RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NAS RELAÇÕES PATERNO-FILIAIS

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NAS RELAÇÕES PATERNO-FILIAIS

5 de dezembro de 2023 Off Por Cognitio Juris

CIVIL LIABILITY FOR AFFECTIVE ABANDONMENT IN PARENTAL-FILIAL RELATIONSHIPS

Artigo submetido em 24 de novembro de 2023
Artigo aprovado em 01 de dezembro de 2023
Artigo publicado em 05 de dezembro de 2023

Cognitio Juris
Volume 13 – Número 52 – Dezembro de 2023
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Andressa Rodrigues Rocha [1]
Guilherme Augusto Martins Santos [2]

RESUMO: O abandono afetivo é vivido diariamente pelos filhos que crescem sem a figura paterna. A Constituição Federal dispõe algumas atribuições consistentes do poder-familiar, especificas do dever paterno de cuidar. Entretanto, essas atribuições estão cada vez menos sendo cumpridas pelos detentores da prole. O convívio familiar é necessário e benéfico aos filhos, diversos são os danos que a falta de afetividade no ambiente familiar pode acarretar à vida das crianças. A responsabilidade civil ainda é pouco discutida no Direito de Família, mas surge de forma tímida na doutrina e legislação para amparar aqueles que são abandonados afetivamente e que, em razão do abandono afetivo, desenvolveram danos que afetaram seu desenvolvimento mental, social e moral. Para tanto, ainda com a deficiência legislativa no julgamento dos respectivos casos, é possível analisar a responsabilidade civil como mecanismo jurídico de reparação nos casos por abandono afetivo, apesar da ausência de normatização que trate o abandono afetivo paterno como ilícito civil? Assim, o objetivo central consiste em elucidar a problemática acima mencionada, com a análise dos conceitos que envolvem a responsabilidade civil, o abandono afetivo, bem como o valor jurídico do afeto nas relações familiares. Essa análise foi feita através de pesquisa jurisprudencial e doutrinária, e concluiu que a responsabilidade civil deve ser assegurada às vítimas do abandono afetivo paterno, uma vez que a prática do ato ilícito de abandonar afetivamente e materialmente os filhos contraria preceitos fundamentais descritos na Constituição Federal, como o poder familiar, além de causar severos danos mentais, morais e socais.

Palavras-chave: Abandono Afetivo; Direito de Família; Responsabilidade Civil; Poder-dever familiar.

ABSTRACT: Affective abandonment is experienced daily by children who grow up without a father figure. The Federal Constitution provides for some consistent attributions of family power, specific to the paternal duty of care. However, these duties are less and less being fulfilled by the owners of the offspring. Family life is necessary and beneficial for children, there are many damages that a lack of affection in the family environment can cause to children’s lives. Civil liability is still little discussed in Family Law, but appears timidly in doctrine and legislation to support those who are emotionally abandoned and who, due to emotional abandonment, developed damages that affected their mental, social and moral development. To this end, even with the legislative deficiency in the judgment of the respective cases, is it possible to analyze civil liability as a legal mechanism for reparation in cases of emotional abandonment, despite the lack of regulations that treat paternal emotional abandonment as a civil offense? Thus, the central objective is to elucidate the aforementioned problem, with the analysis of concepts involving civil liability, emotional abandonment, as well as the legal value of affection in family relationships. This analysis was carried out through jurisprudential and doctrinal research, and concluded that civil liability must be assured to victims of paternal emotional abandonment, since the practice of the illicit act of emotionally and materially abandoning children contradicts fundamental precepts described in the Federal Constitution, such as family power, in addition to causing severe mental, moral and social damage.

Keywords: Affective Abandonment; Family right; Civil responsability; Family power-duty.

1 INTRODUÇÃO

A interação entre pais e filhos desempenha um papel crucial no desenvolvimento emocional e psicológico completo da criança e do adolescente, destacando o afeto como um elemento essencial nesse cenário. A falta ou negligência de cuidados afetivos por parte dos pais pode resultar em danos substanciais na vida de seus filhos.

A Constituição Federal denomina o pátrio poder, como a autoridade atribuída aos pais para exercerem os direitos e deveres em relação aos filhos. Dessa forma, é importante compreender que a concepção contemporânea ultrapassa a ideia tradicional do pátrio poder, evoluindo para conceitos mais amplos do poder familiar, como o reconhecimento da importância do afeto e do ambiente emocional positivo na formação da criança.

O poder dever inclui a responsabilidade de prover cuidado, proteção, educação e, principalmente, afeto. O poder familiar é baseado em princípios fundamentais, como o princípio da dignidade da pessoa humana, da solidariedade familiar e do melhor interesse da criança.

Já o abandono afetivo, por sua vez, refere-se à omissão ou negligência dos pais em relação aos cuidados emocionais e afetivos necessários aos filhos, e traz consigo efeitos duradouros, refletindo em problemas emocionais, comportamentais e de relacionamento ao longo da vida dos indivíduos.

Diante desse panorama, a responsabilidade civil é acionada como um mecanismo jurídico de reparação. Ela busca responsabilizar os pais que negligenciam o dever de cuidado afetivo, impondo-lhes sanções e obrigações legais. Essas medidas têm como objetivo garantir a reparação dos danos sofridos pelas vítimas do abandono afetivo e, ao mesmo tempo, criar um incentivo.

Apesar da relevância do afeto, é importante ressaltar que a omissão paterna ao dever de cuidado, caracterizada pelo abandono afetivo, ainda carece de uma normatização específica que trate como ilícito civil. Assim, questiona-se, se mesmo diante da falta de proteção legislativa, é possível analisar o instituto da responsabilidade civil como fonte reparadora para as vítimas do abandono afetivo paterno?

A ausência de uma legislação específica que reconheça a responsabilidade civil como fonte reparadora nos casos por abandono afetivo pode gerar lacunas e incertezas no tratamento desses casos, além de dificultar a definição clara das obrigações e responsabilidades dos pais nesse contexto. Isso pode cercear o acesso à justiça para as vítimas do abandono afetivo e tornar o processo de responsabilização mais complexo.

Concernente a tais questões, o objetivo geral analisará a possibilidade da aplicabilidade da responsabilidade civil nos casos por abandono afetivo, considerando as atribuições jurídicas dos pais, bem como o valor jurídico do afeto ante a ausência de normatização.

Ademais, os objetivos específicos esclarecerão desde o conceito do abandono afetivo até a fundamentação da responsabilidade civil, suas fontes, elementos formadores e fundamentos que justifiquem a necessidade de reparação civil, bem como responda problemática trazida em questão.

Por sua vez, a metodologia consistirá em pesquisa jurisprudencial e doutrinária com o objetivo de verificar se o abandono afetivo constitui uma conduta ilegal, passível de resultar em reparação ou compensação, além de analisar como o instituto da responsabilidade civil no que pese ao abandono afetivo tem sido julgado pelos Tribunais.

O relacionamento entre pais e filhos é crucial para o desenvolvimento emocional, e a ausência de cuidados afetivos pode causar danos significativos. O pátrio poder, definido pela Constituição Federal, inclui a responsabilidade de prover afeto, e o abandono afetivo refere-se à negligência nesse cuidado, acionando assim a responsabilidade civil. Apesar da importância do afeto, a falta de normatização específica para o abandono afetivo pode criar lacunas legais. O estudo visa analisar a possibilidade de responsabilidade civil nesses casos, considerando as lacunas legais e os impactos no desenvolvimento das crianças.

Nesse sentindo, o primeiro capítulo se propõe a conceituar o abandono afetivo, esclarecer acerca do dever jurídico do cuidado e não abandono, bem como conscientizar dos inúmeros danos que a falta do afeto paterno traz ao ambiente familiar e a seus membros.

O segundo capítulo, trará noções acerca da responsabilidade civil, apontando seus conceitos, fontes e elementos formadores para que haja a compreensão da necessidade e devida equiparação da responsabilidade civil como instituto reparador nos casos por abandono afetivo. 

Por fim, o terceiro capítulo tende a mostrar como anda a aplicabilidade da responsabilidade civil nos casos por abandono afetivo com a descrição de algumas jurisprudências, explanando uma análise ampla acerca das decisões e manifestações a respeito dos casos relacionados ao abandono afetivo.

2  A FIGURA DO ABANDONO AFETIVO

As frequentes mudanças na sociedade, juntamente com as novas características do direito de família, levaram ao surgimento de ações judiciais que reabrem questões já existentes e que provocam interpretações divergentes no que diz respeito à apreciação e categorização da responsabilidade civil nos casos de negligência emocional em relação ao menor.

O abandono afetivo, preconizado como elemento e causa principal nessa relação, é extremamente enraizado e precursor de grandes traumas na vida de diversas crianças e adolescentes, tornando-se uma lacuna que, quando não preenchida por seus pais, geram estragos e danos irreparáveis no desenvolvimento emocional e psicológico de seus filhos.

Devido às diversas transformações sociais ocorridas nas últimas décadas, a estrutura familiar tem passado por constantes modificações. Uma relativa porcentagem de crianças tem a mãe como referência materna e paterna até a vida adulta, ou a presença paterna presente apenas no aspecto material e jamais afetivo.  

A despeito das transformações na configuração das famílias, o afeto permanece como um elemento vital no âmago familiar. As famílias, outrora delineadas por padrões tradicionais, têm passado por uma reconfiguração que abraça uma diversidade de arranjos, incluindo monoparentalidade, famílias recompostas, entre outras formas. Nesse cenário, o que se mantém como um alicerce fundamental é o afeto, um componente intrínseco que transcende as mudanças estruturais.

Nessa perspectiva, independentemente das configurações familiares, o vínculo emocional entre seus membros continua a ser crucial para o bem-estar e o desenvolvimento saudável de cada indivíduo. O afeto, nesse sentido, não apenas perdura, mas é reconhecido como um elemento vital que sustenta as relações familiares em meio a uma paisagem em constante evolução. Sergio Resende conceitua o afeto como algo que enlaça e comunica as pessoas:

um afeto que enlaça e comunica as pessoas, mesmo quando estejam distantes no tempo e no espaço, por uma solidariedade íntima e fundamental de suas vidas – de vivência, convivência e sobrevivência – quanto aos fins e meios de existência, subsistência e persistência de cada um e do todo que formam (Barros, 2002, p. 9)

 O papel de conceder afeto aos filhos esteve geralmente associado à figura materna, em razão das funções que já desempenhava como mãe. Ao longo do tempo, percebeu-se que as funções maternas não se limitavam apenas à criação dos filhos, e houve um reconhecimento da crescente necessidade e importância da presença paterna não apenas como provedor material, mas também como provedor afetivo.

Desde o nascimento até a sua formação adulta, os pais desenvolvem um papel de extrema importância na vida dos seus filhos e o cumprimento dessa obrigação possibilita uma grande diferença no crescimento e desenvolvimento da criança. Dessa forma, acerca da formação e desenvolvimento dos filhos, entende (Nader, 2016) que:

quanto maior o avanço das ciências que estudam o mecanismo do comportamento, mais se evidencia a influência do ambiente familiar na formação das crianças e sua repercussão na vida adulta. Dada a complexidade do ser humano, dotado de corpo e espírito, as suas carências são materiais e morais. Portanto, não basta aos pais prover às necessidades de alimentação, moradia, transportes, assistência médica, odontológica; é igualmente essencial a educação, os estudos regulares, a recreação. De singular importância é a convivência diária, o diálogo permanente e aberto, a transmissão de afeto. Se a criança cresce em um ambiente sadio, benquista por seus pais, cercada de atenção, desenvolve naturalmente a autoestima, componente psicológico fundamental ao bom desempenho escolar, ao futuro sucesso profissional e ao bom relacionamento com as pessoas. (Nader, 2016, p.390)

            Deste modo, ressalta-se a necessidade de um ambiente familiar rico em afeto e cuidado, que possibilite vivencias de amor e que contribua para a construção de memorias afetivas e sadias, distantes dos problemas e transtornos mentais gerados pela lacuna do abandono afetivo.

2.1 O Dever Jurídico do Cuidado e não Abandono

            A família naturalmente constituída tem, como alicerce central em suas relações, os laços afetivos, que traz a ideia de durabilidade para os vínculos familiares. O conceito de família passou por transformações e evoluções, e consagrou o afeto como princípio implícito, reconhecendo a sua importância e necessidade na formação e desenvolvimento da prole.

            A afetividade não era considerada como requisito para formação de uma família na antiguidade, passou a se tornar atualmente porque foi reconhecida como um grande pilar de sustentação do convívio familiar, garantindo, assim, a estabilidade da família, e consequentemente cumprindo com as obrigações afetivas para com seus membros. Após esse devido reconhecimento da importância da afetividade no convívio familiar, esta passou a ser introduzida de forma tímida na legislação, mas já trouxe grandes retornos no que pese as garantias para indenizações das obrigações afetivas não cumpridas.

            Contemporaneamente, tornou-se comum o nascimento de crianças não planejadas, bem como o surgimento de famílias nesse aspecto, entretanto em razão dessas circunstâncias os pais não podem se abster de suas obrigações afetivas e materiais para com seus filhos. Maciel (2013) ressalta que o nascimento da criança é o fato gerador da responsabilidade dos genitores, uma vez que não se trata de uma opção, e, sim, um dever que se revela também como direito.

            A lei 9.263/93 surgiu não apenas para tratar acerca do planejamento familiar, mas também para ser garantidora e protetora de diversos direitos relacionados à família, e preconiza que para a construção do afeto é essencial o convívio dos membros em suas relações familiares.

            O artigo 1.634 do Código Civil descreve bem essa tratativa:

Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I – dirigir-lhes a criação e educação; II – tê-los em sua companhia e guarda; III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; V – representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição” (Brasil, 2002)

               A assistência afetiva e a convivência paterna trazem diversos benéficos, sendo o primordial, o desenvolvimento mental, psicológico e físico, possibilita também a realização de grandes descobertas, como andar, falar, a inserção nos relacionamentos interpessoais, discernimento do que é certo e errado, o que contribui positivamente para a formação do caráter e senso comum (Diniz, 2002). O artigo 227 da Constituição Federal explicita o direito a convivência familiar:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Brasil,1988).

Dessa forma, a mera previsão dos deveres parentais nem sempre se traduz na efetiva prática na realidade, resultando na insuficiência de atender às necessidades afetivas, materiais e morais dos filhos.

Com isso, o poder dever do cuidado tem uma atribuição jurídica, os pais são inteiramente responsáveis pela criação, educação, alimentação e inserção no mundo social, “Se os genitores deixam o dever de cuidar, rompe-se a afetividade e violam-se as regras que tutelam os filhos, a lei será aplicada com suas consequências naturais” (Tartuce, 2019).

 O pátrio poder, atualmente denominado poder familiar, consiste na autoridade atribuída aos pais para exercerem os direitos e deveres em relação aos filhos. Esse poder-dever inclui a responsabilidade de prover cuidado, proteção, educação e, principalmente, afeto.

Nessa perspectiva, o poder familiar encontra-se de forma tímida na legislação, mas através dele é atribuído valor jurídico as obrigações paternas. Com isso, o poder familiar caracteriza-se como os direitos e deveres que são designados aos genitores pelo ordenamento jurídico, desde a descoberta, nascimento, crescimento, até a fase adulta da prole. Nesse interim é imposto aos pais, através desse instituto, o dever jurídico de cuidar, amar e a responsabilização pela prática dos seus atos até alcançarem a maior idade. O não cumprimento dessas obrigações configura a quebra do poder familiar.

O exercício do poder familiar está descrito no artigo 1.634 do Código Civil, e traz atribuições que compete exclusivamente aos pais, acerca da educação, saúde, moradia, afetividade, além dos deveres naturais que incubem aos genitores. O artigo 22, do Estatuto da Criança e do Adolescente, dispõe que “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”.

As negligências por parte dos pais resultam em prejuízos que possivelmente terão um impacto duradouro na vida de seus filhos, e quando tais negligências ocorrem, elas materializam a representação significativa do abandono afetivo. Essas características têm o potencial de deixar cicatrizes profundas nas experiências e relacionamentos das crianças, muitas das quais podem persistir ao longo da vida adulta. O abandono afetivo não se limita apenas à ausência física, mas também engloba a carência de apoio emocional, afetivo e orientação por parte dos pais, o que pode afetar profundamente o bem-estar emocional e psicológico da criança.

2.2 Possíveis danos decorrentes do abandono afetivo

            Conforme demonstrado nos itens anteriores que tratam acerca do conceito do abandono afetivo, fica claro que o afeto é necessário no seio de toda e qualquer família. No entanto como já foi destacado, os laços afetivos ainda não são uma realidade de todas as famílias, o que resulta em danos significativos na vida dos seus membros, particularmente na vida das crianças.

            No cerne da responsabilidade parental, emerge o imperativo de que os pais devem providenciar aos seus filhos não apenas o amparo material, mas, de maneira igualmente essencial, o suporte afetivo, moral e psicológico. Essa incumbência transcende o simples provimento de necessidades básicas e alinha-se com a compreensão contemporânea de que o desenvolvimento saudável de uma criança ou adolescente está intrinsecamente vinculado à qualidade das interações emocionais que estabelece com seus progenitores.

Os pais, ao assegurarem esse suporte integral, contribuem não apenas para o crescimento físico, mas também para a formação de uma base emocional sólida, influenciando positivamente o desenvolvimento cognitivo, emocional e a capacidade de se inserir de maneira equilibrada na vida social. Dessa forma, a missão parental vai além da provisão material, abraçando um compromisso multifacetado de promover um ambiente propício ao florescimento integral de seus filhos.

Entretanto, quando essa presença, especialmente a paterna, é negligenciada, surgem consequências significativas. A ausência do pai pode desencadear uma série de problemas emocionais, destacando-se a baixa autoestima. As crianças, privadas do afeto paterno, podem internalizar a ideia de que são menos valorizadas ou amadas, resultando em sentimentos de inadequação e insegurança. Esses impactos não se limitam ao presente; eles têm o potencial de persistir na vida adulta, afetando adversamente o desenvolvimento físico, emocional e psicológico dos indivíduos.

A Constituição Federal e seu artigo 227, aborda os danos que a ausência de um ou de ambos os pais podem gerar na vida dos seus filhos, deixando-os em situação de extrema vulnerabilidade social e afetiva. 

É importante reconhecer que o abandono afetivo não é apenas prejudicial para as crianças, mas também para a sociedade em geral. Crianças que crescem com carinho e apoio emocional tendem a se tornar adultos mais estáveis e produtivos. Portanto, a questão do abandono afetivo nas relações paterno-filiais é um assunto sério que merece atenção, tanto no nível familiar quanto no nível legal, visando proteger o bem-estar das crianças e promover relações familiares saudáveis.

3 RESPONSABILIDADE CIVIL

Após todo o esclarecimento acerca do abandono afetivo, seu conceito, bem como os danos causados por ele, este capítulo elucidará sobre a responsabilidade civil, suas fontes, elementos formadores e principais características para que haja a verificação da possibilidade de reparação civil nos casos por abandono afetivo nas relações paterno filiais.

A responsabilidade civil nos casos por abandono afetivo ainda é um tema pouco discutido no meio jurídico, sem respaldo específico na legislação brasileira. Dessa forma, a Constituição Federal e o Código Civil possuem alguns artigos que tratam e estabelecem algumas obrigações, direitos nas relações familiares, bem como o poder-dever familiar, mas nada taxativo e específico. Restando apenas as jurisprudências como amparo para estudos desses casos. Venosa (2013) ressalta que “apenas recentemente a doutrina despertou interesse pelos casos que geram a obrigação de indenização entre membros da entidade familiar” (Venosa, 2013, p. 298). Assim, conforme já mencionado, é notório a baixa discussão acerca dos casos de reparação civil no âmbito do direito familiar afetivo.

A responsabilidade civil evoluiu o seu conceito, e inspirou-se nos princípios da dignidade da pessoa humana, princípio da solidariedade, da prevenção e da reparação integral do ano. Esse laço que ocorre na solidificação do conceito, com os princípios mencionados, dá-se em razão da obrigatoriedade e garantia da proteção aos direitos fundamentais de todo os indivíduos.

Segundo Gonçalves (2020), toda atividade que gera prejuízo em seu bojo, como fato social, traz a consequência da responsabilidade e reparação. Nesse interim, a responsabilidade civil destina-se a restituir os danos morais e patrimoniais sofridos por qualquer pessoa.

Diniz (2002) conceitua, de forma clara e contundente, que “a responsabilidade civil é a obrigação de reparar o dano causado a outrem, seja no campo moral ou patrimonial, em virtude de ato ilícito, ou seja, de conduta contrária à norma jurídica que cause prejuízo ao lesado” (Diniz, 2002, p. 3).

No que pese aos danos sofridos nas relações familiares, segundo Madaleno, a responsabilidade civil equipara a reparação não só dos prejuízos patrimoniais, mas tem se dedicado a reparar principalmente os danos morais, “a  reparação de danos nas relações familiares não se dá só em razão de um prejuízo patrimonial, mas também, e, principalmente, em razão do dano moral, que consiste na dor, no sofrimento, na humilhação, no desespero e na tristeza que se abate sobre a vítima” (Madaleno, 2015, p. 28).

3.1 Fontes da Responsabilidade Civil

A responsabilidade civil é um princípio central do direito que estabelece a obrigação de reparar danos causados a terceiros. No entanto, essa responsabilidade não é uniforme, e suas origens podem variar, dependendo do contexto legal e dos tipos de danos envolvidos. As fontes da responsabilidade civil desempenham um papel crucial na determinação de quando e como a responsabilidade legal é imposta.

A responsabilidade civil surge quando é gerado o dano, ou seja, a prática do ato ilícito, que se caracteriza como fonte principal nesse aspecto. O Código Civil no seu artigo 1, descreve que toda pessoa é titular de direitos e deveres no ordenamento jurídico brasileiro e, quando há a violação desses respectivos direitos, é necessário a reparação, conforme preceitua também o artigo 927 do Código Civil.

A prática do ato ilícito gera desequilíbrio em vários contextos, não só no contexto patrimonial e moral, como também social e outros.

O dano moral, tratado no Brasil como figura unitária que abarca todas as numerosas modalidades de lesão a interesses existenciais, libertou a Responsabilidade Civil das amarras da patrimonialidade, inaugurando um novo e imenso terreno de aplicação, com consequências não meramente quantitativas, mas também qualitativas, na medida em que toda essa abertura tem suscitado importantes discussões em torno da própria função da Responsabilidade Civil na realidade contemporânea (Schreiber, 2014 p.222).

               Tradicionalmente, a Responsabilidade Civil estava intimamente ligada a danos patrimoniais, ou seja, aqueles que envolviam perdas financeiras mensuráveis. No entanto, o dano moral emergiu como uma categoria unificada que engloba uma ampla gama de lesões aos interesses existenciais das pessoas, não apenas as lesões patrimoniais.

            Essa evolução é significativa, pois expandiu consideravelmente o alcance de aplicação da Responsabilidade Civil. Agora, as questões relativas ao dano moral não se limitam a danos financeiros, mas também incluem danos à dignidade, à reputação, ao bem-estar emocional e outros interesses existenciais. Isso representa uma mudança qualitativa na compreensão da Responsabilidade Civil.

3.2 Fundamentos da Responsabilidade Civil

            Os fundamentos da responsabilidade civil são os princípios e conceitos essenciais que servem de alicerce para todo o campo do direito que lida com a responsabilização por danos causados a terceiros.

            Segundo a Lei de Talião, o dano gerado a qualquer pessoa poderia ser retribuído na mesma proporção que havia recebido, quer seja físico ou patrimonial.

Nas sociedades primitivas, a regra de Talião – olho por olho, dente por dente –, absorvida pela Lei das XII Tábuas, determinava o nexus corporal do violador perante o ofendido, e estabelecia uma equivalência da punição do mal com o mal. Encontravam-se, aí, vestígios da vingança privada, embora marcada pela intervenção do poder público, com o intuito de discipliná-la (Tepedino, 2023, p. 1).

            Assim, conforme expõe Flávio Tartuce (2014), os indivíduos e a própria sociedade evoluíram, e tem buscado soluções justas para a aplicação da reparação a cada dano causado, com base preceitua o nosso ordenamento jurídico. Ademais, a própria Constituição Federal junto ao Código Civil baseia aplicação da responsabilidade civil nos princípios da dignidade da pessoa humana, solidariedade social e igualdade.

            A ocorrência do dano é o fato gerador da obrigação de reparação, Tepedino (2023) ressalta que “na ocorrência de dano injusto, material ou moral, a ordem jurídica procura imputar a alguém a obrigação de reparar. Se não há dúvidas de que a vítima deve ser ressarcida, a mesma certeza não existe em relação à razão pela qual o causador do dano é responsável” (Tepedino, 2023, p 3).

            A responsabilidade civil é uma consequência jurídica e ela pode ser dívida em duas espécies, objetiva e subjetiva. A responsabilidade civil subjetiva para ser detectada, precisa conter quatro elementos: fato, nexo causal, dano e culpa. Já a objetiva se concentra na relação de causalidade entre a conduta e o dano, sem a necessidade de comprovar culpa ou dolo.

            Em suma, os fundamentos da responsabilidade civil envolvem uma compreensão da evolução histórica, dos princípios subjacentes, das mudanças legais e das diferentes abordagens em jurisdições variadas.

3.3 Elementos formadores da Responsabilidade Civil   

3.3.1 Culpa

            A responsabilidade civil requer a comprovação da culpabilidade. Nesse contexto, o artigo 186 do Código Civil estipula que a conduta do agente deve ser “deliberada” ou envolver, no mínimo, “descuido” ou “imprudência”.

            Para estabelecer a obrigação de indenizar, não é suficiente que a pessoa responsável pelo dano tenha agido de maneira ilícita, infringindo um direito de terceiros ou violando uma norma jurídica que protege interesses particulares. A obrigação de indenizar geralmente não surge simplesmente porque o agente causador do dano tenha agido objetivamente mal. É crucial que a ação seja acompanhada de culpa, seja por ação deliberada ou omissão, seja devido à negligência ou imprudência, conforme claramente estipulado no artigo 186 do Código Civil.

            Gonçalves (2023, p. 280) afirma que

agir com culpa significa atuar o agente em termos de, pessoalmente, merecer a censura ou reprovação do direito. E o agente só pode ser pessoalmente censurado, ou reprovado na sua conduta, quando, em face das circunstâncias concretas da situação, caiba afirmar que ele podia e devia ter agido de outro modo.

            Assim, a análise de culpa na responsabilidade civil leva em consideração não apenas a ação ou omissão do agente, mas também as circunstâncias específicas envolvidas. Esse entendimento ressalta a importância de uma avaliação contextualizada para determinar a existência de culpa e, por consequência, estabelecer a responsabilidade civil.

3.3.2 Dano

            O dano refere-se a qualquer prejuízo, lesão, perda ou sofrimento, seja de natureza material, física, moral ou psicológica. O dano é a consequência adversa que justifica a aplicação da responsabilidade civil. Esse fundamento se justifica e é apontado por Maria Helena Diniz, uma vez que “a responsabilidade civil resulta na obrigação de ressarcir, que, por obvio, não será possível se não houver dano para ser reparado” (Diniz, 2014, p. 77).

            Conforme descreve Gonçalves (2023), o “conceito clássico de dano é o de que constitui ele uma diminuição do patrimônio, alguns autores o definem como a diminuição ou subtração de um “bem jurídico”, para abranger não só o patrimônio, mas a honra, a saúde, a vida, suscetíveis de proteção” (Gonçalves, 2023, p. 304).

            Os danos passiveis de reparação não se classificam apenas como patrimonial e material, o dano moral também deve ser indenizado. Vale ressaltar que não se trata apenas de reparação monetária, mas também a reparação de direitos personalíssimos, que envolvem os desastrosos danos psicológicos, morais etc.

            Venosa (2003, 2013, p.47) expõe que “o dano moral corresponde o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima, de forma a atingir os direitos da personalidade, tornando-se tarefa difícil estabelecer a justa recompensa pelo dano.”

            Concomitante a esse raciocínio, Cavaliere Filho aborda:

A par dos direitos patrimoniais, que se traduzem em uma expressão econômica, o homem é ainda titular de relações jurídicas que, embora despidas de expressão pecuniária intrínseca, representam para o seu titular um valo maior, por serem atinentes à própria natureza humana. São os direitos da personalidade, que ocupam posição supraestatal, dos quais são titulares todos os seres humanos a partir do nascimento com vida (Código Civil, arts 1º e 2º). São direitos inatos, reconhecidos pela ordem jurídica e não outorgados, atribuídos inerentes à personalidade, tais como o direito à vida, à liberdade, à saúde, à honra, ao nome, à imagem, à intimidade, à privacidade, enfim, à própria dignidade da pessoa. (CAVALIERE, 2012, p. 88)

               Dessa forma, o dano moral ainda carece de normatização e instrumentos jurídicos que possam atribuir a devida indenização e reparação, especialmente nos casos do Direito de Família.

3.4 Responsabilidade Civil por abandono afetivo

            A responsabilidade civil no Direito de Família vai além das relações conjugais, casamentos e união estável. A parentalidade ou as relações entre pais e filhos incidem de forma intrínseca nessa temática da responsabilidade civil.

            A aplicabilidade da responsabilidade civil nos casos por abandono afetivo ainda é pouco discutida no nosso ordenamento jurídico, e carece cada vez mais de normatização especifica que trate acerca do tema.

            O bom convívio familiar mostrou-se necessário, útil e benéfico para os seus membros, especialmente aos filhos. Temos que a convivência bem como a afetividade são deveres dos genitores para com sua prole, e a ausência desta obrigação por ação ou omissão ocasionaria uma sanção ‘o abandono”, nada mais é que o inadimplemento dos deveres jurídicos de paternidade (Lôbo, 2008, p.288).

            Dessa forma, abandonar afetivamente os filhos, é praticar ato ilícito, é causar inúmeros danos que vão interferir no desenvolvimento integral da criança. Segundo Hironaka (2006), a formação psicológica, moral e social do menor acontece nos primeiros anos de sua vida, e os filhos têm como referência e amparo, nessa fase, os pais, que deveriam participar desde o seu nascimento, introdução alimentar, dos primeiros passos, e muitos outros momentos que são determinantes na sua formação inicial.

            Essa fase inicial é crucial para o desenvolvimento saudável da criança, pois é durante esse período que ela começa a construir sua compreensão do mundo, das relações interpessoais e dos valores morais. São eles que proporcionam referência, orientação e apoio à criança desde o seu nascimento. Isso inclui momentos significativos e várias outras experiências que moldam a perspectiva da criança sobre o mundo e seu lugar nele.

            Nessa perspectiva, a lacuna do abandono afetivo, e a falta da estrutura basilar familiar pode ser determinante, trazer estragos e desencadear danos, muitas vezes, irreversíveis na vida dos filhos, além de influenciá-los a seguir caminhos de falsos prazeres, como uso de drogas, crimes e depressão.

            O Direito de Família deve andar junto aos princípios fundamentais para que seja assegurado que as relações familiares sejam permeadas pelo cuidado e responsabilidade, independentemente das circunstâncias que envolvem os pais e nascimento da criança.  Flávio Tartuce (2022, p. 653) ressalta que:

O Direito de Família somente estará em consonância com a dignidade da pessoa humana se determinadas relações familiares, como o vínculo entre pais e filhos, não forem permeadas de cuidado e de responsabilidade, independentemente da relação entre os pais, se forem casados, se o filho nascer de uma relação extraconjugal, ou mesmo se não houver conjugalidade entre os pais, se ele foi planejado ou não. (…). Em outras palavras, afronta o princípio da dignidade humana o pai ou a mãe que abandona seu filho, isto é, deixa voluntariamente de conviver com ele.

            Nesse interim, verifica-se que toda e qualquer pessoa possui direito fundamental de viver junto à sua família de origem, inserida em um ambiente de afeto e cuidados mútuos, sendo o direito vital quando se tratar de pessoa em formação, como é o caso da população infanto-juvenil (Maciel, 2010, p. 75).

            Ademais, o direito à convivência familiar é expressamente garantido pela Constituição Federal em seu artigo 227. Entretanto o Código Civil não tipifica qualquer punição para os pais que se absterem de conceder aos filhos amor e cuidado devidos, o que acaba ficando a seu critério, o cumprimento ou não desta obrigação.

Logicamente, dinheiro nenhum efetivamente compensará a ausência, a frieza, o desprezo de um pai ou de uma mãe por seu filho, ao longo da vida. Mas é preciso se compreender que a fixação dessa indenização tem um acentuado e necessário caráter punitivo e pedagógico, na perspectiva da função social da responsabilidade civil, para que não se consagre o paradoxo de se impor ao pai ou a mãe responsável por esse grave comportamento danoso (jurídico e espiritual), simplesmente, a “perda do poder familiar”, pois, se assim o for, para o genitor que o realiza, essa suposta sanção repercutiria como um verdadeiro favor. (Pamplona; Gagliano, 2012, p. 737).

            O abandono afetivo sofrido por um filho jamais será compensado financeiramente, por tratar-se de um aspecto profundamente emocional. Porém, a imposição da indenização possui não só o proposito punitivo, como também o cumprimento da função social da responsabilidade civil, que protege os valores sociais e busca a prevenção de comportamentos danosos no contexto das relações familiares, onde o bem-estar emocional e o desenvolvimento saudável das crianças são de relevância.

4 POSICIONAMENTOS DOS TRIBUNAIS ACERCA DA APLICAÇÃO DA REPARAÇÃO CIVIL NOS CASOS POR ABANDONO AFETIVO

De início, após pesquisa jurisprudencial realizada no site eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, na aba de jurisprudências, constatou-se pouquíssimos julgados acerca do tema.

Conforme esclarecidos nos itens acima, em se tratando de rompimento ou inexistência de relação afetiva entre pais e filhos, é possível ingressar com pedido de reparação judicial, pelos prejuízos e danos causados à vítima. Entretanto, em razão do abandono afetivo não ser considerado como ilícito civil, diversos empecilhos são impostos para a aceitação de indenizações nesses casos. 

A primeira decisão procedente favorável a responsabilização por abandono afetivo, ocorreu na 2ª Vara Cível da Comarca de Capão da Canoa, processo nº 141/1.03.001232-0¹, em 2003. O réu foi condenado em primeira instância ao pagamento de R$ 48.000,00. No que pese ao mérito, a parte autora relatou o abandono sofrido pelo pai, materialmente e afetivamente. Na decisão proferida, o magistrado argumentou que os pais são inteiramente responsáveis por conceder aos filhos, o sustento, educação, guarda, convivência familiar, amor, afeto e cuidado.

Concomitante a tais fatos, em relação ao primeiro entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ acerca da reparação civil em razão do abandono afetivo, a Terceira Turma obrigou pai a indenizar filha em R$ 200.000,00 (duzentos mil) por abandono afetivo. Com a frase “Amar é faculdade, cuidar é dever”, a ministra Nancy Andrighi asseverou ser possível exigir indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo pelos pais, tornando uma decisão inédita.

Em decisão recente, também na Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, determinou que um pai pague indenização por danos morais de R$ 30.000,00 (trinta mil) a sua filha, decorrente do rompimento da relação e convívio familiar dos dois quando a criança tinha apenas seis anos de idade. Segundo laudo parcial, o abandono afetivo causou graves consequências psicológicas e problemas de saúde eventuais, como tonturas, enjoos e crise de ansiedade.

O colegiado considerou e proveu com a aplicação das regras da responsabilidade civil no âmbito das relações familiares, com base nos artigos 186 e 927 do Código Civil que tratam do tema de forma ampla. Ademais, ainda pontuou a ministra Nancy Andrighi que “o recorrido ignorou uma conhecida máxima: existem as figuras do ex-marido e do ex-convivente, mas não existem as figuras do ex-pai e do ex-filho”.

As decisões divergem-se entre as turmas e algumas acabam não reconhecendo a necessidade de reparação nesses casos. A Quarta Turma argumentou que o fato de existir pouco convívio com o genitor não é suficiente, por si só, a caracterizar o abandono afetivo, bem como a pretensão indenizatória. Ademais, os sentimentos de tristeza e saudades do filho, em relação a ausência do pouco contato com o pai, não caracteriza situação de abandono afetivo.

Nessa mesma ideia, o Tribunal da Cidadania, na Corte Estadual, pontuou em debate “por não haver nenhuma possibilidade de reparação a que alude o art. 186 do Código Civil, que pressupõe prática de ato ilícito, não há como reconhecer o abandono afetivo como dano passível de reparação” (TJMG, Apelação Cível n. 1.0647.15.013215-5/001, Rel. Des. Saldanha da Fonseca, julgado em 10/05/2017, DJEMG15/05/2017).

Em outra decisão, a Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul declarou “a pretensão de indenização pelos danos sofridos em razão da ausência do pai não procede, haja vista que, para a configuração do dano moral, faz-se necessária prática de ato ilícito. Beligerância entre os genitores. (TJRS, Apelação Cível n. 0048476-69.2017.8.21.7000, Teutônia, Sétima Câmara Cível, Rel. Des. Jorge Luís Dall’Agnol, julgado em 26/04/2017, DJERS 04/05/2017).

Findando a apresentação de jurisprudências que tratam da ausência de prova do dano, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo fundamentou que “a jurisprudência pátria vem admitindo a possibilidade de dano afetivo suscetível de ser indenizado, desde que bem caracterizada violação aos deveres extrapatrimoniais integrantes do poder familiar, configurando traumas expressivos ou sofrimento intenso ao ofendido. Inocorrência na espécie. Depoimentos pessoais e testemunhais altamente controvertidos. Necessidade de prova da efetiva conduta omissiva do pai em relação à filha, do abalo psicológico e do nexo de causalidade. Alegação genérica não amparada em elementos de prova. Non liquet, nos termos do artigo 373, I, do Código de Processo Civil, a impor a improcedência do pedido” (TJSP, Apelação n. 0006195- 03.2014.8.26.0360, Acórdão n. 9689092, Mococa, Décima Câmara de Direito Privado, Rel. Des. J. B. Paula Lima, julgado em 09/08/2016, DJESP 02/09/2016).

Em junção ao papel desempenhado pelo Superior Tribunal Federal – STF para o direito constitucional, o Superior Tribunal de Justiça – STJ tem, como mesmo objetivo, o cuidado e a função de repressão ao direito infraconstitucional. A própria Constituição Federal determina que o STJ possui autoridade para interpretar a lei federal e unificar suas interpretações.

Como já foi demonstrado, há grandes divergências no entendimento das Turmas que compõem os Tribunais referentes as decisões de reparação civil e abandono afetivo. Com isso, é válido ressaltar e explanar que, por meio dos embargos divergentes, tem sido possível provocar o Tribunal a fim de uma uniformização acerca do seu entendimento sobre o direito em tese, em caso de divergência entre decisões de seus órgãos fracionários internos (De Assis, 2008; Neves, 2014).

Assim, a não uniformização das decisões traz uma ideia contraria ao STJ no que pese aos seus preceitos constitucionais estabelecidos, tornando-o insustentável. Nesse interim, “sem que a jurisprudência desses Tribunais esteja internamente uniformizada, é posto abaixo o edifício cuja base é o respeito aos precedentes dos Tribunais superiores” (Brasil, 2010, p. 22).

As jurisprudências, bem como toda e qualquer decisão é norteadora dos atos praticados em sociedade e, no momento em que há interpretações dos mesmos casos julgados de maneira distintas e diversas, corrobora para uma má orientação das condutas que deveriam ser praticadas pelos indivíduos.

Nos casos por abandono afetivo, observa-se a escassa penalização aplicada a esses casos, percebe-se uma lacuna significativa que, infelizmente, contribui para a complacência no cumprimento do dever paterno. A falta de uniformidade nas decisões judiciais, ao invés de estabelecer um padrão claro de responsabilização, gera um ambiente propício ao relaxamento quanto às obrigações parentais.

Diante da divergência nas decisões judiciais, alguns pais podem não perceber claramente que seus atos de negligência afetiva são considerados ilícitos, o que pode desencorajar a alteração de comportamento e o cumprimento adequado de suas responsabilidades parentais. Essa falta de consenso e de uma abordagem mais rigorosa pode, assim, contribuir para a perpetuação do abandono afetivo, prejudicando o bem-estar das crianças e adolescentes envolvidos.

5 CONCLUSÃO

A análise abrangente sobre a responsabilidade civil por abandono afetivo nas relações paterno-filiais revela um cenário complexo e multifacetado. A Constituição Federal, ao definir o pátrio poder como a autoridade dos pais sobre os filhos, destaca a importância do afeto como um componente essencial dessa relação. O abandono afetivo, caracterizado pela negligência emocional, apresenta-se como uma lacuna no sistema legal, pois não há uma normatização específica para tratar desse ilícito civil.

A responsabilidade civil surge como um instrumento jurídico que busca reparar danos decorrentes do abandono afetivo, embora a ausência de uma legislação específica torne o processo mais desafiador. A pesquisa jurisprudencial e doutrinária revela a falta de clareza nas decisões judiciais e a necessidade de uma abordagem mais consistente e uniforme em relação a casos de abandono afetivo.

Os princípios fundamentais que regem o poder familiar, como a dignidade da pessoa humana, a solidariedade familiar e o melhor interesse da criança, sustentam a argumentação em favor da responsabilidade civil nesses casos. A omissão paterna ao dever de cuidado, evidenciada pelo abandono afetivo, não apenas prejudica o desenvolvimento emocional e psicológico da criança, mas também desafia a justiça a encontrar meios eficazes de responsabilização.

A responsabilidade civil por abandono afetivo é uma questão crucial que demanda uma atenção mais aprofundada por parte do legislador. A elaboração de uma legislação específica, clarificando as obrigações dos pais e as consequências do abandono afetivo é essencial para garantir a proteção efetiva dos direitos das crianças e promover relações familiares saudáveis. Além disso, a uniformização das decisões judiciais e a consideração do afeto como um valor jurídico significativo são passos cruciais para enfrentar essa problemática de maneira justa e equitativa.

Assim, a conclusão do estudo evidencia que, mesmo que haja facilidade em buscar judicialmente a reparação do dano sofrido, ainda é difícil adequar-se os casos aos inúmeros requisitos impostos pelos Tribunais. A falta de clareza normativa nesse contexto instiga a reflexão sobre a capacidade do ordenamento jurídico em proporcionar justiça e reparação adequada diante de danos emocionais decorrentes da negligência parental.

Entretanto, mesmo diante da lacuna legislativa que não tipifica o abandono afetivo como ilícito civil, os fundamentos apresentados neste artigo sustentam a assertiva de que a responsabilidade civil deve ser resguardada e aplicada nos casos envolvendo o abandono afetivo. A análise das implicações emocionais e psicológicas decorrentes do abandono afetivo, aliada à compreensão dos princípios fundamentais que regem o direito de família, sugere a necessidade de reconhecer, no âmbito jurídico, a responsabilidade dos pais na promoção do bem-estar emocional de seus filhos.

Nesse contexto, a ausência de uma legislação específica não invalida a possibilidade de recorrer à responsabilidade civil como uma via de reparação para aqueles que sofreram danos decorrentes do abandono afetivo, pautando-se nos princípios e valores consagrados pelo ordenamento jurídico.

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[1] Acadêmica do 10° período de Direito da Faculdade Serra do Carmo. E-mail: andressarodriguesrochaa@gmail.com.

[2] Mestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasília. Professor de Direito da Faculdade Serra do Carmo. Advogado. E-mail: prof.guilhermeaugusto@fasec.edu.br.