PRIVACIDADE E PROTEÇÃO DE DADOS RELATIVOS À SAÚDE DOS USUÁRIOS NA PERSPECTIVA DAS FOODTECHS: UMA ABORDAGEM A PARTIR DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

PRIVACIDADE E PROTEÇÃO DE DADOS RELATIVOS À SAÚDE DOS USUÁRIOS NA PERSPECTIVA DAS FOODTECHS: UMA ABORDAGEM A PARTIR DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

9 de novembro de 2022 Off Por Cognitio Juris

PRIVACY AND PROTECTION OF USER HEALTH DATA FROM THE FOODTECHS’ PERSPECTIVE: AN APPROACH FROM THE LAW AND ECONOMICS

Cognitio Juris
Ano XII – Número 43 – Edição Especial – Novembro de 2022
ISSN 2236-3009
Autores:
Laís Christine Boechat Alves Ferreira[1]
Bruno Bastos de Oliveira[2]

Resumo: o presente artigo tem por objeto, a partir de um recorte, analisar o aproveitamento pelas foodtechs das externalidades positivas geradas pelos bancos de dados relativos à saúde. Para tanto, a pesquisa analisará a contextualização da LGPD, legislação brasileira específica sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, o direito fundamental a vida privada do indivíduo, dados de saúde e a forma como as foodtechs podem se aproveitar destes dados para inserção de produtos para nichos específicos no mercado. Ao final, ações como esta, de aproveitamento dos dados disponíveis nos grandes bancos, serão tratadas como externalidades positivas que possibilitam o crescimento econômico mediante falhas de mercado. Utilizou-se o método a análise econômica do direito, com pesquisas bibliográficas.

Palavras-chave: Lei Geral de Proteção de Dados; Privacidade; Sociedade da Informação; Dados de Saúde; Bancos de Dados; Foodtechs.

Abstract: this article aims, from a clipping point, to analyze the use by foodtechs of the positive externalities generated by the databases related to health. To this end, the research will analyze the context of LGPD, specific Brazilian legislation on the processing of personal data, including in digital media, the fundamental right to an individual’s private life, health data and how foodtechs can take advantage of this data to insertion of products for specific niches in the market. In the end, actions like this, taking advantage of the data available in large banks, will be treated as positive externalities that enable economic growth through market failures. The method of economic analysis of law was used, with bibliographic research.

Keywords: General Data Protection Law; Privacy; Information Society; Health Data; Databases; Foodtechs.

INTRODUÇÃO

De modo a acompanhar o período denominado como a Quarta Revolução Industrial[3] e a necessidade de se efetivar a garantia do direito à vida privada, sobretudo em razão das relações sociais se darem predominantemente online, no qual os indivíduos deixam rastros sempre que navegam, a Lei Geral de Proteção de Dados foi implementada para regulamentar o tratamento dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais, destacando-se que além de tutelar com um de seus fundamentos a privacidade da pessoa natural, a LGPD também aborda o desenvolvimento econômico como fundamento.

Isto porque, a atual forma de conexão virtual associada ao modelo contemporâneo de sociedade, fez nascer o novo modo de proteção ao direito à vida privada constitucionalmente elencado como Direito Fundamental no art. 5º, inciso X da CRFB de 1988[4]. Tal ocorre, porque os indivíduos realizam, inclusive atividades básicas do cotidiano de modo online, deixando informações na rede mundial de computadores que merece proteção destacada.

 Dito isto, o presente artigo se propõe a analisar, a partir da metodologia da análise econômica do direito, a forma pela qual as foodtechs podem aproveitar as informações disponíveis nos bancos de dados, mormente os dados de saúde para traçar produtos específicos para atingir determinados consumidores. Isto porque, para a utilização dos dados contidos no big data[5], depende-se dos respectivos interesses de quem irá utilizá-los, além do contexto de sua aplicação.

Assim, destacando-se a possibilidade das foodtechs se aproveitarem das externalidades positivas utilizando-se das informações dos bancos de dados para o desenvolvimento econômico, o ponto importante que se extrai é o modo de utilização dos dados disponíveis, o controle de acesso, o consentimento do titular dos dados e a finalidade de utilização, sempre devendo ser observado o princípio garantido constitucionalmente da vida privada alçado a direito fundamental.

Demais disso, além desta introdução, este artigo conta com mais 5 capítulos. No primeiro, contextualiza-se a LGPD e dois de seus fundamentos primordialmente abordados no presente artigo, privacidade e desenvolvimento econômico. No capítulo 2, aborda-se a evolução e ampliação do significado do direito à vida privada acompanhando a atual Sociedade da Informação e o período da Quarta Revolução Industrial. No terceiro, elenca-se os dados de saúde tratados na LGPD como sensíveis. No capítulo 4, é trazida definição de foodtechs dando destaque à brasileira Fazenda do Futuro. No quinto, relaciona-se à possibilidade de aproveitamento das foodtechs das informações disponíveis nos bancos de dados como externalidades positivas. Por fim, são apresentadas considerações sobre os principais pontos discutidos e seus desdobramentos.

1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

A necessidade de se implementar estruturas jurídicas que tratem especificamente da privacidade de dados pessoais é resposta a evolução da tecnologia, marcando o período considerado como a “Quarta Revolução Industrial” cuja principal característica e diferencial da época é a aceleração do compartilhamento de informações através de uma rede mundial de conexão via internet, no qual a propagação e publicização de conteúdo, inclusive de cunho pessoal, acontece de modo instantâneo.

A LGPD marca a regulamentação de dados pessoais no Brasil ao dispor sobre todas as operações de tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, com a finalidade de proteger os direitos fundamentais de liberdade e privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. Isto se denota facilmente da leitura do art. 1º[6] da Lei nº 13.709/2018, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (BRASIL, 2019).

Importante mencionar que a Lei Geral de Proteção de Dados se destina a proteção de dados da pessoa natural na definição do art. 2º do Código Civil[7] (BRASIL, 2019), bem como conforme ensinamentos do art. 6º[8] do dispositivo em comento, concluindo-se, portanto, que a LGPD tutela os dados pessoais de pessoas naturais enquanto vivas.

O fenômeno da informatização moldou a nova era das relações sociais, esculpindo a então atual sociedade da informação e despertando a necessidade de o Estado limitar o modo de utilização e propagação de determinados dados para que se assegure de maneira efetiva o direito à privacidade constitucionalmente consagrado como direito fundamental no art. 5º, inciso X, da CRFB de 1988.

No Brasil, antes da promulgação da LGPD com vigência a partir de 18 de setembro de 2020, o Estado já havia implementado outras normas na tentativa de proteger o direito à vida privada.

Inicialmente através de leis esparsas, a exemplo do art. 43 do CDC com vigência desde 1990, a Lei nº 12.737/2012, popularmente chamada de Lei Carolina Dieckman e a Lei nº 12.965/2014 denominada de o Marco Civil da Internet, que anterior a LGPD, foi a mais importante tentativa do legislativo brasileiro de inserir freios e contrapesos aos usuários na utilização e compartilhamento de dados na internet.

Episódios de vazamento de informações pessoais cada vez mais recorrentes na atualidade, como o caso que motivou a promulgação da Lei nº 12.965/2014, além do conteúdo que ora se compartilha, impulsionou o poder legislativo brasileiro, acompanhando uma tendência mundial, a caminhar no desenvolvimento de legislações específicas para proteger o direito à privacidade na internet.

A título comparativo, na Europa, o Regulamento Europeu de Proteção de Dados, GDPR, é aplicado desde 25 de maio de 2018 nos Estados membros da União Europeia de modo a tratar especificamente sobre a privacidade de dados, aplicação, causas e consequências aos signatários.

A LGPD e a GDPR possuem mais semelhanças do que diferenças, em razão da legislação nacional ter se inspirado na lei europeia. As diferenças são mínimas, basicamente quanto a definição de dados pessoais, no qual a União Europeia os define como qualquer informação relativa a uma pessoa física identificada ou identificável como sendo o titular dos dados.

Em território nacional, a LGPD prevê maior atuação do Estado para fiscalizar e regulamentar a proteção aos dados pessoais, bem como a responsabilidade de coibir práticas abusivas que violem o direito fundamental à vida privada, impondo, para isto, sanções, mediante aplicação de multas, inclusive.

Além de tutelar a privacidade, a LGPD disciplina a liberdade de expressão, de informação, comunicação e opinião, a inviolabilidade da intimidade, os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade, o exercício da cidadania pelas pessoas naturais, entre outros, todos previstos em seu art. 2º e incisos.

Importante consignar que a Lei Geral de Proteção de Dados, também traz como fundamento a livre iniciativa e a livre concorrência, ambos apresentados como princípios constitucionais, notadamente no art. 170 da CRFB de 1988 e norteadores da ordem econômica do Estado.

Outro ponto importante que vai ao encontro dos princípios constitucionais que regulam a ordem econômica, é o de que, a LGPD somente se aplica ao tratamento de dados pessoais de pessoas naturais para fins econômicos, excluindo-se a utilização dos dados pessoais para fins particulares e não econômicos.

De todo esse apanhado, denota-se que a LGPD, no intuito de acompanhar o novo modelo de relação e interação social, objetiva a proteção de dados pessoais visando garantir a efetividade do direito à privacidade, intimidade, liberdade e o livre desenvolvimento da personalidade, todos previstos como princípios constitucionais.

2 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA PRIVACIDADE

Impende ressaltar que o termo privacidade não é aplicado da mesma forma desde o início da vida em sociedade até a atualidade. É necessário reconhecer que, conforme a sociedade foi evoluindo e novas formas de relações sociais surgindo, o parâmetro de vida privada também foi alterado.

Não há como se dizer que o significado de vida privada para gerações anteriores seja o mesmo da atualidade. Assim também caminhou a necessidade de proteção do direito fundamental à privacidade, até mesmo porque a forma de exposição, compartilhamento e utilização dos meios proporcionados pela tecnologia, principalmente pela internet, mudou radicalmente.

O surgimento das redes sociais eletrônicas e a interatividade desses meios, transformou as relações sociais, destacando-se também, o alcance das informações compartilhadas, não sendo temerário dizer que 01 (um) clique é capaz de disseminar um conteúdo a nível mundial, o novo modelo de comunicação deu voz e visibilidade a quem antes não tinha.

Em razão dessa notoriedade, visibilidade, velocidade, acessibilidade, instantaneidade, características não taxativas do compartilhamento de dados via internet, exigiu-se (exige-se) a atuação do Estado para efetivar o direito fundamental à vida privada, atualmente por meio da LGPD.

Dados extraídos do sítio eletrônico cgi.br, Comitê Gestor da Internet no Brasil, demonstram que em 2019, o Brasil alcançou o número de 134 milhões de usuários de internet, sendo que o enfoque principal de utilização pelos brasileiros se dá para as atividades de comunicação através do envio de mensagens instantâneas e uso de redes sociais.

Além do compartilhamento de dados pelas pessoas naturais, de modo geral através das redes sociais, empresas e o próprio governo passaram a gerir, processar e armazenar dados, incluindo-os em bancos de dados criados pelas Novas Tecnologias da Informação e Comunicação.

Em que pese a predominância da dimensão negativa, verifica-se que a efetividade do direito à privacidade requer não apenas uma abstenção estatal, mas também uma atuação do poder público no sentido de garantir a não intromissão de terceiros na intimidade e na vida privada alheias, ou seja, exige-se uma atuação positiva do Estado […]. (VIEIRA, 2007).

Como mencionado acima, constitucionalmente elencado como Direito Fundamental no art. 5º, inciso X da CRFB de 1988, a vida privada, diferentemente do direito à proteção da propriedade, é o bem jurídico inato à pessoa natural e que tutela a vida íntima, a esfera particular, sua privacidade e pessoalidade que a distingue dos demais membros da sociedade.

A atual forma de conexão virtual, associada ao modelo contemporâneo de sociedade, fez com que, informações que outrora seriam impensáveis em se compartilhar, hoje, na maioria das vezes de maneira consciente, as pessoas divulgam na rede sem pensar no impacto negativo, sobretudo na vida privada que o compartilhamento de dados pessoais pode acarretar.

Nesse paradigma, é correto afirmar que a privacidade e a intimidade são uma espécie de amparo constitucional aos cidadãos, visando protegê-los contra invasões que possam ter influência direta na sua vida privada, bem como contra a comunicação de fatos relevantes e embaraçosos relativos à sua intimidade, e contra a transmissão de informações enviadas ou recebidas em razão de segredo profissional. (BASTOS et al, 2021).

A liberdade, também exarada no texto constitucional como direito fundamental e de forma comparativa com o direito à intimidade, correlaciona-se com a privacidade no que tange ao livre arbítrio do indivíduo e o seu poder de escolha, inclusive do conteúdo que compartilha se este se refere à sua imagem e vida privada.

A interdependência entre privacidade e liberdade ocorre ainda no momento em que o indivíduo invoca o seu direito à proteção da intimidade e da vida privada no que concerne ao titular desse direito decidir não apenas o que deseja expor e o que não deseja expor a respeito de si mesmo; mas também, de forma ainda mais grave, igualmente se deseja arrogar a si tal direito perante terceiros. Observa-se, portanto, que o exercício do direito à privacidade nada mais representa que o exercício do direito à liberdade, tanto a liberdade de se expor ou não quanto a de decidir em que medida pretende o titular revelar sua intimidade e sua vida privada para o mundo exterior. (VIEIRA, 2007).

Entretanto, aqui tratada sob o viés do avanço tecnológico, a liberdade se contrapõe a privacidade, ao traçar o paralelo de que quanto mais livre o indivíduo pareça ser, mais sua vida privada será afetada por meio da (auto) exposição.

Nesse contexto, o cidadão comum sofre com a mitigação de sua intimidade e vida privada em razão do avanço da tecnologia e forma de disseminação da informação presentes no novo contexto social.

A LGPD foi criada para traçar os limites necessários em relação a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração de dados pessoais, ou seja, o seu tratamento, para que se efetive a garantia do direito fundamental a privacidade.

De modo a salvaguardar a privacidade, consubstancia-se a proteção através da intervenção estatal, garantidora da não interferência na intimidade e vida privada dos cidadãos por meio da disseminação de seus dados pessoais, tarefa deveras difícil, tendo-se à vista que na sociedade da informação, ante a inexistência de fronteiras físicas, dificulta-se estabelecer limites ao que é compartilhado na rede.

Para tanto, a LGPD criou mecanismos para o controle do banco de dados, inserindo figuras como a dos agentes de tratamento, quais sejam, controlador e operador, além do encarregado.

Engendrou-se todo um aparato sistêmico para legitimar o tratamento dos dados pessoais, ressaltando-se a observância da boa-fé, além de princípios como a adequação, necessidade, livre acesso, qualidade dos dados, transparência, segurança, prevenção, não discriminação, responsabilização e prestação de contas.

Além destes elementos, destaca-se a necessidade do fornecimento de consentimento pelo titular do dado para que se possibilite o seu tratamento, desde que não se trate de dados tornados manifestamente públicos pelo titular, resguardando-se os seus direitos e os princípios previstos na LGPD.

Demais disso, possibilitou-se ao titular o livre acesso às informações sobre o tratamento de seus dados, incluindo a necessidade de se esclarecer a finalidade da utilização dos dados, forma e duração do tratamento, visando garantir a transparência do tratamento, além de que ao seu término é garantido a eliminação dos dados pessoais, sendo autorizada a sua conservação de maneira excetiva, nos termos delimitados nos incisos do art. 16.

Traçado o paralelo entre liberdade e privacidade, além do poder de escolha da pessoa natural através de seu livre arbítrio, a LGPD tutela o compartilhamento dos dados pessoais para fins econômicos, ficando à mercê os dados compartilhados para fins particulares, notadamente, porque, em sendo o próprio indivíduo a divulgar informações relacionadas a sua intimidade e vida privada, é dispensada a tutela estatal.

3 A UTILIZAÇÃO DE DADOS DE SAÚDE EM PERSPECTIVA

Dá análise do que até aqui foi exposto, vê-se que a regra é a não utilização dos dados pessoais disponíveis. Em contrapartida, há previsão expressa de tratamento dos dados pessoais no art. 7º da Lei n º 13.709/2018, que dentre os elencados em seus incisos, destaca-se o tratamento de dados pessoais para a tutela da saúde, exclusivamente, em procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária.

Além de ser tratada como exceção à regra de indisponibilidade dos dados pessoais, os dados referentes à saúde, também se apresentam como dados pessoais sensíveis, porque são informações intrinsicamente relacionadas a intimidade da pessoa natural como ser individual:

[…] II – dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural; […] (BRASIL, 2021).

Dessa forma, os dados de saúde, mormente serem considerados sensíveis, só podem ser tratados desde que cumpridos os requisitos de exclusivo procedimento em serviços interligados à saúde ou autoridade sanitária e por profissional de saúde.

É de fácil percepção que a LGPD expressamente aloca os dados de saúde, apesar de sensíveis, como de interesse público, sobretudo em casos de emergência em que motivadamente se permite a utilização dos dados pessoais, observando-se a razoabilidade, proporcionalidade e salvaguardas ao titular.

Isto porque, a preocupação com os dados de saúde não se referem, exclusivamente, a um nível individual, mas, sobretudo ao nível coletivo e, por este motivo, o controle de dados de saúde se faz necessário para o mapeamento de doenças, endemias ou pandemias que assolam a população a nível mundial, como no último caso.

Frequentemente dados de saúde são colhidos através de formulários com questionamentos intrínsecos ao interesse da saúde. É comum que pacientes, geralmente em hospitais, respondam a perguntas de cunho informacional para cadastro, alimentação ou arquivamento de dados de saúde.

Inclusive, o Ministério da Saúde, especificamente no portal da Saúde e DATASUS, mantinha o FormSUS, formulário disponibilizado via web para atividades de interesse público, de utilização pelo SUS e órgãos públicos parceiros, que dentre as suas finalidades, destacava-se o estabelecimento para fornecimento de dados de interesse de saúde, além da ampliação da produção e disseminação de informações de saúde.

Entretanto, em pesquisa ao site mencionado, nota-se que o FormSUS foi tirado do ar, em razão da falta de segurança da plataforma, além do risco das informações inseridas pelo usuário e tentativas de invasão ao banco de dados. Neste ponto, denota-se a importância do controle eficaz dos bancos de dados disponíveis, assim como legislação eficiente para o tratamento de dados pessoais de modo que se garanta o direito à vida privada.

Demais disso, a utilização dos dados de saúde deve se ater ao cumprimento das especificidades do caso concreto, como na situação que assola a população mundial em decorrência da pandemia do Covid-19, que a título de exemplo, é uma situação em que o tratamento dos dados de saúde, claramente se sobrepõe ao interesse individual de seu titular.

Situações assim demonstram colisão de interesses individuais e coletivos ou geral, à vida privada e a segurança pública e, ainda, a saúde da coletividade. A restrição operada à privacidade se justifica ao aproximar-se da tutela de interesses coletivos.

Importante mencionar a Lei Federal nº 8080/1990, popularmente identificada como Lei do SUS (Sistema Único de Saúde) que regulamenta o direito à saúde através de políticas e ações do Estado, além de legitimar a coleta e utilização de informações pessoais para que se efetive a promoção da saúde. Novamente se identifica a coleta de dados pessoais de saúde e sua utilização, se o caso, sobrepujando-se ao interesse individual da vida privada em detrimento de interesse coletivo de saúde pública, ambos direitos fundamentais, além da saúde que também é direito social.

Faz-se necessário destacar que a LGPD foi criada dentro de um contexto geral, de abrangência nacional e, até a sua promulgação, não havia regramento para a coleta e tratamento dos dados em saúde, aqui referenciando a saúde pública, além do pertinente esclarecimento de que os dados de saúde pública sempre tiveram como principal característica a interoperabilidade, ou seja:

Para a Sociedade (Americana) de Sistemas de Informação e Gestão de Saúde (Healthcare Information and Management Systems Society, Inc. – HIMSS) e seu Comitê Diretor de Integração e Interoperabilidade (I&I) baseando-se no contexto de Rede Nacional de Informação em Saúde (National Health Information Network – NHIN), interoperabilidade é a capacidade de diferentes sistemas de informação de trabalharem juntos para acessar, trocar, integrar e usar dados de forma cooperativa de maneira coordenada, dentro e através das fronteiras organizacionais, regionais e nacionais, fornecendo portabilidade oportuna e contínua das informações, otimizando a saúde de indivíduos e populações globalmente, promovendo a prestação eficaz de cuidados de saúde para indivíduos e comunidades. (FANTONELLI et al, 2021).

Para que se efetivasse a interoperabilidade dos dados de saúde pública, o Ministério da Saúde emitiu a Portaria de nº 2.073/2011 regulamentando o uso de informação em saúde para sistemas de informação no âmbito do SUS de todos os entes da federação, além do sistema privado e do setor de saúde suplementar.

Assim, partindo do pressuposto de que a LGPD foi instituída para abrangência geral, é necessário que se observe as especificidades de cada setor para a sua aplicação, como no caso da saúde, de modo que se garanta a interoperabilidade sem que se exclua os direitos do titular dos dados estabelecidos no art. 18 da indigitada legislação.

À vista disso, a LGPD inseriu tratamento diferenciado à administração pública em relação a iniciativa privada, a partir de seu art. 23 é ressalvado o atendimento da finalidade pública para o tratamento de dados pessoais, na persecução do interesse público, com o objetivo de executar as competências legais ou para cumprir as atribuições legais do serviço público.

A fim de que se garanta a interoperabilidade dos dados com vistas à execução de políticas públicas, o art. 25 da LGPD estabeleceu o formato interoperável e estruturado dos dados para o seu uso compartilhado que “possibilita a execução de políticas públicas, a prestação de serviços públicos, a descentralização da atividade pública e a disseminação ao acesso das informações pelo público em geral”.  (FANTONELLI et al, 2021).

Especificamente quanto aos dados de saúde, o SUS criou a Rede Nacional de Dados de Saúde (RNDS), mantendo, portanto, o formato interoperável dos dados com previsão, inclusive, na LGPD.

Acerca da interoperabilidade preconizada pela LGPD, cabe mencionar o projeto da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS). Ela é uma plataforma de integração de dados em saúde, iniciativa do Departamento de Informática do SUS (DATASUS) da Secretaria Executiva. Ao longo do seu desenvolvimento, a RNDS irá se constituir uma desejada infovia de saúde, ou seja, uma plataforma informacional de alta disponibilidade, segura e flexível, que favorece o uso ético aos dados de saúde, permitindo o surgimento de novos serviços, inovação, pesquisa e desenvolvimento. (FANTONELLI et al, 2021).

O sistema RNDS que estava programado para iniciar sua execução a posteriori, foi antecipado pelo Ministério da Saúde para que o seu início atendesse as urgências e antecipações impostas pela pandemia da Covid-19 que estabeleceu a crucial necessidade de contingenciamento de dados para mapear o avanço do Coronavíus.

Mesmo com a antecipação da utilização do sistema, a segurança estabelecida na LGPD para o tratamento dos dados permaneceu assegurada, devendo-se observar os princípios da legislação, além dos direitos do titular dos dados.

Como medida de segurança adotada pela RNDS revela-se a instituição da certificação digital para acesso aos dados de saúde. O Certificado Digital é o documento eletrônico que possibilita a troca segura de informações entre duas partes, com a garantia da identidade do emissor e integridade da mensagem. Para isso, são geradas duas chaves de criptografia: uma pública e outra privada. A chave pública fica em posse do estabelecimento e é utilizada para assinar, enquanto a privada é utilizada para verificar a integridade e autenticar o documento. Essa chave compõe um sistema de criptografia assimétrica, onde os dados só conseguirão ser acessados se o receptor tiver a chave correta para decodificá-los. Essas duas chaves são geradas aleatoriamente por funções matemáticas e trabalham em conjunto. Aderente à LGPD, todo acesso realizado ao RNDS é identificado pelo Certificado Digital e todos os dados enviados ao RNDS serão assinados e o cidadão tem a opção de não autorizar o uso desses dados. Todas as transações ficam armazenadas, permitindo rastreabilidade, possibilitando um alto grau de segurança. (FANTONELLI et al, 2021).

Ainda que seja necessário e primordial a interoperabilidade dos dados de saúde, o tratamento dos dados deve se atentar às imposições da LGPD de modo que se assegure os direitos do titular dos dados, sobretudo por serem os dados de saúde, sensíveis. O tratamento dos dados de saúde, mesmo atendendo ao interesse coletivo e realização de políticas públicas, devem ser tratados para o cumprimento de finalidades específicas, mediante a ciência inequívoca do titular dos dados.

4 A EXPANSÃO DAS FOODTECHS E A UTILIZAÇÃO DE DADOS DE SAÚDE

Foodtech é o termo inglês utilizado para designar comida e tecnologia. Seguindo a tendência de inserir tecnologia nos diversos seguimentos de mercado, o setor da alimentação não escapou da inovação com a criação das foodtechs. Utilizando-se dos recursos como o big data, inteligência artificial e da internet das coisas, as startups de comida estão cada vez mais sendo utilizadas pelos consumidores.

Neste sentido, inicialmente se destaca que as startups são empresas que almejam a criação de um negócio sustentável e que atinja um crescimento e posterior estabilidade em velocidade superior às empresas comuns, essa é a principal característica que distingue as primeiras das últimas.

O fato é que, apesar de termos várias startups de sucesso ligadas a produtos tecnológicos, a tecnologia não é uma particularidade fundamental para que uma empresa seja caracterizada como startup. Contudo, como a startup depende de uma ideia inovadora, para ser caracterizada como tal, é quase impossível criar algo novo sem que isso envolva a tecnologia.

A Associação Brasileira de Startups definiu inovação, escalabilidade, repetitividade, flexibilidade e rapidez como as principais características que diferenciam as startups de uma empresa tradicional. A inovação é o ato de apresentar um serviço, produto, modelo de negócio novo ou o fato de você inovar aquele serviço que já existe. (MELO, 2020).

Menciona-se, inclusive, a Lei Complementar nº 167 de 2019 que nos parágrafos do art. 65-A[9] definiu e caracterizou as startups através de instrumento normativo.

Podendo ser elencadas dentro das inúmeras categorias de startups, uma das características marcantes das foodtechs é o desenvolvimento de alimentos com aplicação de tecnologias. No Brasil, ainda se destacam os aplicativos de delivery de comidas, de supermercados que entregam sem necessidade do cliente se deslocar ao local, bem como a produção de “carne” a base de planta para atender demanda de públicos específicos e alternativa ao mercado competitivo dos frigoríficos.

Como já explanado em capítulo precedente, o modo de interação social se alterou e vem se modificando cada vez mais atrelado ao desenvolvimento das tecnologias. Com isso, as relações de consumo também foram alteradas e as plataformas virtuais estão sendo cada vez mais utilizadas para cumprir o papel do que antes era realizado de forma física.

Tal se deu a partir da transformação da sociedade de produção no início do capitalismo para a sociedade do consumo e hoje sociedade da informação. Os dois últimos modelos de sociedade se relacionam ao passo que a anterior foi transformada pela atual de modo significativo ante o novo modelo de vida, consumo, valores e necessidades com a criação de um novo nicho de consumidores e adequação dos demais.

De maneira oportuna, ressalta-se que o mundo virtual quem cria, implanta e direciona as necessidades e tendências dos consumidores.

Nesse sentido, então, o consumo é a principal forma de satisfação, é o fim, o objetivo e a legitimação oficial dessa sociedade; à medida que as necessidades vão sendo satisfeitas, novas necessidades devem surgir, deve-se oscilar, portanto entre a satisfação e a insatisfação, como num jogo de motivações manipuladas pelo consumo. (ZANCHETA, [s.d]).

O modo de vida, evidentemente, está cada vez mais ditado pelo mundo virtual, como se vestir, do que se alimentar, no que acreditar, como se relacionar, é praticamente uma cartilha entregue pelas redes sociais online.

Além disso, o fato de já não ser necessário sair de casa para se realizar qualquer tipo de compra e nem se preocupar com o horário de funcionamento dos estabelecimentos, tampouco com a distância a ser percorrida até chegar nele – é possível consumir em qualquer lugar a qualquer momento, e a entrega pode ser realizada na hora e no lugar escolhido pelo consumidor, sem o caos do trânsito, sem o medo da violência urbana e com a segurança do pagamento online.

Esse discurso produzido pela técnica reforça a noção de hedonismo e individualismo dos sujeitos hipermodernos, ampliando o distanciamento desses sujeitos dos espaços públicos da cidade, erguendo grandes muros que os isolam em espaços ainda mais abstratos e virtuais, com uma capacidade paradoxalmente mais ampla de cerrar esses indivíduos em seus “próprios mundos”, protegidos dos males do lado de fora das comunidades fechadas. (ZANCHETA, [s.d]).

A velocidade com que tudo se transforma, enseja uma habilidade de adaptação dos ramos de negócios, que precisam estar sempre aliados aos avanços e inovações das tecnologias.

Com esse panorama, as foodtechs atreladas ao cenário social se desenvolvem através da digitalização da indústria de alimentos, propiciam o desenvolvimento de espaços poucos explorados anteriormente, como no caso dos alimentos à base de plantas, sempre de forma aliada a tecnologia.

No atual cenário brasileiro, destaca-se a Fazenda Futuro que se autodenomina como a primeira foodtech brasileira a criar hambúrguer a base de planta, preservando a textura, suculência e gosto da carne.

Neste exemplo, vê-se claramente a aplicação dos norteadores das startups com a criação de um produto pouco explorado no mercado, para atendimento de nicho de consumidores específico, aliando inovação, tecnologia e sustentabilidade à indústrias de alimentos através das foodtechs.

5 UTILIZAÇÃO DOS BANCOS DE DADOS COMO EXTERNALIDADES POSITIVAS

Denominada como a sociedade da informação[10] em que se predominam as interações através das redes online, a vida em sociedade foi alterada em função da evolução tecnológica, nos quais os processos sociais são condicionados pela tecnologia e utilização em massa das redes. Os modelos de mercados também se transformaram e se adequaram a nova realidade, primordialmente, virtual.

Entretanto, a utilização dos inúmeros recursos disponíveis na internet, incluindo a prestação de serviços básicos e essenciais, ocasiona suscetibilidades e exposição de falhas que podem ser exploradas para desvio de finalidades, desvendando as falhas de mercado, aqui caracterizadas por externalidades negativas.

Empresas organizadas em rede utilizam de algoritmos para mapear preferências dos consumidores e os conteúdos que acessam, para isto, colhem informações de forma automática através da forma como os aparelhos eletrônicos são utilizados por eles. Assim, é feito um mapeamento que induz automaticamente os usuários ao acesso de conteúdos que condizem com as suas preferências.

Os algoritmos disponibilizam o Big Data que é o conjunto de dados estruturados ou não, que servem a diversos propósitos e são fornecidos pelos usuários que navegam por ambientes virtuais como a internet (GUERRA MARTINS et al, 2019). É de fácil percepção que empresas organizadas em rede e o próprio governo, mediante o fácil acesso e disponibilidade dos dados pelos usuários, passaram a explorar a intimidade e vida privada destes, esquematizando os dados pessoais para atender o fim a que se pretende atingir.

É inegável que a informação tem hoje um valor econômico expressivo e o processo de criação e processamento de dados acaba por ser um empreendimento em si, cujos procedimentos muitas vezes podem invadir esferas de direitos, em especial o direito à privacidade. Na verdade, uma das características da Sociedade da Informação é o fato do valor econômico representado pelo conhecimento (cuja geração depende de informações) ser superior ao valor dos bens materiais confeccionados a partir dele. (GUERRA MARTINS et al, 2019).

Sejam os dados fornecidos de forma consciente ou não, os mesmos são armazenados “e, posteriormente, processado fora dos auspícios do indivíduo, que nem mesmo tem ciência de como isso ocorreu.” (GUERRA MARTINS et al, 2019).

Tal se dá também no setor de saúde, no qual empresas podem se utilizar das informações que são lançadas e processadas nos bancos de dados para mapear o estado de saúde, acometimento por patologias de seus usuários para o oferecimento de planos de saúde, seguros, além de tratamentos ou medicamentos.

Não é incomum farmácias solicitarem o CPF do consumidor ofertando descontos em produtos para descortinar a real intenção, já que o CPF serve para acessar uma série de outras informações pessoais do consumidor, sobretudo para traçar o perfil de consumo do cliente e ofertar os produtos certeiros às preferências deste de acordo com os dados armazenados de suas compras anteriores.

Na tentativa de mitigar os efeitos de informação do CPF e preservar a privacidade dos consumidores, o estado de São Paulo sancionou a lei estadual de nº 17.301/2020 proibindo farmácias e drogarias de exigir o CPF no ato da compra, sem que informe adequada e claramente ao consumidor sobre a concessão dos descontos.

Em contrapartida, “Não se deve olvidar que as organizações dedicadas à ciência aproveitam as novas possibilidades técnicas e as infraestruturas de big data e de rede para fins de intercâmbio de dados, de análise e de avaliação conjunta.” (SARLET et al, 2019).

Ainda que a proteção dos dados seja matéria relevante no tocante a garantia do direito fundamental à vida privada, tal direito, como visto, não é considerado absoluto, mormente, porque a LGPD, além da privacidade, elenca como um de seus fundamentos, o desenvolvimento econômico.

Assim, as foodtechs também podem se servir dos bancos de dados e traçar produtos específicos para atingir determinados consumidores. Isto porque, para a utilização dos dados contidos no big data, depende-se dos respectivos interesses de quem irá utilizá-los, assim como do contexto de sua aplicação.

Informações como restrições alimentares, alergias a alimentos, entre outras, são comumente colhidas em formulários médicos, clínicos e hospitalares e, se lançadas em banco de dados, podem, perfeitamente, atender necessidades das Foodtechs na elaboração e desenvolvimento de alimentos ou produtos do ramo alimentício com a inserção de tecnologia para atender celíacos ou intolerantes à lactose, por exemplo. Ou seja, as Foodtechs podem, através da análise de dados pessoais, elencar, produzir e sistematizar estratégias para atingir o seu público alvo.

Conforme pormenorizadamente tratado ao longo do presente trabalho, o caminho adequado e ideal para o tratamento de dados, é o cumprimento estrito da LGPD. Referido instrumento normativo, como forma de intervenção estatal, foi promulgado para preservação da privacidade da pessoa natural, de modo que a divulgação de dados pessoais, não afete direitos de personalidade.  

Para tanto, é necessário que se colha o consentimento do indivíduo para que seja autorizado o tratamento de seus dados. Outrossim, partindo-se do pressuposto de que os dados agregam um grande banco de dados, como o big data, informações úteis às foodtechs podem compreendê-lo.

Neste sentido se encaixariam as externalidades positivas e o aproveitamento dos dados disponíveis, mesmo que em desvio da finalidade primitiva, desde que não acarrete prejuízos à vida privada do indivíduo.

Outro ponto de referência normativo pertinente surge da obrigação moral de caridade, segundo a qual, em muitas situações, as próprias ações, além da mera prevenção de danos, também beneficiam outras, em especial as que necessitam de assistência, direta e indiretamente. Dois aspectos da caridade são de particular interesse para o tema de big data e saúde: por um lado, o aumento do conhecimento e da informação e, por outro lado, o valor acrescentado terapêutico, que é o resultado de novas oportunidades para a coleta digital de informação e de processamento de grandes quantidades de lados no setor da saúde para diferentes partes interessadas. Conhecimento e informação são de grande importância para a autoconstituição do indivíduo e para a sua capacidade de viver uma vida autônoma. Além disso, a revisão crítica, a salvaguarda e a expansão dos recursos do conhecimento têm uma importante função social. (SARLET et al, 2019).

Pesquisa realizada no banco de dados do google, solidificada entre os anos de 2015 a 2019, demonstraram que a busca dos brasileiros por “carne vegetal” aumentou em 150% na plataforma. Paralelamente, através desta informação, empresas como a Fazenda Futuro, aproveitam o ensejo para aumentar o portfólio de produtos oferecidos aos clientes, lançando ao mercado, linguiças a base de plantas, por exemplo.

No mesmo sentido, matéria publicada no site moneytimes.com.br demonstra que pesquisas indicam que a carne vegetal terá 10% do mercado do ramo alimentício em 05 anos, informações possibilitadas através de dados extraídos nos bancos de dados computadorizados que permitem a projeção de foodtechs, como a brasileira Fazenda Futuro acima mencionada.

Inegavelmente que a alocação de dados, ainda que pessoais, em um grande banco, fará parte, de maneira marcante, da vida em sociedade, sobretudo em razão da digitalização e virtualização das relações, incluindo-se, aqui, as interações sociais. O ponto importante que se extrai é o modo de utilização dos dados disponíveis, o controle de acesso, o consentimento do titular dos dados e a finalidade de utilização, sempre devendo ser observado o princípio garantido constitucionalmente da vida privada e insculpido como direito fundamental.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho partiu da constatação da nova realidade das relações sociais, atualmente virtuais em larga escala, atividades do cotidiano são normalmente e cada vez mais realizadas de maneira online, acarretando na disponibilização de informações pessoais em bancos de dados. Como visto, foi necessária a implementação da LGPD para proteger o tratamento de dados pessoais contra prática de abusos e uso indevido para efetivação do direito fundamental da privacidade do indivíduo.

Além do direito à vida privada, a LGPD elenca como um de seus fundamentos o desenvolvimento econômico e, neste aspecto, as foodtechs podem se aproveitar dos dados disponíveis na rede para a criação de produtos que atinja públicos específicos, como no caso da Fazenda Futuro que se aproveitou de pesquisas realizadas pela plataforma google para aumentar o portfólio dos produtos oferecidos.

Assim, a utilização das informações disponíveis nos bancos de dados como externalidades positivas, é uma ferramenta que pode ser utilizada pelas foodtechs para inserção no mercado, ressalvando-se que sempre deve ser observado o direito à vida privada, além de se coibir práticas abusivas e o uso indevido dos dados pessoais.

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[1] Mestranda em Direito no Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade de Marília – PPGD UNIMAR

[2] Doutor em Direito pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Professor Permanente do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade de Marília – PPGD UNIMAR

[3]Klaus Schwab (2016), autor e um dos principais entusiastas com a Quarta Revolução Industrial, destaca que esta não é definida por um conjunto de tecnologias emergentes em si mesmas, mas a transição em direção a novos sistemas que foram construídos sobre a infraestrutura da revolução digital (anterior), caracterizando-se pela integração e controle da produção a partir de sensores e equipamentos conectados em rede e da fusão mundo real com o virtual, além de possibilitar a criação dos sistemas ciberfísicos e utilização da inteligência artificial.

[4]Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

[5]O conceito de big data está relacionado à capacidade de processar e analisar grandes volumes de informação que permitam a extração de conhecimentos úteis para melhorar o processo de tomada de decisão, nos quais os dados permitem a visualização de padrões, relações, modelos e diagnósticos.

[6] Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.

[7] Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

[8] Art. 6º A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.

[9] Art. 65-A. (…)

§ 1º Para os fins desta Lei Complementar, considera-se startup a empresa de caráter inovador que visa a aperfeiçoar sistemas, métodos ou modelos de negócio, de produção, de serviços ou de produtos, os quais, quando já existentes, caracterizam startups de natureza incremental, ou, quando relacionados à criação de algo totalmente novo, caracterizam startups de natureza disruptiva.

§ 2º As startups caracterizam-se por desenvolver suas inovações em condições de incerteza que requerem experimentos e validações constantes, inclusive mediante comercialização experimental provisória, antes de procederem à comercialização plena e à obtenção de receita.

[10] O autor Manuel Castells, um dos pesquisadores que mais desenvolveram o assunto, utiliza o termo sociedade informacional e destaca que, embora o conhecimento e a informação sejam elementos decisivos em todos os modos de desenvolvimento, “o termo informacional indica atributo de uma forma específica de organização social na qual a geração, o processamento e a transmissão de informação se convertem nas fontes fundamentais da produtividade e do poder por conta das novas condições tecnológicas surgidas neste período histórico.