PRAGMATISMO, ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E O COMBATE À PANDEMIA
1 de dezembro de 2021PRAGMATISM, ECONOMIC ANALYSIS OF LAW AND THE FIGHT AGAINST PANDEMIC
Cognitio Juris Ano XI – Número 37 – Dezembro de 2021 ISSN 2236-3009 |
Autor: Rogério de Meneses Fialho Moreira[1] |
RESUMO: O presente artigo aborda temas essenciais ao estudo da relação entre direito e economia. Inicia com a apresentação de algumas distinções entre as abordagens feitas pela Análise Econômica do Direito e pela Teoria dos Sistemas de Luhmann. Procura evidenciar a importância da maximização da eficiência, do controle de externalidades e da neutralidade regulatória para a correção das falhas de mercado. Segue demonstrando que a Teoria dos Jogos pode trazer importante contribuição para a compreensão das relações entre direito e economia. Nesse contexto, são feitos alguns apontamentos sobre a forma como o direito é tratado pela economia como custo de transação, enfocando ainda as medidas adotadas pelo Poder Público para conter o avanço do surto de covid-19. Conclui com uma breve exposição da orientação traçada pelo Supremo Tribunal Federal no contexto da pandemia de covid-19.
Palavras-chave: Análise Econômica do Direito. Pragmatismo. Teoria dos Sistemas. Luhmann. Teoria dos Jogos.
ABSTRACT: This article addresses issues that are essential to study of the relationship between law and economics. It begins with the presentation of some distinctions between the approaches taken by the Economic Analysis of Law and Luhmann’s Systems Theory. It seeks to highlight the importance of efficiency maximization, control of externalities, and regulatory neutrality for the correction of market failures. It goes on to demonstrate that Game Theory can make an important contribution to understanding the relations between law and economics. In this context, some notes are made on how law is treated by the economy as a transaction cost, also focusing on the measures adopted by the Public Power to contain the advance of the covid-19 outbreak. The paper concludes with a brief exposition of the orientation outlined by the Federal Supreme Court in the context of the covid-19 pandemic.
Keywords: Economic analysis of law. Pragmatism. Systems Theory. Luhmann. Game Theory.
INTRODUÇÃO
O pragmatismo, como corrente filosófica, tem as suas origens no Clube Metafísico, criado nos anos setenta do século XIX, na cidade de Boston, Massachusetts, por Charles Sanders Peirce, com a participação de dois dos grandes teóricos do movimento: William James e Jonh Dewey.
A ironia da denominação do “clube” encontra-se na circunstância de que a teoria pragmática procurava justamente a construção de uma filosofia livre de fundamentos ontológicos prévios, vale dizer, livre da metafísica como pressuposto do pensamento filosófico.
Para os mentores do clube metafísico, o pragmatismo “era uma perspectiva moral prescritiva que buscava, no uso da razão prática, soluções adequadas ao contexto e às consequências desejadas”[2].
No âmbito jurídico, o desenvolvimento das ideias pragmáticas foi disseminado[3] a partir do pensamento de Oliver Wendell Holmes Júnior[4], que acabou formando a corrente filosófica que ficou conhecida como realismo jurídico[5], cujas características principais são o consequencialismo e o contextualismo:
O consequencialismo do pragmatismo manifesta-se no enraizar do direito na prática, no conhecimento tácito nela gerado, e na preocupação com resultados. Já o contextualismo se define pelo julgamento dessas práticas e de seu conhecimento a partir da experiência passada e dos resultados desejáveis que eles produzem em situações problemáticas[6].
Para o pragmático do direito, as regras jurídicas não são postas de modo objetivo e imutável. Pelo contrário, “devem ser entendidas em termos instrumentais, implicando contestabilidade, revisabilidade e mutabilidade[7]”.
O pragmatista adota recursos heterogêneos para obter o verdadeiro sentido e alcance da regra jurídica, buscando as reais necessidades da sociedade em que vive (contextualismo) e avaliando as consequências práticas da sua aplicação ao caso concreto (consequencialismo). Quem aplica o direito deve adotar um ponto de vista “experimental, secular, sediado em um contexto histórico particular, instrumental e progressivo[8]”.
Como observa Frederic Kellogg, ao contrário do positivismo jurídico, que enxerga o direito como “separado, exógeno e autônomo”[9], o direito é por completo “um fenômeno social” e não pode ser utilizado como “termo geral único”, como ensinava Jonh Dewey, para quem o direito só pode ser visto como “intervindo em um complexo de outras atividades, sendo “por si um fenômeno social”. E, marcando a necessidade de uma abordagem interdisciplinar do fenômeno jurídico, Kelloggs cita Dewey, para quem o direito “não pode ser colocado como uma entidade à parte, podendo ser discutido apenas nos termos das condições sociais em que surge e do que concretamente realiza aí”[10].
A frase antológica de Oliver Homes Júnior, a definir o seu pensamento filosófico, hoje identificado como sendo o realismo jurídico, foi cunhada com precisão cirúrgica: “A vida do direito não tem sido a lógica; tem sido a experiência”. William James, por sua vez, afirma a respeito da importância da experiência para a filosofia pragmática, que todas as sanções de uma lei “residem na própria textura da experiência. Absoluta ou não, a verdade concreta, para nós, será sempre aquele meio de pensamento no qual nossas diversas experiências combinem-se de maneira mais proveitosa”[11].
Nos últimos anos, sob a influência do pragmatismo, tem se verificado um incremento do interesse dos juristas em várias partes do mundo pela interdisciplinaridade. O direito tradicionalmente sempre foi relacionado com a filosofia, a sociologia e a história. Entretanto, no contexto atual, a ciência jurídica tem sido observada sob novas e diversificadas lentes.
O jurista passou a se interessar também pela inter-relação da ciência jurídica com variados conhecimentos e saberes da humanidade, inclusive com as artes, sob as suas mais diversas manifestações. O interesse por law and humanities e law and arts vem se desdobrando em várias ramificações, como law and literarure, law and music, law and theater, law and cinema, law and arquitecture e até mesmo na mais recente vertente de “direito e moda”.
Nesse contexto de interdisciplinaridade, o estudioso do direito passa a enxergar o mundo de forma mais realista, instrumental, consequencialista e pragmática, surgindo campos de estudos interdisciplinares, como a Análise Econômica do Direito-AED (Law and economics) e os Estudos Críticos do Direito (Critical Legal Studies).
As relações entre direito e economia são antigas, mas passaram a ser objeto de preocupação e de estudo mais sistematizado após a proliferação da filosofia consequencialista.
Para Richard Posner, um dos formuladores e expoente contemporâneo da Law and Economics, o direito deve ser interpretado e pensado a partir dos princípios da economia. Partindo de uma lógica pragmática, defende um método de interpretação consequencialista para o direito, transformando-o num instrumental pautado pelos efeitos das decisões jurídicas[12].
Os formuladores de políticas públicas, os administradores, os agentes econômicos e os próprios legisladores passaram a ter especial preocupação com as consequências, não só políticas, mas também socioambientais, culturais e econômicas das suas decisões.
Em relação ao poder legiferante, que, na visão arcaica anotada por Picard, “Ordinariamente, entregam-se ao mais grosseiro empirismo. Os legisladores deixam-se guiar pelas suas paixões, pelas suas fantasias ou pelas sugestões de partidos”[13], têm, no mais das vezes, passado a adotar responsabilidade e investigação mais rigorosa e técnica antes da tomada de decisão, sopesando os seus reflexos sociais e econômicos.
A presente pesquisa, através do método dedutivo, tem por objetivo investigar como determinados temas se relacionam, sob os pontos de vista prático e teórico, ao estudo das implicações entre direito e economia, no intuito de permitir a melhor compreensão dos fenômenos jurídicos e econômicos que resultam da crescente interação entre direito e economia.
Na seção 1, são analisadas as relações entre direito e economia, a forma como um sistema exerce influência sobre o outro, as correntes de pensamento que procuram explicar a interação entre essas ciências e suas afins, levando em conta a interdisciplinaridade, os contornos do sistema conhecimento como Law and economics e da Teoria dos Sistemas idealizada por Luhmann. Cuida-se, ainda, dos pontos de distinção e aproximação entre a Análise Econômica do Direito e a Teoria dos Sistemas de Luhmann.
Na seção 2, cuida-se da maximização da eficiência, do controle de externalidades e da neutralidade regulatória e tributária na correção das falhas de mercado, oportunidade em que se analisa como as escolhas dos agentes econômicos podem influenciar em seu desempenho perante o mercado, ocasionando externalidades que impactam positiva e negativamente a atividade empresarial e, consequentemente, que medidas podem ser adotadas para propiciar a externalidades positivas e evitar ou minimizar as externalidades negativas. Para facilitar a compreensão do tema, são traçados alguns exemplos de externalidades em vários campos do direito. Ao final, é feito um breve apontamento sobre como esses fenômenos contribuem para minimizar o abuso do poder econômico.
A seção 3 trata especificamente da Teoria dos Jogos como uma das teorias utilizada pela Análise Econômica do Direito para determinar as mudanças que necessitam ser implementadas no sistema jurídico para assegurar maior eficiência econômica. Por meio da Teoria dos Jogos, é possível identificar como os agentes econômicos se comportam em face das mudanças legislativas, levando em consideração tanto o cenário econômico quanto as possíveis escolhas dos demais agentes econômicos. Neste capítulo, são ainda apresentados alguns exemplos de aplicação da Teoria dos Jogos em vários ramos da ciência jurídica.
Na seção 4, aborda-se o direito encarado pela economia como sendo custo de transação, iniciando com o estudo da Economia dos Custos de Transação (ECT) desenvolvida por Oliver Williamson para ao final tratar especificamente da caracterização do direito como custo de transação, trazendo alguns exemplos em campos específicos da ciência jurídica.
Na seção 5, tomando por base a análise econômica do direito, é feito um breve levantamento das medidas adotadas pelos poderes executivo e legislativo para combater os efeitos da covid-19 no Brasil, traçando-se um panorama das decisões do Supremo Tribunal Federal no contexto da crise econômica e institucional provocada pela pandemia de covid-19.
1 AS RELAÇÕES ENTRE DIREITO E ECONOMIA. DISTINÇÃO DAS ABORDAGENS DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E DA TEORIA DOS SISTEMAS DE LUHMANN
Tanto o direito exerce influência sobre a economia, quanto a economia exerce influência sobre o direito. O direito, ao estabelecer regras ou princípios, ou mesmo quando do momento da aplicação dessas últimas pelo julgador ou pelo gestor, deve levar em consideração as consequências ou impactos que a decisão (legislativa, executiva ou judicial) acarretará para a economia ou mesmo para a tomada de opções pelos agentes econômicos.
Por seu turno, a economia muitas vezes exige do direito a edição de normas reivindicadas pelo próprio mercado, por exemplo, para a regulamentação de determinados setores ou para a defesa da livre concorrência.
Para a compreensão dessas complexas interações entre o direito e a economia, ciências distintas que usam, cada uma delas, o seu próprio método, começou a se formar no século XX uma corrente de pensamento (ou sistema de referência, teoria ou, ainda, segundo alguns, um “movimento” ou um método de abordagem científica) baseado na interdisciplinaridade, a partir da Escola de Chicago e, primordialmente, dos estudos e trabalhos publicados por Ronald Coase (tido como pioneiro no estudo do tema, com o seu paper de 1960), Oliver Williamson, Douglas North e Richard Posner.
Esse sistema, que passou a ser conhecido como Law and Economics dedica-se à análise econômica do Direito, em todos os seus aspectos, vertentes e consequências. Vale observar que essa análise econômica não se confunde com a interpretação econômica do direito nem se restringe ao direito econômico (que cuida da concorrência, regulação, regras anti-trust, etc), mas antes se aplica a todos os ramos do direito.
A análise das consequências econômicas do direito, numa perspectiva pragmática (realismo jurídico), procura identificar o seu objeto de estudo tomando por base a sua funcionalidade, considerando, ainda, a teoria da escolha racional (os indivíduos são racionais e procuram agir de acordo com o auto-interesse). Nos processos decisórios, os agentes, públicos ou privados, também buscam eleger a opção mais racional, analisando o binômio custo-benefício, baseando-se, ainda, nos custos de oportunidade, pois cada escolha implica ao mesmo tempo uma perda ou renúncia.
Já na Teoria dos Sistemas de Luhmann, tanto o direito quanto a economia são sistemas comunicacionais. Entretanto, os sistemas sociais se caracterizam por serem funcionalmente diferenciados, vale dizer, constituem uma unidade que diferencia o próprio sistema do seu entorno, diferindo-se cada sistema também dos demais sistemas da sociedade, “pois esses são ambiente integrante do entorno do sistema de referência na comunicação”[14].
Para Luhmann, os vários sistemas são fechados operacionalmente e cada um deles constituído por um código binário (sentido positivo e sentido negativo). Assim, no direito o código binário seria constituído pela relação lícito/ilícito (recht/unrecht). Vale dizer, quando um jurista estuda um objeto ele vai procurar identificar se aquilo sobre o qual se debruça é lícito ou ilícito. Já na “unidade” economia, o código binário seria propriedade/não propriedade (eigentum/nichteigentum), ou mesmo se o seu objeto de estudo é eficiente/ineficiente.
Como os sistemas são operacionalmente fechados, a comunicação somente se dá a partir da própria comunicação, pois cada unidade tem a sua auto-determinação, auto-referência e auto-organização. Contudo, o direito também se comunica com seu entorno. Para Luhmann, haveria os “acoplamentos estruturais” (ou irritações recíprocas) entre o direito e os outros sistemas da sociedade:
O conceito de acoplamento estrutural especifica que não pode haver nenhuma contribuição do meio capaz de manter o patrimônio de autopoiesis de um sistema. O meio só pode influir casualmente em um sistema no plano da destruição, e não no sentido de determinação de seus estados internos[15].
Especificamente na observação do direito com o seu entorno economia (heterorreferência), Luhmann explica que, por exemplo, a propriedade somente pode ser corretamente entendida como sendo um “acoplamento estrutural” entre direito e economia. Nada impede que o direito se fixe em “programas condicionais” de outros sistemas da sociedade, exemplificando ele próprio com os “programas orientados para fins de economia, que remetem à propriedade, mas ressalva que:
Isso não significa juridicizar as próprias funções ou fins. Em vez disso, o direito oferece somente garantias sociais (e não se trataria de garantias se não o fossem, porque estão condicionadas) para permitir a outros sistemas uma gama mais ampla na seleção dos seus fins”[16].
Com base nessas breves considerações sobre a Análise Econômica do Direito e a Teoria dos Sistemas Sociais de Luhmam, já é possível perceber que ambas as teorias levam em conta a interdisciplinaridade e as diferentes funcionalidades entre os sistemas jurídico e econômico, mas, na primeira, o foco do estudo está mais voltado para a forma como os sujeitos econômicos interagem entre si e com o meio para gerar riqueza, enquanto que, na segunda, o foco está direcionado para a forma como os próprios sistemas interagem para desenvolver suas estruturas.
Vê-se, assim, que essas duas teorias procuram explicar, sob prismas diversos, como se dá a relação entre direito e economia: enquanto a Análise Econômica do Direito utiliza uma abordagem mais pragmática para compreender e explicar a interação entre direito e economia, mediante a utilização de instrumentos econômicos, a Teoria do Sistemas de Luhmann analisa essa mesma relação sob o enfoque abstrato da sociologia.
O próprio Luhmann deixou isso bem claro ao afirmar que seu “objetivo principal como cientista consiste em melhorar a descrição sociológica da sociedade e não melhorar a sociedade”. Segundo ele, haveria a necessidade de elaboração de uma nova teoria que fosse capaz de suprir um déficit teórico na sociologia ao observar e descrever a complexidade da sociedade, já que a sociologia da época estaria desprezando a teoria com a intenção de alcançar a realidade, de ir aos fatos[17].
No campo da Análise Econômica do Direito, os institutos jurídicos são examinados a partir de preceitos econômicos, notadamente de microeconomia (preço, mercado, falhas de mercado etc). A Análise Econômica do Direito se dedica ao estudo das normas jurídicas, com ênfase nos estímulos e nos custos da transação.
Já nos termos da Teoria dos Sistemas de Luhmann, não haveria a possibilidade de interferência de um sistema no outro, mas apenas troca de informações mediante observação, visto que os sistemas sociais, entre os quais se incluem o direito e a economia, operam fechados, são autorreferentes e autopoiéticos:
A teoria de Luhmann tem os sistemas sociais como comunicações autorreferentes (recursivamente se referem a si mesmas), autopoiéticas (comunicam reproduzindo suas próprias comunicações) e funcionalmente diferenciadas (tem por unidade de referência um código binário específicos, cuja função é estabilizar expectativas cognitivas e normativas), sendo tais sistemas fechados operativamente (operam exclusivamente a partir de sua estrutura) e abertos cognitivamente (irritado reciprocamente por seu entorno, acoplamento estrutural)[18].
O caráter eminentemente abstrato da Teoria dos Sistema de Luhmann, em contraponto ao caráter eminentemente pragmático da Análise Econômica do Direito, pode ser facilmente constatado pela utilização de arcabouço conceitual próprio (sistema, entorno, diferenciação, autorreferrência, recursividade, autopoiésis, comunicação, operatividade, acoplamento, irritação) para demonstrar como se estabelece e se desenvolve a relação entre direito e economia.
De acordo com a teoria luhmanniana, o fato de o direito, por exemplo, operar fechado não significa que ele esteja totalmente imune à influência do meio, mas apenas que esse seleciona a informação que lhe interessa mediante um código binário: lícito/ilícito, transformando toda a informação recebida invariavelmente em direito:
Ser estruturalmente fechado não se confunde com ser isolado, mas sim que as influências (irritações) provenientes do entorno do sistema de comunicação selecionado (meio ambiente e dos outros sistemas) são processadas segundo significações internas do sistema de comunicação selecionado[19]
Note-se, assim, que, nos moldes traçados pela Teoria dos Sistemas Sociais de Luhmann, a relação entre direito e economia ocorre sempre no campo da comunicação, e não por meio de interferência (maior aproximação ou influência direta), como não raras vezes acontece na seara da Análise Econômica do Direito.
Em outras palavras, apesar de o fenômeno estudado ser o mesmo, os enfoques aplicados nesse estudo são diferentes: a Análise Econômica do Direito se preocupa mais com a racionalidade da tomada de decisões pelos atores econômicos, enquanto que a Teoria dos Sistemas Sociais de Luhmann se ocupa basicamente da comunicação entre os sistemas (direito e economia), com vista à manutenção e evolução desses sistemas.
Nesse norte, a proposta teórica de Luhmann não trata o sistema social apenas como soma ou justaposição de todas as partes, mas sim como diferença. Por conta disso, a relação entre direito e economia não se firma como mera relação simbiótica entre partes integrantes de um todo homogêneo. Isso já é suficiente para revelar que a troca de influências entre direito e economia, na teoria de Luhmann, segue um processo bem mais elaborado e dificultoso enquanto, sob o viés da Análise Econômica do Direito, essa mesma troca de influências apresenta-se de forma mais simples e imediata.
Ao aprofundar o estudo da Teoria dos Sistemas de Luhmann, identifica-se que o direito é o sistema que lida com as comunicações sobre lícito/ilícito e que a comunicação com outros sistemas se realiza por meio de três seleções simultâneas: informação, partilha e compreensão[20].
É importante atentar que a seleção da informação a ser partilhada e a partilha efetiva dessa informação não produz automaticamente a introdução dessa informação no processo operativo interno desse outro sistema. Essa internalização depende necessariamente da atuação de outro sistema que primeiro verifica se há uma informação passível de ser internalizada segundo seu código binário. Nesse sentido:
Quem seleciona o tema e o partilha não define a conversa, apenas informa que pretende ter uma conversa sobre algo. Quem escuta uma informação partilhada – uma proposta de conversa – pode seguir conversando sobre o tema proposto, pode mudar de tema e propor outra conversa, pode se negar a conversar ou, ainda, pode sequer perceber que lhe foi proposto ter uma conversa.
[…]
A comunicação é possível justamente porque aprendemos com a observação, porque aprendemos com o outro. Assim, os sistemas observam, aprendem com os outros sistemas. o direito aprende com a política, com a economia etc.
[…]
Ao conversar sobre se algo é lícito ou ilícito, pomos em operação o sistema do direito, único sistema que observa os elementos jurídicos a serem selecionados para se qualificar algo como lícito ou ilícito.
[…]
O direito é um sistema que opera por observação, portanto capaz de aprendizagem, nos termos de seus elementos (autorreferência), reproduzindo-se por irritações (provocações, perturbações – heterorreferência) internas tanto quanto externas, o que se dá cada vez que se tematiza a licitude/ilicitude de algo.
[…]
O fechamento operacional, portanto, viabiliza a promoção de operações por remissão à rede de suas próprias operações (autorreferência do direito) e a reprodução de si mesmo (autopoiesis do direito). A abertura cognitiva, por sua vez, é indispensável para a autopoiesis do direito (reprodução do direito pelo direito), portanto, para a continuidade do sistema. […]. A abertura ao seu ambiente viabiliza o direito de construir sua complexidade interna sem contínuo intercâmbio com seu entorno.
Em síntese, a Teoria dos Sistemas Sociais de Luhmann procura demonstrar como os sistemas sociais (economia, ciência, direito, política, religião, arte, amor) se formam (gênese) e se desenvolvem (morfogênese). Já que essa teoria tem o propósito de ser uma superteoria, ela pode seguramente explicar como se dá a relação entre direito e economia.
Sob o enfoque da Teoria dos Sistemas de Luhmann, não restam dúvidas de que a relação entre direito e economia se realiza da mesma forma que os todos os outros sistemas sociais se relacionam. No entanto, ao se considerar que a Análise Econômica do Direito encara essa relação de forma mais pragmática, realista e direta e que a Teoria dos Sistemas de Luhmann se dedica ao estudo abstrato dessa relação, chegaremos à conclusão de que a relação entre direito e economia para cada um desses sistemas ocorre de formas diferentes.
Atendo-se especificamente agora à Análise Econômica do Direito-AED (Law and Economics), é importante fixar inicialmente a distinção conceitual entre os dois campos do conhecimento antes de traçar os vetores de interconexão entre ambos: o direito regula o comportamento humano, enquanto que e a economia estuda como o ser humano toma decisões e como se comporta em um mundo de recursos escassos, preocupando-se, ainda, com as consequências dessas decisões.
Ivo Gico Jr, a partir daqueles conceitos, fixa a noção de que a Análise Econômica do Direito-AED é a área do conhecimento humano que tem por objeto o emprego de diversos “ferramentais teóricos e empíricos econômicos e das ciências afins para expandir a compreensão e o alcance do direito e aperfeiçoar o desenvolvimento, a aplicação e a avaliação de normas jurídicas, principalmente em relação às suas consequências”[21].
Essa interdisciplinaridade é importante porque o direito não tem uma teoria própria sobre o comportamento humano. Falta-lhe, portanto, o instrumental para o “diagnóstico” e “prognose” acerca das consequências (individuais e coletivas) de determinada decisão (executiva, legislativa, jurisdicional ou empresarial) ou política pública.
O instrumental necessário a tais diagnósticos e prognoses é oferecido pela Análise Econômica do Direito, partindo de uma compreensão superior à mera intuição, utilizando-se de método científico, e não do senso-comum. Ivo Gico Jr. adverte, no entanto, que certa cautela é necessária, pois muitos se arvoram em “juseconomistas”, aventurando-se nessa análise, sem o necessário treinamento em ambas as disciplinas[22].
Ou seja, Law and Economics é o estudo de questões jurídicas (direito) usando-se método próprio da economia. Esquematicamente: Law é o “objeto” do estudo enquanto economics é o “método” empregado[23].
A AED preenche, portanto, a lacuna da ciência jurídica, através de uma metodologia para compreensão dos fenômenos sociais, servindo de auxílio na tomada de decisões racionais. Um exemplo prático da aplicação dessa metodologia pode ser observado na equação da seguinte problematização: por que falta no Brasil vacina para a covid-19? Em razão dessa escassez, o poder público deve guardar vacinas para a segunda dose ou deve aplicar todo o estoque para uma cobertura imunológica mais horizontalizada?
A respeito do exemplo acima formulado, chama-se a atenção para o aspecto de que a ciência econômica preocupa-se não apenas com temas específicos como mercados, câmbio, inflação, bolsa de valores, juros, mas com toda questão que imponha a tomada de decisão pelos agentes competentes. Se as questões envolvem escolhas, são passíveis de análise pelo método econômico[24].
Assim, são objeto do espectro de investigação da economia perguntas como: Por que os casamentos diminuíram e os divórcios aumentaram, ou porque aumentou a violência doméstica, durante a pandemia causada pelo vírus SARS- Cov-2?
A Análise Econômica do Direito busca essa interação entre direito e economia, através da aplicação do instrumental analítico e empírico da economia na tentativa de “compreender, explicar e prever as implicações fáticas do ordenamento jurídico, bem como da lógica (racionalidade) do próprio ordenamento jurídico”[25].
É importante ressaltar que essa abordagem econômica para a compreensão do direito, através da aplicação da metodologia econômica, pode e deve ser utilizada em relação a todas as áreas do direito (direito de família, direito penal, direito ambiental), e não apenas a questões relacionadas a disciplinas jurídicas com fundo mais marcadamente econômico, como o direito empresarial, o regulatório ou o antitruste.
Nesse sentido, podem ser destacadas, a título exemplificativo, duas decisões tomadas no mês de abril de 2021, uma pelo Supremo Tribunal Federal e outra pelo Presidente da República:
a) Decisão com repercussão econômica mais direta: STF, plenário virtual em 19-4-21, unân. ADC 49. Declarou inconstitucionais artigos da Lei Kandir que tratavam da tributação na hipótese de transferência de mercadorias entre unidades do mesmo contribuinte[26] (antes o STJ editara sobre o tema a Súmula 166); e
b) Decisão sem repercussão econômica direta: Veto 13.16 do Presidente da República ao parágrafo 1º do art. 54 da Nova Lei de Licitações (obrigação de publicação do extrato do edital em diário oficial e em jornal diário de grande circulação).
Não só a primeira delas pode ser objeto de análise sob a ótica da Law and Economics, por suas óbvias implicações relacionadas aos custos das empresas e redução da arrecadação pelo Poder Público. Note-se que a segunda delas também pode ser passível de investigação pela Análise Econômica do Direito-AED, nos juízos de diagnose e de prognose: o que levou o Presidente da República a vetar o dispositivo que, em tese, daria mais publicidade aos certames licitatórios? Há prognose de derrubada do veto? O que levou a Associação Brasileira das Imprensas Oficiais-ABIO a fazer enorme campanha publicitária, nas mais diversas mídias, em favor da derrubada do veto?
2) A ATUAÇÃO DA MAXIMIZAÇÃO DA EFICIÊNCIA, DO CONTROLE DE EXTERNALIDADES E DA NEUTRALIDADE REGULATÓRIA E TRIBUTÁRIA NA CORREÇÃO DAS FALHAS DE MERCADO
Em termos gerais, a eficiência consiste na utilização dos meios adequados para alcançar determinado fim. No campo econômico, a eficiência é representada pela busca da melhor alocação de recursos escassos para satisfazer o maior número de necessidades. Nesse contexto, a maximização da eficiência, inclusive em relação a todas as medidas adotadas para o combate à pandemia causada pelo SARS-Cov-2, caracteriza-se basicamente pela escolha racional dos meios disponíveis para se alcançar os melhores resultados para a proteção da saúde da população, levando-se em conta também os aspectos econômicos.
De acordo com Cooter e Ulen, a racionalidade no processo de escolha da melhor alternativa permitida pelas restrições existentes no campo da economia pode ser orientada inclusive por critérios matemáticos. Confira-se:
One conception of rationality holds that a rational actor can rank alternatives according to the extent that they give her what she wants. In practice, the alternatives available to the actor are constrained. For example, a rational consumer can rank alternative bundles of consumer goods, and the consumer’s budget constrains her choice among them. A rational consumer should choose the best alternative that the constraints allow. Another common way of understanding this conception of rational behavior is to recognize that consumers choose alternatives that are well suited to achieving their ends.
Choosing the best alternative that the constraints allow can be described mathematically as maximizing. To see why, consider that the real numbers can be ranked from small to large, just as the rational consumer ranks alternatives according to the extent that they give her what she wants. Consequently, better alternatives can be associated with larger numbers. Economists call this association a “utility function,” about which we shall say more in the following sections. Furthermore, the constraint on choice can usually be expressed mathematically as a “feasibility constraint.” Choosing the best alternative that the constraints allow corresponds to maximizing the utility function subject to the feasibility constraint. So, the consumer who goes shopping is said to maximize utility subject to her budget constraint”[27].
É com base nessas escolhas racionais, por exemplo, que o agente econômico pode alcançar maior eficiência ao evitar a prática de determinada conduta que, além de sujeitá-lo à aplicação de penalidades, levaria ao dispêndio de recursos financeiros para o custeio de sua defesa judicial. Além disso, a maximização da eficiência também poderia ser obtida pela escolha racional das normas que poderão incidir no caso concreto, mediante, por exemplo, a realização de alguns ajustes no desempenho da própria atividade para evitar a incidência de normas mais gravosas.
As externalidades, por sua vez, constituem uma das espécies de falhas de mercado, caracterizadas pelos efeitos sociais, econômicos e ambientais (positivos ou negativos) que resultam direta ou indiretamente da atividade econômica. O controle de externalidades configura-se, pois, como a adoção das medidas necessárias e suficientes, inclusive pelo poder público, para assegurar que os ganhos sociais advindos da atividade econômica não sejam anulados, ainda que em parte, pelos prejuízos que serão suportados por terceiros que não fizeram parte do processo decisório e, regressivamente, pelo agente econômico.
O controle das externalidades no âmbito do poder público geralmente começa com a atuação do legislador nacional ao estabelecer as medidas necessárias para evitar as perdas sociais decorrentes da atividade econômica e terminam com a atuação efetiva dos órgãos competentes para colocar em prática essas medidas. É importante acrescentar que o próprio cidadão também está legitimado a promover o controle de externalidades por meio da representação ou, em alguns casos, mediante o ajuizamento de ação popular.
No direito ambiental, por exemplo, o controle das externalidades é feito por intermédio de normas jurídicas (regras e princípios) que, entre outras medidas, preveem a aplicação de penalidades, estabelecem a obrigatoriedade de reparação do dano e impõem compensações pela exploração de recursos naturais. Os principais instrumentos para o controle de externalidades no âmbito do direito ambiental são os princípios ambientais do poluidor-pagador, da prevenção e da precaução e a própria legislação ambiental elaborada com base nesses princípios e nas normas constitucionais de defesa do meio ambiente.
Em síntese, o controle das externalidades será necessário sempre que o desenvolvimento da atividade econômica produzir consequências que não foram levadas em consideração no processo decisório, mas que terminam causando prejuízos a terceiros. O controle de externalidades é o mecanismo adequado para internalização dos custos sociais decorrentes da atividade econômica. A rigor, no campo da responsabilidade civil, só se poderia falar em controle de externalidades negativas, já que a produção de resultados sociais positivos para a sociedade seria sempre desejável, não demandando, portanto, qualquer espécie de limitação ou controle.
No que diz respeito à neutralidade regulatória e tributária, é preciso ter em mente que os princípios do liberalismo econômico rejeitam qualquer espécie de interferência do Estado na economia, deixando o controle do mercado exclusivamente nas mãos dos agentes econômicos. No entanto, com o aumento da complexidade das relações sociais, passou-se a exigir a intervenção do Estado na economia com vistas a garantir a implementação dos direitos sociais e, em última análise, a promoção do bem comum. A atividade regulatória e a tributação surgiram, então, como mecanismos apropriados para o controle das externalidades e para a correção das outras espécies de falhas de mercado.
Por esta razão, a neutralidade regulatória e tributária só se legitimaria diante dos setores da economia que porventura não apresentem falhas de mercado. Assim se manifestou Paula Forgioni ao defender que o direito não é permeado de outros valores, senão “a busca da eficiência alocativa; diz-se, então, dotado de neutralidade redistributiva. Na ausência de falhas de mercado, a melhor alocação de recursos será promovida pelo próprio mercado”[28].
Desse modo, a tributação, assim como a atividade regulatória, funciona como importante instrumento de controle de externalidades, na medida em que, por exemplo, ao prever alíquota de IPI maior para a indústria de cigarros termina por provocar a internalização dos custos de tratamento de problemas de saúde provocados pelo fumo.
As falhas de mercado se caracterizam basicamente pela existência de custos de transação, o abuso de poder econômico, a assimetria de informações e as externalidades.
É fácil perceber que a maximização da eficiência, o controle de externalidades e a neutralidade regulatória e tributária podem reduzir significativamente os custos da transação, na medida em que, quanto mais eficientes forem as atividades, quanto menos elas produzirem externalidades e quanto menor for a intervenção do poder público, menores serão os custos da atividade econômica.
A maximização da eficiência, o controle de externalidades e a neutralidade regulatória e tributária também repercutem decisivamente para evitar ou minimizar o abuso do poder econômico, tendo em vista que processos mais eficientes, que gerem menores efeitos negativos e que, em razão disso, exijam menor interferência estatal, tendem a permitir a convivência dos vários atores econômicos.
Podemos citar como exemplo o caso da produção e comercialização de máscaras de tecido para conter o avanço do surto de covid-19. Se houvesse a intervenção do Poder Público, seja para traçar os requisitos mínimos de eficiência e eficácia na produção desse tipo de acessório, no que diz respeito ao uso geral pela população, certamente não teríamos conseguido alcançar tão ampla disseminação do uso da máscara, embora algumas pessoas ainda resistam em usá-la com base em suas próprias convicções.
Perceba que, se fosse necessário obter autorização do Poder Público para a fabricação e comercialização de uso de máscaras de tecido pela população ou a necessidade de atender a padrões mínimos de qualidade para sua venda diretamente ao público ou houvesse uma rígida fiscalização pelo fisco visando assegurar a arrecadação tributária, o número de pessoas usando a máscara provavelmente seria bem menor do que é hoje.
De igual modo, os fenômenos aqui estudados contribuem para assegurar mais amplo acesso à informação, na medida em que a concretização dessas medidas exige mais acesso ao conhecimento acerca dos dados relevantes, evitando, assim, que determinados atores econômicos estejam em posição de vantagem extrema em relação aos demais.
Resumidamente, o próprio controle das externalidades já contribui para reduzir sua ocorrência, assim como a maximização da eficiência e, de certo modo, a neutralidade regulatória e tributária, porquanto permitem que o mercado se ajuste às necessidades sociais.
3) A TEORIA DOS JOGOS E O ESTUDO DOS FENÔMENOS JURÍDICOS SOB A ÓTICA ECONÔMICA
A Análise Econômica se utiliza de várias teorias para identificar quais mudanças precisam ser operadas no sistema jurídico, a fim de permitir a maior eficiência econômica.
Uma dessas teorias é justamente a Teoria dos Jogos que, embora não figure entre as premissas da Análise Econômica do Direito, ajuda a prever o comportamento dos agentes diante de mudanças legislativas.
É com o auxílio da Teoria dos Jogos, por exemplo, que a Análise Econômica do Direito tenta identificar como os agentes econômicos interagem diante de determinadas normas jurídicas, como essas normas interferem no processo decisório e como elas influenciam o comportamento estratégico das empresas, na condição de agentes econômicos ou na condição de partes em demandas judiciais.
A Teoria dos Jogos, todavia, não se limita a predizer o comportamento dos agentes econômicos no estrito cumprimento da lei. Em sua aplicação, a lei é vista apenas como ponto de partida no processo decisório, cabendo ao agente decidir estrategicamente se é mais vantajoso cumprir ou deixar de cumprir o comando legal, levando em conta todas as possibilidades jurídicas.
A Teoria dos Jogos avalia o cenário econômico e ajuda a prever as estratégias racionais dos agentes econômicos diante das regras do jogo. Reputa-se jogo a situação em que os agentes econômicos realizam simultaneamente suas escolhas considerando as possíveis escolhas dos demais, no intuito de determinar quais são as probabilidades de fracasso ou sucesso e os possíveis percentuais de perdas e ganhos.
Nesse processo de previsão das escolhas racionais dos agentes econômicos, a Teoria dos Jogos fornece ao Direito elementos importantes para a elaboração de “regras do jogo” mais eficientes, estimulando inclusive a cooperação. Com efeito, quanto mais informações os jogadores têm acerca do comportamento dos demais, maior será a probabilidade de ocorrer um equilíbrio entre eles, permitindo, assim, que os resultados sejam compartilhados entre todos eles, gerando aumento de riqueza.
A Teoria dos Jogos tem aplicação nos mais diversos ramos da ciência jurídica. No âmbito do direito penal, por exemplo, um réu denunciado pelo crime de uso indevido de informação privilegiada (art. 27-D da Lei nº 6.385/76), também conhecido como insider trading, terá de fazer a opção entre aceitar a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95) ou responder ao processo penal, avaliando racionalmente as chances de uma absolvição, levando em conta as provas apresentadas pela acusação, o posicionamento dos tribunais sobre a matéria e até mesmo o perfil do magistrado responsável pela condução do processo.
No campo do direito tributário, por exemplo, caberá ao empresário decidir por um dos regimes de tributação previstos na legislação (Simples, Lucro Real ou Lucro Presumido), avaliando as vantagens e desvantagens de cada um deles, a fim de determinar qual regime melhor se adequa a sua atividade empresarial, levando em conta as opções feitas por seus concorrentes. O fisco, por sua vez, diante da queda da arrecadação resultante do aumento da sonegação tributária, poderá aperfeiçoar paulatinamente a legislação tributária, prevendo maiores penalidades para o sonegador, reequilibrando, assim, a concorrência.
Na seara do direito processual civil, com as alterações introduzidas pelo Código Civil de 2015 em relação aos honorários advocatícios, o incremento dos ônus decorrentes do insucesso na causa obrigou as partes a sopesarem as vantagens de prosseguimento da demanda judicial. Quanto maiores forem os riscos de sucumbência para uma das partes, menores são as chances de celebração de acordo pela parte adversa. Por outro lado, a dúvida quanto ao posicionamento que irá prevalecer ao final poderá favorecer a celebração de acordo para pôr fim ao processo, distribuindo os custos e despesas do processo equitativamente entre as partes.
Em recente julgado (9/11/2020) envolvendo responsabilidade civil e direito ambiental, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no fatídico caso do rompimento da barragem de Mariana-MG, decidiu referendar o uso de matriz de danos para indenizar as famílias que foram vítimas do desastre ambiental, utilizando a noção de rough justice (justiça possível). De acordo com esse critério, utilizado em processos indenizatórios de larga escala em que a prova do dano é muito difícil de ser realizada, calcula-se um valor indenizatório fixo para cada grupo de prejudicados sem que se exija a prova efetiva do dano individual. A adoção desse critério pela empresa causadora do dano e pelos prejudicados não é obrigatória, cabendo a cada um dos sujeitos racionais avaliar as vantagens e desvantagens e os riscos de sua escolha.
Em relação ao surto de covid-19, podemos citar como exemplo as escolhas e comportamentos que os agentes econômicos e empregados terão de que fazer em relação à forma como o trabalho é realizado, pois, nas empresas que optam por não permitir o teletrabalho nas atividades em que isso é possível, pode acontecer a contaminação de muitos empregados, havendo consequentemente uma grande aumento de afastamentos e a auxílio-doença, cujo pagamento, até o 15º dia, recai sobre o empregador.
Além disso, o empregador ainda terá que arcar com os custos de aquisição de equipamentos de proteção individual e de reforma, a fim de atender as especificidades do trabalho sem colocar em risco os empregados, clientes e colaboradores. Os trabalhadores, por sua vez, terão de decidir se, durante o período em que estão em teletrabalho, correspondem às expectativas dos empregadores em termos de produtividade e qualidade, ou se simplesmente cumprem o mínimo necessário para não serem questionados. A depender da decisão que vier a ser tomada por cada grupo, haverá um impacto direto na produtividade, na qualidade do serviço e também no bem-estar e na diminuição dos riscos à saúde do trabalhador.
Na Justiça Federal da 5ª Região, por exemplo, as escolhas tomadas pela alta administração, no sentido de assegurar, sempre que possível, a realização do teletrabalho, aliada à escolha dos servidores e magistrados em atuarem com a máxima dedicação durante o período de afastamento físico, trouxe resultados extremamente satisfatórios tanto para a administração quanto para os servidores. Com efeito, por um lado, a administração evitou a perda da força de trabalho com baixas resultantes da covid-19, grandes gastos com energia elétrica e água, obtendo ainda forte redução dos gastos com papel e suprimentos para impressoras, e, principalmente, um substancial ganho na prestação do serviço, sem perda da qualidade, com vários recordes de produtividade alcançados mês a mês durante todo o período de distanciamento social. Os juízes e servidores, por sua vez, tiveram que arcar com os custos de energia elétrica e mobiliário para permitir o trabalho à distância, mas por outro lado evitaram o gasto com deslocamentos de casa para o trabalho e vice-versa e tiveram sua saúde resguardada em razão do isolamento a que se submeteram durante todo o período. Além disso, puderam acompanhar seus filhos nas atividades escolares e desfrutar do convívio familiar durante todo o período de confinamento. Outros reflexos dessa parceria que favoreceu não apenas a administração pública e seus servidores, foram a redução do nível de poluição, diminuição do congestionamento no trânsito, etc.
4) O DIREITO ENCARADO PELA ECONOMIA COMO CUSTO DE TRANSAÇÃO
No discurso que proferiu ao receber o Prêmio Nobel de economia, em 1991, Ronald Coase afirmou que os custos de transação são as fricções causadas pelo mundo real, em virtude das “assimetrias de informação que dificultam ou impedem que os direitos de propriedade sejam negociados a custo zero”[29]. Para Coase, os custos de transação seriam os custos para a transmissão ou mesmo para a manutenção da propriedade.
A Economia dos Custos de Transação (ECT) foi desenvolvida por Oliver Williamson, partindo do princípio de que nos contratos, por mais bem elaborados que sejam, sempre haverá problemas futuros quando da execução, e que deverão ser antecipados pelos contratantes ao formularem os arranjos contratuais (caráter antecipativo, prudente e cautelar em relação às futuras contingências). Como a racionalidade humana é limitada[30], os contratos nunca podem prever todas as possibilidades de intercorrências durante a sua execução, ou pós execução, surgindo a possibilidade de quebras de contrato geradas especialmente pelo oportunismo. Para Williamson, “todos os contratos complexos são, invariavelmente, incompletos[31]. Um dos fatores que impede o inadimplemento ocorre quando os benefícios em o fazer são inferiores àqueles que adviriam da quebra do contrato. Os custos do rompimento por oportunismo estariam associados “a mecanismos privados (perda da reputação) ou públicos (penalização pela justiça)”[32].
Segundo Douglass North, os custos de transação também estariam associados ao bom o mau funcionamento das instituições, especialmente do Poder Judiciário, tanto em relação ao acesso e manutenção de um litígio, quanto no que se refere aos custos para a própria implantação das decisões judiciais, pois os custos de transação estão associados ao nível de desenvolvimento e “derivam de sua capacidade de desenhar instituições sólidas”[33].
North observa, ainda, que a incapacidade dos agentes econômicos de obter e utilizar todas as informações disponíveis permite que eles alcancem apenas a melhor opção possível[34]. Para ele, o direito (enforcement) pode desempenhar papel importante para reduzir os custos de transação.
Nesse sentido, a segurança jurídica é fundamental para redução das externalidades inerentes ao sistema econômico, permitindo, assim, que os agentes econômicos possam desfrutar de certo grau de previsibilidade para o desempenho de suas atividades. A ausência de segurança jurídica, por outro lado, quase sempre fruto de um sistema jurídico complexo, instável, como também do mau funcionamento do poder judiciário, provoca o aumento dos custos de transação, redundando em aumento dos preços dos produtos e serviços lançados no mercado.
Como exemplo de custos de transação no direito ambiental, podemos citar os gastos realizados para fazer frente às imposições do poder público para o funcionamento ou a retirada do embargo de atividades econômicas potencialmente poluidoras, como a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), bem como para obtenção de Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO), os valores pagos a título de multas ambientais e com a reparação de danos ambientais, bem assim com a adoção de medidas para evitar ou reduzir a poluição e a degradação do meio ambiente.
Na esfera trabalhista, citem-se como exemplos de custos de transação aqueles que decorrem da contratação de empresas prestadoras de serviço (terceirização) para “identificação e seleção dos fornecedores, confecção, monitoramento e avaliação dos contratos e possível geração de dependência dos fornecedores escolhidos, fiscalização e atestação dos serviços prestados, entre outros aspectos”, bem como as despesas com o pagamento de multas resultantes do descumprimento da legislação trabalhista, além das despesas que o agente econômico terá que suportar para se adequar às normas de segurança e saúde do trabalho[35].
No processo civil, podem ser vistos como custos de transação os ônus decorrentes de acordos judiciais, nos quais podem ser inseridos o pagamento de custas, honorários advocatícios do perito, assistentes técnicos, contador, tradutor, intérprete, bem com as diárias de testemunhas, e ainda as despesas com deslocamento de advogados (passagens aéreas, táxi, estadia), com a obtenção de certidões, averbações, cópias reprográficas de processos físicos, etc.
No direito tributário, são exemplos de custos de transação o pagamento de encargos do parcelamento de dívidas e a multa no atraso dos pagamentos dessas dívidas, que, na esfera federal, pode chegar a 150% do valor do tributo devido, e as despesas com contador e advogado para possibilitar a defesa junto ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF.
No campo da implementação de medidas anticorrupção, a exemplo daquelas previstas no Foreign Corrupt Practices Act-FCPA norte-americana ou na lei brasileira 12.846/2013, é possível concluir que a legislação pode, sim, contribuir positivamente para a redução dos custos de transação[36]. Tais custos, como visto, ao contrário dos custos de produção (ex, matéria-prima, insumos e mão de obra), são aqueles relacionados às despesas com a própria contratação do negócio, a fiscalização e o cumprimento das suas cláusulas.
É evidente que despesas com suborno, corrupção e maquiagem contábil impactam negativamente nos custos do próprio negócio. Nesse sentido, a lição de Jussara Ferreira Borges e André Luís Cateli Rosa:
Diante da impossibilidade de eliminação dos custos de transação, os indivíduos sempre perseguirão a sua redução, levando em consideração o ordenamento jurídico a que estão sujeitos e a forma de atuação das instituições jurídicas.
A redução dos custos de transação relaciona-se com a busca de maior eficiência na esfera econômica, conforme abordado, no que diz respeito às externalidades”[37].
Assim, sob a ótica da análise econômica do direito, o Foreign Corrupt Practices Act-FCPA, a Lei n. 12.846/2013 e as diversas legislações sobre a matéria, ao combater as práticas de corrupção e suborno, contribuem para a redução dos custos de transação, tornando-os mais enxutos, ao eliminar despesas tidas por ilegais, ainda que praticadas no exterior, contribuindo para que se alcance um mercado mais limpo e honestamente competitivo.
Mas há também custos de transação que decorrem da intervenção do estado na economia. De acordo com a classificação de Eros Grau, essa intervenção ocorre basicamente de duas formas: diretamente, quando o estado atua sob o regime de monopólio (intervenção por absorção) ou sob o regime de competição (intervenção por participação), ou indiretamente, quando o estado atua por direção, determinando comportamentos compulsórios, ou por indução, “quando o Estado manipula os instrumentos de intervenção em consonância e na conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados”[38].
A diferença entre essas duas modalidades de intervenção indireta reside na inexistência de previsão de sanção para a indução. Segundo esse autor, enquanto na direção os preceitos traçados pelo poder público possuem caráter imperativo, prevendo-se a aplicação de sanção ao agente econômico em caso de descumprimento, na indução “defrontamo-nos com preceitos que, embora prescritivos (deônticos), não são dotados da mesma carga de cogência que afeta as normas de intervenção por direção”[39].
Uma variação da classificação de Eros Grau prevê a regulação como forma de intervenção do estado sobre a economia que não se enquadra nas categorias de intervenção por direção ou indução. Entende-se a regulação como forma de restrição da liberdade econômica mediante o estabelecimento de limites por entidade que não seja parte nem esteja integrada na atividade produtiva[40]. Tem-se, assim, a indução e a regulação como modalidades interventivas que gozam de sanção e a indução como modalidade interventiva desprovida de sanção.
Todavia, não se pode perder de vista que essas duas ou três, a depender da classificação, modalidades interventivas são formas de impor ou estimular a adoção de certos comportamentos por parte dos agentes econômicos, comportamentos esses que poderão gerar custos de transação. Perceba-se, portanto, que a diferença entre umas e outras está apenas no grau de liberdade do comportamento, mas, em todos os casos, os agentes econômicos têm o dever de seguir as prescrições do poder público.
Isso tem relevância no cenário econômico principalmente em razão da necessidade de observância das determinações constitucionais e infraconstitucionais que disciplinam a função social da propriedade e a função social da empresa, cujo descumprimento pode gerar desvantagens competitivas, previstas na própria legislação, em relação aos agentes econômicos que a cumprem fielmente.
É bem verdade que os encargos resultantes das penalidades aplicadas pelo poder público pelo descumprimento de suas normas podem ser mais facilmente visualizados como custos de transação, mas isso não significa dizer que apenas as normas providas de sanção têm o condão de gerar encargos para os agentes econômicos. Esses encargos (custos de transação) podem ser sentidos também sob a forma de sanções negativas, com explica Celso de Barros Correia Neto:
Por outro lado, ao que nos parece, atribuir à inexistência de sanção a qualidade de marca distintiva entre a intervenção por indução e a intervenção por direção não é de todo preciso. Em primeiro lugar, porque as técnicas legislativas que se compreendem entre as formas de indução são variadas e não dispensam a previsão de sanção jurídica. A diferença é que o elemento motivador, nesses casos, é a instituição do próprio dever, não a existência de sanção […]
Se, em vez de uma forma de agravamento, tomarmos como exemplo os incentivos fiscais ou qualquer outra ferramenta de “direito premial”, a conclusão não será diferente. Nesse caso, em lugar de ameaçar com uma sanção para que não se pratique o comportamento indesejado, o Estado oferece uma recompensa para a realização da conduta desejada. O prêmio pode vir na forma de concessão de uma vantagem ou na remoção de uma desvantagem, como se dá na hipótese de utilização de incentivos fiscais.
Em nenhum dos casos, elimina-se a existência de sanção, em sentido negativo. O que acontece é simplesmente a inversão de posições na relação jurídica.
Vê-se desse modo que, tanto os custos decorrentes da observância das normas regulatórias editadas pelo poder público, quanto os encargos resultantes das induções econômicas, constituem custos de transação, devendo ser levados em consideração pelos agentes econômicos nas transações que realizarem entre si, podendo ser mensurados por meio da econometria, critérios estatísticos, fórmulas matemáticas ou a partir de estudos econômicos que sejam capazes de quantificá-los.
Quanto aos incentivos fiscais, observa-se que a falta de acesso a eles pode configurar uma espécie de sanção negativa, integrando, assim, os custos de transação dos agentes econômicos que, embora obrigados, não se sentiram motivados a obedecer normas legais impositivas, porém carentes de sanção.
A regra, porém, é que os incentivos fiscais sejam utilizados para premiar os agentes econômicos que, no desenvolvimento de suas atividades, comportarem-se segundo as prescrições do poder público. Os incentivos fiscais interferem diretamente nos custos de transação do negócio na medida em que permitem melhor alocação dos recursos escassos, potencializados com a economia decorrente do aporte de vantagens propiciadas pelo poder público, geralmente por meio de isenções, imunidades, suspensão de impostos, redução de alíquotas, créditos de impostos, ressarcimento de tributos pagos, que poderão ser direcionados para incrementar o processo produtivo ou para o investimento em novas tecnologias capazes de promover a redução dos custos da produção.
Em linha de conclusão, de acordo com Paula Forgioni, não obstante o sistema jurídico deva atuar para reduzir dos custos de transação, facilitando as transações entre os agentes econômicos, a intervenção estatal gera custos que não podem ser desprezados pelos agentes públicos na elaboração e aplicação das normas jurídicas. Por essa razão, a intervenção estatal deve ser admitida apenas quando se fizer necessária para neutralização das falhas de mercado[41].
5) MEDIDAS ADOTADAS PELOS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO PARA COMBATER OS EFEITOS DA COVID-19 NO BRASIL E A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO STF NO CONTEXTO PANDÊMICO SOB A ÓTICA DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO
A rápida disseminação da covid-19, síndrome respiratória aguda causada pelo vírus SARS-CoV-2, identificada pela primeira vez em Wuhan, na província de Hubei, República Popular da China, em 1 de dezembro de 2019, que, em pouquíssimo tempo, provocou a internação e a morte de milhares de pessoas em vários países espalhados por todos os continentes, colocou o mundo em estado de alerta.
Com a mesma velocidade, as notícias da doença logo se espalharam por todo o mundo, chamando a atenção para o elevadíssimo número de internações e mortes e para sua falta de controle. Poucos meses após sua descoberta, a covid-19 foi caracterizada pela Organização Mundial de Saúde como pandemia, termo que, embora não diga respeito à sua gravidade, mas sim a sua distribuição geográfica, despertou grande medo na população mundial, impondo verdadeiro toque de recolher.
No Brasil e no mundo, a primeira medida tomada para controlar o avanço da doença foi o isolamento social. Poucas pessoas se atreviam a sair de casa para o trabalho e quando saiam eram incentivadas e, às vezes, forçadas a voltar para suas residências. Logo em seguida, o Poder Público, basicamente nas esferas estadual e federal, editou atos normativos impondo a suspensão de praticamente todas atividades econômicas e estatais, salvo aquelas consideradas inadiáveis ou indispensáveis à população.
Como forma de contornar os efeitos da crise, os setores público e privado adotaram algumas soluções para permitir a retomada de algumas atividades, como a implantação do teletrabalho e ensino à distância, a modificação dos ambientes internos e a instalação de equipamentos individuais e coletivos de proteção, tudo com o objetivo de eliminar ou reduzir substancialmente os riscos de contaminação.
Tais medidas, entretanto, como já era esperado, não permitiram o retorno a curto prazo de inúmeras atividades que dependem de ampla circulação de pessoas, como aquelas desenvolvidas em shopping centers, comércio local e feiras livres etc.
De modo geral, o comércio e a indústria sofreram enormes prejuízos em virtude da paralisação de suas atividades, provocando reflexos diretos na geração de emprego e renda e no recolhimento de tributos. Sem recursos suficientes para arcar com o pagamento de despesas, especialmente de pessoal, as pequenas, médias e grandes empresas começaram a promover demissões em massa, providência que aprofundaria mais ainda a crise econômica em virtude da expressiva diminuição da circulação de renda. Na tentativa de contornar o problema, o Governo Federal editou medidas provisórias e outros atos normativos permitindo a flexibilização de direitos trabalhistas durante a pandemia e o adiamento de obrigações, inclusive tributárias.
Na esfera trabalhista, o Governo Federal, para socorro às empresas, editou a Medida Provisória nº 927 autorizando, a alteração do regime para o teletrabalho, antecipação de férias individuais e concessão de férias coletivas, o aproveitamento e a antecipação de feriados, a instituição de banco de horas, a suspensão dos contratos de trabalho, entre outras.
No âmbito fiscal e tributário, o Governo Federal adotou uma série de medidas para minimizar o grave impacto econômico sobre as empresas, a exemplo da: i) Redução temporária a zero das alíquotas de importação bens de uso médico-hospitalar -Resolução Camex 17, 22, 28, 31, 32, 33 e 44: R$ 3,2 bilhões; ii) Redução temporária a zero das alíquotas de importação via postal ou aérea -Regime de Tributação Simplificada -Portaria ME 158, 194; R$ 1,3 bilhão; iii) Desoneração temporária de IPI para bens necessários ao combate ao Covid-19 -Decreto 10.285, 10.302: R$ 0,7 bilhão; iv) Redução temporária do IOF crédito -Decreto 10.305, 10.414: R$ 14,1 bilhões; v) Desoneração temporária de PIS/COFINS (sulfato de zinco para medicamentos) -Decreto 10.318: R$ 0,6 bilhão; vi) Suspensão de Pagamento de Dívidas Previdenciárias -Lei Complementar 173; Portaria RFB 1.072: R$ 0,8 bilhão; vii) Ampliação de recursos para a Saúde e Educação para aquisição de insumos médico-hospitalares -MPV 924: R$ 5,1 bilhões; viii) Realocações Covid-19: R$ 0,7 bilhão; ix) Transferência ao Fundo Nacional da Saúde -Comprar de EPI e Respiradores -MPV 947: R$ 2,6 bilhões; x) Crédito Ministério da Saúde para ampliar aquisição de testes da Covid-19 -MPV 967: R$ 3,6 bilhões; xi) Contratação de cerca de cinco mil profissionais de saúde por tempo determinado (MS) -MPV 970: R$ 0,3 bilhão; xii) Transferência Suplementar ao Fundo Nacional da Saúde -MPV 976: R$ 4,5 bilhões; xiii) Auxílio Financeiro às Santas Casas e Hospitais sem Fins Lucrativos (complementar SUS) -MPV 967; Lei 13.995: R$ 2,0 bilhões; xiv) Auxílio a Estados e Municípios -Transferência Saúde -Emendas Parlamentares; Lei 14.032: R$ 2,0 bilhões; xv) Auxílio a Estados e Municípios -Transferência ao Fundo Nacional da Saúde -MPV 940: R$ 9,0 bilhões; xvi) Transferências adicionais a Estados, Municípios e Distrito Federal para financiamento das ações de saúde -MPV 969: R$ 10,0 bilhões; xvii) Auxílio a Estados e Municípios -Compensação FPE e FPM -MPV 0, 939; Lei 14.041: R$ 16,0 bilhões; xviii) Auxílio Financeiro Emergencial Federativo (4 meses) -MPV 978; Lei Complementar 173; R$ 60,2 bilhões; xix) Suplementação à Proteção Social no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) -MPV 953: R$ 2,6 bilhões; xx) Ampliação do Programa Bolsa Família -MPV 929: R$ 3,0 bilhões; xxi) Auxílio Financeiro Emergencial (R$ 600,00 mensais por 5 meses) -MPV 937, 956, 970, 988; Lei 13.982 , MP 999, 1000: R$ 321,8 bilhões; xxii) Cidadania -Segurança Alimentar e Nutricional -MPV 957: R$ 0,5 bilhão; xxiii) Transferência para a Conta de Desenvolvimento Energético (Tarifa Social) -MPV 949: R$ 0,9 bilhão; xxiii) Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda -MPV 935; Lei 14.020: R$ 51,6 bilhões; xxiv) Programa Emergencial de Suporte a Empregos (Folha de Pagamentos -PESE Funding União) -MPV 943; Lei 14.043: R$ 17,0 (bilhões); xxv) Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) -MPV 972, 997; Lei 13.999, 10.042: R$ 27,9 bilhões; xxvi) Programa Emergencial de Acesso a Crédito (Fundo Garantidor para Investimentos -FGI) -BNDES -MPV 975, 977, Lei 14.042: R$ 20,0 bilhões; xxvii) Apoio Emergencial do Setor Cultural -MPV 990; Lei 14.017: R$ 3,0 bilhões; xxviii) Crédito Extraordinário Ministérios -MPV 921, 929, 940, 941, 942, 962, 965, 985, 989, 991, 994; Lei 14.033: R$ 5,2 bilhões; xxix) Suspensão das Parcelas de Empréstimos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) -Lei 13.998: R$ 0,8 bilhão; xxx) Expansão FGI; Lei 14.042: R$ 4,0 bilhão; xxxi) Programa Emergencial de Acesso a Crédito (PEAC) -Maquininhas; Lei 14.042: R$ 10,0 bilhões.
Outras medidas também foram adotadas pelo Governo Federal que, apesar de não representarem despesas ou renúncia fiscal imediata, impacta, de certa forma, a arrecadação federal. São elas: i) a prorrogação do prazo de entrega da Declaração do IRPF, de 30/04 a 30/06 (IN 1.930 de 01/04/2020); ii) a suspensão de atos de cobrança e facilidade de renegociação da dívida pela PGFN em decorrência da pandemia (Portaria ME 10 e Portarias PGFN 7.820 e 7.821); iii) a suspensão dos prazos pela RFB para práticas de atos processuais e procedimentos administrativos (Portaria RFB nº 543) e iv) a prorrogação das Certidões Negativas de Débitos relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União (CND) e das Certidões Positivas com Efeitos de Negativas de Débitos relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União (CPEND) pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB).
Apenas para assegurar uma renda mínima aos trabalhadores em situação de vulnerabilidade durante a pandemia de covid-19, o Governo Federal teve uma despesa a título de auxílio emergencial no montante de R$ 321,8 bilhões somente nos 5 (cinco) primeiros meses da pandemia[42].
Todas essas despesas e renúncias fiscais geraram um impacto no resultado primário de 2020 nas contas da União de R$ 605 bilhões, até setembro de 2020. Considerando uma variação anual do PIB de -4,70% para 2020, o Déficit Primário Estimado (Setor Público) chegará a R$ 891,1 bilhões, correspondente a 12,4% do PIB nacional.
Não obstante esteja sendo feita neste trabalho referência unicamente ao déficit primário da União, não há dúvidas de que estados e municípios vêm sofrendo sérias restrições financeiras resultantes da perda de arrecadação provocada pela pandemia de covid-19, na medida em que os fundos de participação dos estados e municípios são compostos basicamente pela repartição de receitas federais, e a arrecadação própria por meio dos principais tributos de sua competência (ICMS e ISS, respectivamente) ficou bastante prejudicada com a retração da indústria, do comércio e do setor de prestação de serviços.
É certo que a forte divergência entre o Governo Federal e os Governos Estaduais em relação à necessidade de imposição de medidas restritivas mais severas para evitar a proliferação da covid-19 no País teve grande influência tanto na elevação dos gastos públicos quanto na perda arrecadatória resultante da retração da economia. É provável que, se tivesse havido maior harmonia e cooperação entre o governo central e os governos estaduais e municipais, à pandemia de covid-19 não tivesse causado os grandes estragos que presenciamos na economia brasileira.
Basta ver que, desde o início da pandemia, pouco mudou no que diz respeito aos meios de prevenção da doença e apenas mais no final do primeiro semestre de 2021 a vacinação começou a avançar, e, apesar disso, já houve o retorno gradual da maior parte das atividades econômicas. Se tivesse havido um esforço coordenado de todos os segmentos do setor público, um estudo aprofundado dos meios de evitar a contaminação e a divulgação de informações seguras acerca das formas de contaminação e dos meios de controle da doença, possivelmente o retorno das atividades teria ocorrido em menor tempo, reduzindo, assim, o grande impacto negativo sobre as contas públicas e, acima de tudo, sobre o desenvolvimento nacional.
Com efeito, não há dúvidas de que o enorme déficit nas contas públicas provocado pela pandemia de covid-19 trará sérias consequências para o desenvolvimento nacional pelo menos a curto e médio prazo, e efeitos drásticos sobre as contas públicas a curto, médio e longo prazos. Com tais efeitos também foram sentidos, em maior ou menor grau, por grande parte dos países desenvolvidos, ainda não é possível prever com se desenhará o cenário mundial nos próximos anos, mas certamente estarão em melhor posição as economias que conseguirem se recuperar mais rapidamente, revertendo os efeitos da crise.
Sem sombra de dúvidas, a retração econômica provocada pela covid-19 exigirá dos agentes econômicos maior atenção e esforço para implementação de medidas necessárias à maximização da eficiência. Se por um lado a pandemia de covid-19 trouxe efeitos deletérios para a economia, por outro, podemos ver a adoção de um conjunto de medidas de socorro às empresas que podem perfeitamente ser vistas como externalidades positivas advindas da atuação do Poder Público.
No âmbito do poder legislativo, a Lei nº 14.010, de 10 de junho de 2020 estabeleceu regime jurídico emergencial no período da pandemia do coronavírus (covid-19), dispondo sobre prescrição e decadência, relações de consumo, contratos e diversos temas da maior relevância para a continuidade das relações de direito privado durante o isolamento social.
O Poder Judiciário, além de continuar funcionando, ao contrário do que se verificou em muitos países mais desenvolvidos, inclusive com incremento de eficiência graças ao teletrabalho e ao Processo Judicial Eletrônico-PJE, também decidiu causas da maior relevância para o enfrentamento da pandemia.
O Ministro Dias Toffoli, então Presidente do Supremo Tribunal Federal, divulgou que a Corte, durante os três primeiros meses após o início da pandemia, já recebera mais de 2.200 casos relacionado ao COVID-19 sendo, desse modo, o Tribunal de cúpula que mais decidiu ações atinentes ao tema no mundo (aproximadamente 700 decisões proferidas no primeiro trimestre, desde que iniciado o reconhecimento da pandemia pela Organização Mundial da Saúde).
O Supremo Tribunal Federal brasileiro, assim, tem se apresentado como um dos principais atores políticos na busca de soluções para a crise.
E mostra-se importante a observação de que o Supremo Tribunal Federal, em geral, tem enfrentado diretamente o mérito das questões relacionadas à pandemia que lhe estão sendo submetidas, sem que se utilize das chamadas “virtudes passivas” de que trata Alexander Beckel[43]. Essa estratégia de autocontenção, uma espécie de jurisprudência defensiva, é às vezes recomendável quando o Judiciário precisa se utilizar da sua maior virtude, a prudência, por ocasião da apreciação da validade de atos sensíveis de outros poderes, de modo a evitar que um conflito jurídico se transforme em conflito político-institucional. É uma forma de autocontenção do poder contramajoritário, resolvendo o problema concreto (ou adiando a sua resolução de modo a não intensificar crise institucional), contornando a regra ou o princípio constitucional, proferindo a sua decisão sem apreciar o mérito (ao acatar preliminares, especialmente a de ilegitimidade ativa ou de falta de pertinência temática, ao adiar a inclusão em pauta, ao pedir vistas e não trazer o feito à apreciação, etc.), utilizando-se de saídas formais para não enfrentar a questão constitucional que lhe é apresentada[44].
Em palestra por videoconferência proferida em 3 de junho de 2020 sob o tema “A atuação do STF na pandemia”, durante o Seminário Direito e Contemporaneidade, realizado pelo Programa de Pós-graduação em Direito da Faculdade Damas de Instrução Cristã-FADIC, de Recife-PE[45], o professor Breno Baía, doutor em Direito e professor de Direitos Fundamentais na Universidade da Amazônia (UNAMA), com diversos trabalhos científicos sobre a atuação judicial e política do Supremo Tribunal Federal brasileiro, elencou sistematicamente cinco campos temáticos que podem ser observados em relação à atuação da Corte Suprema brasileira durante os três primeiros meses da pandemia decorrente da proliferação em todo o mundo da doença conhecida por covid-19, causada pela infecção por nova mutação do coronavírus (Sars-CoV-2).
Esses eixos temáticos seriam relacionados às medidas do executivo sobre direito do trabalho[46]; à flexibilização de normativas tributárias e financeiras[47]; aos problemas relacionados ao cárcere[48]; à proteção de direitos fundamentais[49] e, por último, amalgamando dois temas, a separação de poderes e o federalismo[50].
Desde março de 2020, quando alastrada a pandemia no Brasil e intensificada a judicialização das ações relativas ao seu combate, o Supremo Tribunal Federal passou a dar uma interpretação bastante “generosa” ao artigo 23 da Constituição Federal, como nunca tivera feito em ocasiões anteriores.
Segundo Breno Baía, os ministros da Corte parecem dispostos a garantir aos Estados e Municípios amplos poderes para escolher medidas capazes de conter o avanço do vírus, não obstante as determinações da Lei n. 13.979/20 e de outros atos normativos federais. Haveria uma visível tentativa de limitar a competência do Chefe do Executivo Federal, embora às custas de uma certa flexibilizção na interpretação da Constituição Federal.
Com efeito, para facilitar o combate à pandemia, o Supremo Tribunal Federal, numa visão pragmática, voltada para as consequências realistas imprescindíveis ao momento excepcional, tem dado uma interpretação mais flexível às normas constitucionais. Por um lado, negou o pedido de suspensão do prazo de vigência das Medidas Provisórias, enquanto perdurar o “regime simplificado de deliberação”, no qual as reuniões das duas casas legislativas têm ocorrido de forma telepresencial, através de videoconferência, sob o fundamento de que a Corte não poderia suprimir a atividade de fiscalização pelo parlamento da atividade normativa do Poder Executivo. Por outro lado, aceitou que a deliberação sobre as Medidas Provisórias prescindam do prévio parecer da Comissão Mista, flexibilizando a exigência constitucional.
Nesses dois exemplos, constata-se que o Supremo Tribunal Federal respondeu “não” ao pleito formulado pelo Poder Executivo e “sim” à pretensão veiculada pelo Poder Legislativo.
Vale referência à decisão proferida na Ação Cível Originária nº 3364-DF, ajuizada pelo Distrito Federal em face da União, com o objetivo de compelir o Poder Executivo federal a adotar medidas de teletrabalho em relação aos servidores públicos federais e dos empregados da Administração Pública direta, indireta, autárquica, fundacional, empresas públicas e sociedades de economia mista da União, lotados no Distrito Federal, em que a Ministra Cármen Lúcia apontou, como um dos fundamentos para o indeferimento do pedido de liminar a falta de competência do governo distrital para impor regime de teletrabalho aos servidores e empregados públicos federais[51].
Acrescente-se que, na sessão do dia 15/4/2020, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, referendou a medida cautelar deferida pelo Ministro Marco Aurélio nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6341/DF, interpretando conforme à Constituição o § 9º do art. 3º da Lei nº 13.979, a fim de explicitar que, preservada a atribuição de cada esfera de governo, nos termos do inciso I do art. 198 da Constituição Federal, “o Presidente da República poderá dispor, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais”[52].
É verdade que, nessa decisão, o Supremo Tribunal Federal resguardou a competências dos governos estaduais, distrital e municipais ao afirmar que “as providências não afastam atos a serem praticados por Estado, o Distrito Federal e Município considerada a competência concorrente na forma do artigo 23, inciso II, da Lei Maior”. Esse entendimento, todavia, apenas se aplicaria às medidas de âmbito geral, não autorizando, sob pena de invasão das competências constitucionais asseguradas à União, Estados e Municípios a editarem atos que venham a interferir no funcionamento dos órgãos e entidades federais, conforme explicitado na decisão da Ministra Cármen Lúcia na já mencionada Ação Cível Originária nº 3364-DF.
Desde a eclosão da pandemia, algumas palavras-chave vêm sido utilizadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelas várias instâncias do Poder Judiciário para fundamentar as decisões que refogem ao que normalmente seria o esperado: “tempos excepcionais”, “regime de excepcionalidade”, etc.[53].
Há quem fale na utilização da justificativa de uma “discricionariedade constitucionalmente regulada” pelo Supremo Tribunal Federal. Tome-se, por exemplo, a decisão que permitiu, durante a pandemia, que as rescisões e alterações dos contratos de trabalho produzam efeitos independentemente da homologação pelos sindicatos respectivos, como exige a Constituição. Outro exemplo, já mencionado anteriormente, é a dispensa, durante a pandemia, do parecer da Comissão Mista quando da apreciação das Medidas Provisórias pelo Congresso Nacional, exigência expressa constante do parágrafo 9º do art. 62 da Constituição Federal.
Desse modo, vê-se claramente a adoção de critérios interpretativos pragmáticos (consequencialistas) que se distanciam um pouco do texto literal da Constituição Federal, em face dos tempos excepcionais, que exigem a garantia de um resultado útil e eficaz nas ações de combate à pandemia, pois no aparente choque entre diversas normas constitucionais (regras e princípios), ponderando-se os valores envolvidos, deve prevalecer a proteção da saúde e da vida humanas.
Para concluir, e sem que nesse aspecto constitua crítica à decisão monocrática tomada pelo Ministro Luis Roberto Barroso, certamente é digna de ampla reflexão sob as lentes da metodologia da Análise Econômica do Direito, a proibição de cumprimento de medidas administrativas ou judiciais que resultem em despejos, desocupações, remoções forçadas ou reintegrações de posse de natureza coletiva em imóveis que sirvam de moradia ou que representem área produtiva pelo trabalho individual ou familiar de populações vulneráveis, conforme determinado na ADPF 828 MC/DF.
A restrição não se encontra na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019 ou em qualquer outro diploma legal que tenha por objetivo disciplinar a atuação dos agentes econômicos ou impor restrições a direitos fundamentais durante o período de pandemia. Alega-se, portanto, violação ao direito de propriedade e às prerrogativas inerentes a ela inerentes,
Somente para se ter ideia da potencialidade expansiva das consequências da decisão em relação ao direito de propriedade, somente na cidade do Recife, na semana em que proferida, foram distribuídos ao Tribunal Regional Dederal da 5ª Região pelo menos 3 recursos decorrentes de ações relacionadas à invasão de prédios do INSS na capital pernambucana[54].
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da corrente filosófica do pragmatismo desenvolveu-se, no âmbito da dogmática do direito, o realismo jurídico, que tem como principais características o consequencialismo, que se manifesta por meio do conhecimento tácito resultante da prática jurídica, e o contextualismo, que leva em conta as experiências anteriores e os resultados desejados para identificar o verdadeiro alcance da norma jurídica, propiciando a tomada de decisão.
É sob a influência do pragmatismo que juristas de todos os lugares do mundo vem despertando o interesse pela interdisciplinaridade, ou seja, pela inter-relação entre a ciência jurídica e os mais variados saberes da humanidade, levando o estudioso do direito a enxergar o mundo de forma mais realista.
Essa inter-relação entre o direito e outros campos do saber vem dando ensejo ao surgimento de outras novas áreas de conhecimento como a Análise Econômica do Direito, além de ser objeto de estudo também por outras ciências, como a sociologia, especialmente na Teoria dos Sistemas de Luhmann.
Porém, enquanto a Análise Econômica do Direito considera a consequências econômicas do direito, procurando identificar o seu objeto de estudo tomando por base sua funcionalidade e considerando a teoria da escolha racional, a Teoria dos Sistemas de Luhmann enxerga direito e economia como sistemas comunicacionais. As duas teorias se fundamentam na interdisciplinaridade, mas a Análise Econômica do Direito, com uma abordagem mais pragmática, se dedica as estudo da forma como os sujeitos econômicos interagem entre si e com o meio para gerar riqueza, enquanto a Teoria dos Sistemas de Luhmann, à luz do enfoque abstrato da sociologia, examina a forma como os próprios sistemas interagem para desenvolver suas estruturas.
É nesse contexto mais pragmático que a Análise Econômica do Direito dedica atenção especial à maximização da eficiência, ao controle de externalidades e a influência da neutralidade regulatória na correção das falhas de mercado. Enquanto a maximização da eficiência se configura pela escolha racional dos meios disponíveis para se alcançar os melhores resultados, o controle de externalidades representa a adoção das medidas necessárias e suficientes para assegurar que os ganhos sociais advindos da atividade econômica não sejam anulados, ainda que em parte, pelos prejuízos que serão suportados por terceiros e, regressivamente, pelo agente econômico. A neutralidade regulatória, por sua vez, apregoa que, na ausência de falhas de mercado, a melhor alocação de recursos deverá ser promovida pelo próprio mercado.
Para realizar sua missão, a Análise Econômica do Direito lança mão de algumas teorias para identificar que mudanças precisam ser realizadas no sistema jurídico para que os agentes econômicos possam alcançar maior eficiência. Entre elas, destaca-se a Teoria dos Jogos, cuja função primordial é prever o comportamento dos agentes econômicos em face das mudanças legislativas, embora não seja essa sua única função, na medida em que, ao fornecer informações sobre o comportamento dos demais “jogadores”, permitirá que haja um equilíbrio entre eles, conduzindo a maior geração de riqueza.
Nesse cenário, o direito é visto muitas vezes como sendo custo de transação, tendo em vista que as normas jurídicas e os contratos celebrados com base nelas geram ou podem gerar custos para a transmissão ou manutenção da propriedade. Como ensina Douglass North, alguns desses custos tem relação direta com o funcionamento das instituições, especialmente do Poder Judiciário. Por essa razão, a segurança jurídica é tão importante para reduzir a externalidades, haja vista que a falta de previsibilidade geralmente provoca um aumento nos custos de transação.
Recentemente, em razão da rápida disseminação da covid-19 pelo mundo, foram editadas várias normas jurídicas como forma de evitar a proliferação da doença em território nacional, entre as quais se destacam o fechamento das fronteiras, a proibição de aglomeração de pessoas, fechamento das indústrias e estabelecimentos comerciais, flexibilização das relações de trabalho e direitos trabalhistas, restrição à ampla circulação em praias e vias públicas, etc. Além de tais normas terem provocado forte queda na produção e no comércio, impactando significativamente a geração de riqueza, houve ainda alguns conflitos de posicionamento entre os governos federal, estaduais e municipais.
No entanto, apesar dessas disputas entre governo federal e os governos estaduais, a intervenção estatal, através dos três poderes, evitou o aprofundamento da crise, mostrando-se extremamente necessária para impedir que a crise econômica alcançasse patamares insuportáveis.
Sem elas, certamente as empresas e os trabalhadores se veriam neste momento em situação muito mais crítica e provavelmente a economia nacional teria muito menos condições de recuperação em menor espaço de tempo, o que de certa forma, caso se confirme, permitirá também em menor tempo, a retomada da arrecadação.
Diante de todas as dificuldades ocasionadas pelas covid-19 no cenário político, merece ainda destaque a atuação do Supremo Tribunal Federal, cujas decisões serviram de norte para a pacificação das disputas em busca da realização do interesse comum.
Tudo isso releva a importância cada vez maior da interdisciplinaridade para a evolução do conhecimento e para promover as melhorias que a sociedade precisa para alcançar seu pleno desenvolvimento. No campo das das interações entre direito e economia, não há dúvidas de que o estudo do pragmatismo, da Análise Econômica do Direito, da Teoria dos Sistemas de Luhmann, a da Teoria dos Jogos, como elementos indissociáveis de um contexto maior que envolve a economia, o direito e a sociedade, poderá trazer a melhor compreensão dos fenômenos jurídicos e econômicos que circundam as decisões políticas que repercutirão sobre toda a sociedade.
REFERÊNCIAS:
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[1] Professor Adjunto de Direito Civil na Universidade Federal da Paraíba- UFPB. Mestre em Direito pela Faculdade Damas da Instrução Cristã-FADIC. Especialista em Direito Processual Civil pela UNB. Doutorando em Direito pela Universidade de Marília-UNIMAR. Desembargador Federal no Tribunal Regional Federal da 5a Região. E-mail: meneses.rf@gmail.com. https://orcid.org/0000-0003-3606-5909.
[2] EISENBERG, José. Pragmatismo Jurídico. Verbete in BARRETO, Vicente de Paulo. Dicionário de Filosofia. São Leopoldo. Editora Unissinos, 2006, p. 656.
[3] – Na realidade, aponta-se que o realismo teria surgido na Escandinávia e representaria, nos países de tradição anglo-saxã, uma reação contra o juspositismo. Nos Estados Unidos, onde se desenvolveu com mais profundidade, representaria uma reação ao “doutrinalismo” de Langdell (de certo modo assemelhada ao positivismo). Segundo Ivo Gico Jr., o realismo norte-americano procura aproximar o direito da realidade social e afastá-lo do formalismo estéril, tendo por características a) o direito é indeterminado, no sentido de não fornecer uma única resposta; b)as decisões judiciais não são mera aplicação mecânica da lei e que o resultado é influenciado pela identidade, ideologia e política daqueles que o administram (juízes); e c)o jurista deveria empregar uma abordagem mais pragmática perante o direito, fundada no conhecimento de outras ciências para promover de forma balanceada os interesses sociais (instrumentalismo)- GICO JR., Ivo. Introdução ao Direito e Economia. In Direito e Economia no Brasil: estudos sobre a análise econômica do direito. TIMM, Luciano Benetti (Org.). Indaiatuba,SP: Editora Foco, 2019, p. 18.
[4] Oliver Wendell Holmes Júnior contava 20 anos de idade e estudava em Harvard quando, em 1861, alistou-se como voluntário para lutar pela União na Guerra Civil Americana, onde foi ferido. Cessado o conflito fraticida, dedicou-se ao magistério até ser nomeado juiz da Suprema Corte do Massachusetts e, finalmente, da Suprema Corte Americana, onde ficou conhecido como “dissender justice”, pela quantidade de vezes em que ficava vencido nos julgamentos, embora proferindo cultos e profundos votos divergentes.
[5] Além de Holmes, são grandes expoentes do realismo jurídico Roscoe Pound e Benjamin Cardoso. Na atualidade, destacam-se no pragmatismo jurídico Thomas Grey, Frederic Rogers Kellogg e Richard Posner. Frederic Kellogg (@frederickellogg / www.frederickellogg.com), professor de Harvard e um dos maiores pragmatistas vivos, exerce na prática o diálogo entre as experiências jurídica e artística, pois é também talentoso pintor, estando parte de sua produção artística reunida em livro de arte: KELLOGG, Frederic Rogers. Works in Oil and Watercolor. Washington, D.C.: American University at the Katzen Arts Center, 2017.
[6] EISENBERG, José. Pragmatismo Jurídico. Verbete in BARRETO, Vicente de Paulo. Dicionário de Filosofia. São Leopoldo. Editora Unissinos, 2006, p. 656.
[7] Conforme José Einsenberg, op. loc. cit.
[8] EISENBERG, José. Pragmatismo Jurídico. Verbete in BARRETO, Vicente de Paulo. Dicionário de Filosofia. São Leopoldo. Editora Unissinos, 2006, p. 657.
[9] In Pragmatismo, teoria do conhecimento e filosofia do direito: artigos coligidos de Frederic Kellogg. Organizadores: George Browne Rego e Pedro Spíndola Bezerra Alves. Recife: Ed. UFPE, 2019, p. 46.
[10] Pragmatismo, teoria do conhecimento e filosofia do direito: artigos coligidos de Frederic Kellogg. Organizadores: George Browne Rego e Pedro Spíndola Bezerra Alves. Recife: Ed. UFPE, 2019, p. 46.
[11] JAMES, William. Pragmatismo e outros ensaios (Trad. Jorge Caetano da Silva). Rio de Janeiro: Editora Lidador, 1967, p. 209. Nessa obra, fruto de um conjunto de palestras proferidas em 1906, em Boston, e em 1907, na Universidade de Columbia, Nova Iorque, James afirma, ainda, que “A experiência é um processo que continuamente dá-nos novo material para ser assimilado” (p. 203).
[12] POSNER, Richard. A economia da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 14.
[13] PICARD, Edmond. O direito puro (Trad. Celso Furtado Rezende). Campina: Romana, 2004, p. 282. Na abertura da obra, Picard adverte: “O Povo deve ser governado não para servir de corpo de experimentação às lucubrações pessoais dos legisladores, mas para orientar, executar as suas próprias indicações, para realizar o Ideal que ele segrega. O legislador deve ser um registrador hábil das necessidades populares, um confessor da alma geral, dizendo melhor e com mais clareza o que esta balbucia confusamente” (op. cit., p. 5).
[14] SILVA, Arthur Stamford da. 10 Lições sobre Luhmann. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016.
[15] LUHMANN, Niklas. Introdução à Teoria dos Sistemas (Trad. Ana Cristina Arantes Nasser). 3 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011, p. 130.
[16] LUHMANN, Niklas. O direito da sociedade (Trad. Saulo Krieger). São Paulo: Martins Fontes, 2016, p. 270-271
[17] RODRIGUES, Léo Peixoto; NEVES, Fabrício Monteiro. A Sociologia de Niklas Luhmann. Rio de Janeiro, 2017 (edição eletrônica).
[18] SILVA, Arthur Stamford da. 10 Lições sobre Luhmann. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016, p. 32.
[19] Ibid, p. 93-94
[20] SILVA, Arthur Stamford da. 10 Lições sobre Luhmann. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016, p. 49, 72, 102, 107, 109 e 113.
[21] GICO JR., Ivo. Introdução ao Direito e Economia. In Direito e Economia no Brasil: estudos sobre a análise econômica do direito. TIMM, Luciano Benetti (Org.). Indaiatuba,SP: Editora Foco, 2019, p. 12.
[22] Ibid, p. 13.
[23] GICO JR., Ivo. Palestra telepresencial (live) sobre “Law and economics e processo civil”, proferida no PPGD-Unimar. 27 de abril de 2021, 18:00 horas, Marília-SP. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qIDt_rr3aVY. Acesso em: 3 mai. 2021.)
[24] GICO JR., Ivo. Introdução ao Direito e Economia. In Direito e Economia no Brasil: estudos sobre a análise econômica do direito. TIMM, Luciano Benetti (Org.). Indaiatuba,SP: Editora Foco, 2019, p. 23.
[25] Ibid, p. 25. Para aquele autor, os juseconomistas tentam responder a 2 perguntas básicas: 1º) quais as consequências de um dado arcabouço jurídico (de uma regra)? (AED positiva: o que é).; 2º) que regra jurídica deveria ser adotada? (AED normativa: o que deve ser)- Gico Jr, op. cit., p. 26.
[26] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADC 49/RN. Relator: Ministro EDSON FACHIN. Brasília. 19/04/2021, DJe 04/05/2021. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur445564/false. Acesso em: 29 jul. 2021.
[27] COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law and Economics. 6.ed. Berkeley Law Books. Book 2. Disponível em: https://scholarship.law.berkeley.edu/books/2. Acesso em: 23 jul. 2021. Tradução livre: “Uma concepção de racionalidade sustenta que um ator racional pode classificar alternativas de acordo com a extensão em que elas lhe dão o que ela deseja. Na prática, as alternativas disponíveis para o ator são restritas. Por exemplo, um consumidor racional pode classificar pacotes alternativos de bens de consumo, e o orçamento do consumidor restringe sua escolha entre eles. Um consumidor racional deve escolher a melhor alternativa que as restrições permitem. Outra maneira comum de entender essa concepção de comportamento racional é reconhecer que os consumidores escolhem alternativas adequadas para atingir seus fins. A escolha da melhor alternativa permitida pelas restrições pode ser descrita matematicamente como maximização. Para ver por que, considere que os números reais podem ser classificados de pequeno a grande, da mesma forma que o consumidor racional classifica as alternativas de acordo com a extensão em que elas dão a ela o que ela deseja. Consequentemente, alternativas melhores podem ser associadas a números maiores. Os economistas chamam essa associação de “função de utilidade”, sobre a qual falaremos mais nas próximas seções. Além disso, a restrição na escolha geralmente pode ser expressa matematicamente como uma “restrição de viabilidade”. Escolher a melhor alternativa que as restrições permitem corresponde à maximização da função utilidade sujeita à restrição de viabilidade. Portanto, diz-se que o consumidor que vai às compras maximiza a utilidade, sujeito à restrição orçamentária”.
[28]FORGIONI, Paula Andrea. Análise Econômica do Direito: Paranóia ou Mistificação? Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. São Paulo, nº 77, maio/junho 2006. Disponível em: https://www.trf3.jus.br/lpbin22/lpext.dll/FolRevistas/Revista/revs.nfo.2d0.0.0.0/revs.nfo.2d1.0.0.0/revs.nfo.2d4.0.0.0?fn=document-frame-nosync.htm&f=templates&2.0. Acesso em: 16 ago. 2021.
[29] COASE, Ronald, apud ZYLBERSZTAJN, Décio, STAJN, Raquel, Mueller, Bernardo. Economia dos Direito de Propriedade, in Direito e economia: análise econômica do direito e das organizações. ZYLBERSZTAJN, Décio, STAJN, Raquel (Org.). Rio de Janeiro: Campus jurídico, 2005, p. 85.
[30] WILLIAMSON, Oliver. Por que Direito, Economia e Organizações?. In Direito e economia: análise econômica do direito e das organizações. ZYLBERSZTAJN, Décio, STAJN, Raquel (Org.). Rio de Janeiro: Campus jurídico, 2005, p. 22.
[31] Ibidem.
[32] ZYLBERSZTAJN, Décio, STAJN, Raquel. Análise Econômica do Direito e das Organizações. In Direito e economia: análise econômica do direito e das organizações. ZYLBERSZTAJN, Décio, STAJN, Raquel (Org.). Rio de Janeiro: Campus jurídico, 2005, p. 9.
[33] Ibid, p. 13-14.
[34] NORTH, D. C. Institutions, Institutional Change and Economic Performance. New York, NY, EUA: Cambridge University Press, 1990, apud LIRA, Claudio; MACHADO, Filipe Molinar; ORTIZ, Luis Cláudio Villani. Os Institutos Jurídicos e os Custos de Transação: Uma Abordagem da Análise Econômica do Direito, in Direito em Debate – Revista do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijaí, p. 27-45. Disponível em: https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/revistadireitoemdebate/article/view/1373/2475. Acesso em: 30 jul. 2021.
[35] CAVALCANTI, Antonio Cesar Lins; AZEVEDO, Luiz Carlos dos Santos; PINHEIRO, Márcia Maria Alves. O Impacto dos Custos de Transação Sobre As Terceirizações Governamentais – Enfoque
Teórico. Disponível em: https://anaiscbc.emnuvens.com.br/anais/article/viewFile/2723/272 Acesso em: 12 jul. 2021.
[36] A Lei Anticorrupção brasileira, seguindo as diretrizes previstas em tratados internacionais e a exemplo das disposições da Foreign Corrupt Practices Act-FCPA norte-americana, de 1997, adotada o princípio da extraterritorialidade, punindo, no Brasil, fatos ilícitos cometidos no exterior: “§ 1º Considera-se administração pública estrangeira os órgãos e entidades estatais ou representações diplomáticas de país estrangeiro, de qualquer nível ou esfera de governo, bem como as pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro. § 2º Para os efeitos desta Lei, equiparam-se à administração pública estrangeira as organizações públicas internacionais. § 3º Considera-se agente público estrangeiro, para os fins desta Lei, quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo, emprego ou função pública em órgãos, entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro, assim como em pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais”.
[37] FERREIRA, Jussara Suzi Borges Nasser. ROSA, André Luís Cateli. Compliance: contribuição ao desenvolvimento social por meio da Foreign Corrupt Practices Act. In Revista de Direito Empresarial: RDEmp.– ano 15, n. 2, (maio/ago. 2018). Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 22.
[38] GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 133.
[39] Ibid., p. 134.
[40] SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras Linhas de Direito Econômico, 4ª ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 342.
[41] FORGIONI, Paula Andrea. Análise Econômica do Direito: Paranóia ou Mistificação? Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. São Paulo, nº 77, maio/junho 2006. Disponível em: https://www.trf3.jus.br/lpbin22/lpext.dll/FolRevistas/Revista/revs.nfo.2d0.0.0.0/revs.nfo.2d1.0.0.0/revs.nfo.2d4.0.0.0?fn=document-frame-nosync.htm&f=templates&2.0. Acesso em: 16 ago. 2021.
[42] Apresentação Análise do Impacto Fiscal das Medidas de Enfrentamento ao Covid-19 (04/09/2020). Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/apresentacoes/2020/setembro/impacto-fiscal-covid-04-09-2020.pdf/view. Acesso em: 16 ago. 2021.
[43] BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. Indianapolis: Bobbs-Merrill, 1962.
[44] “Noutro cenário, Bickel explora e traz à luz o uso das chamadas virtudes passivas, técnicas de adjudicação que permitem ao tribunal, no emprego da sua prudência, agir estrategicamente na perseguição das suas responsabilidades”. “As virtudes passivas são argumentos jurídicos – geralmente de cunho processual – que facultam à corte eximir-se da apreciação de um caso que lhe fora submetido. Assim, pode afirmar a sua incompetência para decidir, a ausência de legitimidade ativa do requerente, a “falta de maturação” da causa, lançar mão da doutrina das “questões políticas”, dentre outros argumentos típicos do sistema judicial norte-americano, ainda que assemelhados às construções processuais de outros ordenamentos.
Para ele, essas técnicas constituem instrumentos à disposição dos juízes, deixando às instituições eleitorais a condução da política, ao excluírem-se desta. Ao utilizar este expediente, o tribunal agiria como um“animal político”.
A vantagem inicial do emprego destas técnicas parece assentada: evitar que a corte posicione-se definitivamente, em prejuízo da sua função de guardiã dos princípios, ou confronte a opinião pública e os poderes majoritários. Ao deixar a questão em aberto, mantém-se fiel aos seus compromissos. (…).
Destacam-se, entre os requisitos para análise de um tema pela Suprema Corte, elementos como “cases and controversies” (delimitação da temática de ordem constitucional), “standing to sue” (a prova do interesse da parte na solução do conflito), “precedent” ou “stare decisis” (a vinculação às decisões anteriormente proferidas), “comity” (esgotamento das instâncias prévias) e as já debatidas “political questions” (deve-se demonstrar que se trata de um debate eminentemente jurídico).
Embora Bickel não seja expresso nesse sentido, Lima entende que o princípio democrático também prevalece quando a corte opta por utilizar as “virtudes passivas”, pois a não apreciação da demanda mantém o ato questionado no ordenamento: (…).
Tal questão também não envolveria sabedoria acadêmica, mas habilidade na arte do “compromisso” e uma “familiaridade com as formas”, ou, como prefere o próprio autor, o exercício da arte da prudência, distinto do juízo de princípio.
Ao não julgar, é possível que a corte explore o “maravilhoso mistério do tempo”, em suas diversas implicações. Por vezes, na oportunidade posterior de julgamento, pode-se concluir que chegou o momento de abordar diretamente a questão, mesmo que fundamentada em princípio contrário à expectativa popular. Para mitigar o impacto da decisão contrária às maiorias, Bickel sugere o uso de “instrumentos retóricos”. (LIMA, Flávia Danielle Santiago; GOMES NETO, José Mário Wanderley. Autocontenção à brasileira? Uma taxonomia dos argumentos jurídicos (e estratégias políticas?) explicativo(a)s do comportamento do STF nas relações com os poderes majoritários. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 5, n. 1, p. 221-247, jan./abr. 2018, p.233-234).
[45] BAIA. Breno. Palestra por videoconferência em 3 de junho de 2020. “A atuação do STF na pandemia”, durante o Seminário Direito e Contemporaneidade. Programa de Pós-graduação em Direito da Faculdade Damas de Instrução Cristã-FADIC, de Recife-PE. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=bF4Ry74ocag Acesso em: 29 jul. 2021.
[46] Supremo Tribunal Federal: ADI 6342, 6344, 6346, 6348, 6349, 6352, 6354 e 6363.
[47] Supremo Tribunal Federal , precedentes: ADPF 568, ACO 3365, ADI 6357 e Pel 8743.
[48] Supremo Tribunal Federal: ADPF 347, 684 e Rcl. 39.756.
[49] Precedentes do Supremo Tribunal Federal: ADI 6351, ADPF 669 e ACO 3359.
[50] Precedentes do Supremo Tribunal Federal: ADI 6341, 6343, 6351, ADPF 661, ADI 6421, 6422, 6424, 6425, 6427, 6428, 6431 e ADPF 672.
[51] “(…) 3. A situação fática e jurídica exposta na inicial desta ação é singular. Tem-se o ente federado distrital a atuar proativamente para retardar o avanço da propagação do vírus causador da doença Covid-19 e minimizar os inevitáveis impactos sociais e de saúde pública que repercutirão em função dessas medidas e, de outro lado, a União, que, na providência adotada judicialmente, afirma-se estar a retardar a adoção de medidas mais severas no mesmo sentido, embora tenham elas sido acolhidas por muitos Países no combate a esta terrível doença que assola a humanidade. […] A adoção das providências estatais deve-se dar por ações coordenadas e planejadas pelos entes e órgãos estatais, fundadas em informações e dados científicos comprovados e postos à disposição dos agentes públicos competentes, o que não será possível ser implementado se as instâncias administrativas, ao invés de se harmonizarem, buscarem competir quanto às medidas a serem levadas a efeito.[…] A organização política-administrativa da federação brasileira e a racionalidade do sistema de distribuição de competência disciplinado na Constituição da República determina dotar-se cada qual dos entes federados de autonomia (art. 18 da Constituição do Brasil) para cuidar do regime de trabalho de seus servidores, cada um atuando nos limites de sua jurisdição.[…] 6. É expresso e taxativo o art. 39 da Constituição da República ao estabelecer que “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas”. O inc. XVIII do art. 21 da Constituição da República atribui à União a competência e, por isso mesmo o dever-poder de “planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas”, como a que assola a população brasileira nesse momento de crise. Frustrar ou embaraçar essa competência pode trazer prejuízo ainda maior à sociedade, desarticulando ações de combate à enfermidade e desestabilizado a confiança que a população precisa ter no direito vigente, a ser interpretado e aplicado considerando-se o quadro crítico experimentado. Os administradores públicos têm de atuar no exercício de suas atribuições públicas específicas sem se valer e instrumentos ilegítimos ou desviados da finalidade de realização do interesse público, menos ainda fazer gestos nitidamente incompatíveis com o sistema jurídico. Note-se que, pela Portaria do Ministro de Estado da Justiça n. 125, de 2020, juntada à inicial, são estabelecidas medidas para o exercício das atividades dos servidores daquele órgão, dentre as quais o trabalho remoto. Tanto demonstra que o Poder Executivo federal está implementando a medida reclamada nesta ação, de acordo com as características de suas atividades e nos limites dos recursos físicos e tecnológicos disponíveis. Esse exemplo reforça a carência de razoabilidade da pretendida imposição de aplicação imediata e indistinta das regras estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça e das traçadas no Decreto distrital n. 40.546 a servidores de outro ente e órgão federado, objetivo que, ainda que pudesse ser atendido pela via aproveitada – e não pode -, conduziria a influenciar o planejamento e a adoção das medidas de contenção e enfrentamento da doença pelo Governo Federal” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Cível Originária 3364/DF, Relatora Min. Cármen Lúcia. Brasília, 23-3-2020. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28%283364%2ENUME%2E+OU+3364%2EDMS%2E%29%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/wjqd3fz. Acesso em: 8 jul. 2021).
[52] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Ação Direta de Inconstitucionalidade 6341/DF, Relator Min. Marco Aurélio. Brasília, 15-4-2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5880765. Acesso em: 8 jul. 2021.
[53] Breno Baía, na palestra mencionada, aludiu a várias regras constitucionais que estariam sendo flexibilizadas pelo Supremo Tribunal Federal em suas decisões, como, por exemplo, a que dispensou durante as restrições decorrentes do COVID-19 o parecer prévio da Comissão Mista de Deputados e Senadores antes da votação das Medidas Provisórias pelas duas Casas do Congresso Nacional, em sessões separadas, como exige o parágrafo 9º do art. 62 da Constituição. Mencionou, ainda, a decisão do Ministro Alexandre Moraes que proibiu o Presidente da República, de antemão e completamente em tese, de editar futuras medidas tendentes a relaxar o isolamento social.
[54] Agravos de Instrumento nº 0807081-53.2021.4.05.0000, 0806461-41.2021.4.05.0000 e 0806411-15.2021.4.05.0000, todos tendo por agravante a Defensoria Pública da União, em assistência ao Movimento Luta Por Moradia Digna (LPMD) e/ou ao Movimento de Luta e Resistência pelo Teto (MLRT) e por agravado o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.