REFORMA DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL EÓLICO: RECALIBRAÇÃO DA RESOLUÇÃO CONAMA Nº 462/2014

REFORMA DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL EÓLICO: RECALIBRAÇÃO DA RESOLUÇÃO CONAMA Nº 462/2014

9 de dezembro de 2025 Off Por Cognitio Juris

RECALIBRATING CONAMA RESOLUTION NO. 462/2014: A CRITICAL ANALYSIS OF WIND ENVIRONMENTAL LICENSING REFORM

Artigo submetido em 07 de dezembro de 2025
Artigo aprovado em 09 de dezembro de 2025
Artigo publicado em 09 de dezembro de 2025

Cognitio Juris
Volume 15 – Número 58 – 2025
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Bianca Laura Araújo de Oliveira[1]
Johnny Ricardo Pinheiro[2]

RESUMO: O presente artigo realiza análise crítica da Resolução CONAMA nº 462/2014, que regulamenta o licenciamento ambiental de parques eólicos no Brasil, à luz dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção. O estudo identifica lacunas estruturais da norma, especialmente no tocante à avaliação de impactos ambientais acumulados e sinérgicos em regiões de alta densidade eólica, como o Nordeste. Destaca-se que a licença simplificada (RSL), aplicada a empreendimentos de até 10 (dez) megawatts (MW), enfraquece os mencionados princípios ao dispensar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), sem considerar efeitos cumulativos de complexos eólicos que podem ser graves e irreversíveis para fauna, flora e comunidades locais. A pesquisa utiliza metodologia qualitativa e bibliográfica, com análise detalhada da Resolução em contraste com os mandamentos constitucionais e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). Propõe-se a recalibração normativa da Resolução, compreendendo a ampliação da obrigatoriedade do EIA/RIMA, o estabelecimento de critérios objetivos de avaliação cumulativa, o Banco de Dados de Impactos Cumulativos (BDIC) gerido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), como também a realização de estudos integrados sobre impactos à fauna migratória. Conclui-se que a reforma proativa da Resolução é imperativo constitucional para harmonizar transição energética com proteção ambiental efetiva.

Palavras-chave: Licenciamento. Ambiental. Energia. Eólica. Princípios.

ABSTRACT: This article conducts a critical analysis of the CONAMA Resolution No. 462/2014, which regulates the environmental licensing of wind farms in Brazil, in light of the constitutional principles of precaution and prevention. The study identifies structural gaps in the regulation, especially concerning the assessment of cumulative and synergistic environmental impacts in regions with high wind density, such as the Northeast. It is highlighted that the simplified license (RSL), applied to undertakings up to 10 (ten) megawatts (MW), weakens the aforementioned principles by waiving the Environmental Impact Study (EIA) and the Environmental Impact Report (RIMA), without considering the cumulative effects of wind complexes, which can be severe and irreversible for local fauna, flora, and communities. The research employs a qualitative and bibliographic methodology, with a detailed analysis of the Resolution in contrast with constitutional mandates and jurisprudence of the Federal Supreme Court (FSC). A normative recalibration of the Resolution is proposed, including the expansion of the mandatory nature of the EIA/RIMA, the establishment of objective criteria for cumulative assessment, the creation of a Cumulative Impacts Database (BDIC) managed by the Brazilian Institute of Environment and Renewable Natural Resources (IBAMA), as well as the implementation of integrated studies on impacts to migratory fauna. It is concluded that the proactive reform of the Resolution is a constitutional imperative to harmonize the energy transition with effective environmental protection.

Keywords: Licensing. Environmental. Energy. Wind. Principles.

INTRODUÇÃO

A matriz energética brasileira tem passado por transformação estrutural significativa nas últimas duas décadas, com a participação da energia eólica crescendo de 0,5% em 2005 para aproximadamente 35% em 2025, conforme dados da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica, 2025). Esse avanço posiciona o Brasil como terceiro maior instalador de capacidade eólica global, atrás apenas da China e Estados Unidos, consolidando a fonte renovável como pilar central da transição energética nacional e instrumento essencial para cumprimento das metas de descarbonização assumidas no âmbito do Acordo de Paris.

Contudo, a expansão acelerada do setor eólico revela tensão estrutural entre o imperativo de ampliação da oferta energética e a necessidade de efetiva proteção ambiental. A Resolução CONAMA nº 462/2014, que estabelece procedimentos para o licenciamento ambiental de parques eólicos terrestres, constitui marco regulatório fundamental, mas apresenta limitações que comprometem sua adequação aos princípios constitucionais da precaução e da prevenção, especialmente no que tange à avaliação de impactos ambientais acumulados e sinérgicos em regiões de alta densidade de empreendimentos.

A questão central que orienta o presente estudo reside na constatação de que o licenciamento simplificado previsto no artigo 3º, § 2º da Resolução CONAMA nº 462/2014, ao dispensar a exigência de EIA/RIMA para parques eólicos de até 10 (dez) megawatts (MW), não contempla mecanismos objetivos e vinculantes para avaliação dos impactos cumulativos decorrentes da instalação de múltiplos empreendimentos em áreas geograficamente concentradas. Essa lacuna normativa cria cenário de insegurança jurídica, expondo empreendedores a riscos de invalidação judicial de licenças e comprometendo a efetiva proteção de bens ambientais de natureza difusa, especialmente a avifauna migratória e quiropterofauna.

Diante desse quadro, o presente artigo tem por objetivo geral realizar análise crítica da Resolução CONAMA nº 462/2014 à luz dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção, identificando suas inadequações e propondo recalibração normativa que garanta compatibilidade entre expansão eólica e proteção ambiental efetiva. Como objetivos específicos, destacam-se o diagnóstico das lacunas estruturais da Resolução no que diz respeito à avaliação de impactos cumulativos, como também a análise da compatibilidade da licença simplificada com os mandamentos constitucionais de proteção ambiental. Além disso, objetiva desenvolver propostas de reforma normativa que fortaleçam o sistema de licenciamento sem comprometer a eficiência administrativa e, de igual modo, avaliar os riscos jurídicos associados à manutenção do atual modelo de licenciamento.

A relevância da pesquisa justifica-se pela urgência de adequar o marco regulatório brasileiro aos imperativos constitucionais e internacionais de proteção ambiental, considerando que a expansão eólica deve ocorrer sem comprometer a biodiversidade e o bem-estar das comunidades locais. A judicialização crescente de licenças ambientais eólicas pode sinalizar, por exemplo, que o uso institucional da simplificação procedimental inadequada gera insegurança jurídica e econômica, afetando a viabilidade de projetos e comprometendo a transição energética brasileira.

A metodologia adotada é de natureza qualitativa e bibliográfica, fundamentada em análise sistemática da legislação ambiental brasileira, jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), doutrina nacional e dados técnicos do setor eólico. O trabalho está organizado em seis seções: após esta introdução, a segunda seção apresenta a fundamentação teórica sobre princípios constitucionais e responsabilidade civil ambiental; a terceira realiza análise crítica da Resolução CONAMA nº 462/2014; a quarta apresenta as propostas de reforma normativa; a quinta discute os riscos jurídicos associados; e a sexta apresenta as considerações finais e recomendações.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A análise crítica da Resolução CONAMA nº 462/2014 demanda, como matéria preliminar de análise, a reconstrução dos fundamentos teóricos e constitucionais que informam o licenciamento ambiental de empreendimentos eólicos no Brasil. A pertinência dessa reconstrução justifica-se pela necessidade de situar o debate sobre impactos cumulativos e licenciamento simplificado no âmbito dos princípios constitucionais da prevenção e da precaução, do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e da estrutura de responsabilidade civil ambiental que combina a tutela difusa e a indenização objetiva. O presente tópico desenvolve, portanto, os pilares conceituais e normativos que sustentam a argumentação a ser desenvolvida nas seções subsequentes.

2.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PREVENÇÃO E DA PRECAUÇÃO NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Os princípios da prevenção e da precaução, embora frequentemente concatenados na doutrina e na jurisprudência, possuem matrizes fáticas e lógicas distintas que se complementam no sistema de proteção ambiental brasileiro. O princípio da prevenção, embora não esteja citado diretamente na Constituição Federal, é consagrado, ainda que implicitamente, tanto no artigo 225 como no seu § 1º, todos da Lei Fundamental do país, que opera em situações onde a causalidade entre a atividade e o dano ambiental é cientificamente demonstrada, impondo ao poder público e ao particular o dever de adotar medidas que impeçam a ocorrência do prejuízo ambiental (Machado, 2013, p. 402). Trata-se de princípio de ação vinculada ao conhecimento científico consolidado, que determina a adoção de medidas de controle, mitigação e compensação quando os impactos são previsíveis com alto grau de certeza epistemológica.

O princípio da precaução, por sua vez, atua em contextos de incerteza científica sobre a magnitude ou mesmo a ocorrência de danos ambientais, impondo dever de ação preventiva mesmo diante de provas incompletas ou insuficientes (Sarlet; Fensterseifer, 2014, p. 294-295). A precaução constitui resposta normativa ao problema do risco tecnológico e ambiental em sociedades complexas, traduzindo-se em inversão do ônus da prova, pois quando há risco de dano grave ou irreversível, a ausência de certeza científica não deve ser utilizada como argumento para postergar medidas preventivas eficazes. A jurisprudência do STF[3] consagrou a prevalência do princípio da precaução em decisões que analisavam o caso dos empreendimentos potencialmente lesivos ao meio ambiente, especialmente quando localizados em áreas de preservação permanente ou de relevância ecológica, como demonstrado nas linhas seguintes.

A aplicação conjunta desses princípios ao licenciamento eólico revela uma complexidade particular, porquanto, embora a geração de energia elétrica a partir de fontes eólicas seja, em abstrato, atividade de baixa emissão de carbono e portanto favorável ao equilíbrio ecológico, sua implantação em larga escala produz impactos diretos e cumulativos que demandam avaliação prévia rigorosa. A fragmentação de habitats, a mortalidade de aves e morcegos, a supressão de vegetação nativa e a alteração de fluxos hídricos constituem efeitos documentados em estudos técnicos, configurando situação em que o princípio da prevenção deve ser aplicado de forma preventiva e não meramente reparadora (Gomes, 2023, p. 38).

2.2 DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

O artigo 225 da Constituição Federal consagrou o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental de terceira geração, de natureza transindividual, indivisível e essencial à sadia qualidade de vida. A norma constitucional estabelece que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (Brasil, 1988).

A caracterização do meio ambiente como bem de uso comum do povo implica sua inalienabilidade e imprescritibilidade, afastando qualquer possibilidade de apropriação privada ou renúncia coletiva. Trata-se de bem jurídico cuja tutela transcende a esfera individual, configurando-se como direito difuso que, embora possa ser economicamente avaliado para fins de reparação, não se restringe a essa dimensão patrimonial (Fiorillo, 2025, p. 177). A imprescritibilidade da pretensão de reparação de dano ambiental, consolidada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 654.833/AC,[4] reforça a necessidade de prevenção efetiva, uma vez que a responsabilização posterior não se extingue pelo decurso do tempo, conforme exposto na decisão, conforme nota de rodapé.

No contexto eólico, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado manifesta-se especialmente na proteção da biodiversidade e dos ecossistemas sensíveis. A instalação de parques eólicos em restingas, dunas, campos de altitude ou áreas de passagem de aves migratórias afeta diretamente a capacidade de manutenção de ciclos ecológicos essenciais. A Resolução CONAMA nº 462/2014, ao permitir licenciamento simplificado sem avaliação cumulativa robusta, opera em tensão direta com o dever constitucional de preservação, pois subestima a capacidade de degradação irreversível que múltiplos empreendimentos podem causar quando analisados isoladamente.

2.3 RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

O artigo 225, § 3º, da Constituição Federal estabelece o regime de responsabilidade objetiva por danos causados ao meio ambiente, determinando que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados” (Brasil, 1988). Essa disposição consagra responsabilidade de natureza objetiva, prescindindo de demonstração de culpa ou dolo do agente causador do dano ambiental, e fundamenta-se na teoria do risco integral, pela qual o empreendedor responde pelos prejuízos decorrentes de sua atividade, independentemente de culpa (Mota, 2008, p. 149).

À luz da doutrina, responsabilidade e dano ambiental mantêm vínculo indissociável, pois é a ocorrência do dano decorrente de determinada atividade poluente que deflagra o dever jurídico de reparação e de recuperação do meio degradado pelo agente que lhe deu causa (Trennepohl, 2007, p. 105). Essa compreensão coaduna-se com o entendimento de Amado (2018, p. 531-532), segundo o qual a responsabilidade civil por danos ambientais integra um regime jurídico próprio, marcado pelo influxo de normas ambientais específicas e apenas supletivamente complementado pelas normas de Direito Civil e Administrativo.

A responsabilidade civil ambiental no Brasil apresenta três características fundamentais. A primeira delas é a natureza objetiva da responsabilidade civil, dispensando prova de culpa. A segunda, em sequência, é a solidariedade, quando múltiplos agentes causam dano ao mesmo bem ambiental. Por fim, a terceira, nada mais é do que a imprescritibilidade da pretensão de reparação, consolidada pelo STF no julgamento do RE 654.833/AC, conforme apresentado anteriormente. A prioridade da reparação in natura, ou seja, do retorno ao status quo ante, constitui critério balizador da responsabilidade ambiental, sendo a indenização pecuniária medida subsidiária, aplicável apenas quando a restauração for tecnicamente inviável.

No âmbito eólico, a responsabilidade solidária assume relevância crítica. A instalação de múltiplos parques em área delimitada pode gerar impactos cumulativos cuja individualização se mostra impossível, configurando hipótese de corresponsabilidade entre empreendedores. A jurisprudência brasileira tem reconhecido a possibilidade de condenação solidária de empreendedores que, embora licenciados individualmente, causam dano ambiental coletivo, especialmente quando demonstrada a inadequação da avaliação de impactos cumulativos no licenciamento ambiental, segundo o aresto do Recurso Extraordinário nº 627189/SP.[5]

2.4 MARCO REGULATÓRIO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL DE  EMPREENDIMENTOS EÓLICOS

O licenciamento ambiental de empreendimentos de geração de energia elétrica a partir de fonte eólica no Brasil encontra-se regulamentado primariamente pela Resolução CONAMA nº 462/2014, que estabelece procedimentos simplificados para parques considerados de baixo impacto ambiental. A norma consagra a possibilidade de concessão de licença simplificada (RSL) para empreendimentos com potência instalada inferior a 10 MW, dispensando a exigência de EIA/RIMA, desde que não se enquadrem em áreas de sensibilidade ambiental elevada (Conama, 2014, art. 3º, § 2º).

A Resolução, contudo, apresenta limitações significativas no que concerne à avaliação de impactos cumulativos. O artigo 14, § 2º, prevê análise de sobreposição de áreas de influência entre empreendimentos existentes e novos, mas não estabelece critérios objetivos, quantitativos ou vinculantes para determinação do raio de influência cumulativa, deixando aos órgãos licenciadores discricionariedade que pode resultar em decisões contraditórias ou insuficientes. A ausência de definição de critérios técnicos para avaliação sinérgica dos impactos fragiliza o sistema preventivo, contrariando o princípio da precaução que exige medidas de prevenção mesmo diante de incertezas científicas (Milaré, 2015, p. 1103).

A Lei Complementar nº 140/2011, que regula a cooperação entre União, Estados e Municípios em matéria ambiental, estabelece competência concorrente para licenciamento de empreendimentos de energia renovável, criando complexidade federativa que pode gerar inconsistências na aplicação dos critérios de avaliação cumulativa. A necessidade de harmonização intergovernamental e a criação de bancos de dados integrados sobre impactos ambientais surgem, portanto, como imperativos para efetivação dos princípios constitucionais de proteção ambiental.

3 ANÁLISE CRÍTICA DA RESOLUÇÃO CONAMA Nº 462/2014

A Resolução CONAMA nº 462/2014, que estabelece procedimentos para o licenciamento ambiental de parques eólicos terrestres, constitui marco regulatório fundamental para o setor eólico brasileiro, mas apresenta inadequações estruturais que comprometem sua eficácia na proteção ambiental efetiva. O licenciamento funciona como um instrumento de articulação entre o empreendedor, cuja atividade é potencialmente capaz de alterar o meio ambiente, e o Poder Público, responsável por assegurar que essa atuação esteja em conformidade com os objetivos previstos na Política Nacional de Meio Ambiente (Farias, 2025, p. 30). A presente seção realiza exame crítico da norma, identificando suas limitações procedimentais e substantivas, especialmente no que concerne à avaliação de impactos cumulativos, à definição de critérios de localização sensível e à articulação federativa do licenciamento. A análise revela que a Resolução, embora tenha agilizado procedimentos administrativos, criou lacunas que expõem empreendedores a riscos jurídicos e comprometem a efetivação dos princípios constitucionais da prevenção e da precaução.

3.1 ESTRUTURA GERAL E PROCEDIMENTOS DA RESOLUÇÃO

A Resolução CONAMA nº 462/2014, editada em 24 de julho de 2014, estabelece procedimentos para o licenciamento ambiental de empreendimentos de geração de energia elétrica a partir de fonte eólica em superfície terrestre, alterando o artigo 1º da Resolução CONAMA nº 279/2001, que trata de licenciamento ambiental de atividades de energia elétrica. A norma consagra um tripé procedimental quanto às licenças ambientais, obtendo-se, inicialmente, a Licença Prévia (LP) e, em seguida, a Licença de Instalação (LI), como também, por fim, a Licença de Operação (LO), com exigência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) como requisito básico para obtenção da LP (Conama, 2014, art. 4º).

A estrutura procedimental da Resolução, contudo, apresenta ambiguidade no que concerne ao tratamento de complexos eólicos. Embora o licenciamento deva considerar os impactos decorrentes da totalidade da área envolvida, o art. 3º, § 2º, permite que empreendimentos eólicos classificados como de baixo impacto ambiental obtenham licença simplificada (RSL) sem EIA/RIMA, mesmo quando integrantes de complexo maior. Essa construção normativa, ao admitir a dispensa do estudo prévio em situações potencialmente geradoras de impactos cumulativos relevantes, entra em tensão com o comando do art. 225, § 1º, IV, da Constituição Federal, que emprega o verbo “exigir” em relação ao estudo de impacto ambiental, deixando claro que não se trata de mera faculdade sujeita à discricionariedade da Administração, mas de dever jurídico de realização sempre que houver risco de significativa degradação do meio ambiente. (Machado, 2013, p. 169).

A falta de definição de critérios quantitativos para determinação de “alta densidade eólica” fragiliza a aplicação do artigo 14, § 2º, que exige análise de sobreposição de áreas de influência. A norma não estabelece raio mínimo de análise, número de empreendimentos que desencadeia avaliação cumulativa ou indicadores objetivos (taxa de mortalidade de aves por MW, índice de fragmentação de habitats), transferindo aos órgãos licenciadores discricionariedade que pode resultar em decisões contraditórias ou politicamente influenciadas (Gomes, 2023. p. 70).

3.2 O LICENCIAMENTO SIMPLIFICADO: natureza jurídica e limitações

Para Farias (2025, p. 55) e Agra (2021, p. 22), o impacto ambiental não se limita à mera alteração física do meio, mas envolve a apreciação qualitativa e quantitativa dos efeitos de atividades humanas sobre os sistemas naturais, sociais e econômicos, exigindo, portanto, avaliação prévia robusta e integrada dos empreendimentos submetidos ao licenciamento.

À luz dessa compreensão doutrinária, a licença simplificada (RSL) prevista no artigo 3º, § 2º, da Resolução CONAMA nº 462/2014 constitui exceção ao regime geral de licenciamento ambiental, ao dispensar a elaboração de EIA/RIMA para empreendimentos eólicos considerados de baixo impacto ambiental. A justificativa para essa simplificação repousa na presunção legal de baixo impacto, fundada na potência instalada reduzida e no caráter “limpo” da fonte energética. Contudo, tal presunção não encontra respaldo em estudos técnicos que demonstrem a inexistência de impactos significativos em áreas de alta sensibilidade ecológica.

A natureza jurídica da RSL encontra-se em tensão com o princípio da precaução, pois a dispensa de EIA/RIMA elimina a fase de identificação, previsão e avaliação sistemática de impactos ambientais, substituindo-a por análise simplificada que não contempla efeitos cumulativos. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem sido clara ao determinar que a ausência de avaliação prévia adequada configura violação ao dever constitucional de proteção ambiental, sendo passível de anulação judicial da licença, consoante decidiu o STF ao julgar a ADI 4.066.[6] A licença simplificada, ao operar sem critérios estritamente definidos, ignora qualidade do meio receptor, vulnerabilidade de espécies e existência de outros empreendimentos na mesma região.

A Resolução nº 462/2014 não estabelece critérios de localização que automaticamente excluem a aplicação da RSL. O artigo 3º, § 3º, menciona áreas de preservação permanente, unidades de conservação e terras indígenas como hipóteses em que EIA/RIMA é obrigatório, mas permanece silente sobre áreas prioritárias para biodiversidade, rotas migratórias de aves, habitats de espécies endêmicas ou regiões com densidade significativa de parques eólicos já instalados. Essa omissão permite que empreendimentos eólicos considerados de baixo impacto ambiental sejam licenciados sem avaliação cumulativa mesmo em áreas de alta sensibilidade ecológica,[7] contrariando o princípio da prevenção que exige ação estatal diante de riscos conhecidos (Milaré, 2009, p. 1104).

3.3 AVALIAÇÃO DE IMPACTOS CUMULATIVOS: LACUNA NORMATIVA CENTRAL

A lacuna mais crítica da Resolução CONAMA nº 462/2014 reside na ausência de critérios objetivos e vinculantes para avaliação de impactos cumulativos e sinérgicos, conforme § 2º do artigo 14.[8]

Diante disso, apesar de haver a preocupação da avaliação dos impactos cumulativos, observa-se que não há a definição de metodologia, indicadores quantitativos ou limites de tolerância para mortalidade de fauna, fragmentação de habitats ou alteração de regimes hídricos.

A avaliação cumulativa de impactos ambientais consiste em processo técnico-jurídico complexo que requer a definição de área de influência geográfica, o inventário de empreendimentos existentes e planejados, a modelagem de cenários de desenvolvimento, a identificação de valoração de impactos sinérgicos e, por fim, o estabelecimento de limites de capacidade de suporte do ecossistema (Sánchez, 2009). A Resolução CONAMA nº 462/2014 não contempla sequer o dever de realizar inventário sistemático de parques eólicos, transferindo aos empreendedores e órgãos licenciadores responsabilidade que deveria ser institucionalizada por meio de base de dados pública e atualizada.

A falta de critérios objetivos gera insegurança jurídica e ambiental. Do ponto de vista ecológico, a mortalidade de aves e morcegos não pode ser avaliada em base individual, pois a pressão sobre populações migratórias resulta da somatória de riscos em múltiplos parques. Estudos técnicos demonstram que a mortalidade de turbinas eólicas varia de duas a quinze aves por MW/ano, mas em áreas de alta densidade esse número pode elevar-se exponencialmente, comprometendo a viabilidade populacional de espécies de longa vida e baixa taxa reprodutiva (Gomes, 2023, p. 56). Além disso, o barotrauma-lesão interna sofrida por morcegos nas proximidades de turbinas eólicas em funcionamento, causadas por mudanças abruptas na pressão do ar- é responsável por 90% (noventa por cento) das mortes de morcegos em parques e complexos eólicos (Baerwald et al., 2009). A Resolução, ao não estabelecer limite máximo de mortalidade tolerável por unidade de área ou por espécie, fragiliza a capacidade de gestão ambiental preventiva.

3.4 CONFLITO COM CRITÉRIOS DE LOCALIZAÇÃO SENSÍVEL

A Resolução CONAMA nº 462/2014 demonstra inadequação ao tratar de critérios de localização sensível. O artigo 3º, § 3º, determina que EIA/RIMA será exigido para parques localizados em áreas de preservação permanente, unidades de conservação ou terras indígenas, mas permanece omissa sobre outras categorias com significativa sensibilidade ecológica, tais como as áreas prioritárias para conservação da biodiversidade definidas pelo Ministério do Meio Ambiente, os corredores ecológicos e áreas de conectividade entre fragmentos florestais, as rotas migratórias de aves neotropicais, os habitats de espécies ameaçadas de extinção não necessariamente abrangidas por unidades de conservação e, de mesmo modo, as áreas de recarga de aquíferos e mananciais hídricos estratégicos.

A ausência de critérios de localização sensível integrados ao procedimento de licenciamento simplificado permite que parques de considerados de baixo potencial poluidor sejam aprovados em áreas de extrema relevância ecológica sem avaliação adequada. A experiência brasileira tem demonstrado que muitos empreendimentos de pequeno porte foram instalados em áreas de passagem de aves migratórias, resultando em mortalidade significativa de espécies protegidas por convenções internacionais, cujas populações têm declinado em áreas de alta densidade eólica (Gomes, 2023, p. 115).

Pesquisas têm evidenciado que a implantação de parques eólicos está associada a impactos ambientais e socioambientais relevantes, que se manifestam principalmente na fase de construção, indo além da etapa de operação.

O estudo de Araújo et al. (2020, 5 f.), focado no litoral do Ceará, aponta para uma série de efeitos ecológicos diretos decorrentes da construção da infraestrutura eólica. Entre os impactos ambientais identificados estão a supressão de habitats, a fragmentação de ecossistemas, a alteração da geomorfologia costeira (incluindo escavação e aterros em dunas) e o soterramento e fragmentação de lagoas interdunares.

Um ponto crítico na fase de implantação é o consumo intensivo de água, essencial para o preparo e a cura do concreto das fundações dos aerogeradores, além de outras atividades como controle de poeira e obras civis. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) de empreendimentos como o Complexo Eólico Serra da Palmeira ilustra a magnitude desse consumo, tendo estimando um volume total de 209.000 m³ de água para a fase de implantação de 108 aerogeradores (Tractebel Engineering LTDA., 2023, p. 25). Esse volume expressivo, que corresponde a 209 milhões de litros, configura uma exigência considerável em áreas com oferta hídrica limitada ou sujeitas a longos períodos de seca.

Quando esse consumo de água se soma à perfuração de poços profundos, pode ocorrer o rebaixamento do lençol freático, com prejuízo direto ao acesso à água potável por comunidades rurais situadas no entorno dos empreendimentos. Desse modo, embora a energia eólica seja usualmente classificada como fonte limpa em sua etapa de operação, os impactos decorrentes da fase de implantação exigem análise criteriosa e adoção de medidas de mitigação, sobretudo em contextos socioambientais vulneráveis.

Adicionalmente, Traldi (2018, p. 3-5) reforça a necessidade de uma análise crítica da expansão eólica, focando nos impactos socioeconômicos e territoriais no semiárido brasileiro. A autora utiliza o conceito de acumulação por despossessão para discutir a apropriação de bens comuns, como o vento, e a valorização seletiva do espaço em detrimento das comunidades locais.

A Resolução deveria estabelecer critérios objetivos que automaticamente desencadeassem a exigência de EIA/RIMA, independentemente da potência instalada, quando o empreendimento estiver localizado em área prioritária para biodiversidade ou, até mesmo, em um raio de 50 km de mais de 5 parques eólicos existentes, como também no corredor migratório documentado e, inclusive, quando houver espécie ameaçada em relação ao seu habitat natural. A ausência desses critérios representa falha na implementação do princípio da prevenção, que exige ação estatal diante de riscos ambientais conhecidos.

3.5 COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA E ARTICULAÇÃO FEDERATIVA

A Resolução CONAMA nº 462/2014 atribui competência ao órgão ambiental estadual para licenciamento de parques eólicos, sem estabelecer mecanismos claros de coordenação nacional para avaliação de impactos cumulativos que extrapolam os limites estaduais. A Lei Complementar nº 140/2011 preconiza cooperação federativa, mas a Resolução não cria protocolos de comunicação entre estados que compartilham as bacias eólicas transfronteiriças, como ocorre entre Rio Grande do Norte e Ceará, ou Bahia e Piauí.

A fragmentação de competência interfederativa gera cenários em que empreendimentos em áreas limítrofes são analisados sem consideração de impactos cumulativos interestaduais. A falta de banco de dados nacional integrado, gerido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), impede a visão de conjunto necessária para gestão estratégica da expansão eólica. A Resolução deveria determinar que órgãos ambientais estaduais submetessem todos os EIAs/RIMAs de parques eólicos a análise técnica do IBAMA, que manteria base de dados georreferenciada com informações sobre mortalidade de fauna, fragmentação de habitats e indicadores de sustentabilidade ecológica.

A articulação federativa deficiente compromete a efetivação do princípio da precaução, que exige avaliação abrangente dos riscos. A criação de sistema nacional de monitoramento, com alimentação obrigatória por todos os empreendedores e acesso público para controle social, consiste em medida essencial para superar lacuna institucional que a Resolução CONAMA nº 462/2014 não contemplou.

4 PROPOSTAS DE REFORMA DA RESOLUÇÃO CONAMA Nº 462/2014

A identificação das lacunas estruturais da Resolução CONAMA nº 462/2014, expostas na seção precedente, impõe a necessidade de recalibração normativa que compatibilize eficiência administrativa com efetiva proteção ambiental. As propostas aqui formuladas fundamentam-se nos princípios constitucionais da prevenção e da precaução, na jurisprudência do STF e STJ sobre licenciamento ambiental, e nas melhores práticas técnicas de avaliação de impactos cumulativos. A reforma proativa da Resolução não constitui obstáculo ao desenvolvimento do setor eólico, mas sim condição de estabilidade jurídica e legitimidade socioambiental para expansão sustentável da matriz energética brasileira.

4.1 FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA PARA A REFORMA

A reforma da Resolução CONAMA nº 462/2014 encontra fundamento constitucional direto no artigo 225 da Constituição Federal, que estabelece dever do Poder Público de “defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações”. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento segundo o qual a dispensa de EIA/RIMA sem avaliação robusta de impactos constitui violação ao dever constitucional de prevenção, sendo passível de anulação judicial – consultar a ADI 4.066 mencionada na nota de rodapé nº 6. A imprescritibilidade da pretensão de reparação de dano ambiental reforça a necessidade de prevenção efetiva, porquanto a responsabilização posterior não se extingue pelo decurso temporal e pode alcançar empreendedores mesmo após décadas de operação, segundo aponta o RE nº 654.833/AC na nota de rodapé nº 5.

A Lei Complementar nº 140/2011, ao estabelecer cooperação federativa em matéria ambiental, atribui ao CONAMA competência para editar normas técnicas gerais de licenciamento, possibilitando alteração da Resolução nº 462/2014 por meio de novo ato normativo. A Lei nº 6.938/1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, determina que o licenciamento ambiental deve ser procedimento preventivo, não podendo ser reduzido a mera formalidade administrativa. A reforma, portanto, cumpre mandamento legal e constitucional, alinhando-se ao objetivo de desenvolvimento sustentável consagrado no artigo 225, § 1º, da Carta Magna.

4.2 AMPLIAÇÃO DA OBRIGATORIEDADE DO EIA/RIMA

A proposta central de reforma consiste em ampliar a obrigatoriedade do EIA/RIMA para todos os parques eólicos, independentemente da potência instalada, quando localizados em áreas que atendam a critérios objetivos de sensibilidade ambiental ou densidade eólica. Recomenda-se a revogação do artigo 3º, § 2º, que estabelece a dispensa de EIA/RIMA para empreendimentos de até 10 MW, substituindo-o por norma que condicione a licença simplificada ao atendimento cumulativo dos seguintes requisitos: (i) área de influência delimitada não contenha mais de dois parques eólicos em raio de 30 km; (ii) localização não se situe em área prioritária para biodiversidade; (iii) não haja registro de espécies ameaçadas ou migratórias na área de influência direta; e (iv) capacidade instalada total na região não exceda 50 MW.

Para empreendimentos que não atendam a esses requisitos cumulativos, deve ser obrigatória a realização de EIA/RIMA completo, com inventário de fauna e flora de dois anos (dois ciclos reprodutivos), modelagem de dispersão de impactos acústicos e visuais, e avaliação de sinergia com outros empreendimentos. A proposta mantém a eficiência administrativa para projetos genuinamente de baixo impacto, mas vincula a simplificação a critérios técnicos objetivos, eliminando a discricionariedade que atualmente permite licenciamento sem avaliação adequada em áreas de alta densidade (Sánchez, 2009, p. 163).

4.3 CRITÉRIOS OBJETIVOS E VINCULANTES PARA AVALIAÇÃO DE IMPACTOS CUMULATIVOS

A reforma deve inserir no corpo da Resolução critérios objetivos e vinculantes para avaliação de impactos cumulativos, estabelecendo: raio mínimo de análise de 50 km para empreendimentos em regiões com mais de cinco parques eólicos; indicadores quantitativos de mortalidade de aves (máximo de cinco aves/MW/ano) e morcegos (máximo três morcegos/MW/ano); índice de fragmentação de habitats (máximo 15% de perda de conectividade); alteração de fluxos hídricos (máximo 10% de redução de vazão em corpos d’água); e exigência de modelagem computacional integrada que considere efeitos sinérgicos entre múltiplos parques.

A metodologia de avaliação cumulativa deve ser obrigatória quando a densidade eólica regional exceder 50 MW/100 km², ou quando houver registro de mortalidade de espécies ameaçadas superior a 1% da população local. A modelagem deve considerar efeitos de borda, barreiras de movimento para fauna, e acúmulo de impactos sonoros e visuais. A Resolução deve determinar que o órgão licenciador se abstenha de conceder licença quando os indicadores projetados ultrapassarem limites estabelecidos, aplicando o princípio da precaução de forma vinculante, sem possibilidade de dispensa (Machado, 2013, p. 326).

4.4 ESTUDOS INTEGRADOS DE IMPACTOS SOBRE AVIFAUNA E QUIROPTEROFAUNA

A reforma deve estabelecer exigência de estudos integrados de impactos sobre avifauna e quiropterofauna, com monitoramento de base de dois anos pré-instalação e cinco anos pós-operacional obrigatório para todos os parques em áreas de alta sensibilidade. Os estudos devem incluir uma avaliação de vulnerabilidade específica de espécies documentadas em literatura científica, mesmo que não constem de listas oficiais, o uso de tecnologias de radar, telemetria e registros acústicos para mapeamento de rotas migratórias e atividade de morcegos, a modelagem de previsão de mortalidade com base em características topográficas, meteorológicas e comportamentais das espécies e, não menos importante, a implementação de medidas de mitigação baseadas em evidências.

As medidas mitigadoras devem incluir: parada operacional obrigatória durante períodos de alta atividade migratória (detectados por monitoramento); deslocamento de aerogeradores de áreas de risco crítico identificadas; redução de velocidade de rotação nas horas de pico de atividade de morcegos; e implementação de sistemas de detecção e desligamento automático. A Resolução deve determinar que o custeio desses sistemas seja obrigação do empreendedor, sem possibilidade de compensação financeira como substituto de medidas técnicas efetivas, consolidando a prioridade da reparação natural sobre a indenizatória (Fiorillo, 2025).

4.5 IMPLEMENTAÇÃO DO BANCO DE DADOS DE IMPACTOS CUMULATIVOS

A reforma deve criar obrigatoriedade de implementação de Banco de Dados de Impactos Cumulativos (BDIC), gerido pelo IBAMA, com alimentação obrigatória por todos os empreendedores e acesso público para controle social. O BDIC deve conter: georreferenciamento de todos os parques eólicos em operação, construção e licenciamento; dados de monitoramento de fauna (mortalidade, deslocamento, atividade); índices de fragmentação de habitats; alterações de parâmetros hídricos;  reclamações de comunidades locais; e laudos técnicos de fiscalização ambiental.

O sistema deve utilizar inteligência artificial para análise preditiva de tendências de impacto cumulativo, gerando alertas automáticos quando indicadores regionais ultrapassarem limites de segurança. Os empreendedores deverão alimentar o sistema trimestralmente, sob pena de suspensão da licença de operação. O acesso público garantirá transparência e permitirá que organizações da sociedade civil e universidades contribuam para análise dos dados, fortalecendo o controle social e a legitimidade das decisões de licenciamento ambiental de parques eólicos (Sánchez, 2009).

4.6 SIMPLIFICAÇÃO ADMINISTRATIVA COM ROBUSTEZ TÉCNICA

A reforma deve manter a simplificação documental e a eficiência administrativa, mas vinculada a robustez técnica. Propõe-se: redução de prazos para análise de EIA/RIMA de parques de até 30 MW para máximo de 90 dias; implantação de protocolo digital único que unifica documentação exigida por diferentes órgãos; manutenção de prazo mínimo de 30 dias para participação pública, com ampliação de canais digitais; e fortalecimento da responsabilização objetiva de empreendedores e técnicos responsáveis por estudos inadequados.

A simplificação deve aplicar-se à forma, não ao conteúdo técnico. A avaliação ambiental deve ser rigorosa, mas os processos administrativos podem ser otimizados mediante uso de tecnologia digital, análise concorrente por diferentes órgãos e redução de exigências documentais redundantes. A proposta equilibra eficiência administrativa com efetividade da tutela ambiental, garantindo que a agilidade não ocorra em detrimento da qualidade da avaliação (Machado, 2013, p. 168).

4.7 ANÁLISE DE VIABILIDADE IMPLEMENTACIONAL

A viabilidade da reforma proposta depende de três fatores fundamentais, como a capacidade técnico-operacional do IBAMA e órgãos estaduais, a disposição política do CONAMA em editar nova resolução e a aceitação pelo setor produtivo. A capacitação técnica pode ser desenvolvida mediante treinamento de servidores e contratação de especialistas em avaliação cumulativa em um período de médio prazo. O custo de implementação do BDIC, como necessidade de aplicação, deverá ser financiado via fundos ambientais ou tributos ambientais setoriais (Fiorillo; Ferreira, 2017).

A disposição política requer articulação entre Ministério do Meio Ambiente, Ministério de Minas e Energia e setor eólico, demonstrando que a reforma reduz riscos jurídicos e estabiliza investimentos. A aceitação pelo setor pode ser construída mediante ampla participação na formulação da norma, garantindo que critérios sejam técnicos, objetivos e previsíveis.

5 RISCOS JURÍDICOS E RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL

A Administração Pública, em qualquer esfera – federal, estadual ou municipal -, está impedida de desconsiderar ou relativizar os bens e valores ambientais tutelados pela Constituição Federal, seja por meio de sua atuação positiva (como no licenciamento ambiental), seja por sua omissão em atividades de fiscalização, monitoramento ou auditoria (Machado, 2013, p. 419). Sob a perspectiva normativa, essa afirmação é irretocável: a Administração não pode flexibilizar a proteção de tais bens sem incorrer em violação direta ao art. 225 da Constituição. Não obstante, em termos críticos, impõe-se reconhecer que essa vedação funciona, muitas vezes, mais como um dever jurídico ideal do que como uma realidade plenamente observada.

A análise das propostas de reforma da Resolução CONAMA nº 462/2014 apresentadas na seção anterior revela-se incompleta sem a consideração minuciosa dos riscos jurídicos inerentes tanto à eventual manutenção do atual regime de licenciamento quanto à adoção de uma reforma insuficiente da norma. A presente seção examina, portanto, a estrutura de responsabilidade civil ambiental estabelecida pela Constituição Federal e pela legislação infraconstitucional, os riscos de judicialização das decisões sobre licenciamento ambiental e as consequências previsíveis de um sistema de licenciamento que não traduza adequadamente os princípios constitucionais de prevenção e precaução em regras procedimentais vinculantes. A compreensão desses riscos jurídicos constitui elemento essencial para a motivação política e institucional da reforma proposta.

5.1 FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, § 3º, estabelece estrutura de responsabilidade que ultrapassa meramente o campo administrativo ou penal, atingindo a esfera civil e configurando obrigação objetiva de reparar danos causados ao meio ambiente. A norma constitucional determina que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados” (Brasil, 1988). Essa disposição constitucional estabelece responsabilidade de natureza objetiva, prescindindo de demonstração de culpa ou dolo do agente causador do dano ambiental.

A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva, dispensando prova de culpa, nos termos do artigo 225, § 3º, da Constituição Federal (Brasil, 1988) e da Lei nº 9.605/1998 (Brasil, 1998). A fundamentação jurídica para essa responsabilidade objetiva não repousa em teorias econômicas de risco, mas em imperativo constitucional de proteção do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A responsabilidade objetiva representa, portanto, expressão normativa da precaução: o empreendedor responde pelos prejuízos ambientais de sua atividade independentemente de culpa, sendo compelido a internalizar os custos socioambientais que sua atividade gera (Fiorillo, 2025, p. 180-181).

O alcance dessa responsabilidade civil ambiental é significativo, uma vez que não se limita apenas aos danos diretos e imediatos de um empreendimento licenciado, mas estende-se aos efeitos cumulativos, sinérgicos e de longo prazo que possam resultar da somatória de múltiplos projetos em uma mesma região. A Lei nº 6.938/1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, em seu artigo 14, parágrafo único, preconiza que “sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade” (Brasil, 1981). A responsabilidade ambiental opera, portanto, como mecanismo estrutural de internalização de custos, transformando empreendedores em sujeitos responsáveis não apenas pelo lucro de sua atividade, mas pelos prejuízos ambientais que dela decorrem.

5.2 DUPLA DIMENSÃO DA REPARAÇÃO AMBIENTAL: restauração in natura e indenização pecuniária

Aspecto crítico frequentemente negligenciado em análises de responsabilidade ambiental reside na dupla estrutura da obrigação de reparar estabelecida pela jurisprudência constitucional. Conforme consolidado pelo Supremo Tribunal Federal, a reparação do dano ambiental deve priorizar, em primeiro lugar, a restauração in natura (ou reparação específica), retornando o bem ambiental ao status quo ante. Apenas quando demonstrada a impossibilidade técnica de restauração in natura é que se admite condenação em indenização pecuniária (Fiorillo, 2025).

Essa priorização não é meramente procedimentalista ou de forma. Reflete, antes, escolha normativa substancial, pois o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não pode ser traduzido adequadamente em valor pecuniário, de modo que sua substituição por dinheiro configura apenas “maneira imperfeita” de reparação. Assim, a prioridade da reparação específica decorre da natureza jurídica especial dos bens ambientais, que não são simples mercadorias integradas à esfera patrimonial do sujeito de direito, mas bens de uso comum do povo, tornando-os, portanto, essenciais à sadia qualidade de vida.

A implicação desta estrutura dual para a reforma da Resolução CONAMA nº 462/2014 é clara, tendo em vista que quando o licenciamento simplificado permite aprovação de empreendimentos cujos impactos cumulativos resultam em danos ambientais não adequadamente avaliados, a responsabilidade civil subsequente não poderá ser simplesmente liquidada em dinheiro. Demandará, em muitos casos, restauração in natura que pode ser tecnicamente impossível ou economicamente proibitiva, especialmente quando envolve extinção de espécies ou degradação irreversível de ecossistemas. Essa realidade cria incentivo estrutural para prevenção efetiva no licenciamento, pois os custos de reparação posterior podem ser exponencialmente maiores que os custos de avaliação ambiental prévia rigorosa (Machado, 2013, p. 401).

5.3 IMPRESCRITIBILIDADE DA PRETENSÃO DE REPARAÇÃO CIVIL DE DANO AMBIENTAL

Questão de magnitude jurídica significativa, recentemente consolidada pelo Supremo Tribunal Federal, reside na natureza imprescritível da pretensão de reparação civil de dano ambiental. Embora a Lei nº 9.605/1998 (que criminaliza condutas ambientais lesivas) observe prazos de prescrição ordinários (20 anos) e extraordinários (conforme Código Penal), a reparação civil de dano ambiental não se sujeita a prazo prescricional, na medida em que o bem ambiental configura direito fundamental essencial à vida com dignidade. O Supremo Tribunal Federal fixou, portanto, a seguinte tese no julgamento do RE 654.833/AC: “É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental” (Supremo Tribunal Federal, 2020).

Essa imprescritibilidade significa que empreendedores que obtêm licenças ambientais (mesmo quando conferidas conforme procedimento simplificado e em aparente conformidade com a Resolução CONAMA nº 462/2014) permanecerão perpetuamente expostos a ações judiciais movidas pelo Ministério Público, órgãos ambientais ou representantes de comunidades afetadas, caso se demonstre que os impactos ambientais foram inadequadamente avaliados. A consequência jurídica é que nenhuma prescrição elimina a obrigação de reparar danos ambientais causados. Licenças concedidas há 10, 20 ou 30 anos podem ser judicialmente invalidadas, e seus efeitos jurídicos anulados, caso demonstrado que o licenciamento foi realizado em desconformidade com princípios constitucionais de precaução e prevenção (Fiorillo, 2025).

Essa realidade cria insegurança jurídica substancial para empreendedores que operam sob regime de licenciamento simplificado em regiões de alta densidade eólica. A judicialização massiva de licenças simplificadas, observada em ações civis públicas movidas pelo Ministério Público e por organizações ambientalistas em estados como Rio Grande do Norte, Bahia e Ceará, demonstra que os empreendedores percebem o risco crescente de invalidação retroativa de títulos jurídicos que pareciam consolidados. A imprescritibilidade da pretensão de reparação transforma qualquer licença inadequada em “passivo ambiental” – entendido como o montante financeiro necessário para a recomposição dos danos causados ao meio ambiente (Sánchez, 2009) – permanente, passível de exigibilidade em qualquer momento.

5.4 SOLIDARIEDADE NA RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL POR IMPACTOS CUMULATIVOS

Consequência particularmente complexa da estrutura de responsabilidade ambiental objetiva reside na solidariedade que marca a obrigação de reparação quando múltiplos agentes causam dano ao mesmo bem ambiental. Embora o artigo 225, § 3º, da Constituição Federal estabeleça responsabilidade individual de cada infrator, a natureza difusa e indivisível dos bens ambientais frequentemente gera situação de corresponsabilidade solidária. Quando múltiplos parques eólicos, ainda que licenciados individualmente conforme a Resolução CONAMA nº 462/2014, geram impactos cumulativos significativos (por exemplo, mortalidade de aves acima de níveis sustentáveis para manutenção de populações viáveis), a jurisprudência brasileira reconhece a possibilidade de condenação solidária de todos os empreendedores responsáveis pela degradação, independentemente do porte individual de cada parque.

A solidariedade não representa mera distribuição proporcional de responsabilidade. Implica que qualquer um dos empreendedores pode ser acionado judicialmente pela totalidade do dano ambiental, ficando-lhe ressalvado direito regressivo contra os demais responsáveis. Tal regime cria cenário de potencial transferência de riscos que não é adequadamente contemplado em análises de viabilidade econômica de empreendimentos eólicos individuais, especialmente quando a avaliação de impactos cumulativos não foi rigorosamente realizada no licenciamento (Machado, 2013, p. 417).

Na prática, essa solidariedade significa que um empreendedor que instalou parque de 8 MW em conformidade com a Resolução CONAMA nº 462/2014 pode ser condenado a reparar a totalidade dos danos cumulativos causados por ele mesmo e por outros 20 parques na mesma região, especialmente se se demonstrar que a avaliação inadequada de impactos cumulativos foi causa direta da degradação não preventivamente controlada. A corresponsabilidade solidária, portanto, amplifica significativamente os riscos jurídicos do licenciamento simplificado em áreas de alta densidade eólica.

5.5 POSSIBILIDADE DE INVALIDAÇÃO JUDICIAL DE LICENÇAS SIMPLIFICADAS

Risco jurídico substancial, ainda pouco explorado na literatura sobre energia eólica, reside na possibilidade de anulação judicial de licenças ambientais concedidas conforme procedimento simplificado, quando demonstrado posteriormente que os estudos ambientais foram inadequados quanto aos impactos cumulativos ou aos riscos para espécies vulneráveis. A Lei nº 9.605/1998, no seu artigo 68 e seguintes, tipifica condutas administrativas lesivas ao meio ambiente, incluindo, em uma paráfrase, a concessão de licença ambiental ou renovação, ampliação ou modificação de projeto sem estudo prévio de impacto ambiental, quando exigível, ou sem as autorizações de órgãos competentes, federal ou estadual e concessão de licença ambiental para atividade que não está devidamente caracterizada ou definida, bem como para projeto não aprovado (Brasil, 1998).

Essa possibilidade de invalidação retroativa cria cenário de extrema incerteza jurídica para empreendedores, no sentido de que os investimentos realizados em conformidade aparente com a Resolução CONAMA nº 462/2014 podem ser perdidos ou substancialmente comprometidos se, anos após a aprovação, demonstrar-se judicialmente que a avaliação ambiental foi insuficiente. Parques eólicos podem ser compelidos a sustar operações, sendo responsabilizados por danos ambientais cumulativos que não foram adequadamente previstos em licenciamento simplificado.

5.6 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO NORMATIVA OU INADEQUAÇÃO PROCEDIMENTAL

Questão adicional de magnitude jurídica crescente reside na possibilidade de responsabilização civil do Estado (representado pelo órgão licenciador e, subsidiariamente, por órgãos superiores de tutela ambiental, como o IBAMA) pela emissão de licenças ambientais que posteriormente se revelem inadequadas. Conforme estabelecido por Mota (2008, p. 130) e Farias (2025, p. 290), o Estado pode responder pelos danos decorrentes de inadequações procedimentais no licenciamento ambiental, sempre que demonstrada a falha no cumprimento do dever de proteção ao meio ambiente.

A Constituição Federal, em seu artigo 37, § 6º, estabelece que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa” (Brasil, 1988). Essa responsabilidade objetiva do Estado aplica-se também aos danos ambientais causados por aprovação inadequada de licenças. Assim, quando órgãos ambientais emitem licenças simplificadas sem adequada avaliação de impactos cumulativos, e posteriormente revela-se que essa omissão causou dano ambiental significativo, tanto o órgão quanto o Estado podem ser responsabilizados civilmente por indenizar vítimas da degradação ambiental (comunidades afetadas, pescadores, agricultores) e pelo custo da restauração ambiental.

Essa responsabilização estatal cria incentivo adicional para reforma da Resolução, uma vez que os órgãos licenciadores e o próprio IBAMA, expostos a risco de condenações por omissão normativa ou procedimental inadequada, terão motivação institucional para exigir avaliações mais rigorosas, antecipando decisões judiciais que possam vir a determinar sua responsabilidade por emissão de licenças inadequadas (Mota, 2008, p. 139).

5.7 INCONSTITUCIONALIDADE POTENCIAL DE NORMAS QUE PERMITAM LICENCIAMENTO INADEQUADO

Risco jurídico final, mas não menos crítico, reside na possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de dispositivos da Resolução CONAMA nº 462/2014 que permitam licenciamento simplificado sem avaliação adequada de impactos cumulativos ou em desconformidade com princípios constitucionais de precaução e prevenção. Embora até o presente momento tal declaração ainda não tenha sido formalmente proferida, movem-se Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) perante o Supremo Tribunal Federal questionando a compatibilidade da Resolução com artigo 225 da Constituição Federal.

A argumentação fundamenta-se no sentido da presunção legal de “baixo impacto ambiental” para empreendimentos de menor porte, o que não encontra suporte técnico-científico robusto. A dispensa de EIA/RIMA em regiões de alta densidade eólica viola princípios constitucionais de precaução e prevenção, o qual, inclusive, apresenta nítida ausência de critérios vinculantes para avaliação de impactos cumulativos, ofendendo o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Se tais ações forem julgadas procedentes, as consequências seriam severas, pois toda a Resolução ou seus dispositivos centrais seriam anulados e, em consequência, as licenças já concedidas sob seu regime poderiam ser judicialmente invalidadas, o que importaria em significativos danos econômicos aos empreendedores que exercem a atividade dos parques eólicos em operação.

A possibilidade de declaração de inconstitucionalidade, embora ainda remota, constitui risco jurídico que deve ser contemplado em análise de viabilidade de investimentos eólicos. A reforma proativa da Resolução, nesse contexto, não apenas se justifica por imperativo ambiental, mas também por imperativo de segurança jurídica que proteja tanto empreendedores quanto o próprio setor da incerteza gerada por potencial decisão declaratória do STF.

5.8 A URGÊNCIA DE UMA REFORMA PROATIVA

O quadro jurídico-constitucional exposto revela que a atual Resolução CONAMA nº 462/2014, além de inadequada sob perspectiva substantiva de proteção ambiental, representa cenário de crescente insegurança jurídica para o próprio setor eólico. A proliferação de ações judiciais invalidando licenças, as condenações solidárias de múltiplos empreendedores por danos cumulativos, a imprescritibilidade da pretensão de reparação e a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade da Resolução constituem riscos que justificam não apenas a reforma normativa, mas sua adoção como medida de estabilidade institucional para o setor.

Paradoxalmente, uma reforma proativa que amplie significativamente os critérios de avaliação ambiental poderia reduzir, a médio prazo, a insegurança jurídica e o risco de judicialização. Norma clara, rigorosa e fundamentada em princípios constitucionais bem articulados criaria: previsibilidade regulatória, permitindo que empreendedores saibam precisamente quais critérios técnicos serão aplicados a seus projetos, reduzindo questionamentos posteriores; segurança na relação ambiental, pois as licenças concedidas conforme procedimento rigoroso e transparente teriam menor probabilidade de invalidação judicial, como também a proteção contra condenações solidárias, já que avaliação adequada de impactos cumulativos em nível de licenciamento reduziria a probabilidade de condenações solidárias posteriores.

Por derradeiro, a conformidade constitucional seria evidenciada, uma vez que a norma que traduza explicitamente princípios de precaução e prevenção estaria protegida contra eventual declaração de inconstitucionalidade. Essa economia de insegurança jurídica supera, frequentemente, o custo de avaliações ambientais mais rigorosas.

CONCLUSÃO

A análise desenvolvida ao longo das seções precedentes demonstra de forma inequívoca que a Resolução CONAMA nº 462/2014, embora tenha representado avanço procedimental na sistematização do licenciamento de parques eólicos no Brasil, apresenta inadequações estruturais que a tornam inadequada à realidade dinâmica do setor eólico brasileiro e, mais criticamente, vulnerável a questionamentos jurídicos baseados nos princípios constitucionais de precaução e prevenção. A tensão entre expansão energética e proteção ambiental efetiva não pode ser resolvida mediante simplificações procedimentais que dispensam análises técnicas robustas, mas sim por meio de recalibração normativa que vincule eficiência administrativa a critérios técnico-científicos rigorosos. A presente seção sintetiza os argumentos centrais, apresenta recomendações estruturantes, discute perspectivas futuras e formula chamado à ação para implementação das reformas propostas.

O presente estudo demonstrou, a partir de metodologia qualitativa e documental, que a Resolução CONAMA nº 462/2014 apresenta três lacunas normativas centrais: a presunção legal de baixo impacto ambiental para empreendimentos de até 10 MW não se sustenta em análise técnico-científica quando considerados impactos cumulativos de múltiplos parques; a ausência de critérios objetivos e vinculantes para avaliação de impactos cumulativos transfere aos órgãos licenciadores discricionariedade que pode resultar em decisões contraditórias e insuficientes; e a simplificação procedimental, ao dispensar EIA/RIMA em casos de baixo porte, enfraquece os princípios constitucionais de precaução e prevenção.

A jurisprudência brasileira, especialmente do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, consolidou entendimento segundo o qual a proteção ambiental constitui direito fundamental de natureza imprescritível, irrenunciável e inalienável, cuja efetivação exige avaliação prévia rigorosa de empreendimentos potencialmente causadores de degradação ambiental. A responsabilidade civil objetiva estabelecida no artigo 225, § 3º, da Constituição Federal, aliada à imprescritibilidade da pretensão de reparação civil de dano ambiental, cria cenário de risco jurídico substancial para empreendedores que operam sob licenciamento inadequado.

Tendo em vista os resultados alcançados, o presente trabalho formula recomendações estruturantes para reforma da Resolução CONAMA nº 462/2014, que devem ser implementadas de forma integrada e não isolada, pois, no corpo da Resolução, a ampliação da obrigatoriedade do EIA/RIMA para todos os parques eólicos, independentemente da potência instalada, em regiões com densidade significativa de empreendimentos eólicos preexistentes ou planejados, devendo ser definido limiar de densidade (por exemplo, mais de 5 parques em raio de 30km) que automaticamente desencadeia essa obrigatoriedade.

Paralelamente, a Resolução deve estabelecer critérios objetivos e vinculantes para avaliação de impactos cumulativos, fixando raio mínimo de 50 km para análise desses impactos, definindo indicadores quantitativos como taxa de mortalidade de aves e morcegos por MW instalado, índices de fragmentação de habitats e alterações de fluxos hídricos, além de exigir modelagem computacional integrada que considere efeitos sinérgicos entre múltiplos parques.

Adicionalmente, deve-se exigir estudos integrados de impactos sobre avifauna e quiropterofauna, com avaliação de vulnerabilidade específica de espécies documentadas em literatura científica, mesmo que não constem de listas oficiais, monitoramento de base por dois anos pré-instalação e cinco anos pós-operacional, e implementação de medidas de mitigação baseadas em evidências, como parada operacional durante períodos de alta atividade migratória e deslocamento de aerogeradores de áreas de risco crítico.

A implementação de Banco de Dados de Impactos Cumulativos é imprescindível, devendo o IBAMA ser dotado de capacidade técnico-operacional para gerir sistema integrado com alimentação obrigatória por todos os empreendedores, acesso público para controle social e utilização de inteligência artificial para análise preditiva de tendências de impacto cumulativo. Por fim, a simplificação administrativa deve ser combinada com robustez técnica, reduzindo prazos para análise de EIA/RIMA de parques de até 30 MW (máximo 90 dias), simplificando documentação mediante protocolo digital único, mantendo prazo mínimo de 30 dias para participação pública e fortalecendo responsabilização objetiva de empreendedores e técnicos.

As recomendações formuladas não obstam o crescimento do setor eólico brasileiro, mas o direcionam para padrões de sustentabilidade que compatibilizam a produção de energia limpa com proteção ambiental efetiva. A diferença reside na eficiência administrativa, na capacitação técnica dos órgãos licenciadores e na adoção de tecnologia de monitoramento ambiental, elementos que as propostas aqui apresentadas incorporam.

A reforma da Resolução CONAMA nº 462/2014 representa oportunidade para o Brasil consolidar sua liderança não apenas em capacidade instalada, mas em sustentabilidade energética, demonstrando que é possível aliar crescimento econômico, inovação tecnológica e proteção ambiental em padrões compatíveis com os mais elevados requisitos constitucionais e internacionais.

A criação de Banco de Dados de Impactos Cumulativos e a implementação de avaliação ambiental estratégica para setores de energia renovável poderiam servir como modelo para outros países em desenvolvimento, especialmente na América Latina e África, onde a transição energética deve ser realizada sem comprometer a biodiversidade e o bem-estar das comunidades locais.

O presente artigo visou suprir uma lacuna na literatura jurídica brasileira, a qual, historicamente, tem privilegiado a análise individualizada do licenciamento ambiental em detrimento dos impactos cumulativos e sinérgicos decorrentes da concentração geográfica de empreendimentos. A discussão dos impactos cumulativos no setor eólico, tema ainda pouco explorado em profundidade pela doutrina nacional, é aqui desenvolvida mediante metodologia teórico-jurídica aplicável a outros setores com riscos ambientais similares (mineração, hidroeletricidade, infraestrutura de transportes).

A proposta de recalibração da Resolução CONAMA nº 462/2014 emerge como recomendação essencial para garantir que o setor eólico continue a contribuir positivamente para a transição energética sem comprometer ecossistemas e comunidades locais. A sistematização apresentada, fundamentada em princípios constitucionais, jurisprudência brasileira e experiências internacionais, oferece uma estrutura analítica que pode ser replicada em estudos sobre outros setores de energia renovável, especialmente solar fotovoltaica, que apresenta tendência similar de concentração geográfica e potencial para impactos cumulativos significativos.

Diante do quadro exposto, torna-se imperativo que o CONAMA, em articulação com o Ministério do Meio Ambiente e o IBAMA, promova revisão proativa da Resolução nº 462/2014 antes que a judicialização massiva de licenças simplificadas comprometa a estabilidade do setor eólico e gere insegurança jurídica econômica. A reforma normativa deve ser conduzida de forma transparente, com ampla participação da sociedade civil, comunidades locais, setor produtivo e academia, garantindo que a transição energética brasileira seja legítima, sustentável e juridicamente sólida.

A oportunidade de liderança regulatória não deve ser desperdiçada. O Brasil pode demonstrar ao mundo que é possível conciliar desenvolvimento econômico sustentável com proteção ambiental efetiva, estabelecendo padrões que protejam tanto o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado quanto a necessidade de energia limpa e acessível para as presentes e futuras gerações. A transição energética brasileira depende da capacidade de inovar não apenas tecnologicamente, mas também institucionalmente, construindo marco regulatório que inspire confiança, garanta segurança jurídica e preserve o patrimônio natural do país.

REFERÊNCIAS

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______. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 1, 13 fev. 1998. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm. Acesso em: 30 nov. 2025.

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[1]      Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – bianca.araujo.081@ufrn.edu.br.

[2]      Professor Especialista pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN –  johnny.pinheiro@ufrn.br.

[3]      AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 9.055/1995. EXTRAÇÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO, UTILIZAÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO E TRANSPORTE DO ASBESTO/AMIANTO E DOS PRODUTOS QUE O CONTENHAM. AMIANTO CRISOTILA. LESIVIDADE À SAÚDE HUMANA. ALEGADA INEXISTÊNCIA DE NÍVEIS SEGUROS DE EXPOSIÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO – ANPT. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO – ANAMATRA. ART. 103, IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REPRESENTATIVIDADE NACIONAL. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. MÉRITO. AMIANTO. VARIEDADE CRISOTILA (ASBESTO BRANCO). FIBRA MINERAL. CONSENSO MÉDICO ATUAL NO SENTIDO DE QUE A EXPOSIÇÃO AO AMIANTO TEM, COMO EFEITO DIRETO, A CONTRAÇÃO DE DIVERSAS E GRAVES MORBIDADES. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE. RECONHECIMENTO OFICIAL. PORTARIA Nº 1.339/1999 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. POSIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE – OMS. RISCO CARCINOGÊNICO DO ASBESTO CRISOTILA. INEXISTÊNCIA DE NÍVEIS SEGUROS DE EXPOSIÇÃO. LIMITES DA COGNIÇÃO JURISDICIONAL. QUESTÃO JURÍDICO-NORMATIVA E QUESTÕES DE FATO. ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA. ART. 2º DA LEI Nº 9.055/1995. FONTE POSITIVA DA AUTORIZAÇÃO PARA EXPLORAÇÃO ECONÔMICA DO ASBESTO CRISOTILA. LEI Nº 9.976/2000. LEGISLAÇÃO FEDERAL ESPECÍFICA E POSTERIOR. INDÚSTRIA DE CLORO. USO RESIDUAL. TRANSIÇÃO TECNOLÓGICA. SITUAÇÃO ESPECÍFICA NÃO ALCANÇADA PELA PRESENTE IMPUGNAÇÃO. TOLERÂNCIA AO USO DO AMIANTO CRISOTILA NO ART. 2º DA LEI Nº 9.055/1995. EQUACIONAMENTO. LIVRE INICIATIVA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. VALOR SOCIAL DO TRABALHO. DIREITO À SAÚDE. DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, PROGRESSO SOCIAL E BEM-ESTAR COLETIVO. LIMITES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. COMPATIBILIZAÇÃO. ARTS. 1º, IV, 170, CAPUT, 196 E 225, CAPUT E § 1º, V, DA CF. AUDIÊNCIA PÚBLICA (ADI 3.937/SP) E AMICI CURIAE. CONTRIBUIÇÕES AO DEBATE. JURISPRUDÊNCIA DO ÓRGÃO DE APELAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO COMÉRCIO – OMC. PROIBIÇÃO À IMPORTAÇÃO DE ASBESTO. MEDIDA JUSTIFICADA. ART. XX DO ACORDO GERAL SOBRE TARIFAS E COMÉRCIO – GATT. PROTEÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE HUMANA. CONVENÇÕES Nºs 139 E 162 DA OIT. CONVENÇÃO DE BASILEIA SOBRE O CONTROLE DE MOVIMENTOS TRANSFRONTEIRIÇOS DE RESÍDUOS PERIGOSOS E SEU DEPÓSITO. REGIMES PROTETIVOS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. SUPRALEGALIDADE. COMPROMISSOS INTERNACIONAIS. INOBSERVÂNCIA. ART. 2º DA LEI Nº 9.055/1995. PROTEÇÃO INSUFICIENTE. ARTS. 6º, 7º, XXII, 196 E 225 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. QUÓRUM CONSTITUÍDO POR NOVE MINISTROS, CONSIDERADOS OS IMPEDIMENTOS. CINCO VOTOS PELA PROCEDÊNCIA E QUATRO VOTOS PELA IMPROCEDÊNCIA. ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ART. 23 DA LEI Nº 9.868/1999. NÃO ATINGIDO O QUÓRUM PARA PRONÚNCIA DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º DA LEI Nº 9.055/1995 (STF – ADI: 4066 DF, Relator(a): ROSA WEBER, Data de Julgamento: 24/08/2017, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 07/03/2018).

[4]      RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 999. CONSTITUCIONAL. DANO AMBIENTAL. REPARAÇÃO. IMPRESCRITIBILIDADE. 1. Debate-se nestes autos se deve prevalecer o princípio da segurança jurídica, que beneficia o autor do dano ambiental diante da inércia do Poder Público; ou se devem prevalecer os princípios constitucionais de proteção, preservação e reparação do meio ambiente, que beneficiam toda a coletividade. 2. Em nosso ordenamento jurídico, a regra é a prescrição da pretensão reparatória. A imprescritibilidade, por sua vez, é exceção. Depende, portanto, de fatores externos, que o ordenamento jurídico reputa inderrogáveis pelo tempo. 3. Embora a Constituição e as leis ordinárias não disponham acerca do prazo prescricional para a reparação de danos civis ambientais, sendo regra a estipulação de prazo para pretensão ressarcitória, a tutela constitucional a determinados valores impõe o reconhecimento de pretensões imprescritíveis. 4. O meio ambiente deve ser considerado patrimônio comum de toda humanidade, para a garantia de sua integral proteção, especialmente em relação às gerações futuras. Todas as condutas do Poder Público estatal devem ser direcionadas no sentido de integral proteção legislativa interna e de adesão aos pactos e tratados internacionais protetivos desse direito humano fundamental de 3ª geração, para evitar prejuízo da coletividade em face de uma afetação de certo bem (recurso natural) a uma finalidade individual. 5. A reparação do dano ao meio ambiente é direito fundamental indisponível, sendo imperativo o reconhecimento da imprescritibilidade no que toca à recomposição dos danos ambientais. 6. Extinção do processo, com julgamento de mérito, em relação ao Espólio de Orleir Messias Cameli e a Marmud Cameli Ltda, com base no art. 487, III, b do Código de Processo Civil de 2015, ficando prejudicado o Recurso Extraordinário. Afirmação de tese segundo a qual É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental (STF – RE: 654833 AC, Relator: ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 20/04/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 24/06/2020).

[5]      Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Direito Constitucional e Ambiental. Acórdão do tribunal de origem que, além de impor normativa alienígena, desprezou norma técnica mundialmente aceita. Conteúdo jurídico do princípio da precaução. Ausência, por ora, de fundamentos fáticos ou jurídicos a obrigar as concessionárias de energia elétrica a reduzir o campo eletromagnético das linhas de transmissão de energia elétrica abaixo do patamar legal. Presunção de constitucionalidade não elidida. Recurso provido. Ações civis públicas julgadas improcedentes. 1. O assunto corresponde ao Tema nº 479 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet e trata, à luz dos arts. 5º, caput e inciso II, e 225, da Constituição Federal, da possibilidade, ou não, de se impor a concessionária de serviço público de distribuição de energia elétrica, por observância ao princípio da precaução, a obrigação de reduzir o campo eletromagnético de suas linhas de transmissão, de acordo com padrões internacionais de segurança, em face de eventuais efeitos nocivos à saúde da população. 2. O princípio da precaução é um critério de gestão de risco a ser aplicado sempre que existirem incertezas científicas sobre a possibilidade de um produto, evento ou serviço desequilibrar o meio ambiente ou atingir a saúde dos cidadãos, o que exige que o estado analise os riscos, avalie os custos das medidas de prevenção e, ao final, execute as ações necessárias, as quais serão decorrentes de decisões universais, não discriminatórias, motivadas, coerentes e proporcionais. 3. Não há vedação para o controle jurisdicional das políticas públicas sobre a aplicação do princípio da precaução, desde que a decisão judicial não se afaste da análise formal dos limites desses parâmetros e que privilegie a opção democrática das escolhas discricionárias feitas pelo legislador e pela Administração Pública. 4. Por ora, não existem fundamentos fáticos ou jurídicos a obrigar as concessionárias de energia elétrica a reduzir o campo eletromagnético das linhas de transmissão de energia elétrica abaixo do patamar legal fixado. 5. Por força da repercussão geral, é fixada a seguinte tese: no atual estágio do conhecimento científico, que indica ser incerta a existência de efeitos nocivos da exposição ocupacional e da população em geral a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos gerados por sistemas de energia elétrica, não existem impedimentos, por ora, a que sejam adotados os parâmetros propostos pela Organização Mundial de Saúde, conforme estabelece a Lei nº 11.934/2009. 6. Recurso extraordinário provido para o fim de julgar improcedentes ambas as ações civis públicas, sem a fixação de verbas de sucumbência (STF – RE: 627189 SP, Relator: DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 08/06/2016, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 03/04/2017).

[6]      AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 9.055/1995. EXTRAÇÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO, UTILIZAÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO E TRANSPORTE DO ASBESTO/AMIANTO E DOS PRODUTOS QUE O CONTENHAM. AMIANTO CRISOTILA. LESIVIDADE À SAÚDE HUMANA. ALEGADA INEXISTÊNCIA DE NÍVEIS SEGUROS DE EXPOSIÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DO TRABALHO – ANPT. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO – ANAMATRA. ART. 103, IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REPRESENTATIVIDADE NACIONAL. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. MÉRITO. AMIANTO. VARIEDADE CRISOTILA (ASBESTO BRANCO). FIBRA MINERAL. CONSENSO MÉDICO ATUAL NO SENTIDO DE QUE A EXPOSIÇÃO AO AMIANTO TEM, COMO EFEITO DIRETO, A CONTRAÇÃO DE DIVERSAS E GRAVES MORBIDADES. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE. RECONHECIMENTO OFICIAL. PORTARIA Nº 1.339/1999 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. POSIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE – OMS. RISCO CARCINOGÊNICO DO ASBESTO CRISOTILA. INEXISTÊNCIA DE NÍVEIS SEGUROS DE EXPOSIÇÃO. LIMITES DA COGNIÇÃO JURISDICIONAL. QUESTÃO JURÍDICO-NORMATIVA E QUESTÕES DE FATO. ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA. ART. 2º DA LEI Nº 9.055/1995. FONTE POSITIVA DA AUTORIZAÇÃO PARA EXPLORAÇÃO ECONÔMICA DO ASBESTO CRISOTILA. LEI Nº 9.976/2000. LEGISLAÇÃO FEDERAL ESPECÍFICA E POSTERIOR. INDÚSTRIA DE CLORO. USO RESIDUAL. TRANSIÇÃO TECNOLÓGICA. SITUAÇÃO ESPECÍFICA NÃO ALCANÇADA PELA PRESENTE IMPUGNAÇÃO. TOLERÂNCIA AO USO DO AMIANTO CRISOTILA NO ART. 2º DA LEI Nº 9.055/1995. EQUACIONAMENTO. LIVRE INICIATIVA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. VALOR SOCIAL DO TRABALHO. DIREITO À SAÚDE. DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, PROGRESSO SOCIAL E BEM-ESTAR COLETIVO. LIMITES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. COMPATIBILIZAÇÃO. ARTS. 1º, IV, 170, CAPUT, 196 E 225, CAPUT E § 1º, V, DA CF. AUDIÊNCIA PÚBLICA (ADI 3.937/SP) E AMICI CURIAE. CONTRIBUIÇÕES AO DEBATE. JURISPRUDÊNCIA DO ÓRGÃO DE APELAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO COMÉRCIO – OMC. PROIBIÇÃO À IMPORTAÇÃO DE ASBESTO. MEDIDA JUSTIFICADA. ART. XX DO ACORDO GERAL SOBRE TARIFAS E COMÉRCIO – GATT. PROTEÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE HUMANA. CONVENÇÕES Nºs 139 E 162 DA OIT. CONVENÇÃO DE BASILEIA SOBRE O CONTROLE DE MOVIMENTOS TRANSFRONTEIRIÇOS DE RESÍDUOS PERIGOSOS E SEU DEPÓSITO. REGIMES PROTETIVOS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. SUPRALEGALIDADE. COMPROMISSOS INTERNACIONAIS. INOBSERVÂNCIA. ART. 2º DA LEI Nº 9.055/1995. PROTEÇÃO INSUFICIENTE. ARTS. 6º, 7º, XXII, 196 E 225 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. QUÓRUM CONSTITUÍDO POR NOVE MINISTROS, CONSIDERADOS OS IMPEDIMENTOS. CINCO VOTOS PELA PROCEDÊNCIA E QUATRO VOTOS PELA IMPROCEDÊNCIA. ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ART. 23 DA LEI Nº 9.868/1999. NÃO ATINGIDO O QUÓRUM PARA PRONÚNCIA DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º DA LEI Nº 9.055/1995 (STF – ADI: 4.066 DF, Relator(a): ROSA WEBER, Data de Julgamento: 24/08/2017, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 07/03/2018).

[7]      A locução “sensibilidade” ou “sensibilidade ecológica” utilizada no âmbito do presente artigo deve ser interpretada no sentido de um local, territorialmente determinado, pertencente ou não de área ambientalmente protegida, que apresenta características sensíveis, quer em relação à fauna, quer à flora ou até mesmo ao ecossistema ou aos ecossistemas, cujas modificações, ainda que mínimas, poderão configurar dano ambiental concreto ou, a depender da intervenção, dano ambiental em potencial.

[8]      “Art.14. Para fins de aplicação desta Resolução, o licenciamento ambiental poderá ocorrer por parque eólico ou por complexo eólico, sempre de forma conjunta com seus respectivos sistemas associados. […] § 2º O pedido de licença ambiental para implantação de novos empreendimentos eólicos, nos quais haja sobreposição da área de influência destes com a área de influência de parques ou complexos existentes, licenciados ou em processo de licenciamento, ensejará a obrigação de elaboração de avaliação dos impactos cumulativos e sinérgicos do conjunto de parques ou complexos”.