, que se destinava à solução de uma controvérsia entre essas mesmas partes a respeito de seus próprios interesses individuais. Direitos que pertencessem a um grupo, ao público em geral ou a um segmento do público não se enquadravam bem nesse esquema. As regras determinantes da legitimidade, as normas de procedimento e a atuação dos juízes não eram destinadas a facilitar as demandas por interesses difusos intentadas por particulares”. No Brasil, a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985) e o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) são exemplos de diplomas legais que mais se aproximam com essa segunda fase;
  3. a terceira “onda”, por fim, inclui os posicionamentos anteriores, porém, como os próprios autores dizem, “vai muito além deles”, tratando as técnicas das duas primeiras “ondas” como somente algumas medidas de uma série de possibilidades para melhorar o acesso, sendo, assim, um verdadeiro “enfoque de acesso à justiça”, que tem um número bastante alto de implicações. A terceira onda propugna atacar os obstáculos do acesso de uma forma mais articulada e compreensiva. A última onda renovatória almeja “um novo meio de ser pensado o próprio processo enquanto realizador do direito material, levando em conta, aprimorando, o enfoque das ‘duas primeiras ondas de acesso à justiça’”. No Brasil, podemos citar como exemplos desse movimento analisado pela terceira onda a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, a reforma do Poder Judiciário (principalmente através da Emenda Constitucional nº 45/2004), o maior estímulo dado pelas legislações (em especial o CPC/2015 e a recente Lei nº 13.140/2015) para que as controvérsias sejam resolvidas também por meio de outros métodos, como a arbitragem e a mediação, etc.

Os estudos das obras de Cappelletti e Garth naturalmente estabelecem um norte: “Acesso à justiça” não é simplesmente sinônimo de “acesso à justiça”. Isso ocorre porque “‘Justiça” inculca no imaginário popular acesso ao Poder Judiciário. Portanto, o fácil acesso ao judiciário, o direito de provocá-lo, por meio da propositura de ações liberando o Poder Judiciário de sua natural inércia (princípio da inércia judicial previsto no artigo 8º, inciso III e artigo 114, parágrafo segundo, da Constituição Federal).

3. DA JUSTIÇA MULTIPORTAS

O conflito é inerente à sociedade. Em qualquer situação onde haja inter-relação humana é potencial o surgimento da contenda.

Carnelutti[4] entende que as necessidades dos homens são ilimitadas e, em contrapartida, são limitados os bens e que surge o conflito entre dois interesses quando a situação favorável à satisfação de uma necessidade exclui a situação favorável à satisfação de uma necessidade distinta.

Logo, o conflito sempre vai existir, mas o primordial é identificar a melhor forma de solucioná-lo. Em um primeiro momento, pensa-se que a melhor forma de resolver um conflito é a procura do Poder Judiciário.

Contudo, ao procurar o Poder Judiciário, muitas vezes as pessoas se deparam com elevados custos, muita burocracia e, acima de tudo, frustração com a longa espera pela efetiva resolução do conflito.

Assim, deve-se pensar que, além do Poder Judiciário, a parte deve dispor de outras opções para a resolução do conflito. E é aqui que se mostra relevante a Justiça Multiportas, como sistema que compreende diversos espaços para a prevenção e solução de disputas.

Em síntese, a Justiça Multiportas é a ressignificação do acesso à justiça, para contemplar diferentes ambientes e métodos interrelacionáveis, capazes de garantir o adequado e proporcional tratamento das controvérsias[5].

3.1. ORIGEM

Frank Sander, Professor da Universidade de Harvard, em 1976, preocupado com a situação, proferiu uma palestra em uma conferência em St. Paul e fez uma proposta no sentido de que as Cortes fossem transformadas em “Centros de Resolução de Disputas”, onde a parte seria atendida primeiramente em uma triagem por um funcionário, que o encaminharia ao método mais adequado às especificidades do caso concreto de resolução da controvérsia, por exemplo, conciliação, mediação, arbitragem ou o próprio Poder Judiciário.

A proposta de Frank Sander foi divulgada na revista American Bar Association como o “Tribunal Multiportas” e foi amplamente divulgada em diversos países, inclusive no Brasil. O professor abordou a importância desse sistema, pois, com essa triagem, as partes teriam inúmeros benefícios, tornando a resolução do conflito mais rápida, barata e informal em comparação ao Poder Judiciário, que é mais custoso e burocrático. As partes, portanto, podendo escolher a melhor “porta” para a solução de seu conflito tenderiam a ficar muito mais satisfeitas.[6]

3.2. JUSTIÇA MULTIPORTAS NO BRASIL

No Brasil, tem-se em mente que o Código de Processo Civil de 2015 prestigiou, em diversos dispositivos, várias formas de resolução consensual dos conflitos. Efetivamente isso ocorreu, mas antes mesmo já havia menções sobre possibilidades diversas de resolução dos litígios.

O Código de Processo Civil de 1973, timidamente, previa a audiência preliminar no artigo 331, por meio da qual se tinha possibilidade de conciliação nas causas em que se admitia a transação.

No Código de Processo Civil de 1973, a tentativa de obtenção de uma composição consensual para o conflito era designada “conciliação”. O Código de Processo Civil de 2015 contempla, expressamente, a convivência entre a conciliação e a mediação no processo judicial (ao prever, por exemplo, que o réu será citado para comparecimento em audiência de conciliação ou mediação).[7]

Após isso, em 2010, foi criada a Resolução n.º 125, de 29 de novembro de 2010, pelo Conselho Nacional de Justiça, que estipulou tratamento adequado dos conflitos de interesse da sociedade. Com isso, houve a criação dos centros de mediação e conflitos, os “CEJUSCs”, com estrutura para a realização das audiências de conciliação ou sessões de mediação.

Por meio dessa resolução, percebeu-se a grande preocupação em estimular a resolução dos conflitos pelas formas autocompositivas, seja por meio de conciliação e mediação.

Fredie Didier e Leandro Fernandez[8] entendem que a ampla possibilidade das partes de um conflito poderem definir o modo como esse conflito deve ser resolvido é uma das principais características do sistema brasileiro de justiça multiportas, que, diga-se, está em franca expansão, permitindo que se crie uma nova porta pela autonomia da vontade.

A grande reviravolta, contudo, veio no Código de Processo Civil de 2015, e isso se verifica logo em seu artigo 3° que prevê a garantia de livre acesso ao Poder Judiciário e, em seus parágrafos, de forma clara, ressalta a permissão da arbitragem, bem como prevê que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, sendo que a conciliação, a mediação e outros métodos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. (artigo 3º, §§ 1, 2 e 3, CPC).

Nesse dispositivo legal, portanto, o legislador, além de reiterar o princípio constitucional do livre acesso ao Poder Judiciário, ainda prestigia as diversas formas de solução consensual dos conflitos, a chamada Justiça Multiportas.

Mas não é só. O artigo 334, do Código de Processo Civil prevê a obrigatoriedade da designação de conciliação e mediação, pelo juiz, antes de iniciar o processo judicial. Trata-se de inovação, pois a lei incentiva de modo cogente uma postura pacificadora entre as partes.

Além disso, no artigo 165 e parágrafos, o Código de Processo Civil prevê a criação dos centros judiciários de solução consensual de conflitos para que sejam realizadas as audiências de conciliação e sessões de mediação.

Em resumo, verifica-se que o Código de Processo Civil de 2015, em diversos dispositivos, incentiva as formas de solução consensual do conflito.

Nesse contexto, é importante que os profissionais do Direito esclareçam as partes acerca das diversas oportunidades trazidas pela atual legislação para resolução de conflitos, que não apenas o Poder Judiciário.

E isso abre novas possibilidades de atuação para as profissões jurídicas: os advogados e defensores públicos terão de oferecer aos seus clientes opções e caminhos possíveis para a solução do seu conflito, dentro do dever profissional de esclarecimento.

Da leitura do Código de Processo Civil observa-se que os meios alternativos de resolução de disputa deixam de ser apenas alternativos, passando a compor um quadro geral dos meios de resolução de disputas; passam a ser meios integrados de resolução de disputas. A dicotomia (resolução judicial x meios alternativos) atenua-se.

Não se fala mais no meio de resolução de disputas e suas alternativas, mas se oferece uma série de meios, entrelaçados entre si e funcionando num esquema de cooperação, voltados à resolução de disputas e pacificação social.

O precípuo objetivo do processo não é simplesmente julgar, mas resolver disputas. Isso, muitas vezes, significa uma sentença bem fundamentada, com uma fase de execução ágil e efetiva, mas, em outras, é alcançar o meio termo e o acordo entre as partes. Trata-se de uma importante mudança de paradigma. Tradicionalmente, desde Chiovenda e Carnelutti, sempre se falou que o processo serve para aplicar a lei, sendo um espaço de decisão e raciocínio subsuntivo. O processo civil brasileiro entrará na fase do processo como local de diálogo e de busca pelo melhor caminho para a resolução de cada disputa.[9]

3.3. PRINCIPAIS MODALIDADES

3.3.1. Mediação e Conciliação

De acordo com o site do portal do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)[10], várias são as modalidades no âmbito da justiça multiportas. Por se tratar de modalidades de autocomposição, serão abordadas de forma conjunta nesse tópico.

A principal é a porta do Poder Judiciário, a primeira que se pensa diante da existência de um conflito. Contudo, como já se pontuou, atualmente se busca métodos de solução consensual dos litígios e, nesse sentido, destaca-se a conciliação, mediação, que são as formas de autocomposição e arbitragem, forma de heterocomposição.

A Mediação é forma de solução de conflitos na qual uma terceira pessoa, neutra e imparcial, facilita o diálogo entre as partes, para que elas construam, com autonomia e solidariedade, a melhor solução para o conflito. Em regra, é utilizada em conflitos multidimensionais ou complexos. A Mediação é um procedimento estruturado, não tem um prazo definido e pode terminar ou não em acordo, pois as partes têm autonomia para buscar soluções que compatibilizem seus interesses e necessidades.

A Conciliação é um método utilizado em conflitos mais simples, ou restritos, no qual o terceiro facilitador pode adotar uma posição mais ativa, porém neutra com relação ao conflito e imparcial. É processo consensual breve, que busca uma efetiva harmonização social e a restauração, dentro dos limites possíveis, da relação social das partes.

As duas técnicas são norteadas por princípios como informalidade, simplicidade, economia processual, celeridade, oralidade e flexibilidade processual.

Os mediadores e conciliadores atuam de acordo com princípios fundamentais, estabelecidos na Resolução nº 125/2010: confidencialidade, decisão informada, competência, imparcialidade, independência e autonomia, respeito à ordem pública e às leis vigentes, empoderamento e validação.

Como dito, a mediação e a conciliação são formas de autocomposição. Para destacar as principais diferenças entre elas, abaixo um quadro comparativo para melhor elucidação:

MEDIAÇÃOCONCILIAÇÃO
Conflitos contínuos, sem prazo definidoQuando inexiste relacionamento prévio entre as partes. É mais breve.
Conflitos mais complexosConflitos mais simples
É comandado por terceiro neutro e imparcialÉ comandado por terceiro facilitador, com uma postura mais ativa.

Nesse sentido, ensinam os Professores Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery[11] que:

[…] a atividade de tentar conciliar é decorrente do ofício de magistrado, de sorte que não pode ser vista como caracterizadora de suspeição de parcialidade do juiz, nem de prejulgamento da causa. Para tanto, deve o juiz fazer as partes anteverem as possibilidades de sucesso e de fracasso de suas pretensões, sem prejulgar a causa e sem exteriorizar o seu entendimento acerca do mérito.

3.3.2. Arbitragem

Outra modalidade é a arbitragem, que é um método de heterocomposição.

A arbitragem é método alternativo de resolução dos conflitos que se tem mostrado eficaz na pacificação de algumas disputas. A grande diferença do processo judicial é que a arbitragem oferece um ambiente mais flexível, célere e confidencial e menos formal.

A arbitragem surgiu como forma alternativa de resolução dos conflitos, colocada ao lado da jurisdição tradicional. Conforme Sérgio Cruz Arenhart[12], sua tônica está na tentativa de contornar o formalismo do processo tradicional, procurando mecanismo mais ágil para a solução das controvérsias subjetivas.

Além disso, as partes podem escolher árbitro de acordo com a especialidade no assunto em disputa, o que contribui ainda mais para uma solução mais justa e técnica para a resolução do conflito. Logicamente, a presença de um especialista em determinado caso, principalmente nos mais complexos, pode reduzir o risco de decisões injustas ou mal fundamentadas.

Conforme lição de Carlos Alberto Carmona[13], arbitragem é mecanismo privado de solução de litígios; a arbitragem é “meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou de mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada” – decorrente do princípio da autonomia da conta das partes – para exercer sua função, decidindo com base em tal convenção, sem intervenção estatal, tendo a decisão idêntica eficácia de sentença proferida pelo Poder Judiciário. Tem como objeto do litígio direito patrimonial disponível.

A arbitragem é regulada pela Lei de Arbitragem, Lei n.º 9.307/96. Tal lei tem como finalidade regular a prática e a contratação dos serviços de arbitragem para dirimir diversos litígios relacionados aos direitos disponíveis. As partes definem uma pessoa ou entidade privada para solucionar a controvérsia, sem a participação do Estado-juiz. A sentença proferida pelo árbitro terá força de título executivo judicial (artigo 475-N, do CPC). Ou seja, a sentença pode ser executada no Poder Judiciário.

Importante destacar, contudo, que embora a arbitragem tenha diversas vantagens e contribua para uma forma justa de pacificação dos conflitos, também enfrenta alguns desafios, sobretudo no que tange aos custos, pois estes podem ser bem elevados.

Porém, no geral, quando bem aplicada, a arbitragem se mostra um instrumento excelente para a resolução dos conflitos, promovendo um ambiente mais harmonioso e colaborativo entre os contendentes.

3.3.3. Negócios Jurídicos Processuais

Como visto, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe uma série de inovações voltadas à modernização e eficiência do sistema jurídico, mas o grande destaque vai para o enfoque na pacificação dos conflitos. Essa missão de pacificação reflete um esforço consciente de promover soluções consensuais, buscando reduzir a litigiosidade excessiva e tornar o processo mais humano e cooperativo.

A grande inovação se deu com os chamados negócios jurídicos processuais, nos termos dos artigos 190 e 191, ambos do Código de Processo Civil. Trata-se de instrumento importante para a pacificação dos conflitos, pois permite às partes, de comum acordo, que ajustem e flexibilizem as regras processuais aplicáveis ao seu caso específico.

O artigo 190 do Código de Processo Civil prevê que: “versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”. O parágrafo único impõe que: “de ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade”.

Por sua vez, o artigo 191 do Código de Processo Civil prescreve que: “de comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso. No parágrafo primeiro está previsto que “o calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados” e, no parágrafo segundo: “dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário”.

Teresa Arruda Alvim[14] ensina que “o intuito é prestigiar, repita-se, a autorregulação entre as partes acerca de aspecto procedimental judicial”.

Para a aplicação dos negócios jurídicos processuais, os direitos devem ser disponíveis. Não se pode negociar os direitos indisponíveis. Esse negócio pode incluir ajustes em prazos processuais, produção probatória, escolha de peritos, dentre outras questões processuais.

O negócio deve ser formalizado por escrito e pode ser firmado antes ou durante o processo. As partes deverão submeter o negócio processual ao juiz, por meio de documento assinado e o juiz, por sua vez, analisará e, inexistindo óbice legal, poderá homologar o negócio firmado.

O juiz observará a legalidade no negócio, principalmente se não há violação de normas fundamentais e se não se discute direitos indisponíveis. Além disso, o magistrado vai observar se o acordo respeita os princípios da boa-fé e da cooperação entre as partes.

Caso o negócio seja legalmente válido, o juiz vai homologar o negócio jurídico processual e as partes serão obrigatoriamente vinculadas em seus termos.

As partes podem acordar um cronograma específico para a realização de atos processuais, como prazos para apresentação de defesas e recursos, audiências e produção de provas.

Leonardo Greco[15], por sua vez, define as convenções processuais como atos de disposição das partes que subtraem questões processuais da apreciação judicial ou que condicionam o conteúdo de decisões posteriores, podendo, tais atos, serem praticados no processo ou fora dele, mas para nele produzir efeitos.

No que tange à negociação processual, essa mudança de perspectiva oportuniza uma reanálise do papel dos sujeitos processuais, permitindo ampla problematização das partes e juiz do processo e, dessa forma, abrindo espaço para as convenções processais em perspectiva democrática, com respaldo teórico suficiente para sua implementação com fulcro no policentrismo processual.

Em suma, o negócio jurídico processual encontra respaldo no novo modelo de processo que, viabilizando o diálogo e a condução do processo entre os sujeitos que nela integram, permite uma flexibilização procedimental. O modelo admite que as partes celebrem negócio processual para adequar a estrutura do procedimento ao caso concreto, desde que, por óbvio, sejam resguardados o conteúdo dos direitos fundamentais e as garantias constitucionais inerentes ao modelo constitucional de processo.[16]

O negócio jurídico processual, portanto, é instrumento cada vez mais relevante no cenário jurídico brasileiro, permitindo que as partes ajustem determinados aspectos do processo, sempre respeitando a legislação, mas com objetivo de adaptação à realidade de cada envolvido.

Pode-se entender que o negócio jurídico processual instituído no atual Código de Processo Civil visa aumentar a eficiência na resolução dos conflitos e proporciona maior autonomia e flexibilidade às partes. É, portanto, ferramenta para a resolução dos conflitos e para que a justiça seja alcançada de forma mais eficaz, mas observando limites, como a indisponibilidade dos direitos, a boa-fé e as normas fundamentais.

3.3.4. Produção antecipada de provas

Outra inovação do Código de Processo Civil foi a modificação substancial da ação de produção antecipada de provas.

A ação de produção antecipada de provas está prevista nos artigos 381 a 383, do Código de Processo Civil e por ser o objeto desse trabalho, será tratada de forma específica nos próximos tópicos. Porém, já é importante adiantar que essa ação, com as inovações trazidas pela atual legislação processual, pode ser uma ferramenta essencial para a resolução consensual dos conflitos.

4. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS

A ação de produção antecipada de provas é um instituto processual que permite às partes requererem a colheita de provas antes do início do processo principal. Esse instituto está previsto no artigo 381 a 383, do Código de Processo Civil. O objetivo principal dessa ação é evitar o risco de que determinados elementos probatórios se percam ou se tornem inacessíveis com o passar do tempo.

O conceito acima é bem genérico, sendo importante a partir de agora fazer uma diferenciação de como era a ação de produção de provas no Código de Processo Civil de 1973 e como é no Código de Processo Civil de 2015.

4.1. MEDIDA CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973

No Código de Processo Civil de 1973, a produção antecipada de provas era regulada como medida cautelar preparatória. O objetivo principal dessa medida cautelar era preservar provas que, devido à sua natureza ou circunstâncias específicas que corriam o risco de se perder ou se deteriorar antes do julgamento do mérito da ação principal.

Tal medida judicial era prevista no artigo 846 do Código de Processo Civil de 1973 e se limitava aos meios de prova que poderiam ser de alguma forma antecipados, tais como depoimento de partes, inquirição de testemunhas e prova pericial.

Nesse sentido, tratando-se de interrogatório da parte ou de inquirição das testemunhas de natureza cautelar, essas medidas poderiam ser produzidas antes da propositura da ação, ou na pendência desta, mas antes da audiência de instrução.

Pela medida cautelar de produção antecipada de prova, a parte não poderia aguardar a fase instrutória do processo principal, de forma que, era imprescindível comprovar o caráter urgente da demanda e o risco de dano. Era necessário, portanto, comprovar, o periculum in mora. Como exemplo, uma testemunha portadora de doença grave, com risco iminente de morte que não poderia aguardar a fase de instrução do processo principal.

Tal medida, portanto, presumia a urgência e podia ser deferida de forma preparatória ou incidental da ação principal a ser ajuizada no caso concreto.

Para a concessão, de tal medida, portanto, fazia-se necessário o receio fundado, com uma situação de risco real.

Em resumo, no Código de Processo Civil de 1973, o juiz concedia a medida quando havia o risco de perda de eficácia do processo, para evitar eventual ineficiência na fase de produção da prova.

4.2. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

A produção antecipada de provas está prevista a partir do artigo 381, do atual Código de Processo Civil. A principal mudança que se verifica é a autonomia dessa ação e a ausência de limitação no que tange ao objeto das provas que serão antecipadas.

Importante transcrever o artigo 381, caput e incisos, do Código de Processo Civil:

Art. 381. A produção antecipada da prova será admitida nos casos em que:

I – haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação;

II – a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito;

III – o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.

Verifica-se que o atual Código de Processo Civil manteve o requisito da urgência no inciso I do referido dispositivo legal, ou seja, a admissão da produção antecipada de provas será possível quando a parte tiver fundado receio de que venha se tornar impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação.

Contudo, a efetiva mudança desse instituto pode ser verificada por meio dos incisos II e III do referido artigo 381, do Código de Processo Civil. No inciso II, o legislador admite que a produção antecipada de provas pode ser utilizada para viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito e, no inciso III, tal ação será admitida quando o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento da ação. Os incisos II e III estão interligados. Sobre isso que se pretende aprofundar neste trabalho.

Natural que as pessoas, diante de um conflito, possuam dúvidas acerca da melhor forma de solucioná-lo. Por exemplo, em um suposto problema de saúde agravado após determinada cirurgia, a parte tem dúvidas se o problema se agravou em decorrência de erro médico ou se decorreu da própria doença que a acometia. Nessa situação, a parte, ao procurar o advogado, pode, desde logo, ser orientada sobre a possibilidade de ajuizamento da então ação autônoma de produção antecipada de provas, para que se produza a prova pericial e, ao se aferir se houve ou não erro médico no caso. Com isso, a parte e seu advogado conseguem analisar a melhor forma de se chegar à resolução do conflito, seja por meio das formas amigáveis ou mesmo por meio da ação judicial cabível.

Para o autor Flavio Luiz Yarshell[17], a produção antecipada de provas ou sua pré-constituição são desejáveis para o sistema na medida em que permitam aos titulares da relação de direito material avaliar seus ônus, chances e riscos em futuro e eventual processo aparelhado para a declaração do direito. A partir desses elementos, os interessados podem, sem dúvida, fazer opção de litigar avaliando sua “margem de manobra”, o que – presume-se – farão de forma mais responsável e segura.

Assim, em resumo, uma grande novidade no Código de Processo Civil foi a autonomia da Ação de Produção Antecipada de Provas, que na Lei de 1973 estava sempre vinculada a futura ação principal, além disso, o artigo 381 da lei processual ampliou o rol de possibilidades para o ajuizamento dessa demanda.

Além da hipótese do “periculum in mora” (inciso I), há mais duas possibilidades inseridas nos incisos II e III, quais sejam, quando a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito ou na hipótese de que o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.

4.3. NATUREZA JURIDICA DA AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS

Importante destacar que, ao retirar o requisito da urgência, o Código de Processo Civil de 2015 positivou o que pode se chamar de direito autônomo à prova. Nas palavras de Yashell[18], a medida probatória autônoma encontra fundamento no poder ou direito de ação(CF, art. 5.o, XXXV), que tem amplitude suficiente para autorizar o interessado, sem propriamente invocar a declaração do direito material em dado caso concreto, a postular atuação estatal dirigida a busca, obtenção e produção de providencias de instrução.

Segundo Flávio Yarshell[19], a ação de produção antecipada de provas tem natureza jurídica dúplice, pois o objeto do processo e a pretensão a produção de determinada providência de instrução, de forma antecipada. Isso envolve essencialmente dois elementos: primeiro, a exposição dos fatos que constituem o objeto da prova; segundo os meios de prova adequados a esse escopo. Tais elementos, num primeiro momento, são definidos pelo autor.

Contudo, a prova – consistente em atividade de verificação e de demonstração de fatos – tem para o réu, ainda que produzida por iniciativa do autor, a mesma função. Ainda que seja dado ao requerido resistir a pretensão e tentar impedir que a prova seja produzida, uma vez que ela seja admitida, seu caráter instrumental opera de maneira uniforme para ambas as partes; inclusive porque nesse processo não há valoração pelo órgão judicial (que não o juízo sobre admissibilidade). Daí se falar no caráter dúplice da demanda.

Para Eduardo Talamini[20], a produção antecipada de provas é ação, pois veicula um pedido de tutela jurisdicional, geradora de processo próprio. Ela se insere no contexto de um conflito, ainda que não tenha por escopo diretamente o resolver.

A atividade probatória, portanto, não é apta a automaticamente fazer do autor um réu (e vice-versa), mas torna irrelevante a distinção entre eles: a prova requerida pelo demandante valera e produzira efeitos tanto para ele quanto para o demandado. A prova requerida por iniciativa do autor poderá, quanto ao respectivo conteúdo, vir a favorecer o réu sem que, para qualquer uma dessas situações, tenha sido necessário que o demandado alargasse o objeto do processo, deduzindo outro pedido.[21]

5. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS COMO MAIS UMA OPÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MULTIPORTAS

O Código de Processo Civil de 2015, ao inserir as hipóteses descritas nos incisos II e II do referido artigo 381, preocupou-se ainda mais na solução consensuais dos conflitos, prestigiando mais uma porta da chamada justiça “multiportas”.

Explica-se, a parte, ao produzir determinada prova de forma antecipada, poderá verificar que o fato comprovado, não contém elementos suficientes para o ajuizamento da ação e, assim, poderá até desistir de ajuizar a demanda, ou seja, determinada prova produzida poderá desmotivar a parte em intentar ação judicial descabida. Ou, ainda, a parte poderá preferir outro meio de solução de conflito para que tenha seu problema resolvido de forma mais rápida e mais e econômica.

O Código de Processo Civil de 2015 tem como uma de suas metas primordiais diminuir a quantidade e o tempo de duração dos processos”; “A intenção legislativa em privilegiar os meios alternativos de solução de conflitos é tão evidente, que admite-se o ajuizamento de produção antecipada de prova destinado a viabilizar a autocomposição do litígio (art. 381, II, CPC)”.[22]

Importante destacar que a prova desempenha papel fundamental no processo. Essencial à apuração e comprovação dos fatos alegados pelas partes. Para o juiz, a prova é crucial para que sua decisão seja a mais justa possível.

Segundo Cassio Scarpinella Bueno[23] prova é “tudo que puder influenciar, de alguma maneira, na formação da convicção do magistrado para decidir de uma forma ou de outra, acolhendo, no todo ou em parte, ou rejeitando o pedido do autor”.

A prova, portanto, é fundamental para o processo, pois com ela as partes podem comprovar suas alegações e, com isso, formar o convencimento do juízo.

O direito à prova, portanto, está ligada ao devido processo legal, à ampla defesa e à segurança jurídica, ou seja, a institutos constitucionais caros.

Gustavo Badaró[24]entende que a atividade probatória, inclusive, deve se concentrar nas mãos das partes, pois são as titulares do direito à prova e os sujeitos principais da sua produção.

A produção de determinada prova serve, inclusive, para uma eventual estratégia processual das partes. Porém, sabe-se que o momento para a produção de determinada prova em um processo de conhecimento, por exemplo, é após a estabilização da demanda e fase saneadora, ou seja, a produção da prova se dá em uma fase adiantada da ação judicial.

Imagina-se que uma parte que pretenda ajuizar ação de indenização por problemas estruturais em uma obra, por exemplo, consiga a prova pericial de forma antecipada e constate que os danos foram bem menores do que previamente imaginava? Essa parte poderia, inclusive, desistir da ação e tentar uma composição amigável apenas pelo valor de seu prejuízo, diga-se inferior, ao que supora inicialmente. Isto redundaria em uma ação a menos a tramitar no Poder Judiciário, evitando frustração e até o pagamento de sucumbência ao final dessa ação.

Antes, sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, como visto, a produção de tal prova de forma antecipada só era possível por meio de ajuizamento de medida cautelar, preparatória ou incidental, mas era dever da parte comprovar a urgência na produção da prova, ou seja, a parte tinha que comprovar que a prova tinha o risco de perecimento se aguardasse a respectiva produção na fase instrutória da ação principal, ou seja, a parte tinha que comprovar o “periculum in mora”.

Mas, agora, com o Código de Processo Civil em vigor, tem-se outra realidade, pois além do risco de perecimento da prova (artigo 381, I, CPC), pode-se ajuizar a ação de produção antecipada de provas, de forma autônoma, justamente para viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito (artigo 381, II, CPC) e, também, para justificar a existência de algum fato ou relação jurídica para simples documento e sem caráter contencioso. (artigo 381, III, CPC).

O direito à prova – com tal concepção – se afeiçoa não apenas ao escopo jurídico da jurisdição, mas especialmente ao escopo social, de pacificação pela superação da controvérsia: quanto melhor o interessado conhecer dados relativos a controvérsia, maior será a chance de propor uma demanda bem instruída; de deixar de fazê-lo; ou, de transigir. Nessa perspectiva, o direito à prova se afina com o componente preventivo que é inerente a inafastabilidade do controle jurisdicional e a adequada cognição. Salvo nos casos em que fundada na alegação de perigo da demora, não se trata de medida cautelar dada a autonomia que lhe conferiu o texto legal.[25]

A produção antecipada da prova serve, portanto, para antecipar o estágio probatório e, com isso, a parte tem a oportunidade de fazer a sua própria análise acerca dos fatos e, como consequência, a parte pode também definir as melhores estratégias para a melhor solução do conflito.

A prova, nesse aspecto, ganha protagonismo. Yarshell entende que a existência de um direito à prova desvincula o mesmo da ideia de um instrumento a serviço do magistrado, tradicionalmente visto como destinatário – quase que único – da prova produzida. Esta visão claramente estreitaria a amplitude do direito à prova nos termos desenvolvidos por Yarshell, o que de forma alguma infirma a existência de forte vínculo da prova com o magistrado, mas tão somente não limita a prova a este aspecto.[26]

A produção da prova em momento anterior ao início do processo principal serve também para possibilitar às partes uma melhor apreciação das chances e dos riscos decorrentes do ajuizamento de uma ação, inclusive com o pagamento de honorários advocatícios, em caso de sucumbência.

Contudo, em coerência com as conclusões expostas anteriormente, a prova – incluindo-se aí as regras sobre distribuição dos respectivos ônus – não desempenha no sistema apenas a função de esclarecimento do órgão julgador na missão de declarar o direito no caso concreto. Mais que isso, a prova pode e deve ser vista como elemento pelo qual os interessados avaliam suas chances, riscos e encargos em processo futuro, e pelo qual norteiam sua conduta, inclusive de sorte a evitar uma “decisão imperativa”.

Esse novo propósito da atividade probatória, que, de certa forma, situa também as partes como destinatárias da prova, tem como objetivo prevenir a propositura de ações infundadas ou fadadas ao insucesso, porque desprovidas de respaldo fático”.[27]

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe, portanto, importante inovação na produção antecipada de provas. A parte, conhecendo melhor os fatos, pode avaliar os riscos e as chances de êxito em uma eventual ação judicial e, com isso, abre-se mais uma “porta” dentro da justiça multiportas, pois a parte pode nem ajuizar ação e, ainda, conseguir uma composição com a parte contrária de forma consensual.

As “portas” permitem que as partes escolham o meio consensual mais adequado para suas necessidades e, com isso, proporciona ao cidadão um acesso mais eficiente e rápido à justiça, promovendo a resolução dos conflitos de forma mais rápida, mais barata e menos formal. Com isso, reduz-se a sobrecarga dos tribunais e diminui-se as frustrações com o modelo tradicional da justiça.

A atual ação de produção antecipada de provas, sem dúvida, deve ser vista como mais uma “porta” que se abre para as partes na busca da solução dos conflitos.

6. CONCLUSÃO

O acesso à justiça transcende a possibilidade de ajuizamento de ação perante o Poder Judiciário, pois valoriza a efetividade e eficiência na resolução dos conflitos.

Assim, a justiça multiportas aparece como uma estratégia inovadora, oferecendo diversas opções ou “portas” de métodos de resolução dos conflitos, tais como, conciliação, mediação, arbitragem, negócios processuais e outras formas consensuais, além do processo judicial.

A justiça multiportas visa, portanto, democratizar o acesso à justiça, oferecendo às partes maior protagonismo no controle da resolução dos conflitos, para que haja mais satisfação e efetividade e menos frustrações.

Nessa toada, o Código de Processo Civil de 2015 oferece diversas opções de solução consensual dos conflitos e promove uma cultura de pacificação e cooperação.

Dentre as referidas opções, destaca-se a ação de produção antecipada de provas que atualmente é ferramenta essencial em que a parte assume o controle na produção probatória antes mesmo do ajuizamento de eventual ação litigiosa e consegue antever fatos e, com isso, sopesar se vai ajuizar ação ou mesmo se vai tentar obter uma composição amigável com a parte contrária.

Concluindo, a ação de produção antecipada de provas como mais uma “porta”, dentro do sistema da justiça multiportas representa uma mudança significativa rumo à modernização e humanização do acesso à justiça, pois, torna a resolução dos conflitos mais ágil, justa e acessível para as partes em conflito, contribuindo, assim, para um acesso mais amplo à justiça, promovendo a pacificação social e a efetividade dos direitos fundamentais da pessoa humana.

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[1] Mestranda em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós-graduada em Direito Processual Civil pelo Centro de Extensão Universitária (CEU) Especializada em Estratégias Processuais no Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP). Graduada em Direito pela Universidade São Judas Tadeu (São Judas).

[2] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Brian. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Reimpressão de 2015. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editos, 1988, p. 8.

[3] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Brian. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Reimpressão de 2015. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editos, 1988, pp. 8-13.

[4] CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. Traduzido por Hiltomar Martins Oliveira. 1. ed. São Paulo: Classic book, 2000.

[5] NAVARRO, Tricia. Teoria da Justiça Multiportas. Revista dos Tribunais Online, v. 343, 2023.

[6] NAVARRO, Tricia. Teoria da Justiça Multiportas. Revista dos Tribunais Online, v. 343, 2023.

[7] CAUMO, Renata. Mediação e conciliação do Código de Processo Civil. In: Jus Navigandi, 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73080/mediacao-e-conciliacao-do-codigo-de-processo-civil#goog_rewarded. Acesso em: 03 jun. 2024.

[8] DIDIER, Fredie Junior; FERNANDEZ, Leandro . O sistema brasileiro de justiça multiportas como um sistema auto-organizado: interação, integração e seus institutos catalisadores. Revista do Ministério Público do RJ, jun. 2023.

[9] DIDIER, Fredie Junior; FERNANDEZ, Leandro . O sistema brasileiro de justiça multiportas como um sistema auto-organizado: interação, integração e seus institutos catalisadores. Revista do Ministério Público do RJ, jun. 2023.

[10] CNJ. Conselho Nacional de Justiça. Conciliação e Mediação. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/conciliacao-e-mediacao. Acesso: 04 jun. 2024.

[11] NERY Jr, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil: novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 584.

[12] ARENHART, Sérgio Cruz. Breves observações sobre o procedimento arbitral. In: Jus Navigandi, 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7161/breves-observacoes-sobre-o-procedimento-arbitral. Acesso em: 04 jun. 2024

[13] CARMONA, Carlos Alberto. A arbitragem e processo: um comentário a Lei nº9.037/96. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 43.

[14] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 353.

[15] GRECO, Leonardo. Os atos de disposição processual – primeiras reflexões. Revista Eletrônica de direito processual, out./dez. 2007, p. 08.

[16] COSTA, Rosalina Moitta Pinto da. Negócio Jurídico Processual: Um Estudo sobre a viabilidade do negócio jurídico na evolução da ciência processual e no modelo cooperativo de processo no Brasil. In: VII Encontro Internacional do CONPEDI, 2017, Braga, Portugual). Disponível em: http://site.conpedi.org.br/publicacoes/pi88duoz/15680g9r/MCi1D45ZS66vY44e.pdf. Acesso em: 04 jun. 2024.

[17] YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 310.

[18] YARSHELL, Flavio Luiz. Da Produção Antecipada de Provas. Breves Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. Revista dos tribunais. 2016. p. 2524.

[19] YARSHELL, Flavio Luiz. Da Produção Antecipada de Provas. Breves Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. Revista dos tribunais. 2016. p. 2524.

[20] TALAMINI, Eduardo. Produção Antecipada de Provas no Código de Processo Civil de 2015. Revista dos Tribunais Online, v. 260, p. 75-101, out. 2016.

[21] YARSHELL, Flavio Luiz. Da Produção Antecipada de Provas. Breves Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. Revista dos tribunais. 2016. p. 2524.

[22] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno; DIDIER, Fredie. Breves comentários do código de processo civil. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, pp. 15-19.

[23] SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil. v. 2, Tomo I. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 261.

[24] BADARÒ, Gustavo, Epistemologia judiciária e prova penal, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p.45.

[25] YARSHELL, Flavio Luiz. Da Produção Antecipada de Provas. Breves Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. Revista dos tribunais. 2016. p. 2524.

[26] YARSHELL, Flavio Luiz. Da Produção Antecipada de Provas. Breves Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. Revista dos tribunais. 2016. p. 137.

[27] ALVIM, Arruda. Notas sobre o projeto de novo código de processo civil. Revista de Processo, São Paulo, v. 191, 2011, p. 299.