REGIME DE SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS PARA MAIORES DE 70 ANOS E A ANÁLISE DO ATUAL ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

REGIME DE SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS PARA MAIORES DE 70 ANOS E A ANÁLISE DO ATUAL ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

30 de setembro de 2024 Off Por Cognitio Juris

LEGAL SEPARATION OF PROPERTY REGIME FOR PEOPLE OVER 70 AND ANALYSIS OF THE CURRENT UNDERSTANDING OF THE FEDERAL SUPREME COURT

Artigo submetido em 15 de agosto de 2024
Artigo aprovado em 22 de agosto de 2024
Artigo publicado em 30 de setembro de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 56 – Setembro de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Rosiane Carla de Lima Barbosa [1]
Lucelaine dos Santos Weiss Wandscheer [2]

RESUMO: O artigo 1.641, inciso II do Código Civil, prevê a obrigatoriedade de separação de bens para idosos acima de 70 anos, discutia-se acerca de sua inconstitucionalidade e, em fevereiro deste ano o Supremo Tribunal Federal, decidiu pela obrigatoriedade, no entanto, abre a possibilidade de alteração, mediante a vontade formalizada via escritura pública lavrada em cartório. O objetivo deste estudo se concentra em analisar essa nova decisão da Suprema Corte, visto posicionamento inédito, não sendo fixado ainda na doutrina e julgados sobre o tema. Para sua confecção foi utilizado o método dedutivo de natureza bibliográfica exploratória e descritiva. Trazendo três importantes reflexões, primeiro no que consiste na obrigatoriedade em si, a fim de preservar o patrimônio dos idosos, segunda a necessidade de dar publicidade a esta nova decisão para o idoso ter a possibilidade de opção e, ainda, aos que já se encontram em matrimônio sob o regime da separação obrigatória, possam optar por esta alteração, contudo, deixando claro que a alteração se dará a partir daquele momento não havendo a possibilidade de retroatividade da norma e, por fim uma terceira reflexão sobre a aplicação da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal. Resta observado que há a necessidade de estudos e debates constantes acerca deste tema, visto que atual entendimento traz algumas lacunas que deverão ser suprimidas para alinhar a norma já existente à esta inovação. Outrossim, o Ministro Luís Roberto Barroso, enfatizou que à solução apresentada pelo Supremo à controvérsia têm aplicabilidade para casos futuros, ponto de extrema relevância, pois caso contrário haveria o risco de reabertura de processos de sucessão protegidos pela coisa julgada, que causaria instabilidade e insegurança jurídica.

Palavras-chave: Casamento; Regime separação de bens; Decisão STF.

ABSTRACT: Article 1,641, section II of the Civil Code, provides for the mandatory separation of assets for elderly people over 70 years old, there was discussion about its unconstitutionality and, in February of this year, the Federal Supreme Court decided that it was mandatory, however, it opened the possibility of change, through the will formalized via public deed drawn up at a notary’s office. The objective of this study focuses on analyzing this new decision of the Supreme Court, given its unprecedented position, which has not yet been established in the doctrine and judged on the topic. To prepare it, the deductive method of an exploratory and descriptive bibliographic nature was used. Bringing three important reflections, first on what constitutes the obligation itself, in order to preserve the heritage of the elderly, secondly the need to publicize this new decision so that the elderly have the possibility of choosing and, also, those who are already in marriage under the mandatory separation regime, can opt for this change, however, making it clear that the change will take place from that moment onwards, with no possibility of retroactivity of the norm and, finally, a third reflection on the application of Precedent 377 of the Federal Court of Justice. It remains to be noted that there is a need for constant studies and debates on this topic, as the current understanding brings some gaps that must be eliminated to align the existing standard with this innovation. Furthermore, Minister Luís Roberto Barroso emphasized that the solution presented by the Supreme Court to the controversy has applicability for future cases, a point of extreme relevance, as otherwise there would be a risk of reopening succession processes protected by res judicata, which would cause instability and insecurity legal.

Keywords: Marriage; Separation of assets regime; STF decision.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como proposta de pesquisa a análise da redação do art. 1641, II, do Código Civil, que versa sobre o regime de separação bens para pessoa acima de 70 (setenta anos), e a atual interpretação do Supremo Tribunal Federal.

O tema gera um debate constante e, neste ano de 2024 o Supremo Tribunal Federal decidiu por unanimidade relativizar a obrigatoriedade da separação de bens, sob o fundamento de que ao contrário desrespeitaria o direito da autodeterminação das pessoas acima de 70 anos, para tanto, há a possibilidade de afastar essa obrigatoriedade, via escritura pública firmada em cartório, havendo-se assim, a manifestação do desejo de escolha de regime de bens diverso da separação legal de bens.

Sob a decisão do Supremo Tribunal Federal fora decidido que idosos acima de 70 anos que estejam casados ou em união estável podem alterar o regime de bens, mas nesse caso há a necessidade de autorização judicial ou manifestação pública, sendo que os reflexos sobre o patrimônio terão efeitos apenas para o futuro, ou seja, a partir do momento em que manifestarem a vontade na alteração.

Muito se discutiu sobre a constitucionalidade deste inciso, pela imposição da obrigatoriedade da separação de regime de bens à idosos acima de 70 anos e, a Suprema Corte abre a possibilidade de alteração, mediante a vontade formalizada via escritura pública.

A pesquisa aqui realizada tem o intuito de analisar essa nova decisão da Suprema Corte, ante um posicionamento inédito, não estando fixado na doutrina e em outros julgados sobre o tema.

Sob a égide do novo entendimento da Suprema Corte no que se refere a obrigatoriedade da separação de bens para idosos acima de 70 anos, a Súmula 377 ainda será aplicada, mesmo havendo a manifestação via escritura pública e autorização judicial?

Proporcionar melhor entendimento sobre o tema, traçando como objetivo o de analisar essa inédita decisão da Suprema Corte e seus reflexos.

O art. 1641, II do Código Civil vigente e a discussão a ele inerente é o tema desse estudo, no entanto, há a necessidade de trazer temas correlatos para embasar o estudo.

Este estudo utilizou-se do método dedutivo, de natureza bibliográfica exploratória e descritiva, a fim de buscar conhecer as diversas situações e relações que ocorrem em determinado fato, abordando dados e problemas ordenadamente, descrevendo características e propriedades do tema pesquisado com o objetivo de detalhar o fenômeno estudado.

Este artigo se divide em sete momentos, iniciando-se com a presente introdução, onde apresenta-se o tema eleito, a problemática, os objetivos e a justificativa de escolha, passando a discorrer acerca da evolução do instituto familiar e seus conceitos, além de uma breve abordagem sobre os princípios constitucionais do Direito de Família, os direitos dos idosos no ordenamento jurídico brasileiro, passando-se então aos regimes de bens existes e a discussão acerca da obrigatoriedade da separação de bens para idosos acima de 70 anos e a possibilidade de alteração e, os reflexos da decisão em processos já em andamento e não finalizados, uma vez que no entendimento da corte é somente a partir da manifestação da vontade formalizada. Após a exposição trazida, apresenta-se, apresenta a metodologia utilizada para confecção da presente pesquisa, passando-se então, as considerações finais.

2 EVOLUÇÃO DO INSTITUTO FAMILIAR NO BRASIL

Discorrer sobre regimes de casamento e assuntos correlacionados, é abordar sobre o Direito de Família, ramo do Direito Civil e, neste contexto, é esclarecedor ter-se em mente o que é família, já que o Código Civil não a define, apenas estabelece normas referentes a ela, sobre relações pessoais e patrimoniais que a envolvem.

Para que uma sociedade se inicie, faz-se necessário a formação de uma nova família, tendo como base o início do casamento, onde as normas sociais e familiares são fundamentais para formação do novo núcleo familiar além do respeito aos princípios norteadores.

As relações dos cônjuges estabelecendo seus direitos e deveres em caráter matrimonial, estabelecendo assim os regimes neles adotados, no entanto, antes de discorrer acerca da evolução histórica do Direito de Família, se faz necessário abordar de forma breve, o conceito de família.

Para tanto, faz-se necessária, inicialmente, uma viagem rápida ao campo da História do Direito, pois para melhor compreensão do conceito de família é preciso entender suas características evolutivas, nesse sentido, Coulanges (2002) em sua obra “A Cidade Antiga” ensinou que a origem da família, nas antigas civilizações greco-romanas, deveu-se sobretudo à religião, em geral panteísta, baseada no culto aos antepassados, praticado no interior da casa, sob a chama do fogo, onde o sacerdote era o pai, que transmitia os rituais sagrados da religião doméstica sempre ao filho varão, sem excluir, contudo, a mulher de participar como coadjuvante nas cerimônias religiosas.

Assim, é devido a esse culto aos seus antepassados que as famílias greco-romanas antigas se formaram em torno do pai-sacerdote, que detinha todos os poderes sobre as pessoas e o patrimônio familiar.

Constituiu-se, então, no entendimento do autor, a família antiga numa associação mais religiosa que natural, estabelecida pela e para a religião, sendo a autoridade paterna um efeito de sua posição hierárquica na religião doméstica. Neste sentido, Coulanges (2002, p. 46) afirma que “não sem razão os antigos gregos usavam a palavra epíston para designar família; essa palavra literalmente significava aquilo que está junto do fogo”.

Com a proteção do Estado, a Família é a base da sociedade e seu reconhecimento, manutenção, desenvolvimento e, também, a dissolução, estão regulamentados por quem a protege, regulamentação que faz com que haja a preservação da própria instituição. Neste sentido, Dias (2016, p. 33) aborda família como a manutenção de vínculos afetivos, evidenciando que “não é uma prerrogativa da espécie humana, pois sempre existiu o acasalamento entre seres vivos, seja em decorrência do instituto de perpetuação da espécie, seja pela aversão à solidão”. Nos dizeres da autora, observa-se que o indivíduo tem felicidade por ter alguém para amar.

Felicio (2009, p. 15), ao falar sobre o conceito de família, explica que a mesma é “berço da sociedade, foi um instituto que antecedeu a qualquer norma jurídica, até mesmo o próprio Direito, que por sua vez, objetivou regrar inúmeras relações entre indivíduos”. Merece destaque a abordagem da autora, visto que as relações são decorrentes de um determinado momento, podendo ser este histórico, cultural, moral, ou ainda, econômico.

Observa-se que a concepção de família, ao longo do tempo, foi se modificando, vem sendo substituída de uma organização autocrática, para uma organização democrática. Sobre o assunto, ensina Pereira (2024, p. 29) que “o centro de sua constituição se deslocou do princípio da autoridade para o da compreensão e do amor”.

Tem-se então que a família, ao longo do tempo, passou por diversas mudanças, principalmente sociais, abandonando-se o entendimento de que a família era aquela constituída por pai, mãe e filhos, para aqueles novos modelos de família já não tão tradicionais.

Cabe salientar que há uma nova concepção de família em construção atualmente, sendo as mudanças no mundo e na sociedade responsáveis por imprimir feição moderna a ela, muito embora ela ainda seja considerada como concessora de prestígio social e econômico, cultivado pelos membros que a integram.

Sobre tais mudanças, Pereira (2024, p. 29) discorre que “entre pais e filhos e entre os diversos membros do grupo familiar desapareceu a organização patriarcal que vigorou no Brasil no Século XX, não apenas no Direito, mas nos costumes”. Observa-se que nessa alteração o pai deixa de ser o pater romano, aquele que detinha a autoridade plena sobre os filhos, situação em que não se fazia nada sem que houvesse autorização/permissão.

Já especificadamente no ordenamento jurídico brasileiro, o Código Civil de 1916 ao regulamentar a família, determinou a constituição dela exclusivamente pelo matrimônio, trazendo uma esteira de discriminação da visão familiar, uma vez que reduziu a noção de família ao grupo originário do casamento.

Sobre o tema, Dias (2016, p. 28) aduz que “este Código impedia a dissolução e trazia uma discriminação quanto às pessoas unidas sem casamento e aos filhos frutos dessa relação”, sendo estes concebidos em vínculos extramatrimoniais considerados ilegítimos e passíveis de punição com a exclusão de seus direitos.

Do mesmo modo, com esta normativa a mulher passou a ser considerada como relativamente incapaz, necessitando do aval do marido para exercer os atos da vida civil, consagrando-se, assim, mais uma vez, o patriarcalismo semelhante ao da cultura grega e romana na sociedade brasileira.

A promulgação do Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/62) e posteriormente da Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/77), foram de suma importância para transformação dos direitos, especialmente das mulheres, tendo em vista que além de findar a proibição do divórcio, destituindo o caráter sacro do casamento, a mulher teve seus direitos resgatados bem como a disposição dos bens adquiridos com seu trabalho.

Progredindo na evolução dos direitos, a Constituição Federal de 1988 precisou inserir apenas um dispositivo para derrubar séculos de preconceitos, visto que elencou em seu artigo 5º, I o dispositivo de que todos são iguais parente a lei, sem distinções o que garante a homens e mulheres igualdade de direito e obrigações.

Observa-se que tal dispositivo, ao instaurar homem e mulher, desfez-se do conceito tradicional de família patriarcal, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros. Assim, entende-se que foi conferida igual proteção ao homem e à mulher, sendo possível a constituição da família não só pelo casamento, mas também pela união estável entre homem e mulher e pela comunidade formada por qualquer dos pais e descendentes e, ainda no caráter protetivo de todas as modalidades de família, a Carta Magna de 1988 ainda cita no artigo 226, § 3º e 4º, com a família sendo a base da sociedade tendo especial proteção do Estado, sendo reconhecida a união estável como entidade familiar.

Nota-se que, a partir do advento deste dispositivo, não mais subsiste a discriminação da família apenas por não haver o casamento, pois se passou a equiparar a união estável como se os companheiros casados fossem conferindo proteção aos filhos advindos desta relação.

Assim, conforme demonstrado, é evidente que o Direito de Família passou por modificações significativas, mudando concepções e transformando o conceito de família propriamente dito.

Dessa forma, com a proteção do Estado, a Família é a base de nossa sociedade e seu reconhecimento, manutenção, desenvolvimento e dissolução estão regulamentados por esse caráter protetor, sendo ele de extrema necessidade para a preservação da própria instituição.

Nesse contexto, Dias (2016, p.33) ao trabalhar a origem da família como uma manutenção de vínculos afetivos não sendo estes uma prerrogativa humana, uma vez que sempre existiu o acasalamento entre os seres vivos, seja para perpetuar a espécie ou pela aversão a solidão.

Destaca-se que estas relações são em decorrência de um determinado momento, seja ele histórico, cultural, moral ou até mesmo econômico de uma sociedade.

Assim, é evidente a multiplicidade de conceitos atribuídos ao instituto familiar, sendo a evolução da sociedade a maior responsável pela atualização e nova feição de tais definições.

Dessa forma, é evidente que a concepção de família vem sofrendo alterações ao longo dos anos e com o desenvolvimento das civilizações. Nesse sentido, Pereira (2024, p. 28), ensina que “no período pós-romano recebeu a contribuição do direito germânico, recolheu, sobretudo, a espiritualidade cristã, reduzindo o grupo familiar aos pais e filhos, e assumindo cunho sacramental”.

Atualmente, há uma substituição do conceito de família como organização autocrática para organização democrática-afetiva, ou seja, “o centro de sua constituição deslocou-se do princípio da autoridade para o da compreensão e do amor” (PEREIRA, 2024, p.29).

Ainda de acordo com Nazareth, (2005, p. 91), a “afetividade é que institui a família moderna, esperando-se reciprocidade de sentimentos entre o casal, reforçando a vida privada, nuclear, em prejuízo das relações de vizinhança e com a família extensa”.

Tem-se, então, que a afetividade é que institui a família moderna, esperando-se a reciprocidade de sentimentos entre o casal, o que forçaria a vida privada, nuclear, valorizando-se, assim, o espaço privilegiado, onde o espaço se realiza a experiência emocional.

Os integrantes das famílias, não obstante a intensa liberdade com que mantém seus relacionamentos, buscam cada dia mais o fortalecimento da reciprocidade dos seus sentimentos, esse amálgama (mistura, fusão de coisas ou pessoas distintas) dos laços familiares é representado pela afetividade.

O Direito não tem o poder de criar afetividade, sentimentos naturais não decorrem de legislações, mas de vivência cotidiana formada pelo respeito, diálogo e compreensão.

A afetividade faz com que a vida em família seja sentida de forma mais intensa e sincera possível, ou seja, só será possível caso seus integrantes vivam apenas para si mesmos, cada um contribui com a felicidade de todos.

Madaleno (2023, p. 50), por sua vez, aduz que acerca da família como uma célula que permite a prestação vital da afetividade e a realização individual, ou seja, “perdendo importância a sua antiga áurea sagrada e os tabus deitados sobre a maternidade e paternidade, parecendo interessar mais a formação natural e espontânea da família”.

Assim, a afetividade faz com que a vida em família seja sentida de forma mais intensa e sincera possível. Dessa forma, vale salientar que a família só tem sentido enquanto unida pelos laços de respeito, consideração, amor e afetividade. Quando não há afetividade, não existe razão para sua manutenção, tornando-se uma estrutura meramente formal e vazia de fundamento.

3 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE DIREITO DE FAMÍLIA

Todo o início de vida tem como origem de sua formação a família, é dela que se rege as relações em uma sociedade sólida. Impossível se dá a existência de um ser humano sem antes a existência de uma geração.

 Em outros termos, Venosa (2023, p. 32), entende que a definição de família é “um fenômeno fundado em dados biológicos, psicológicos e sociológicos regulados pelo direito”. Além do mais, não se deve esquecer que para uma estruturação saldável no seio familiar a existência do afeto e do respeito é de suma importância.

Desta forma a evidência de que o alicerce da construção familiar se dá também por base social, sendo baseada no direito que nos norteia. Contudo, o Estado tem por grande interesse a preservação do núcleo familiar, facilitando assim sua forma de proteção. Segundo Venosa (2023, p. 33) “a intervenção do Estado na família é fundamental, embora deva preservar os direitos básicos da autonomia. Essa intervenção deve ser sempre protetora”.

Aos olhos de Gonçalves (2024, p. 10), que reconhece a família como uma instituição aduz que, a “Constituição Federal e o Código Civil a ela se reportam e estabelecem a sua estrutura, sem, no entanto, defini-la, uma vez que não há identidade de conceito tanto no direito como na sociologia”.

Assim, o direito de família tem como proteção o Estado, onde visa a seguridade de uma sociedade e proteção, e com eles seus direitos e deveres. E mesmo com o passar dos anos e as mudanças culturais e sociais a afetividade para a formação de uma família titulando-se como “lar” permanece intacta mesmo com as diferentes formas dessa constituição familiar, claramente afirma Dias (2016, p. 29) “Parece que as pessoas só são felizes quando têm alguém para amar”.

É importante reforçar que a família é a primeira célula de onde se vem a organização social, formado por indivíduos ligados entre si por laços afetivos, a milhares de anos. No latim família significa “grupo doméstico” que inicialmente incluía os servos da casa. É claramente visível a se perceber que a família se originou através de clãs, que eram grupo de pessoas juntas e unidas por suas descendências e ancestrais em comum, no entanto tinham o domínio da religião que se tornava comum entre eles.

Vale ressaltar que tais institutos de direito protetivo ou assistencial, materializados no ordenamento jurídico brasileiro através dos institutos da tutela e da curatela, não são fundados nas relações familiares, porém, em virtude de sua finalidade tem uma conexão direta com o Direito de Família.

Contudo, a família está em constante modificação, a sociedade vem abrindo caminhos para novas formações familiares, como por exemplo a união de duas pessoas do mesmo sexo. Sendo assim a Constituição Federal e 1988, ao ver essas transformações adotou nova ordem de valores dando privilégios a dignidade da pessoa humana fazendo uma grande revolução dentro do direito de família.

Ademais, a Constituição vem trazendo novos horizontes para a visão jurídica familiar, se atentando as formas de planejamento familiar em diversas modalidades, tendo em seu maior princípio a dignidade da pessoa humana, o Estado também se responsabiliza na assistência social para cada pessoa que integra o seio familiar.

O Código Civil de 2002, tem por escopo olhar de forma mais atenta o direito patrimonial da família, enfatizando a igualdade entre os cônjuges estabelecendo por igual o exercício social conjugal, titulando como poder familiar, estabelecendo casamento, e seus regimes nele adotado.

Além do mais a existência da união estável como parte desta nova visão de base familiar, sendo constituído também a igualdade entre os filhos independentes se são eles biológicos ou filhos adotivos.

Assim, pode-se inferir que o Direito de Família é o ramo do Direito Civil que trata das relações familiares, instituindo suas prerrogativas e conceitos, protegendo e dando especial proteção à família e aos assuntos dela decorrentes.

4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE FAMÍLIA

As modificações do conceito de família culminaram em importantes alterações no texto constitucional e nos textos legais, delineando-se, assim, em novos paradigmas e novos modelos de família, centrados na dignidade da pessoa humana e na solidariedade familiar, rompendo-se com a primazia dos laços sanguíneos e patrimoniais em prol do vínculo afetivo.

A instituição familiar é um dos mais humanos dos direitos de família, estando enjangados nele os princípios constitucionais, pois é considerada a lei das leis.

O dever de proteção está intrínseco às atividades estatais, disciplinada principalmente pela Constituição Federal, cuja normativa, já nos primeiros artigos trata dos princípios norteadores das garantias fundamentais.

Nessa senda, pode-se afirmar que os princípios são os pontos de partida para o Direito e são construídos por valores inscritos no contexto social e cultural de cada indivíduo dentro da sociedade. Portanto, não há hierarquia entre os princípios, alguns são mais próximos às normas, enquanto outros mais próximos aos fatos sociais.

Para Dias (2016, p. 42) “um novo modo de ver o direito emergiu da Constituição Federal, verdadeira carta de princípios, que impôs eficácia a todas as suas normas definidoras de direitos e garantias fundamentais”.

Pereira (2024, p. 57), quanto aos princípios que norteiam o Direito de Família, explica que “na contemporaneidade, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana assumiu o posto de macro princípio constitucional de sorte que todos os princípios que se concretizam na dignidade constituem direitos fundamentais”.

Cabe destacar alguns dos princípios norteadores, sem a pretensão de delimitá-los ou esgotar seu elenco, iniciando-se com o princípio da dignidade humana.

2.4.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

É o maior princípio, o mais universal de todos os princípios, sendo o mais humano de todos os direitos do ramo de direito, sendo base de uma sociedade sadia, garantindo um desenvolvimento familiar a todas as pessoas.

Dias (2006, p. 47) afirma que o princípio da dignidade humana “é o princípio maior, o mais universal de todos os princípios. É um macro princípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade, uma coleção de princípios éticos”.

De qualquer modo, contemporaneamente, assegurar os direitos fundamentais com ênfase na dignidade da pessoa humana é uma condição de legitimação do Estado de Direito. Neste sentido, Madaleno (2023, p. 55) discorre acerca deste princípio, como sendo um princípio fundamental e, “quando cuida do Direito de Família, a Carta Federal consigna no artigo 226, § 7º, que o planejamento familiar está assentado no princípio da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável”. Portanto, não resta dúvida de que a dignidade da pessoa humana constitui, atualmente, o princípio norteador do Direito de Família.

Contudo, a postura de um pensamento no qual se tem por reconhecimento a dignidade da pessoa humana tende a ser evoluído, dando ao homem a ideia de um ser livre, com capacidades para formar suas próprias leis, estabelecer regras, obrigações e deveres, e cumpri-las de uma forma íntegra.

2.4.2 Princípio da Liberdade

  É ter a liberdade de escolha, poder decidir sobre suas atitudes. Sobre o princípio da liberdade, Madaleno (2023, p. 53) discorre que “De liberdade necessita o homem para poder desenvolver todas as suas potencialidades, fazendo ou deixando de fazer alguma coisa por vontade própria, quando não o for em virtude de lei”.

Dias (2023, p. 14) ao abordar o princípio da liberdade, afirma que ele é “fundado no livre poder de constituir uma comunhão de vida familiar por meio de casamento ou união estável, sem qualquer imposição ou restrição de pessoa jurídica de direito público ou privado”.

Observa-se que este é um princípio fundamental no Direito de Família, visto que novos modelos surgem e as pessoas exercem a livre vontade de casar, separar, divorciar e, ainda, optam pelo regime de bens, estando intimamente relacionado ao princípio da autonomia privada.

Portanto, não há o que se falar em desigualdade e liberdade, não tem como estar presentes num mesmo ordenamento jurídico onde se existe uma liberdade contida, cheia de obrigações, então, não trata-se de liberdade, é apenas uma forma de máscara dos sentidos para que não haja conflito em uma sociedade que se diz tão evoluída como a nossa.

2.4.3 Princípio da Afetividade

Um princípio relacionado a afeição, a laços que são constituídos no seio familiar e fora dele, constituído por felicidade.

O princípio jurídico da afetividade, embora não esteja positivado no texto constitucional, pode ser considerado um princípio jurídico à medida que seu conceito é construído por meio de uma interpretação sistemática da Carta Magna em seu artigo 5º, §2º, tornando-se uma das conquistas advindas dos novos conceitos de família. E, ao enfatizar o afeto, a família passou a ser uma entidade plural, calcada na dignidade da pessoa humana (PEREIRA, 2024, p. 61).

Assim, o direito de família em sua afetividade está interligado ao sentido de felicidade, onde se encontra o aconchego, da mesma forma o ordenamento jurídico proporciona uma igualdade de afetividade entre os filhos, lhe concedendo assim também seus direitos dentro do seio familiar.

Contudo, deve se deixar em evidência que o afeto é regido pela interação das pessoas e da sociedade, no entanto, afetividade não é uma forma expressa de amor, apenas de afeição entre os indivíduos. E, é neste sentido, que Dias (2023, p. 16) afirma que o princípio da liberdade é “base do respeito à dignidade humana, norteador das relações familiares e da solidariedade familiar”.

Com isso, nasce por reciprocidade afeição entre indivíduos, mesmo que este não esteja em laço matrimonial, fazendo com que haja a troca de interesses, mas o de cultivar o seio familiar e a sua instituição. Contudo, no seio familiar se dá origem a prole, onde independentemente da consanguinidade entre irmãos a afetividade é a garantia da felicidade.

Esse princípio é um dos grandes norteadores do direito de família, e é por meio dele que se inicia de fato um laço familiar.

5 ASPECTOS CENTRAIS SOBRE A PROTEÇÃO LEGAL DO IDOSO

O envelhecimento é o ciclo natural da vida, sendo um processo natural que envolve aspectos biológicos e sociológicos, sendo assim a velhice, segundo Braga (2011, p.1) é “um termo impreciso e nos leva a meditar sobre quem é o idoso e o que é a velhice. Ser velho traz um imenso conjunto de conotações pejorativas numa sociedade em que o mito da beleza e da juventude ainda impera”.

Analisando legislação anterior à Constituição Federal de 1988, tem-se que os direitos dos idosos não eram abordados por legisladores constitucionais ou infraconstitucionais e, contudo, com a promulgação da Carta Magna, deu-se visibilidade a direitos previdenciários e trabalhistas, não havendo de forma explícita em suas disposições o tema dos direitos e garantias da pessoa idosa (SOUZA, 2024, p. 29)

É com o Estatuto do Idoso do ano de 2003, que os direitos e garantias são colocados em pauta. Nesse sentido, a definição legal advém da classificação etária, conforme art. 1º, da Lei 10741/03 (Estatuto do Idoso), que considera idoso indivíduo na faixa de 60 anos ou mais, sendo reconhecido como, sujeito de direito, tendo garantia e defesa de suas necessidades, que preservem sua dignidade (BRAGA, 2011, p. 3).

No que diz respeito as garantias à pessoa idosa, antes do Estatuto do Idoso e posterior a Constituição Federal fora instituída a Lei nº 8842/94, que previa a Política Nacional do Idoso a qual assegurava os direitos sociais do idoso, e partir dessa garantia havia o intuito de criar condições a fim de, promover autonomia, integração e participação efetiva do indivíduo em sociedade (SOUZA, 2011, p.        30).

Os direitos fundamentais são aqueles inerentes à própria condição humana e, no que diz respeito todo idoso tem direitos naturais e, para seu exercício devem ser conquistados via esforço próprio e compreensão do seu entorno, além das prerrogativas naturais, outros direitos podem ser criados e positivados pela norma jurídica e, à sociedade cabe respeitar e defender esses direitos (BRAGA, 2011, p. 61).

No que consiste o casamento de idosos, a legislação impõe a obrigatoriedade do regime de separação de bens, esta é a redação dada pelo art. 1641, II, Código Civil brasileiro, que está sendo reformado, a obrigatoriedade do regime da separação de bens para pessoas maiores de 70 anos, será discutido pela presente pesquisa em momento oportuno.

6 DO CASAMENTO E SEUS REGIMES DE BENS

Casamento, união entre duas pessoas, um contrato com objetivo de formar uma família. Diniz (2023, p. 20) o conceitua como “a mais importante e poderosa de todas as instituições de direito privado, por ser base da família, que é a pedra angular da sociedade”.

Para Costa, Souza e Oliveira (2024, p. 4) o casamento é, “negócio jurídico, solene e público, que estabelece vínculos jurídicos negocial entre duas pessoas, com o fim de estabelecer comunhão plena de vida, fidelidade recíproca, mútua assistência, regular a vida sexual, bem como, como o cuidado da prole”.

Pereira (2024, p. 82) ao expor sobre casamento, afirma que ele tem inúmeras definições “que não se limitam às vezes a conceituá-lo, porém refletem concepções originais ou tendências filosóficas. Posto que todos os sistemas o disciplinem, inexiste uniformidade na sua caracterização”.

Na definição de Madaleno (2023, p. 115), o tema casamento apresenta controvérsias doutrinárias, ou seja, ela divide opiniões de autores “como uma corrente defendendo a sua natureza contratual, por que requer o consentimento dos nubentes, tanto que frustradas as núpcias quando ausente a livre aquiescência dos esposos”.

Pereira (2024, p. 89) explica, sobre as correntes que envolvem a natureza jurídica do casamento, sendo elas contratualista e institucionalista, para tanto, afirma que, “para uns é uma instituição social refletindo uma situação jurídica, regras e quadros se acham preestabelecidos, sendo assim, “o casamento é o conjunto de normas imperativas cujo objetivo consiste em dar à família uma organização social moral correspondente às aspirações atuais e à natureza permanente do homem”.

O casamento é regrado por regimes de bens que, sob o olhar de Diniz (2023, p. 20), nada mais é do que um “conjunto de normas aplicáveis às relações e interesses econômicos resultantes do casamento”.

Para Souza (2024, p. 35) o regime de bens é “a cooperação recíproca entre os cônjuges é uma das bases do casamento ou da união estável (…) cônjuges elegem o regime de bens que lhes seja mais conveniente”.

Santos e Nunes (2023, p. 189) ao discorrem sobre o regime de bens apontam que atualmente existem quatro tipos de regimes, os quais possuem regras específicas quanto sua administração e, sobre a partilha destes quando ocorre uma dissolução.

Diniz (2023) elenca cinco regimes sendo eles os regimes de casamento são eles regime obrigatório de separação de bens, regime de comunhão parcial de bens, regime universal de bens, regime de participação e, por fim, o regime de separação de bens.

Vale ressaltar que a escolha do regime de bens é uma decisão mútua do casal, e importante para o casamento, uma vez que o tipo de regime afeta de forma direta a relação patrimonial entre os cônjuges. Diferentemente do exposto pela autora acima, o Código Civil, apresenta quatro modalidades de regimes de bens, sendo eles, comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens, separação de bens e, o regime de participação dos aquestos.

O regime de bens regulamenta a administração e titularidade dos bens do casal, sendo esta uma importante matéria do Direito de Família. Importante ressaltar ainda que o regime de bens é fundamentado em quatro princípios e, Diniz (2023, p. 62) os elenca como, “da variedade de regime de bens, da liberdade dos pactos antinupciais, mutabilidade justificada do regime adotado e a imediata vigência do regime de bens”.

Acompanhando o tema deste estudo, delimita-se em expor somente sobre o regime de separação de bens, quando obrigatória em casos em que o indivíduo tenha mais de 70 anos.

7 REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS

O regime de separação obrigatória ou como também conhecido regime de separação legal de bens, se difere da separação convencional de bens, pois esta última é de livre escolha, sendo regulamentado através de um pacto antinupcial.

O regime de separação obrigatória ocorre em três hipóteses, estas elencadas no art. 1641 do Código Civil, onde aplica-se a imposição não podendo ser feito outro regime. O inciso II do referido artigo “da pessoa maior de 70 (setenta) anos” – inciso inserido através da Lei nº 12.344/10, vale ressaltar que este regime é imposto também para união estável.

O posicionamento doutrinário vigente é que este regime obedece aos princípios constitucionais, o Código Civil de 2002, e as alterações trazidas pela Lei nº 12.344/10, no entanto, sob o olhar de Pereira (2024, p. 232) “não mais deu tratamento diferenciado entre os cônjuges como fizera o art. 258, II, do Código Civil de 1916, no entanto, esta regra não encontra justificativa econômica ou moral, pois que a desconfiança contra o casamento dessas pessoas não tem razão para subsistir”.

Observa-se que matrimônios contraídos nestas faixas etárias, podem ocorrer por interesse, no entanto, podem ocorrer em todas as idades. E sobre a proibição Pereira (2024, p. 232) entende que “trata-se de discriminação dos idosos, ferindo o princípio da dignidade humana e da igualdade”.

Madaleno (2023, p. 969) aborda a obrigatoriedade da separação de bens mesmo sob a reiterada jurisprudência aplicando a Súmula 337, do STF, para tanto, afirma que o “Código Civil representa um inequívoco retrocesso da lei quando os rigores do regime legal da separação de bens já haviam sido abrandados pelas lições jurisprudenciais firmadas”.

Para o autor, a obrigatoriedade é uma “punição (…) em face do direito à igualdade e à liberdade ninguém pode ser discriminado em função do sexo ou da idade, como se estas fossem causas naturais de incapacidade civil” (MADALENO, 2023, p. 970).

Diniz corrobora com Madaleno, ao questionar os motivos da obrigatoriedade, uma vez que a Lei nº 12344/10, elevou a idade ante ao aumento da expectativa de vida do brasileiro, a autora levanta as lacunas existentes pela aplicação do dispositivo e, afirma que “Convém não olvidar que não há separação absoluta de bens, mesmo na separação obrigatória de bens, visto que nossos juízes e tribunais têm aplicado a Súmula 377 do STF” (DINIZ, 2023, p. 76).

Para Santos e Nunes (2023, p. 191), há um debate em curso acerca da “validade e a adequação da norma da separação obrigatória de bens para pessoas maiores de 70 anos, e pode ser necessário reavaliar a norma em relação às mudanças sociais e demográficas ocorridas nas últimas décadas”.

Ante este embate doutrinário, chega-se ao tema deste estudo, a análise da atual decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no que se refere a interpretação do art.1641, II do Código Civil.

8 DA DECISÃO DA SUPREMA CORTE SOBRE A MATÉRIA

Em 01 de fevereiro de 2024, o Supremo Tribunal Federal decidiu por unanimidade pela manutenção do inciso II, do art. 1641, do Código Civil quanto a sua obrigatoriedade, no entanto, abriu precedente para que seja exercido regime diferente quando os cônjuges optarem, manifestando a vontade através de escritura pública lavrada em cartório ou autorização judicial – Agravo no Recurso Extraordinário nº 1309642/SP, sob a Relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso.

O embate agora, sob essa decisão, versa sobre a hipótese de afastamento da obrigatoriedade pelo desejo expresso via escritura pública firmada em cartório ou por autorização judicial, definindo-se ainda que pessoas acima de 70 anos que já estejam casadas ou ainda, vivendo em união estável, possam alterar seu regime de bens, já nesse caso há necessidade de autorização pessoal e, quando ocorre os efeitos dessa alteração, só terão efeitos futuros, ou seja, a partir da decisão.

Para Tartuce, a decisão da Suprema Corte foi de certa forma surpreendente, uma vez que a afirmação não fora defendida pelos doutrinadores ou pelos Tribunais brasileiros, ou mesmo pelo Superior Tribunal de Justiça. Salienta o autor, que por ser inovador, tal decisão levanta algumas questões que continuam em aberto tais como: Se a norma é dispositiva ou privada, convergente ou de ordem pública? Essas questões ficaram soltas e, apesar da afirmação dos ministros, em que a manutenção da obrigatoriedade desrespeita o direito de autodeterminação do indivíduo idoso, ainda não foi decidido pela inconstitucionalidade do preceito (TARTUCE, 2024, n.p.).

Pois bem, como visto no item anterior, doutrinadores expressam a continuidade da norma, em plena vigência, com a nova decisão do STF, não há que olvidar que mantida a regra geral a vontade do indivíduo em ter um regime diferenciado, permanece alvitada.

A atual decisão traz um trâmite ainda mais burocrático, ante a necessidade extrajudicial de adoção via escritura pública lavrada em Tabelionatos de Notas, segue em desarmonia, já que a tendência seria reduzir a procedimentos para atos familiares, sem falar no custo para confecção das escrituras, tornando por vezes de difícil acesso para parte da população.

E, aos indivíduos que optaram pela mudança de regime de bens que já se encontra em trâmite judicial, até a data do julgamento podem realizá-la, no entanto, como na possibilidade da escritura pública, os efeitos sob o patrimônio se dará ex nunc, colocando em dúvida a segurança jurídica, pois os efeitos são futuros.

Em casos de ações em andamento que versem sobre herança ou ainda, divisão de bens, ministro relator, retifica que a decisão não afeta processos em andamento que já tenham decisões constituídas.

Ante uma decisão inédita, onde ainda há estudos a serem realizados e os doutrinadores apresentam suas teses, apresentam-se duas separações a obrigatória, constante no incisos I e III, do art. 1641, e não obrigatória aos maiores de 70 anos como prevê o inciso II.

O tema é de alta relevância e merece ser ponderada, tanto pela Corte quanto pela doutrina, primeiro levando em consideração a Súmula nº 377, da própria Corte, que reforma a legislação da década de 60, onde o regime de separação legal de bens, comunicava-se com os bens que foram adquiridos durante o casamento desde que seja comprovado que houve esforço comum para aquisição.

Tartuce (2024, n.p.) levanta outra questão a ser debatida a qual se refere a sucessão hereditária quanto a concorrência dos descendentes com o cônjuge ou convivente falecido, uma vez que na separação obrigatória de bens é afastada a concorrência na sucessão dos descendentes com o cônjuge ou convivente do falecido.

O presente tema ainda tem muito a ser discutido e delimitado junto a Corte, doutrinadores e estudiosos do direito, para que seja resguardada a dignidade do idoso, em caso de matrimônio acima dos 70 anos.

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema traz uma discussão acerca da obrigatoriedade da separação de bens para indivíduos acima de 70 anos, após decisão do Supremo Tribunal Federal.

A Corte manteve a obrigatoriedade, no entanto, abre precedente para possibilidade de modificar o regime de bens, desde que atenda as formas indicadas, sendo elas escritura pública feita em cartório ou por decisão judicial.

Sobre a inovadora decisão há três pontos de reflexão, primeiro versa acerca da obrigatoriedade à idosos, uma vez que faz sentido pensar em menor comprometimento patrimonial para pessoas que nessa idade decidem contrair matrimônio; segundo ponto é de suma importância, pois aborda a publicidade dessa decisão, dar visibilidade à decisão a todos, incluindo os idosos, fará com que possam rever seus regimes e, se assim desejarem, alterá-lo desde que seja via escritura púbica ou decisão judicial, observando-se que pode ser na constância da união, sendo que os efeitos da escolha passa a vigorar a partir dela; e, por fim terceira reflexão diz respeito à Súmula 377, da mesma Corte, que possibilita a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento no regime de separação obrigatória.

Ressalva que a decisão proferida no mês de fevereiro do corrente ano, apresenta algumas lacunas que deverão ser suprimidas ao longo do tempo, novos estudos e embates serão necessários para alinhar a norma já existente e suas especificidades o que envolverá toda comunidade jurídica.

REFERÊNCIAS

BRAGA, Pérola Melissa Viana. Curso de Direito do Idoso. São Paulo: Atlas, 2011.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 29 mar. 2024.

BRASIL. Lei nº 4.121 de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre a situação jurídica da mulher casada. Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1950-1969/L4121.htm. Acesso em: 29 mar. 2024.

BRASIL. Lei nº 6.515 de 26 de dezembro de 1977. Regula os casos de dissolução de sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos, e dá outras providências. Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6515.htm. Acesso em: 29 mar. 2024.

BRASIL. Lei nº 8.842 de 4 de janeiro de 1994. Dispõe sobre Política Nacional do Idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e dá outras providências. Planalto. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8842.htm. Acesso em: 29 mar. 2024.

BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Planalto. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 29 mar. 2024.

BRASIL. Lei nº 10.741 de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Planalto. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. Acesso em: 29 mar. 2024.

BRASIL. Portal Supremo Tribunal Federal. Separação de bens em casamento de pessoas acima de 70 anos não é obrigatória, decide STF. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=526043&ori=1. Acesso em: 07 mai. 2024.

CERVO, Luiz Amado; BERVIAN, Pedro Alcino. Metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2002.

COSTA, Tecimara Marçal; SOUZA, Giodinir Elias Pereira; OLIVEIRA, Igor do Vale. Casamento civil e regime de bens matrimoniais e a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça acerca da mudança de regime de bens. Revista Multidisciplinar do Nordeste Mineiro, v.01, 2024ISSN 2178-6925. Disponível em: https://doi.org/10.61164/rmnm.v1i1.2066. Acesso em: 29 mar. 2024.

COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Texto integral. Tradução de Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2002.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil: Direito de Família. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2023.

FELÍCIO, Tatiana Cristina. Adoção: Aspectos destacados sobre a Lei 12.010/09. Monografia. Graduação. Centro de Ciências Sociais e Jurídicas. Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. 78f. Itajaí, 2009. Disponível em: https://siaibib01.univali.br/pdf/Tatiane%20Cristina%20Felicio.pdf. Acesso em: 27 mar. 2024.

GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2024.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito de Família. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2024.

MADALENO, Rolf. Direito de família. 13. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2023.

NAZARETH, Eliana Riberti. Guarda compartilhada e mediação familiar. In: Guarda compartilhada. Aspectos jurídicos e psicológicos. Org. APASE. Porto Alegre: Equilíbrio, 2005.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito de Família. 30. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2024.

SANTOS, Adelaine Dias da Cruz; NUNES, Vanessa Ester Ferreira. O regime de bens e a pessoa maior de 70 anos. Rebista Interfaces. V 1, n. 10 (2023), disponível em: https://publicacoes.uniesp.edu.br/index.php/1/article/view/80. Acesso em: 29 mar. 2024.

SOUZA, Suéllen da Silva. A (in) constitucionalidade do regime de separação de bens para maiores de 70 anos de idade. Revista da seção judiciária de Alagoas. V. 1, n. 8 (2024). Disponível em: https://revista.jfal.jus.br/RJSJAL/article/view/9. Acesso em: 29 mar. 2024.

TARTUCE, Flávio. Decisão do STF sobre o regime da separação obrigatória de bens e os caminhos possíveis da reforma do CC. Coluna Família e Sucessões. Migalhas. Publicado em: 28/02/2024. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/familia-e-sucessoes/402474/decisao-do-stf-sobre-o-regime-da-separacao-obrigatoria-de-bens. Acesso em: 29 mar. 2024. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: família e sucessões. 23. ed. Barueri [SP]: Atlas, 2023.


[1] Graduada em Direito pela Faculdade Educacional de Medianeira – UDC Medianeira. E-mail: rosicarladireito@gmail.com

[2] Doutora em Direito pela Universidade de Marília. Doutoranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professora do Centro Universitário Dinâmica das Cataratas (UDC). E-mail: lucelaine.weiss@udc.edu.br.