PODER DE POLÍCIA: UMA ANÁLISE DAS FRONTEIRAS ENTRE A AUTORIDADE E O ABUSO DE AUTORIDADE
1 de dezembro de 2023EXCESSES OF ADMINISTRATIVE POLICE POWER: AN ANALYSIS OF THE BORDERS BETWEEN AUTHORITY AND ABUSE
Artigo submetido em 10 de novembro de 2023
Artigo aprovado em 17 de novembro de 2023
Artigo publicado em 1 de dezembro de 2023
Cognitio Juris Volume 13 – Número 51 – Dezembro de 2023 ISSN 2236-3009 |
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RESUMO: Este artigo busca investigar os contornos e implicações dos excessos do poder de polícia no contexto da administração pública. Através de uma revisão bibliográfica meticulosa, foram examinadas diversas literaturas que versam sobre o poder de polícia, sua natureza, objetivos e os limites éticos e legais que circundam sua prática. O referencial teórico-metodológico assenta-se na análise de obras clássicas e contemporâneas no campo do direito administrativo e da ciência política, proporcionando um panorama histórico e atual das discussões relacionadas ao tema. Foram identificadas diversas situações em que a ação policial ultrapassa os limites estabelecidos por lei, avançando para o campo da excessividade e abuso de poder. Os resultados apontam para uma necessidade premente de maior transparência, capacitação e sistemas de controle mais eficazes que possam garantir que o poder de polícia seja exercido de maneira justa e equilibrada, evitando assim transgressões que possam afetar os direitos fundamentais dos cidadãos. Adicionalmente, evidencia-se a relevância de se promover um debate ampliado na sociedade, buscando construir uma visão mais crítica e construtiva sobre a atuação policial na administração pública.
Palavras-chave: Poder de Polícia; Administração Pública; Abuso de Autoridade.
ABSTRACT: This article seeks to investigate the contours and implications of excesses of police power in the context of public administration. Through a meticulous bibliographical review, various literatures were examined that deal with police power, its nature, objectives and the ethical and legal limits that surround its practice. The theoretical-methodological framework is based on the analysis of classic and contemporary works in the field of administrative law and political science, providing a historical and current overview of discussions related to the topic. Several situations were identified in which police action exceeds the limits established by law, advancing into the field of excessiveness and abuse of power. The results point to a pressing need for greater transparency, training and more effective control systems that can ensure that police power is exercised in a fair and balanced manner, thus avoiding transgressions that could affect the fundamental rights of citizens. Additionally, the relevance of promoting an expanded debate in society is highlighted, seeking to build a more critical and constructive view of police action in public administration.
Keywords: Police Power; Public administration; Abuse of authority.
INTRODUÇÃO
O poder de polícia na administração pública é uma prerrogativa estatal fundamental, cuja finalidade é assegurar a ordem, o bem-estar da coletividade e o cumprimento das leis. Contudo, sua amplitude e necessária discricionariedade podem, em determinados contextos, dar margem a práticas excessivas e ações que ultrapassam os limites do razoável, ingressando na esfera do abuso de autoridade. É essencial, portanto, estabelecer um diálogo sobre as fronteiras que separam a autoridade legítima do abuso de poder.
Em um contexto democrático, espera-se que os agentes públicos, incluindo aqueles investidos de poder de polícia, atuem de acordo com os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. No entanto, ao longo do tempo, diversos episódios, tanto no cenário nacional quanto internacional, revelam situações em que tais princípios foram transgredidos. Estas transgressões não só maculam a imagem da instituição policial como também instauram um clima de desconfiança e tensão entre a população e os órgãos de segurança pública. Por outro lado, é fundamental considerar os desafios enfrentados diariamente pelos profissionais responsáveis pela manutenção da ordem e segurança pública. Frequentemente submetidos a situações de alto risco e tensão, tais agentes têm o desafio de tomar decisões rápidas em contextos adversos, o que pode, em determinadas situações, levar a interpretações equivocadas e ações excessivas. Contudo, a busca pelo equilíbrio e pela justa medida nas ações policiais é imperativa para a construção de uma sociedade mais justa e equânime.
Portanto, ao abordar a temática dos excessos do poder de polícia na administração pública, este artigo propõe não apenas uma reflexão crítica sobre as ações que ultrapassam os limites da legalidade, mas também uma análise construtiva sobre os mecanismos que podem ser implementados para garantir a eficácia da ação policial, ao mesmo tempo em que se protegem os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos. Nesse cenário, o problema de pesquisa do presente trabalho é: em que medida os excessos do poder de polícia na administração pública refletem a transgressão das fronteiras entre a autoridade legítima e o abuso de poder, e quais são os principais fatores contribuintes para tais excessividades?
O objetivo geral de pesquisa é analisar os limites e características do exercício do poder de polícia na Administração Pública, distinguindo as ações legítimas de autoridade das manifestações de abuso de poder, a fim de proporcionar uma compreensão clara sobre os contornos que definem a atuação adequada e excessiva das autoridades no contexto administrativo.
O poder de polícia, enquanto instrumento de garantia da ordem pública e de observância das leis, desempenha um papel crucial na manutenção da estabilidade social e na proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos. No entanto, a linha tênue entre o exercício legítimo desse poder e o abuso de autoridade tem sido frequentemente questionada e debatida em diversos contextos sociais. Diversos episódios, tanto em cenários nacionais quanto internacionais, trouxeram à tona preocupações significativas sobre excessos policiais, impactando diretamente na confiança da população nas instituições de segurança e, por extensão, na própria estrutura democrática.
A análise crítica dos excessos do poder de polícia na administração pública é vital não apenas para salvaguardar os direitos e liberdades dos cidadãos, mas também para assegurar a legitimidade e eficácia da atuação policial. Sem um entendimento aprofundado desses excessos e suas causas subjacentes, corre-se o risco de perpetuar práticas que minam a relação entre a população e os órgãos de segurança, fragilizando o tecido social e erodindo os pilares do Estado de Direito.
Além disso, a literatura atual ainda apresenta lacunas no que tange à compreensão abrangente dos mecanismos e fatores que conduzem ao abuso de poder. Assim, esta pesquisa justifica-se pela urgente necessidade de compilar, analisar e discutir os conhecimentos existentes sobre o tema, proporcionando um panorama atualizado e uma base sólida para futuras intervenções, reformas e capacitações focadas na promoção de uma atuação policial justa, transparente e alinhada com os preceitos democráticos.
A pesquisa realizada adotou uma abordagem qualitativa, centrada em uma pesquisa bibliográfica. Inicialmente, procedeu-se à identificação, seleção e revisão de fontes primárias e secundárias relevantes ao tema. Foram consideradas obras clássicas do direito administrativo e da ciência política, artigos científicos publicados em periódicos renomados, teses e dissertações acadêmicas, além de relatórios e documentos oficiais que abordam a atuação policial e seus limites. As bases de dados consultadas incluíram plataformas acadêmicas como Scielo e o Portal de Teses e Dissertações da CAPES. Utilizou-se uma combinação de palavras-chave, incluindo “poder de polícia”, “administração pública”, “abuso de autoridade” e “excessividade policial”, para garantir uma coleta de dados abrangente e relevante. Após a coleta, foi realizada uma análise crítica dos materiais obtidos, visando identificar padrões, argumentos recorrentes, pontos de consenso e controvérsia na literatura. Essa análise permitiu a categorização e síntese das informações, que posteriormente foram organizadas de maneira lógica e coerente no corpo do trabalho. Em todas as etapas, adotou-se um rigor metodológico para assegurar a validade e relevância das informações, bem como para garantir uma interpretação equilibrada e fundamentada das fontes consultadas.
1. CONCEITUAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA
A atuação policial no âmbito da Administração Pública é um tema cuja relevância se destaca no cenário contemporâneo. Tradicionalmente, as polícias desempenham um papel fundamental na manutenção da ordem e na proteção dos direitos dos cidadãos. Em um Estado de Direito, sua função primordial é garantir que as normas legais sejam cumpridas, garantindo, assim, a estabilidade e a harmonia social (CAMARGO, ALVES, 2008).
A natureza da atividade policial na esfera administrativa se baseia não apenas em ações repressivas, mas também em ações preventivas. Estas últimas são cruciais para minimizar conflitos e para criar um ambiente propício ao exercício pleno da cidadania. Portanto, o treinamento e a capacitação dos agentes de segurança são essenciais para que possam atuar de forma proativa, evitando que problemas menores se transformem em situações mais graves. Além disso, a atuação da polícia na Administração Pública está intimamente ligada à proteção dos direitos fundamentais. Em contextos onde a atuação policial é marcada por excessos ou abusos, observa-se uma erosão na confiança da população nas instituições do Estado. Isso pode resultar em uma maior resistência por parte dos cidadãos em colaborar com as autoridades, criando uma atmosfera de antagonismo (CAMARGO, ALVES, 2008).
Como bem define Lazzarini, (1996) por outro lado, é necessário que a atuação policial se desenvolva em consonância com os princípios administrativos, tais como legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Tais preceitos garantem que as forças policiais atuem dentro dos limites estabelecidos pela lei, evitando assim desvios de conduta e ações que contrariem o interesse público. Todavia, os desafios enfrentados pela polícia na Administração Pública são múltiplos. Estes vão desde a necessidade de constante atualização tecnológica para combater novas formas de criminalidade, até a demanda por uma maior transparência em suas ações. O equilíbrio entre manter a ordem e respeitar os direitos civis é, sem dúvida, uma das questões mais sensíveis nesse contexto.
Nesse cenário, o diálogo entre polícia e comunidade emerge como ferramenta vital. Através de uma comunicação eficaz, é possível criar estratégias de policiamento comunitário que não apenas respondam às necessidades locais, mas também fortaleçam os laços de confiança entre os cidadãos e as forças de segurança. A crescente complexidade das sociedades modernas também exige uma reavaliação constante das práticas policiais. A multiculturalidade, por exemplo, traz desafios próprios que exigem uma atuação policial sensível às especificidades culturais, de modo a garantir o respeito e a eficácia na prestação do serviço público (COELHO et al., 2016).
Consequentemente, a função da polícia na Administração Pública vai além da mera manutenção da ordem. Ela é intrinsecamente ligada à promoção de justiça, equidade e respeito pelos direitos de todos os cidadãos. Em um contexto democrático, é fundamental que essa atuação esteja alinhada com os valores e princípios constitucionais, consolidando assim o papel da polícia como pilar de sustentação do Estado de Direito. A polícia, enquanto parte integrante da Administração Pública, desempenha um papel crucial na garantia dos direitos e na promoção da ordem. Seu trabalho, marcado por desafios constantes, exige uma adaptação contínua às mudanças sociais, tecnológicas e culturais, sempre com o objetivo de servir e proteger a comunidade de maneira íntegra e eficiente (COELHO et al., 2016).
Para Greco, Cunha, (2020) o conceito de “poder de polícia” possui raízes profundas na história do pensamento jurídico e político, sendo crucial para a compreensão da relação entre o Estado e seus cidadãos. Tradicionalmente, essa noção estava associada à capacidade do Estado de regular e limitar os direitos individuais em prol do bem comum, assegurando a ordem pública e a segurança coletiva. Ao longo dos séculos, essa conceituação foi sendo moldada e adaptada à luz dos desafios políticos e sociais de diferentes eras, levando a um entendimento mais complexo e multifacetado do termo.
No contexto do direito romano, por exemplo, o poder de polícia estava intrinsecamente ligado à ideia de “polis” — a cidade — e à necessidade de preservar sua integridade e harmonia. No entanto, à medida que os Estados nacionais modernos começaram a emergir, a dimensão e o alcance desse poder foram ampliados, abrangendo uma variedade maior de funções e responsabilidades, muitas das quais ultrapassaram os limites urbanos da polis (LAZZARINI, 1996).
Como bem define Weinfortner, De Meira, (2022) a Era Moderna trouxe consigo o desafio de equilibrar as demandas de um Estado cada vez mais centralizado com as liberdades individuais dos cidadãos. O conceito de poder de polícia começou, então, a ser visto não apenas como um instrumento de manutenção da ordem, mas também como um meio potencialmente opressor, capaz de infringir direitos e liberdades fundamentais. Esta dualidade tornou-se particularmente evidente durante os séculos XVIII e XIX, quando os ideais iluministas de liberdade e autonomia individual entraram em tensão direta com as prerrogativas estatais.
No século XX, as duas guerras mundiais e os subsequentes movimentos de descolonização reconfiguraram o cenário geopolítico global e trouxeram à tona novas questões sobre o papel e os limites do poder de polícia. A internacionalização dos direitos humanos, em particular, levou a uma reavaliação crítica da autoridade policial, enfatizando a necessidade de garantir a proteção dos cidadãos contra abusos estatais. As últimas décadas, marcadas por avanços tecnológicos e uma crescente globalização, também influenciaram a conceituação do poder de polícia. Hoje, debates sobre vigilância digital, controle de fronteiras e segurança internacional refletem a contínua evolução da relação entre autoridade legítima e potencial para abuso. As tecnologias emergentes, por exemplo, ampliaram significativamente o alcance da atuação policial, mas também levantaram preocupações sobre privacidade e autonomia individual (FERREIRA, DA SILVA, 2020).
Neste cenário, é crucial diferenciar entre a autoridade legítima, que opera dentro dos limites da lei e respeita os direitos fundamentais, e o abuso de poder, que se manifesta quando tais limites são ultrapassados. Esta distinção, contudo, nem sempre é clara e tem sido objeto de intenso debate acadêmico e jurídico. Enquanto alguns defendem uma visão restritiva do poder de polícia, baseada em estritos critérios legais e éticos, outros argumentam que certa flexibilidade é necessária para que o Estado possa responder eficazmente a ameaças emergentes (TÁCITO, 2005).
Independentemente das perspectivas adotadas, o que se torna evidente é a relevância contínua da conceituação de poder de polícia no contexto contemporâneo. A dinâmica entre autoridade e abuso, longe de ser um relicário histórico, é uma questão viva que molda a maneira como os Estados interagem com seus cidadãos e define os contornos da governança democrática no século XXI. A trajetória histórica e atual do poder de polícia reflete uma série de tensões e adaptações que permeiam a relação Estado-cidadão. Explorar suas origens e evolução é essencial não apenas para compreender seu papel no presente, mas também para antecipar os desafios e oportunidades que surgirão no futuro (WEINFORTNER, DE MEIRA, 2022).
O papel da polícia no âmbito da administração pública é um tema de contínua relevância e complexidade. Em sua essência, a atuação policial é um pilar da governança democrática, crucial na preservação da ordem e na proteção dos direitos dos indivíduos. A dualidade de suas funções abrange tanto a prevenção quanto a repressão, sendo o treinamento e a capacitação dos agentes imperativos para uma atuação equilibrada que evite excessos e promova a cidadania. O diálogo entre a polícia e a comunidade é, portanto, fundamental para fomentar uma relação de confiança e cooperatividade. Além disso, a noção de poder de polícia é central na discussão sobre o equilíbrio entre a autoridade estatal e as liberdades individuais, um debate que se intensifica à medida que avanços tecnológicos e questões de segurança global ganham proeminência. Compreender a evolução histórica e as implicações contemporâneas do poder de polícia é vital para antecipar os desafios que emergem na dinâmica entre Estado e cidadão, um tema que permanece em constante evolução e reflete a dinâmica da sociedade moderna.
O poder de polícia administrativo manifesta-se como uma prerrogativa conferida à Administração Pública, permitindo-lhe restringir e condicionar direitos individuais com vistas à proteção dos interesses da coletividade. Enquanto mecanismo de equilíbrio social, sua aplicação é direcionada a garantir que a autonomia privada não prejudique o bem-estar comum, enfatizando a supremacia do interesse público sobre o privado. Em sua essência, o exercício desse poder deve estar alinhado aos princípios que regem a Administração Pública, como a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência. Tais diretrizes buscam assegurar que as limitações aos direitos individuais sejam justificáveis, proporcionais e necessárias, evitando-se, assim, arbitrariedades e desvios de finalidade.
Importante destacar que o poder de polícia administrativo se distingue claramente do poder de polícia no âmbito penal. Este último está relacionado à prevenção e à punição de infrações penais, enquanto o poder de polícia administrativo foca na prevenção e no controle de atividades que, embora lícitas, possam afetar o interesse público. Exemplos típicos da atuação administrativa são a fiscalização de estabelecimentos comerciais, o controle de poluição e o ordenamento urbano. A legitimidade da atuação administrativa encontra seus contornos na observância do devido processo legal. Isto implica que, ao restringir direitos, a Administração deve fornecer aos administrados a oportunidade de manifestação, garantindo a ampla defesa e o contraditório. Tais garantias são essenciais para prevenir o exercício abusivo do poder de polícia.
Dentro do contexto de restrição de liberdades, a discricionariedade administrativa é um ponto de atenção. Ela permite à Administração certa margem de liberdade na escolha de suas ações, o que é indispensável diante da complexidade e da variedade das situações concretas. No entanto, mesmo sendo discricionária, a atuação deve ser coerente com os fins legais e não pode ser exercida de forma desmedida ou sem critérios objetivos. A proporcionalidade, enquanto elemento moderador do poder de polícia, exige que as medidas adotadas pela Administração não excedam o necessário para atingir o interesse público visado. Esta análise se desdobra em três aspectos: a adequação da medida ao fim almejado, a necessidade em face de outros meios menos restritivos e a proporcionalidade em sentido estrito, balanceando as vantagens e desvantagens da medida para a sociedade.
Para assegurar que o poder de polícia não se converta em instrumento de violação de direitos, o ordenamento jurídico prevê mecanismos de controle e revisão. O controle judicial, em especial, desempenha papel vital na supervisão das decisões administrativas, zelando pelo respeito aos limites constitucionais e legais e pela proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos. A doutrina jurídica contemporânea sublinha a importância da autocontenção do poder de polícia, propondo que a Administração Pública internalize mecanismos de controle prévios à atuação restritiva. Por meio da autotutela, a Administração tem o dever de rever seus próprios atos quando eivados de ilegalidade ou inoportunidade, evitando a judicialização de conflitos.
Ademais, a transparência nas ações administrativas é um fator crítico para a legitimação do poder de polícia. O acesso à informação permite que os cidadãos compreendam os fundamentos das decisões que afetam suas liberdades, assim como possibilita o controle social sobre as atividades da Administração. O poder de polícia administrativo é um instrumento de harmonização das relações sociais, exigindo da Administração Pública um exercício responsável e consciente de suas atribuições. Deve-se buscar constantemente o equilíbrio entre a necessidade de regulação de condutas em prol do bem comum e o respeito às liberdades individuais, que são a base da dignidade humana e do Estado Democrático de Direito.
Na esfera do direito administrativo, o termo “poder de polícia” é frequentemente mal interpretado como sinônimo da atividade policial, todavia, tais conceitos representam realidades distintas. O poder de polícia é uma prerrogativa conferida à Administração Pública para regular e restringir direitos individuais em prol do interesse coletivo, sem a necessidade de intervenção judicial prévia, e se manifesta por meio de atos normativos e administrativos que visam à coordenação das liberdades públicas, tais como a fiscalização de estabelecimentos e a imposição de sanções administrativas. A função não se restringe às instituições policiais, estendendo-se a diversos órgãos administrativos que exercem a vigilância e o controle para assegurar a ordem pública, a saúde, a segurança, a tranquilidade e o respeito aos bens e aos direitos coletivos.
Em contrapartida, o “poder da polícia” reflete as atividades desempenhadas especificamente pelas forças de segurança, isto é, as entidades policiais. Dentro deste espectro, a polícia divide-se em duas grandes categorias: administrativa e judiciária. A polícia administrativa, também conhecida como polícia preventiva, tem como escopo a prevenção de delitos e a manutenção da ordem pública através de um conjunto de medidas administrativas. Sua atuação é caracterizada pela vigilância e prevenção, atuando antes que infrações sejam cometidas. Já a polícia judiciária, ou polícia investigativa, atua posteriormente à ocorrência de infrações penais, com a finalidade de apurar as infrações contra a ordem jurídica e sua autoria, promovendo a instrumentalização necessária para a instauração do processo penal. Portanto, enquanto a polícia administrativa atua de forma difusa e preventiva para evitar a concretização de ameaças aos interesses coletivos, a polícia judiciária procede de maneira concreta e repressiva, objetivando a apuração de delitos específicos e a consequente responsabilização penal dos infratores.
2 LIMITES DO PODER DE POLÍCIA
Na configuração do direito administrativo contemporâneo, os princípios limitadores do poder de polícia adquirem centralidade na medida em que fornecem diretrizes para o exercício equilibrado da autoridade estatal. De acordo com Canas, (2023) a legalidade, como pilar fundamental, estipula que qualquer ato de polícia administrativa deve encontrar suporte expresso na lei, não havendo margem para atuações discricionárias que não estejam previamente definidas pelo ordenamento jurídico. A legalidade, contudo, não opera isoladamente. Sua eficácia é potencializada pelo princípio da impessoalidade, que impede a realização de atos administrativos com o objetivo de favorecer ou prejudicar pessoas determinadas. Este princípio é essencial para o fomento da confiança na administração pública, eliminando a possibilidade de ações motivadas por conveniências ou desavenças pessoais.
Em consonância com a impessoalidade, a moralidade administrativa assume um papel vital. Segundo este princípio, não basta à administração atuar conforme a lei; suas ações devem também alinhar-se aos padrões éticos e morais reconhecidos pela sociedade. Assim, a moralidade torna-se um filtro adicional contra o arbítrio, assegurando que a conduta administrativa se mantenha dentro dos parâmetros de justiça e boa-fé. A proporcionalidade, por sua vez, é o princípio que exige que o ato de polícia esteja em conformidade com a magnitude da situação que visa regular (SILVA e al., 2021). Isto é, a restrição imposta a um direito deve ser estritamente necessária para atingir o fim a que se destina, e não deve ser excessiva em relação ao objetivo perseguido pelo interesse público.
Intimamente ligada à proporcionalidade, a razoabilidade complementa o arcabouço de limites ao poder de polícia. Esse princípio demanda que os atos administrativos sejam coerentes, lógicos e compatíveis com o senso comum, evitando decisões que, embora legais, se mostrem despropositadas ou desajustadas à realidade fática. Tais princípios não são apenas balizas teóricas, mas possuem aplicabilidade direta na contenção de excessos (LIMA, DE SANTANA, 2021). A jurisprudência dos tribunais administrativos e constitucionais tem consolidado a interpretação de que qualquer ação que viole esses princípios é passível de anulação, constituindo um instrumento efetivo de controle da atuação administrativa.
Além do controle jurisdicional, a própria administração pública é instada a autoavaliar suas ações sob a luz destes princípios. A internalização destas normas pelos agentes públicos serve como mecanismo preventivo de abusos, promovendo uma cultura de respeito às liberdades individuais no exercício do poder de polícia. A publicidade, outro princípio administrativo, também atua como limitador ao exigir transparência nas ações do poder público (DE SOUZA, DE ANDRADE, 2020). Ao tornar públicos os atos de polícia administrativa, permite-se o escrutínio pela sociedade e pelos indivíduos afetados, que podem questionar e buscar a reparação por eventuais excessos ou desvios.
A eficiência, embora não se configure como um limitador direto, impõe à administração a obrigação de agir com presteza e aptidão para alcançar os melhores resultados com os menores custos possíveis, o que inclui evitar atuações abusivas que gerem conflitos e litígios desnecessários. Para Marques, (2019) a implementação efetiva dos princípios limitadores do poder de polícia administrativo reflete a maturidade institucional do Estado de Direito, onde a autoridade é exercida dentro de parâmetros que garantem a convivência harmônica entre os direitos do indivíduo e as necessidades da coletividade. Assim, esses princípios não apenas orientam, mas também legitimam a atuação do Estado na regulação dos comportamentos em prol do interesse comum.
3 EXCESSOS DO PODER DE POLÍCIA
O poder de polícia administrativo, enquanto ferramenta de governança, enraíza-se na necessidade de preservação da ordem pública e do bem-estar social. Historicamente, o conceito emerge como uma faceta do direito administrativo, encarregado de harmonizar os interesses privados com as demandas da coletividade, evidenciando-se pela capacidade de restringir direitos individuais em nome do interesse público (TÁCITO, 1952). Juridicamente, o poder de polícia administrativo é delineado como a função estatal de condicionar e restringir o exercício de liberdades individuais e de propriedade, a fim de ajustá-los às exigências do bem comum.
Esta prerrogativa legal se baseia em princípios constitucionais, operando sob a égide da supremacia do interesse público sobre o privado, mas sempre com o cuidado de respeitar o núcleo essencial dos direitos individuais. A natureza jurídica deste poder revela sua dupla face: é ao mesmo tempo uma prerrogativa e um dever do Estado (CALETTI, STELZER, 2020). As entidades administrativas, nesse sentido, não possuem apenas a capacidade, mas também a obrigação de atuar sempre que a ordem pública ou o bem-estar geral estiverem ameaçados por ações ou omissões dos particulares. O dever estatal de policiar advém, portanto, de um mandato constitucional implícito, que orienta a função administrativa na salvaguarda dos valores fundamentais da sociedade.
Como bem define Bentemuller, (2020) os objetivos do poder de polícia são manifestados em leis e regulamentos que visam à proteção da saúde, segurança, moralidade, meio ambiente e, de forma mais ampla, da própria organização econômica e social. A efetivação desses objetivos deve sempre ser pautada pela legalidade, ou seja, a Administração só pode agir conforme o que está expressamente autorizado pelo ordenamento jurídico, garantindo assim uma relação de previsibilidade e segurança jurídica entre o Estado e o cidadão. No âmbito da evolução histórica, a concepção do poder de polícia tem suas raízes no direito francês, especialmente na figura do “police administrative”, que influenciou significativamente os sistemas jurídicos de civil law, incluindo o brasileiro. A expansão deste conceito acompanhou a evolução do Estado moderno, particularmente no que tange ao fortalecimento do papel regulatório do Estado na economia e na vida social.
As doutrinas jurídicas que embasam o poder de polícia administrativo fornecem uma pluralidade de visões sobre a sua fundamentação. Enquanto alguns teóricos o justificam pela teoria do serviço público, outros o enquadram no âmbito do poder geral de polícia do Estado, integrando-o a uma visão mais ampla de manutenção da ordem pública. Os limites ao exercício deste poder são igualmente tema de intenso debate doutrinário (RECK, BITENCOURT, 2019). Enquanto a intervenção estatal é uma necessidade em um Estado organizado, essa mesma intervenção não pode romper com os preceitos da proporcionalidade, devendo o Estado intervir o mínimo necessário para atingir os objetivos almejados, respeitando as liberdades fundamentais.
A teoria da proporcionalidade, inclusive, é essencial para o entendimento dos contornos do poder de polícia administrativo, funcionando como baliza entre a atuação estatal e os direitos individuais. Este princípio demanda que qualquer restrição imposta aos cidadãos seja adequada aos fins que se pretende alcançar, necessária em um contexto que não haja meio menos gravoso disponível, e proporcionada, no sentido de que os benefícios sociais justifiquem a carga imposta aos particulares. O respeito aos direitos humanos e fundamentais é, ademais, um pilar na construção de uma atuação policial administrativa legítima (MEDAUAR, 1995). Assim, o poder de polícia deve ser exercido de forma a não violar o núcleo essencial desses direitos, mantendo-se alinhado às diretrizes constitucionais e aos compromissos internacionais assumidos pelos Estados. A atuação do poder de polícia administrativo inscreve-se no contexto mais amplo do Estado Democrático de Direito, onde a busca pelo equilíbrio entre a autoridade do Estado e as liberdades individuais é uma constante. Esta balança dinâmica é
De acordo com Marques, (2019) o poder de polícia administrativa constitui um instrumento fundamental para a ordenação e o controle da convivência social, sendo exercido pelos entes da Administração Pública com o propósito de restringir e condicionar direitos individuais em prol do interesse público. A essência desse poder reside na prerrogativa estatal de impor disciplina em áreas como a saúde, a segurança, a moralidade e o meio ambiente, através de atos normativos e medidas concretas que buscam assegurar o bem-estar coletivo. Por definição, o poder de polícia deve ser exercido nos limites da legalidade, sob a égide de princípios como a supremacia do interesse público sobre o privado e a proporcionalidade. Contudo, a prática administrativa nem sempre observa tais limitações, podendo conduzir a excessos que configuram abusos de autoridade. Tais excessos são manifestações de um exercício desmedido e injustificado do poder, transbordando os parâmetros estabelecidos pela legislação vigente e pelos princípios que norteiam a Administração Pública.
Para Lazzarini, (1994) os excessos no poder de polícia administrativa podem assumir diversas formas, incluindo a imposição de medidas restritivas sem a devida fundamentação legal ou a adoção de procedimentos que não respeitam o devido processo legal. Quando a atividade administrativa se desvia de seu propósito original, afetando direitos fundamentais sem observância dos pressupostos de necessidade, adequação e proporcionalidade, instaura-se um quadro de ilegitimidade. O princípio da proporcionalidade é essencial para aferir a validade das ações administrativas. Ele requer que a medida adotada seja apta a alcançar o objetivo desejado (adequação), que seja a menos gravosa possível dentre as eficazes (necessidade) e que haja um balanceamento entre o ônus imposto e o benefício trazido (proporcionalidade em sentido estrito).
A desconsideração desse princípio pode levar a atuações consideradas excessivas e, por conseguinte, ilegítimas. A fiscalização de atividades econômicas é um campo fértil para o exercício do poder de polícia administrativa, onde o equilíbrio entre a intervenção estatal e a liberdade de iniciativa deve ser cuidadosamente ponderado (DE FREITAS, 2010). A aplicação desproporcional de sanções administrativas ou a criação de obstáculos burocráticos sem razoabilidade evidenciam uma atuação que ultrapassa os fins a que o poder de polícia se destina. A atuação dos órgãos de controle interno e externo surge como medida essencial para coibir os excessos no exercício do poder de polícia.
O controle judicial, em particular, desempenha papel crucial ao rever atos administrativos que ultrapassem os limites da legalidade e da razoabilidade, garantindo que a Administração Pública atue em consonância com os direitos e garantias fundamentais. A responsabilidade civil do Estado é outro mecanismo de controle dos excessos administrativos, já que impõe ao poder público o dever de indenizar danos causados por atos que não respeitem os limites do poder de polícia (JÚNIOR, 1985). Essa responsabilização tem o condão de inibir atuações abusivas e de promover uma cultura de respeito à legalidade e à justiça. A transparência e a participação popular também são instrumentos de controle social que coíbem o excesso no poder de polícia administrativa.
Segundo SEMMER, DA SILVA, (2021) a publicização dos atos e das bases legais que os fundamentam permite que a sociedade civil monitore e questione a validade das restrições impostas pela Administração Pública. Ademais, a educação continuada e a capacitação dos servidores públicos são fundamentais para assegurar que o exercício do poder de polícia se mantenha alinhado aos princípios administrativos. O treinamento em temas como ética, direitos humanos e direito administrativo contribui para a formação de um corpo funcional consciente dos limites e das finalidades de sua atuação. Por fim, é imperativo que o ordenamento jurídico forneça ferramentas adequadas para prevenir e corrigir os excessos no poder de polícia. A legislação deve prever procedimentos claros e precisos, bem como mecanismos de revisão administrativa que permitam a rápida correção de atos que extrapolem os contornos legais. Assim, o equilíbrio entre autoridade e liberdade poderá ser preservado, assegurando-se o pleno exercício dos direitos fundamentais e a promoção do interesse público.
A atuação da polícia administrativa é uma manifestação tangível do poder estatal no cotidiano dos cidadãos. Este poder, entretanto, não está isento de ser exercido de forma excessiva, o que pode resultar em uma série de consequências negativas para a sociedade e o Estado (FERNANDES, 2022). As manifestações de excessos na atuação policial administrativa podem variar desde a aplicação desmedida de sanções administrativas até intervenções físicas desproporcionais em eventos públicos.
Casos documentados de uso excessivo de força por parte de agentes administrativos, que deveriam agir sob o manto da proporcionalidade, sinalizam uma grave distorção no exercício do poder de polícia. Tais ações, quando não fundamentadas e excessivas, abalam a confiança pública na administração e minam a autoridade do Estado. Além disso, levam a questionamentos jurídicos acerca da legitimidade das medidas adotadas, podendo resultar em responsabilização civil e administrativa do ente público. As repercussões legais desses excessos são amplamente discutidas no âmbito do direito administrativo e constitucional. A ilegalidade da conduta excessiva, uma vez comprovada, pode ensejar a anulação de atos administrativos e a imposição de sanções aos responsáveis, bem como a obrigação de reparar os danos causados aos cidadãos afetados (RECK, BITENCOURT, 2019). Nesse cenário, ações judiciais por abuso de autoridade se tornam instrumentos de controle e de responsabilização.
De acordo com Bentemuller, (2020) as consequências sociais dos excessos na atuação policial administrativa são igualmente preocupantes. A percepção de que agentes do Estado agem com impunidade ou dispõem de poder ilimitado pode incitar a desobediência civil e alimentar sentimentos de descontentamento e desconfiança entre os cidadãos. Isso é particularmente problemático em democracias, onde o respeito aos direitos fundamentais constitui um dos pilares do contrato social. Para os administrados diretamente afetados, os excessos podem resultar em traumas físicos e psicológicos, além de perdas econômicas. O temor da arbitrariedade e a sensação de vulnerabilidade diante do poder estatal têm o potencial de alterar comportamentos e de afetar negativamente a relação entre cidadãos e autoridades (DE ALMEIDA, 2019).
Do ponto de vista da eficácia da Administração Pública, ações desmedidas podem ser contraproducentes. A atuação excessiva ao invés de assegurar o cumprimento das normas pode levar ao efeito oposto, incentivando a resistência e a não colaboração com as autoridades. Isso dificulta a consecução dos objetivos da polícia administrativa e gera custos adicionais, tanto para a manutenção da ordem pública quanto para o sistema de justiça. A legitimidade da polícia administrativa está intrinsecamente ligada à sua capacidade de agir dentro dos limites impostos pelo ordenamento jurídico (CALETTI, STELZER, 2020). Quando esta se compromete por excessos, há um questionamento mais amplo sobre a justiça e a equidade do sistema legal. A percepção de desigualdade perante a lei pode corroer o fundamento de obedecer a regulamentos e autoridades.
Como bem define De Araújo, (2022) a fiscalização e o controle sobre as ações da polícia administrativa são essenciais para mitigar os riscos de excessos. Mecanismos de controle interno e externo, como ouvidorias, corregedorias e o Ministério Público, desempenham papel crucial na supervisão das atividades policiais administrativas, visando assegurar a aderência aos princípios da legalidade, impessoalidade e proporcionalidade. A formação e a capacitação contínua dos agentes policiais administrativos também são fundamentais para prevenir a ocorrência de excessos. A educação em direitos humanos e o treinamento em técnicas de mediação e negociação podem fornecer aos agentes as ferramentas necessárias para lidar com situações complexas sem recorrer à força excessiva ou a medidas arbitrárias.
4 MECANISMOS DE CONTROLE E RESPONSABILIZAÇÃO
A questão da fiscalização do poder de polícia administrativa é complexa e multifacetada, englobando uma variedade de mecanismos e instâncias de controle que funcionam de maneira integrada para prevenir e remediar atos abusivos. O controle interno, exercido pelas próprias instituições públicas, desempenha um papel primordial, sendo responsável por monitorar continuamente a conduta dos agentes de polícia administrativa, assegurando que operem dentro dos limites legais e éticos. Além disso, há órgãos de controle externo cuja função é supervisionar e avaliar a atuação da polícia administrativa do ponto de vista da legalidade e da moralidade administrativa. Instituições como o Ministério Público, tribunais de contas e corregedorias são exemplos desses órgãos que dispõem de autoridade para investigar e punir irregularidades (SEMMER, 2021). A atuação destes órgãos é complementada pela possibilidade de controle judicial, que se estabelece como o alicerce do Estado de Direito, permitindo aos cidadãos afetados buscar a tutela jurisdicional para proteger seus direitos.
O controle judicial é um dos mais eficazes instrumentos de limitação do poder de polícia administrativa, proporcionando aos indivíduos um meio de questionar a legalidade e a razoabilidade das ações administrativas. Como bem define Semmer, Da Silva, (2021) através de processos judiciais, é possível obter a revisão de atos considerados abusivos e, se necessário, a anulação desses atos e a compensação por danos sofridos. A responsabilização civil dos agentes públicos por atos praticados no exercício do poder de polícia administrativa representa outro mecanismo de controle significativo. Quando um agente causa dano a terceiros por ação ou omissão, negligência, imprudência ou imperícia, pode ser obrigado a reparar o prejuízo, incentivando, assim, a prudência e o cuidado no desempenho de suas funções.
De igual importância é a responsabilização penal, que se impõe nos casos em que o excesso na atuação configura, além de uma infração administrativa, um delito. A punição penal é um forte deterrente, uma vez que coloca em risco a liberdade do agente público e reafirma a gravidade da conduta ilícita. Paralelamente à responsabilidade civil e penal, a responsabilidade administrativa assegura que atos abusivos ou negligentes sejam sancionados no próprio âmbito da administração pública (JÚNIOR, 1985). A possibilidade de imposição de penalidades disciplinares serve como fator de contenção, promovendo uma conduta alinhada com as expectativas da função pública.
A boa governança e a transparência são elementos-chave na promoção de um controle efetivo da atuação da polícia administrativa. A adoção de práticas administrativas claras e abertas ao escrutínio público permite que as ações do Estado sejam acompanhadas e questionadas, contribuindo para a prevenção de abusos e para a consolidação da confiança na administração. Instrumentos como ouvidorias públicas e controle social, através de conselhos de políticas públicas e iniciativas de participação cidadã, ampliam o leque de monitoramento do poder de polícia (SILVA et al., 2021). Ao envolver diretamente a sociedade no processo de fiscalização, esses mecanismos democratizam o controle e conferem maior legitimidade à supervisão das ações policiais administrativas.
Ademais, a promoção de uma cultura de legalidade e respeito aos direitos fundamentais entre os agentes de polícia administrativa é fundamental. De acordo com De Souza, De Andrade, (2020) programas de treinamento e conscientização, bem como a criação de códigos de ética e conduta, podem orientar os agentes públicos, reduzindo a incidência de comportamentos abusivos. A eficácia dos mecanismos de controle e responsabilização depende de uma atuação coordenada entre as diversas instâncias e do comprometimento inabalável com os valores democráticos e com a proteção dos direitos humanos. A integração desses mecanismos forma um sistema robusto de defesa contra excessos na atuação policial administrativa, essencial para a manutenção do Estado de Direito e para a preservação do tecido social.
CONCLUSÃO
Ao refletir sobre os excessos do poder de polícia na administração pública, fica evidente a complexidade e gravidade deste fenômeno na estrutura democrática de uma nação. A atuação policial, ao transitar entre sua autoridade legítima e episódios de abuso, não apenas impacta diretamente os cidadãos envolvidos, mas reverbera em toda a sociedade, afetando a confiança nas instituições e no próprio tecido do Estado de Direito.
A análise histórica e contemporânea do poder de polícia revelou uma evolução nas conceituações e práticas, mas também evidenciou a persistência de desafios significativos. A distinção clara entre a autoridade legítima e o abuso é crucial para garantir a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos. Ainda assim, os casos emblemáticos explorados demonstram que, frequentemente, essa linha é ultrapassada, com consequências devastadoras para os indivíduos e comunidades afetadas.
As propostas e recomendações apresentadas na literatura acadêmica e por especialistas fornecem um caminho promissor para reformar e melhorar a atuação policial. Entretanto, a implementação efetiva dessas soluções requer vontade política, recursos adequados e, acima de tudo, uma mudança cultural dentro das forças de segurança. O engajamento comunitário e a supervisão civil são imperativos nesse processo.
A relação entre sociedade e Estado, conforme discutido, é diretamente influenciada pela percepção e experiências com as forças de segurança. A erosão da confiança pública em instituições essenciais pode comprometer a coesão social, a governança democrática e, em última instância, a paz e a estabilidade de uma nação.
Conclui-se que, para fortalecer as democracias e assegurar direitos, é imperativo abordar os excessos do poder de polícia com seriedade, compromisso e transparência. A busca por uma atuação policial justa e equilibrada deve ser uma prioridade constante, garantindo não apenas a segurança, mas também a liberdade e dignidade de todos os cidadãos.
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[1] Graduando do curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo – FASEC. Email: fuad.neife41@gmail.com
[2] Mestre em Direitos Humanos. Pós Graduado em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Delegado de Polícia Civil do Estado do Tocantins. Professor de Direito Penal, Processo Penal e Ciência Política e Teoria Geral do Estado na Faculdade Serra do Carmo – FASEC. Email: prof.israelalves@fasec.edu.br