O DUTY TO MITIGATE THE LOSS NO CONTRATO DE SEGURO

O DUTY TO MITIGATE THE LOSS NO CONTRATO DE SEGURO

10 de março de 2024 Off Por Cognitio Juris

DUTY TO MITIGATE THE LOSS IN INSURANCE CONTRACT

Artigo submetido em 03 de janeiro de 2024
Artigo aprovado em 23 de janeiro de 2024
Artigo publicado em 10 de março de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 54 – Março de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Raphael de Oliveira Pister Martins[1]

RESUMO: O objetivo do presente estudo é apresentar os elementos essenciais do contrato de seguro, dando ênfase aos deveres principais das partes, para então discorrer sobre os deveres laterais e anexos, decorrentes do princípio da boa-fé objetiva, sua origem e natureza. Será então analisada a recepção do duty to mitigate the loss pelo ordenamento jurídico brasileiro e, mais especificamente, o dever do segurado de mitigar o próprio prejuízo, conforme positivado no art. 771 do Código Civil.

Palavras-chave: Contrato. Seguro. Deveres Principais. Deveres Laterais e Anexos. Boa-fé Objetiva. Dever de Mitigar o Dano.

ABSTRACT: The scope of this paper is to present the essential elements of the insurance contract, emphasizing the main duties of the parties, and then discuss the ancillary duties, arising from the principle of objective good faith, their origin and nature. Then the reception of the duty to mitigate the loss by the Brazilian legal system will be analyzed, more specifically the insured’s duty to mitigate its own loss, as stated in art. 771 of the Brazilian Civil Code.

Keywords: Contract. Insurance. Main Duties. Ancillary Duties. Objective Good Faith. Duty to Mitigate the Loss.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. O CONTRATO DE SEGURO E SUAS PRESTAÇÕES PRINCIPAIS; 2. OS DEVERES ANEXOS E LATERAIS; 3. O DEVER DO SEGURADO DE MITIGAR OS DANOS; 3.1. NATUREZA JURÍDICA; 3.2. GRAU DE DILIGÊNCIA; 3.3. A SANÇÃO DA PERDA DO DIREITO À INDENIZAÇÃO; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.

INTRODUÇÃO

O seguro, com todas as suas nuances e particularidades, ainda é um ilustre desconhecido para a maior parte das pessoas. Conhece-se o seguro como proteção notadamente dos bens e atividades corriqueiros, como seguro de vida, automóvel, acidentes pessoais, saúde, mas ainda se ignora como a atividade securitária funciona por detrás do contrato. O próprio contrato de seguro é encarado na sua versão superficial, inclusive pela maior parte da comunidade jurídica. Estuda-se bastante o direito contratual em geral, mas ainda de forma tímida como ele se amolda ao seguro.

Este trabalho pretende imergir no contrato de seguro sob o ponto de vista obrigacional para explorar as prestações e deveres que dele decorrem, em todas as suas tipologias e classificações. Para tanto, primeiramente se faz relevante destacar as obrigações principais, ou primárias, do segurado e da seguradora. Estas são as obrigações que se destacam e se visualiza mais facilmente, sejam elas decorrentes da lei ou do próprio contrato, ou ainda da própria natureza do negócio. Mas não basta indicar as prestações principais de cada parte, para então diferenciá-las das demais obrigações. Necessário também separar estas prestações, enquanto obrigações, dos elementos essenciais do contrato de seguro, sem um dos quais o contrato se torna nulo. As obrigações são espécies do gênero elementos essenciais.

 Superada esta dicotomia, passa-se a analisar a nova perspectiva do Direito Obrigacional pela qual a relação deixa de ser simples troca de prestações principais e se torna um processo. A relação obrigacional cruza esta fronteira para ser examinada em toda sua complexidade, considerando suas prestações principais, mas também aquelas obrigações secundárias e os deveres anexos e laterais. Estes corporificam e traduzem a cláusula geral da boa-fé para a realidade comportamental das partes no programa contratual, visando sempre sua finalidade. Destacam-se, neste sentido, os deveres de lealdade, informação, diligência e cooperação que dão o tom da conduta das partes em relação, não somente à sua prestação, mas ao objetivo da avença, buscando auxiliar a outra parte no cumprimento também de seus deveres. Trata-se da lealdade com o propósito final do contrato, a cooperação entre as partes para atingimento do resultado final almejado por ambas.

A boa-fé é substância líquida que adentra e permeia toda e qualquer relação social, negocial e contratual como pressuposto das declarações e comportamento das partes. É cediço que a cláusula geral da boa-fé deve ser observada sempre e permanentemente. Entretanto, no contrato de seguro ela se faz ainda mais significativa, dado o princípio do mutualismo, a solidariedade e a comunidade de risco que se forma sob o sistema securitário. Dessa forma, os chamados deveres laterais e anexos ganham também um papel de destaque.

Dentre estes deveres laterais, buscou-se explorar especificamente o dever do segurado de mitigar o próprio dano – o chamado duty to mitigate the loss. Este dever não é exclusivo do contrato de seguro, tampouco do segurado, podendo observá-lo em praticamente qualquer relação obrigacional. Mas no seguro ele tem especial importância, pelo que foi positivado no art. 771 do Código Civil, revelando-se verdadeiro dever do segurado e não mero ônus. Sua origem, natureza jurídica e consequências jurídicas de seu inadimplemento serão analisadas considerando a doutrina, jurisprudência e aspectos fáticos da relação securitária.

Não se pretende esgotar o tema, mas convidar o leitor a compreender primeiramente a alocação dos deveres laterais na relação contratual e seu diálogo com as prestações principais, especificamente no cerne das particularidades do contrato de seguro. Em seguida, busca-se a origem do duty to mitigate the loss, sua recepção no ordenamento pátrio e representação na relação securitária.

1. O CONTRATO DE SEGURO E SUAS PRESTAÇÕES PRINCIPAIS

A relevância do contrato de seguro em seu papel de mitigador de riscos na sociedade atual é assente na doutrina nacional e internacional. Através deste mecanismo de proteção, o destinatário da cobertura, seja o segurado ou eventual beneficiário, se vê protegido contra as consequências econômicas que podem vir a ser experimentadas caso aqueles riscos predeterminados no contrato se materializem, limitados evidentemente pelos termos e condições nele contidos.

            Passa a ter, portanto, um papel de protagonista, dentre outros instrumentos, na função protetiva dos interesses sociais, individuais e coletivos na sociedade de risco. A chamada sociedade de risco se caracteriza pela centralidade do risco nas relações sociais, econômicas e até com a natureza e seus recursos. A forma como o capitalismo se desenvolveu, notadamente no Ocidente, atribuindo ao indivíduo maior liberdade de atuação no seio social e consequentemente menor intervenção do Estado nas relações, criou um ambiente propício para que o risco se tornasse inerente ao convívio social e interações econômicas entre os indivíduos e destes com seu meio-ambiente. Neste tipo de sociedade, o Estado sozinho não consegue zelar por toda e qualquer relação. Nem se justificaria. A liberdade concedida aos indivíduos pressupõe a responsabilidade destes com eles próprios e com a coletividade, com o ambiente, com o interesse comum.

Neste complexo de riscos que circulam e se entrelaçam nas relações sociais e comerciais, o seguro passou de mero coadjuvante para protagonista como mecanismo de proteção. O homem-econômico que assume riscos se vê mais confiante em seguir seus anseios quando confia que determinados riscos estão garantidos e seus interesses protegidos. Isso lhe motiva a seguir com suas intenções e buscas por mais interesses. Não se pense que tais anseios e interesses são meramente individuais e egoísticos. Podem até passar esta percepção em um primeiro momento, mas, afastando-se da esfera individual, é possível enxergar os interesses individuais construindo interesses coletivos e sociais. O sujeito que abre um comércio, como uma padaria, evidentemente está em busca de lucro. Mas ao mesmo tempo desempenha importante papel social ao abrir novos postos de emprego, em se colocar como mais um contribuinte de impostos, ao promover a concorrência naquele setor específico, e daí por diante. Há ganho social, ainda que este reflexo seja indireto. Sob esta perspectiva, é possível considerar a assunção de riscos como necessária ao desenvolvimento social. O seguro, como forma de proteção, assume papel também de instrumento de desenvolvimento econômico e social. Ernesto Tzirulnik[2], em sua tese de doutoramento na Universidade de São Paulo, desenvolveu o tema de forma profunda e consistente, concluindo que, sem o seguro, os indivíduos e as empresas são obrigados a se precaver e, para isso, devem tornar ineficiente o uso do capital com o objetivo de formar reservas. A liberação da necessidade dessas poupanças individuais que o seguro proporciona libera o capital para investimentos muito mais produtivos. Aqui resta evidente a importância econômica do seguro, sendo esta também uma de suas causas.

            Mas o contrato de seguro não pode ser visto na sua forma individual e isolada, considerando-se somente aquela determinada relação contratual com um segurado específico. Ele se insere em uma teia de contratos similares que se inter-relacionam sob o manto do princípio do mutualismo, princípio este basilar na atividade securitária juntamente com o da boa-fé. Para que a seguradora possa fazer frente aos prejuízos sofridos pelos segurados – também chamados de sinistros, que é a ocorrência do evento coberto pelo seguro –, ela precisa ser remunerada para formar um fundo comum mutualístico, do qual retirará os recursos necessários para indenizar tais sinistros.

            Em nosso ordenamento jurídico, o contrato de seguro vem definido no art. 757 do Código Civil[3], onde é possível extrair os elementos essenciais daquele contrato: prêmio, garantia, interesse legítimo e risco. Em seu parágrafo único é possível detectar o quinto elemento essencial, qual seja, a empresarialidade. Vale dizer, para celebrar contrato de seguro, na qualidade de garantidora dos interesses legítimos dos segurados, a seguradora deve estar devidamente constituída na forma prevista em lei[4] e, além disso, autorizada pelo órgão regulador oficial.

            O prêmio, apesar de o vocábulo remeter a uma ideia de recompensa ou vantagem obtida em razão de um serviço prestado ou uma competição conquistada, vem a ser, no âmbito do seguro, a prestação necessária e principal daquele que detém o interesse a ser protegido contra os riscos predeterminados. Trata-se da remuneração da seguradora, condição sine qua non para a prestação da garantia. Muito já se debruçou sobre a origem do termo prêmio no seguro, que, repita-se, pode ser confundido com uma premiação, uma vantagem, um brinde. Não cabe discorrer sobre o tema por não ser escopo do presente trabalho, mas se faz relevante atribuir ao prêmio a ideia de antecedência, de condição, de primeiro. Uma das possíveis origens vem justamente do italiano primo, que significa primeiro, ou do francês premier, que tem o mesmo significado. Daí derivou-se, no vernáculo, para prêmio.

            Uma vez aceito o risco pela seguradora e recebido o prêmio devido, esta passa a prestar a garantia securitária. Cumprida a prestação principal do segurado, qual seja, o pagamento do prêmio, a seguradora passa a cobrir o interesse legítimo do segurado contra aqueles riscos predeterminados no contrato. Trata-se de uma condicionante, sem a qual o contrato não se aperfeiçoa e não produz efeitos.

            Tem-se, portanto, que somente “mediante o pagamento do prêmio” é que nasce a obrigação da seguradora em prestar a garantia. Resta evidente a relação de prestação (prêmio) e contraprestação (garantia), revelando o caráter de comutatividade[5] do contrato de seguro. Neste sentido, Paulo Piza[6] assevera que, em relação ao contrato de seguro, mais do que se caracterizar, imediatamente, a obrigação de garantia do segurador, pode-se mesmo dizer que o prêmio devido pelo segurado é – o mais exatamente possível – a própria medida dessa garantia. O contrato de seguro, sob esta óptica, pode até mesmo ser considerado o contrato comutativo por excelência, à medida que o prêmio é calculado em vista da própria mutualidade em que se irá inserir – e no âmbito da qual o risco que incide sobre o interesse segurável, que passa a ser interesse assegurado, é desintegrado, ou seja, é eliminado, nos contornos ajustados contratualmente.

            O prêmio devido por cada contrato de seguro celebrado é fundamental para a composição do fundo mutualístico que garante a própria higidez da atividade securitária. Este fundo não é patrimônio próprio da seguradora, mas assemelha-se a um patrimônio de afetação, destinado à contraprestação de garantia inerente à sua atividade empresarial. Tamanha é a importância do prêmio na relação securitária que o legislador, inclusive, atribuiu-lhe força executiva na cobrança[7]. O não pagamento de parte do prêmio reduz proporcionalmente a garantia[8]. A falta de pagamento do prêmio acarreta a perda do direito à indenização[9]. Na falta do contrato firmado, prova-se a existência do seguro com a comprovação do pagamento do prêmio[10]. Vários enxertos de nossa legislação demonstram a relevância do pagamento do prêmio, seja no contrato individualmente considerado, como prestação ou condição antecedente para a garantia securitária, seja visto em sua atomicidade em relação à formação da massa de recursos necessária ao cumprimento da obrigação da seguradora em indenizar os prejuízos advindos da realização dos riscos predeterminados naquele conjunto de contratos de seguro.

            Recebido o prêmio, nasce para a seguradora a obrigação de prestar (ou contraprestar) a garantia. Esta contrapartida imediata faz transparecer outra característica do contrato de seguro, tal qual a comutatividade, sendo ela o sinalagma.

            Criteriosa deve ser a análise do conceito de garantia no âmbito do seguro, pois no direito privado este mesmo termo pode adquirir significados distintos, como bem alerta Ana Maria Blanco Montiel Alvarez[11]. Referida autora alerta para conceitos de garantia ligados àquelas que são prestadas de forma acessória para garantir o adimplemento de obrigações contratuais principais. Garantia, na acepção ampla da palavra e inserida no contexto geral do Direito das Obrigações, representa uma proteção a um direito de crédito, ou ainda como instrumento autônomo para garantia de uma posição jurídica, sem vínculo com um crédito original. Assim, as garantias podem se apresentar como derivadas de uma relação jurídica base, assegurando um dever de prestação, ou como garantias puras, autônomas, sem vínculo com outra relação obrigacional. Estas últimas têm função de assegurar um interesse. São as chamadas “obrigações de garantia”. Como espécie obrigacional, sua finalidade é eliminar ou atenuar riscos que possam recair sobre o garantido.  

Não obstante, no âmbito do seguro a garantia representa a proteção do interesse do segurado, sendo este o objeto do contrato e sua causa. Formalizado o contrato e recebido o prêmio, a seguradora fica instantaneamente de prontidão caso aqueles riscos se concretizem e acarretem prejuízos econômicos ao segurado. Registre-se o sucesso do legislador do Código Civil de 2002 ao corrigir a definição do contrato de seguro que havia no Código Civil de 2016, que atribuía à seguradora o dever de indenizar como contraprestação. A indenização como elemento do contrato trazia uma concepção de aleatoriedade ao contrato que não correspondia à melhor técnica, ao mesmo tempo que deixava de abranger as mais diversas modalidades de seguro, notadamente os seguros de pessoas. Mas, como bem afirmado por Bruno Miragem e Luiza Petersen[12], o principal benefício foi alinhar a teoria do contrato de seguro com a disciplina das garantias do direito obrigacional. A contraprestação da seguradora deixou de ser a indenização aleatória passando a ser a garantia imediata.

Esta contraprestação se dá individualmente em cada contrato, mas também se expande forma sistêmica até configurar a essência da atividade securitária. A garantia é provida a toda a comunidade de segurados daquela seguradora, ou, ao menos, pertencentes àquele portfólio ou linha de negócio. Assim, os contratos precisam ser, grosso modo, o mais homogêneos possível para que a massa de segurados esteja sob um manto mais ou menos comum de coberturas, da mesma forma que o prêmio – evidentemente não será o mesmo para todos os segurados – seguirá a mesma metodologia de cálculo. Assim, cria-se uma verdadeira comunidade de compartilhamento de risco. Tzirulnik[13] define a importância desta concepção de comunidade na formação do preço do seguro. Para o autor, este preço determinado no contrato tem de ser proporcional ao risco e só é possível estabelecê-lo a partir da massa de segurados. Não se trata, portanto, de preço livre cobrado individualmente, mas sujeito a variações para baixo ou para cima de acordo com o risco a que está submetida toda a massa ou coletividade de segurados.

A intenção da prestação da garantia é justamente promover a segurança almejada pelo segurado em relação àquele determinado interesse.

O seguro não é celebrado para garantia de um bem ou uma coisa corpórea, mas antes sua finalidade é proteger o interesse que o segurado possua sobre determinado bem, coisa ou pessoa. Este elemento essencial do seguro – o interesse – é visto na concepção de relação que o segurado tenha com aquele bem ou pessoa. A relação de interesse. E essa relação de interesse precisa ser quantificada ou monetizada para fins de estipulação de valor e limites, até para permitir a precificação da garantia. Então diz-se que deve haver relação de interesse econômico entre o segurado e o bem, caso contrário não seria possível dimensionar o interesse tampouco a exposição da seguradora aos riscos assumidos. Por esse motivo, é crucial que as seguradoras, no momento de subscrição, na análise e precificação dos riscos que lhes são submetidos, avaliem qual o real interesse econômico do proponente naquele bem.

Tzirulnik[14], citando posição de Victor Ehrenberg, explica que há interesse quando alguém pode sofrer uma desvantagem patrimonial. O interesse só existe na medida em que se configura a possibilidade da desvantagem econômica, ou seja, a extensão e limites do interesse também envolvem a extensão da compensação no seguro. Portanto, repise-se, o que se protege é a relação de interesse do segurado sobre determinado bem ou pessoa. A seguradora precisa investigar qual o legítimo interesse econômico que aquela determinada pessoa (segurado) possui em relação àquele bem, sob pena de o contrato restar inócuo. Não será necessariamente o valor de mercado “da coisa”, mas o valor monetário do interesse. Vale dizer, qual a eventual diminuição patrimonial que aquela pessoa especificamente poderá experimentar caso o risco se concretize e venha a atingir sua relação de interesse naquela coisa.

Tal interesse deve ser ameaçado por alguma intempérie que possa vir a afetar a situação patrimonial do segurado. A esta intempérie se dá o nome de risco, ao menos no contexto do seguro. Não faz parte do recorte temático deste trabalho discorrer sobre a origem do termo e de sua essência, mas vale lembrar a clássica distinção de Frank Knight[15], para quem o risco seria passível de mensuração e conversível em uma certeza, enquanto a incerteza não é suscetível de medição. O risco se aplica a situações em que não se sabe o resultado de uma determinada situação, mas é possível medir com precisão as probabilidades. A incerteza, por outro lado, se aplica a situações em que é impossível saber todas as informações de que se necessita para definir probabilidades precisas. Pedro Alvim[16] já dizia que a noção de risco envolve, pois, uma incerteza objetiva, consubstanciada na possibilidade de um acontecimento real. Através desta distinção, fica fácil perceber que a expressão “risco” é apropriada ao seguro, já que este se vale das ciências atuariais para precisar a probabilidade de ocorrência daqueles riscos e assim precificá-lo.  

O risco[17], no âmbito dos seguros, ganha feições específicas e relevância nuclear, sem o qual a essência do contrato se esvai. É impossível conceber o contrato de seguro sem ter o risco como elemento essencial e, mais que isso, como causa da relação contratual. Sem risco, não há contra o que se proteger. Conforme Miragem & Petersen[18], o risco irradia efeitos quanto à função, estrutura, base econômica, formação e eficácia do contrato de seguro, sendo objeto de detalhada disciplina normativa. Tanto assim o é que o legislador foi categórico ao afirmar a imprescindibilidade do risco na relação securitária. Ele está presente não apenas na definição do contrato de seguro prevista no art. 757 do Código Civil, como sua presença, ausência e modificação na relação foram disciplinadas nos artigos posteriores: sua identificação precisa estar expressa tanto na proposta quanto na apólice (arts. 759 e 760); o aumento ou agravamento do risco gera consequências específicas (arts. 768, 769 e 770); sua ausência gera penalidades à seguradora consciente do fato (art. 773).

Mas, atente-se, tanto o interesse quanto o risco, assim como a empresarialidade, são condições para o aperfeiçoamento do seguro. Condições estas essenciais e necessárias à formação do contrato de seguro, mas não podendo se confundir com prestação. Ao lado das referidas condições, o prêmio e a garantia também assim o são, mas possuem natureza diversa em sua espécie. Como visto anteriormente, o prêmio é a prestação principal do segurado, sem a qual não há contraprestação (garantia). O pagamento do prêmio requer uma conduta ativa do segurado, uma ação consciente, apresentando-se como verdadeira prestação. Ao passo que o risco e o interesse são elementos que devem existir e estar presentes como condicionantes para a formação e validade do vínculo obrigacional, mas não exigem um ato ou conduta proativa. Basta existirem legitimamente.

Do mesmo modo, a garantia é a contraprestação, ou prestação principal, da seguradora uma vez presentes os pressupostos e elementos essenciais, e ausentes eventuais vícios, para a formação e validade do contrato de seguro. A seguradora passa a prestar a garantia. Efetiva-se sua contraprestação e, assim, a seguradora adquire o status de garantidora daqueles riscos e protetora dos interesses do segurado.

Ocorre que as relações obrigacionais deixaram de ser vistas de forma simplista, como mera troca de prestações principais, e passaram a ser analisadas de modo mais amplo e profundo, em seu emaranhado de subespécies de obrigações que permeiam todo o vínculo contratual. Por essa ótica contemporânea, a relação obrigacional é estudada como processo contínuo, permanente, em toda a sua complexidade. Passa-se a falar em deveres laterais e anexos, ao lado das prestações principais e secundárias.  

2. OS DEVERES ANEXOS E LATERAIS – ORIGEM E CONFIGURAÇÃO

            Na teoria clássica do Direito das Obrigações, a relação obrigacional ficava limitada às prestações principais, cada qual encarada de forma polarizada e independente da outra. Tratava-se de uma prestação e uma contraprestação, ambas estanques e autônomas em relação à outra.

            Entretanto, esta perspectiva não era suficiente para lidar com o dinamismo da sociedade moderna, onde as relações se tornaram mais intensas, constantes e precisavam perdurar por mais tempo. Destacaram-se os contratos de execução continuada, prestação de serviços, fornecimentos recorrentes, relações que se alongavam naturalmente. Assim, fazia-se necessário tratar a relação obrigacional não mais como duas prestações polarizadas e pontuais no tempo, mas como complexo de direitos e obrigações, uns mais destacados, outros subjacentes, porém todos devendo ser observados pelas partes como fonte do atingimento saudável da finalidade contratual.

            Conscientes da insuficiência daquela visão dialética da relação obrigacional, doutrinadores alemães desenvolveram nova e moderna abordagem das obrigações contratuais. Não bastava olhar para duas prestações antagônicas, isoladas uma da outra. Era preciso enxergar a relação obrigacional como um todo, algo que não emana efeito pontual no tempo, mas, ao contrário, surte efeitos constantes e permanentes durante toda a vida contratual, fazendo com que a boa-fé seja percebida de forma evidente, mediante o comportamento das partes. Nesta esteira, Giovanni Nanni[19] bem resume o propósito desta nova abordagem alemã ao sustentar que se buscou aplicação da visão da relação obrigacional como um todo ou como um processo, que não se circunscreve à prestação principal e secundária, também abrangendo deveres anexos de conduta, em espírito de colaboração, lastreados na boa-fé. Assume, destarte, estrutura complexa, composta por feixe de atribuições, poderes e deveres, destinados tanto ao devedor quanto ao credor.

A ideia de colaboração constante entre as partes foi inovadora. O foco deixa de ser o adimplemento simples de cada prestação principal e passa à finalidade contratual, o atingimento do propósito da relação obrigacional. Em outras palavras, o interesse de uma parte deve ser respeitado pela outra e permear seu comportamento e conduta durante toda a relação, facilitando, cooperando, auxiliando a outra parte a adimplir com seus deveres. Não basta o adimplemento puro, mas uma conduta permanente de colaboração para que todas as prestações sejam adimplidas de forma satisfatória às partes. Fala-se então de deveres anexos e laterais ao lado das prestações principais. Estes diferenciam-se das prestações principais, mas são essenciais ao correto processamento da relação obrigacional, ou seja, à exata satisfação dos interesses globais envolvidos na relação obrigacional complexa[20].

A título exemplificativo, no contrato de compra e venda, não basta a prestação do vendedor de entregar a coisa, que evidentemente é o núcleo de sua obrigação contratual, mas ao lado dela há o dever de cooperar com o comprador, de informar sobre eventuais vícios ou defeitos, de facilitar o pagamento (contraprestação) pelo comprador, de esclarecer sobre o uso e manutenção da coisa, de zelo e cuidado até a efetiva entrega, e daí por diante. Afinal, é interesse do comprador que a coisa seja entregue intacta, completa e livre de vícios, bem como acompanhada das informações mínimas necessárias. Judith Martins-Costa[21] confirma que a utilidade das prestações deve ser o topos a nortear a conduta esperada de ambas as partes, não para satisfazer interesses egoístas do credor, mas para possibilitar o alcance de um resultado útil para ambas as partes da relação, e, bem por isto, resultado merecedor de tutela jurídica.

Nesse sentido, cumpre ressaltar também que esta cooperação e lealdade não é esperada somente do devedor da obrigação, mas também do credor, que não pode tornar o cumprimento da prestação demasiadamente onerosa ao devedor. Ambas as partes devem colaborar para que a outra cumpra com suas obrigações e deveres da forma mais próxima possível do que foi estabelecido na celebração do contrato. O objetivo primordial é o cumprimento das obrigações contratuais em sua forma, lugar e tempo previstos, considerando as particularidades da avença, e norteado pela sua funcionalidade e causa. 

São justamente as palavras de Aline Miranda Valverde Terra[22]. Segundo a autora, passou-se a analisar a relação de deveres e obrigações das partes sob perspectiva da funcionalidade daquele determinado negócio jurídico e de suas causas. Vale dizer, a perspectiva funcional do objeto altera a sua estrutura, que deixa de compreender somente o comportamento do devedor que executa o dever principal de prestação, para abarcar o comportamento que executa, além do dever principal de prestação, os deveres secundários de prestação bem como todos os deveres de conduta que se revelem instrumentalmente necessários para a realização do programa contratual. Para a autora, essa é, em verdade, a prestação devida.

Segundo Nanni[23] e Varela[24], os deveres laterais se destacam principalmente naquelas relações obrigacionais duradouras, em que ao menos uma das prestações é continuada. O contrato de seguro é um bom exemplo. Como analisado no capítulo anterior, a prestação principal do segurado é o pagamento do prêmio, que é um ato único, momentâneo e pontual. Uma vez pago, adimplida está a obrigação principal. Entretanto, a contraprestação, ou seja, a garantia – ou o status de garantidor assumido pela seguradora – é contínua e assim permanece por todo o vínculo obrigacional.

            Ocorre que não bastam as prestações principais para boa configuração da relação contratual. Exige-se das partes também um comportamento pautado pela correção, ética e probidade, fazendo surgir os deveres laterais de lealdade e colaboração. Alguns deles foram expressamente impostos às partes no contrato de seguro, como se depreende dos arts. 765, 766 e 769 do Código Civil, nos quais o legislador claramente se ateve para atribuir importância destacada ao dever das partes de prestar informações corretas e precisas. Este dever de informação é uma subespécie do dever lateral de lealdade.

            Aliás, o dever de informação, enquanto lealdade e honestidade esperada das partes, tem função primordial na concepção do contrato de seguro e em todas as suas fases, seja na pré-contratual, na formação, na execução e até na extinção. Este dever – de ambas as partes, frise-se – sofreu interpretações e relativizações ao longo do tempo, considerando o desenvolvimento tecnológico da sociedade. Renata Pozzi Kretzmann[25] lembra que a ideia da máxima boa-fé sempre pautou historicamente o direito dos seguros, baseado na premissa de que o dever maior de prestar informações no período pré-contratual era do segurado, para que a seguradora pudesse fazer a análise do risco e o cálculo do prêmio. Havia uma dependência muito forte da seguradora nas informações fornecidas pelo segurado. A assimetria informacional pendia a favor deste, logo a seguradora tinha que confiar plenamente naquele que queria tomar o seguro.

Não obstante, diante da massificação social, da gestão empresarial dos seguros, das relações estabelecidas entre grandes empresas, das novas fontes de riscos e demais aspectos do mundo contemporâneo, a boa-fé passou a ser exigível a ambas as partes, fixando-se um standard, um padrão de conduta. Inclusive, pode-se estar diante de uma mudança de paradigma, onde a seguradora atualmente já conta com ferramentas e tecnologias para mensurar o risco e tem conhecimento suficiente para amenizar a referida desigualdade de informação, quiçá superar o nível informacional detido pelo segurado em relação ao seu próprio risco.

            Os deveres laterais e anexos já foram calcificados na doutrina e jurisprudência[26] pátrias, sendo uma realidade no ordenamento pátrio. Eles representam o efeito natural da materialização do princípio da boa-fé na realidade das condutas esperadas das partes em qualquer relação contratual. Repise-se que a boa-fé no seguro, em comparativo com outros tipos contratuais, tem uma importância especial, cuja inobservância coloca em xeque não apenas uma obrigação constante de uma relação contratual específica, mas também a própria estrutura do sistema enquanto complexo de relações contratuais interligadas pelo mutualismo. Os deveres de informação, honestidade e transparência, como salientado acima, são importantes, mas não são os únicos. Dentre os deveres laterais decorrentes da boa-fé objetiva, pode-se destacar também o dever do segurado de minoração dos próprios prejuízos em caso de sinistro. É extreme de dúvidas que tal dever decorre da cláusula geral de boa-fé, mas sua natureza jurídica e funcionamento ainda são debatidos na doutrina, conforme será analisado no capítulo a seguir.

3. A OBRIGAÇÃO DO SEGURADO DE MITIGAR OS DANOS

Após a contratação do seguro, pode ocorrer um relaxamento natural por parte do segurado em relação ao nível de cuidado a ser exercido, tendo em vista que a perda esperada já está devidamente coberta. Este comportamento, humanamente natural, mas moralmente reprovável, é um dos elementos da incerteza relacionada aos segurados que afeta as seguradoras.[27] Esta incerteza, denominada pelos autores norte-americanos de moral hazard, é censurada pelo direito brasileiro através da aplicação da mais estrita boa-fé em conjunto com os deveres laterais oriundos da boa-fé objetiva.

A boa-fé é princípio basilar de qualquer relação social e negocial, inclusive naquelas oriundas de vínculo contratual, conforme preceitua o art. 422[28] do Código Civil. Nos contratos de seguro, este princípio ganha contornos especiais, como se depreende do art. 765. Referido dispositivo poderia ter sido ignorado[29], considerando o comando já existente do art. 422. Contudo, o legislador optou por reforçar a relevância da boa-fé nos contratos de seguro, considerando a importância que as informações prestadas e as condutas das partes se revelam na relação securitária. A boa-fé que permeia a negociação do seguro, a veracidade e precisão das informações não são fundamentais somente para aquela determinada relação contratual individual, mas para todo o sistema securitário.

Uma informação omitida ou falseada pelo segurado no momento da contratação tem o potencial de abalar não somente aquela relação contratual específica, mas toda a estrutura de composição daquele fundo mútuo. Vale dizer, põe em risco o sistema de funcionamento da própria atividade do seguro. Daí o legislador ter optado não somente por reforçar o princípio da boa-fé, positivado no art. 765, mas atribuir uma boa-fé especial. Não se trata de prestigiar a boa-fé geral, basilar em qualquer relação contratual (art. 422), mas uma boa-fé qualificada: a mais estrita boa-fé. É um desdobramento, uma espécie, daquele princípio geral.

Esta ubérrima fides não deve ser observada somente na contratação, mas também durante a vida da relação obrigacional, considerando os deveres laterais de cooperação, informação, diligência, lealdade, todos decorrentes da boa-fé objetiva – reforçado pela mais estrita boa-fé – conforme visto no capítulo anterior, principalmente por ser o contrato de seguro um contrato de execução continuada, onde tais deveres se sobressaem. Dentre estes deveres, passa-se a estudar especificamente a obrigação do segurado de minorar as consequências do sinistro, sua natureza e funcionamento.

3.1. Natureza Jurídica

Como visto no primeiro capítulo deste trabalho, o contrato de seguro não pode ser visto individualmente e de forma isolada do contexto sistêmico em que se insere. O mutualismo típico do seguro implica na contribuição individual da massa de segurados, através do prêmio, criando um fundo mútuo gerido pela seguradora e de onde ela retira os recursos para pagamento das indenizações. Mas esta contribuição (prêmio) é calculada de acordo com as técnicas da ciência atuarial, que determinará estatisticamente a probabilidade de os riscos predeterminados naquela massa de contratos efetivamente se concretizarem, considerando o perfil médio daqueles segurados e dos respectivos riscos. Diante disso, entra em cena a melhor técnica atuarial para calcular a contribuição que cada segurado daquela massa deverá prestar, acrescida de um percentual das despesas administrativas da seguradora, margem de lucro, impostos e outros.

Dentre os deveres laterais de diligência e cooperação do segurado advindos do contrato de seguro, encontram-se aquelas obrigações de informação sobre o risco proposto, não somente no momento de celebração do contrato como também durante a sua vigência. Alterações do risco podem desequilibrar a relação entre exposição da seguradora e remuneração do fundo garantidor, ameaçando o sistema mutualístico[30]. Também se encontra, dentre outros, o dever de mitigar o dano, como espécie do gênero dever lateral. Vale dizer, o segurado deve tratar seu interesse legítimo com probidade e boa-fé – a mais estrita boa-fé – adotando todas as medidas necessárias a seu alcance para que o risco não se concretize, e caso venha a se materializar, deve imprimir conduta adequada e razoável para mitigar os efeitos do mesmo. Sobre esta espécie de dever lateral é que se dará relevo neste capítulo.

Assim como a boa-fé tem relevância especial no contrato de seguro, o dever lateral de mitigação do dano também o tem. Tanto assim o é que o legislador se ocupou de positivá-lo no art. 771[31] do Código Civil.

Primeiramente, importante frisar que o referido dever já vinha previsto no art. 77[32] da Convenção de Viena de 1980, promulgado, no Brasil, pelo Decreto nº 8.327/2014, inspirado no duty to mitigate de loss do direito anglo-saxão. Alguns temas relativos a este dever ainda são debatidos na doutrina, tais quais a sua própria natureza jurídica – se verdadeiro dever ou ônus – e a origem do instituto[33]. No Brasil, o trabalho de Vera Maria Jacob de Fradera[34] inaugurou a tentativa de recepcioná-lo no ordenamento. A conclusão da autora foi no sentido de que o duty poderia ser recepcionado como dever lateral proveniente da boa-fé objetiva, ou ainda pelos institutos do venire contra factum proprium ou do abuso de direito.

A divergência doutrinária sobre a natureza da responsabilidade do credor em minimizar o próprio prejuízo reside em alguns argumentos, dentre eles no fato de que o direito somente censuraria condutas ilícitas, e que esta responsabilidade careceria de fundamento jurídico; e na falta de exigibilidade, pelo devedor, do cumprimento da referida obrigação pelo credor.

Com relação ao primeiro, sustentam alguns autores que, como não há comando expresso na legislação brasileira de que a vítima ou credor tenha a obrigação de mitigar seu próprio prejuízo – cujo inadimplemento geraria ilícito – entende-se que não há natureza de dever.

Para Fábio Siebeneichler de Andrade e Celiana Diehl Ruas[35], o “dever” é compreendido como vínculo imposto à vontade do sujeito em razão da tutela de interesse alheio, cujo descumprimento compreende um ilícito e acarreta a aplicação de sanção, enquanto “ônus” é o vínculo imposto à vontade do sujeito como condição para a satisfação de seu próprio interesse e cujo descumprimento não importa aplicação de sanção, mas apenas desvantagens econômicas.

O fundamento para este racional é de que não há, no ordenamento brasileiro, censura à redução do próprio patrimônio. A pessoa que vê sua casa sendo consumida pelas chamas de um incêndio e, diante deste fato, se queda inerte, não pode ser penalizada uma vez que não cometeu qualquer ilícito. A responsabilidade pelos danos advindos da inércia do proprietário da casa seria dele próprio. A situação seria resolvida através do instituto da confusão[36].

Ocorre que, quando a responsabilidade por tais prejuízos recai, ou podem recair, sobre terceiros, então a vítima tem a obrigação de tentar minorar o dano. O grau de diligência esperado será analisado posteriormente neste estudo, mas por ora é importante buscar a natureza desta obrigação. Na distinção trazida por Andrade & Ruas, o dever nasce para tutela de interesse alheio, cujo descumprimento acarreta certa penalidade; enquanto o ônus visa a satisfação de interesse próprio.

Para o contrato de seguro, a responsabilidade do segurado em mitigar o próprio dano está positivada no art. 771 do Código Civil, no imperativo (“tomará”) e acompanhada de sanção pelo não cumprimento, o que configuraria, ao menos nesta relação específica, verdadeiro dever. Some-se a isto o fato de que, ocorrido o sinistro, o segurado pode simplesmente decidir por não acionar o seguro e então arcará com a totalidade dos prejuízos. Mas se optar pela comunicação à seguradora, está transferindo a esta o dever de indenizar os danos, motivo pelo qual parece estar configurado o dever de minorar as consequências do sinistro. Não se estaria mais na esfera pessoal do credor (segurado), mas o âmbito de interesse teria se expandido para abranger interesses da seguradora e, como tal, deve o segurado exercer o dever lateral de lealdade e diligência, consubstanciado no dever de mitigar o próprio dano.

Embora Andrade & Ruas sustentem que tal obrigação estaria abrigada pela natureza de ônus, ao invés de dever, reconhecem que a mitigação do prejuízo se enquadra em uma concepção restritiva de boa-fé, concebida para impedir condutas deletérias por parte dos contratantes. Seria a boa-fé como fair play. Eventual postura do credor que permanece inerte diante do inadimplemento seria passível de reconhecimento em uma percepção neutra de boa-fé, tendo em vista que esta posição não somente se enquadraria como um parâmetro de correção, como também iria ao encontro de uma análise racional do vínculo contratual, no sentido de que serviria a uma atenuação dos prejuízos na esfera econômico-contratual. A mitigação se configuraria em uma benesse para a economia contratual, na medida em que impede um desperdício de meios que poderiam ser salvaguardados.

Apesar desta visão menos rígida do dever de mitigar, quando se fala especificamente da obrigação do segurado em minorar as consequências do sinistro, os autores acima concordam que deve ter um tratamento diferenciado. Seu fundamento encontra base no fato de que o montante a ser pago ao segurado, credor da indenização, decorre de valores que se encontram em uma mutualidade, razão pela qual é justificado que se exija do devedor a mitigação do prejuízo, a fim de evitar diminuição dos fundos securitários. Resta evidente, portanto, que a dinâmica do sistema securitário, pautado pelo mutualismo e solidariedade na comunidade de riscos, reforça a razão para que o duty to mitigate the loss do segurado seja tratado como verdadeiro dever, e não mero ônus. Não se trata simplesmente de preservar a economia contratual, mas de manter hígido o funcionamento do próprio sistema mutualístico da atividade securitária. Daí a força que o legislador quis atribuir a este dever no contexto do seguro.

Outra reflexão necessária entre a posição de Andrade & Ruas e as regras específicas do contrato de seguro reside no fato de que os autores utilizam o inadimplemento contratual como pressuposto para o nascimento da obrigação do credor de mitigar o próprio prejuízo. Para os autores, o tema da mitigação de prejuízos tem por foco o vínculo contratual, sendo que este foi rompido por força do inadimplemento do devedor. Neste caso, inexistiria propriamente um dever de cooperação do credor com o devedor, na medida em que o propósito de colaboração entre os partícipes do vínculo, o adimplemento, não mais subsiste.

Ocorre que, no âmbito do seguro, o sinistro não representa um inadimplemento contratual, até porque não é a seguradora quem causa o evento danoso. O sinistro é a materialização daquele risco garantido pela seguradora e, justamente por causa desta garantia, nasce para esta a obrigação de indenização, que por sua vez decorre da prestação principal que é a concessão da garantia. Assim, a premissa usada pelos autores para construção do raciocínio não se aplica ao contrato de seguro, tampouco ao comando do art. 771 do Código Civil. Não há inadimplemento do devedor. O sinistro é um acontecimento externo que desencadeia uma segunda obrigação da seguradora em indenizar os prejuízos sofridos pelo segurado.

Outro argumento trazido pela doutrina para sustentar o duty como encargo ou ônus, ao invés de dever, é a falta de exigibilidade, pelo devedor, de seu cumprimento pelo credor. Segundo Daniel Dias[37], em uma relação obrigacional decorrente de um acordo de vontades (contrato de seguro), o dever lateral que recai sobre ambas as partes de não onerar nem complicar a atuação da outra tem por fundamento o próprio contrato e tem por finalidade acautelar e substancializar a prestação contratada. Logo, o credor que onera ou complica a atuação do devedor está se voltando contra o que foi por ele pactuado, bem como contra o equilíbrio das prestações. Mas carece, segundo o autor, o elemento da exigibilidade, ou seja, a obrigação seria inexigível pelo credor.

Considerando as normas gerais de direito contratual aplicáveis aos negócios em um plano superficial, a lógica trazida pelo autor acima mencionado pode fazer sentido. Mas não se pode perder de vista as particularidades do contrato de seguro, inclusive trazidas pelo próprio legislador. A falta de exigibilidade no cumprimento da obrigação do segurado de mitigar o próprio dano decorre de uma situação fática: como poderia o devedor exigir do credor o cumprimento de um dever de minoração de um dano cuja ocorrência ainda não chegou ao seu conhecimento? É dizer, como pode a seguradora reclamar o adimplemento do dever do segurado de minorar as consequências do sinistro se este evento danoso sequer foi reportado a ela? Parece que o elemento da exigibilidade existe, mas não pode ser exercido pela seguradora por uma questão de realidade factual em que a mesma não foi noticiada da ocorrência do dano. Ainda que o tenha sido, o exercício de exigir seu cumprimento acarreta um tempo precioso para o adimplemento da obrigação da seguradora em indenizar o dano em tempo hábil para não agravar o próprio prejuízo, bem como respeitar os prazos previstos contratualmente ou em normas regulatórias, cujo desrespeito pode onerá-la ainda mais. Ademais, nesta situação, ciente a seguradora da ocorrência do dano coberto pelo seguro, é mais vantajoso para ela tomar as medidas redutoras por ela própria do que exigi-la do segurado, até porque tais medidas correm à conta e às expensas da seguradora, conforme parágrafo único do art. 771[38]. Depreende-se, portanto, que a não exigibilidade do dever de mitigar o dano decorre de realidade factual prática, e não de vedação legal.

O segurado poderia deixar de adotar as medidas e também não acionar o seguro para se ver indenizado. É uma liberalidade decorrente da autonomia da vontade e do direito de dispor de seu próprio patrimônio. Porém, se este participa o sinistro à seguradora, pressupõe-se que há intenção de ver indenizado pelo seguro. Neste caso, deve sim adotar as medidas para minorar as consequências do sinistro, e tal dever poderia, em tese, ser reclamado pela seguradora, uma vez que agora é a lesão ao seu patrimônio que corre risco de ser agravado. Dessa forma, entende-se que a obrigação do segurado de mitigar o próprio prejuízo é de fato um dever – uma espécie do gênero dever lateral, oriundo da boa-fé objetiva –, exigível pela seguradora, mas não exercido na prática.

De toda forma, o fato é que, assim como os deveres laterais em geral foram aceitos pela doutrina e jurisprudência brasileiras, como visto no capítulo anterior, o dever de mitigar o dano também foi sendo recepcionado gradualmente pelo ordenamento brasileiro, conforme informa Daniel Dias[39], com a finalidade de dar concretude ao princípio da boa-fé. Recentes julgados[40] do Superior Tribunal de Justiça confirmam a admissão do duty to mitigate the loss.

3.2. Grau de Diligência

Contudo, quando se fala em aplicação da boa-fé e dever de diligência, dúvidas podem pairar sobre qual o tipo e intensidade da diligência esperada. Espera-se do segurado uma diligência razoável. Mas ainda assim o termo “razoabilidade” comporta diversas interpretações e não resolve a questão. Então a boa-fé e a diligência devem considerar o contexto fático e o perfil do devedor (segurado), ou seja, a real expectativa naquele tipo de segurado levando-se em conta a situação concreta, suas particularidades e nuances.

Judith Martins-Costa[41], ciente desta dificuldade, ressalta a racionalidade econômico-social subjacente ao negócio como critério de medição da adequabilidade da diligência adotada pelo devedor. Exemplifica, a autora, diferenciando a conduta esperada de um administrador profissional de uma sociedade daquela adotada por um cidadão comum que contrata terceiro para gestão de seus bens. É razoável esperar uma diligência mais intensa do primeiro, como padrão ideal de conduta profissional.

No mesmo sentido é a opinião de Andrade & Ruas: reputa-se como razoável a conduta que está de acordo com o bom senso e que seria socialmente aceitável.

Transportando o racional para a dinâmica do contrato de seguro, a expectativa de diligência de uma grande indústria em relação ao dano que afeta sua fábrica é diferente daquela esperada de um cidadão comum no caso de um incêndio em seu apartamento. Isso não significa ignorar o dever lateral de mitigação do dano no segundo caso, mas tão somente sua flexibilização para se adequar ao caso concreto e evitar injustiças na aplicação de consequências desproporcionais.

O inadimplemento do dever de minorar as consequências do sinistro, em sendo um dever lateral típico do contrato de seguro, representa a chamada violação positiva do contrato[42], uma vez que este dever não guarda relação estreita com a prestação principal do segurado (pagamento do prêmio).[43] Seu descumprimento acarreta consequências como a mora e até a resolução do contrato, a depender do caso concreto. Trocando em miúdos, segurado e seguradora são parceiros, ou “sócios”, na prevenção do risco contra o qual se protege o interesse legítimo daquele e na mitigação dos danos. A desídia de qualquer uma das partes quebra a confiança na relação e gera consequências adversas ao inadimplente.

Esta “associação” entre segurado e seguradora na prevenção do risco e contenção dos danos fica ainda mais evidente na atribuição, à seguradora, da responsabilidade pelas despesas incorridas pelo segurado na tentativa de salvar seu patrimônio, conforme parágrafo único do art. 771 do Código Civil. Assim, ocorrido o sinistro, nasce para o segurado o dever de comunicar o sinistro à seguradora tão logo possível e adotar as medidas razoáveis para mitigar as consequências do mesmo, às expensas da seguradora.

Poder-se-ia cogitar que o descumprimento de dever lateral não caracterizasse a mora ou o inadimplemento, entretanto não é o que ensina a melhor doutrina. A mora ou inadimplemento não se filiam à violação dos deveres principais somente, mas de qualquer obrigação, mesmo aquelas decorrentes da boa-fé objetiva. A classificação do dever violado não influi na caracterização da mora ou do inadimplemento, mas sim os efeitos que a violação provocou no resultado útil do programa contratual. A questão é que, em se tratando especificamente do duty to mitigate the loss do segurado, o legislador brasileiro optou por conceber uma penalidade especial para o seu descumprimento: a perda do direito à indenização. Uma vez não adotadas, pelo segurado, as medidas razoáveis e esperadas para minorar as consequências do sinistro, violado está o dever de cooperação, de lealdade, consubstanciado no comando do art. 771 de mitigar o dano. Caracterizada esta violação, o segurado perde o direito à indenização.

3.3. A Sanção da Perda do Direito à Indenização

A questão que se coloca no caso de inadimplemento do dever de minorar as consequências do sinistro se refere aos possíveis efeitos. O art. 771 é categórico: o segurado perde seu direito à indenização. Mas perde o direito à indenização integral ou somente àquela parcela do dano que não foi mitigada ou minorada? A doutrina oferece resposta confeccionada de acordo com as regras já contidas na legislação civil pertinentes a reparação de danos, notadamente o nexo de causalidade, o princípio indenitário e a extensão dos danos.

Como lembram Andrade & Ruas, a regra contida no caput do art. 944 do Código Civil deve ser aplicada em conjunto com as demais normas e princípios informadores do direito civil, dentre eles a boa-fé objetiva, que impõe que o devedor não está obrigado a ressarcir o credor pelos danos que poderiam ser razoavelmente evitados.

Além disso, a solução passa pela aplicação também do art. 403 do Código Civil, que exige uma relação direta entre a conduta e o dano, para o fim de ressarcimento. O comando contido neste dispositivo conduziria à adoção de uma conclusão favorável à solução que advoga que os danos evitáveis, e que não foram efetivamente evitados, não são indenizáveis, pois não resultaram de uma vinculação direta da conduta do originário causador do dano. Vale dizer, pela regra geral prevista no Código Civil, far-se-ia necessário haver nexo causal entre o inadimplemento do dever de mitigação do dano, representado pela conduta inerte do credor, e a consequência danosa que poderia ter sido evitada mediante o esforço razoável do credor.

            No mesmo sentido é o entendimento de Bruno Terra de Moraes[44]. Segundo o autor, a consequência da inobservância da conduta determinada pelo art. 771 é decorrência do nexo de causalidade: se o descumprimento da mitigação leva a que o nexo passe a ser estabelecido com a conduta omissiva da própria vítima, não faz sentido imputar a outrem o dever de indenizar. Prossegue o autor argumentando que a perda da indenização somente dirá respeito à parte do dano atribuível à omissão do segurado em mitigar as suas consequências. Se o todo do dano puder ser dividido em uma parte não evitável e uma parte evitável, a perda do direito à indenização somente se dará com relação a esta última.

Portanto, a princípio, os prejuízos sofridos e integralmente indenizáveis serão apenas os inevitáveis, acrescidos dos custos de mitigação, caso o credor tenha se desincumbido de tal ônus. O raciocínio do autor anteriormente citado faz sentido se analisado sob o ponto de vista da aplicação da responsabilidade contratual pura, em que há um dano, causado por uma conduta omissiva do credor, e um nexo causal entre ambos.

Contudo, em que pese o entendimento esposado, parece lícito pensar que não foi esta a intenção do legislador, caso contrário a expressão “sob pena de perder o direito à indenização”, contida no art. 771, mostrar-se-ia inútil. Isso porque o agravamento da situação da seguradora, causado pela omissão do segurado, por si só, e sem necessidade de aplicação do referido dispositivo, já acarretaria naturalmente o emprego do instituto do nexo de causalidade para afastar a responsabilidade daquela na indenização dos danos evitáveis e que não foram evitados.

A supressão do art. 771 não abalaria a aplicação do raciocínio anteriormente descrito: pelo nexo de causalidade, o segurado não faria jus à indenização pelos danos que poderia ter evitado e não o fez. Sua omissão acarretaria a ausência de reparação.

Caso o propósito do legislador fosse este, haveria duas alternativas: poderia simplesmente suprimir o referido dispositivo na íntegra ou ao menos a previsão da pena de perda do direito à indenização, fazendo com que a situação recaísse sob a regra geral de reparação de danos (nexo de causalidade); ou deixar claro que, no caso de descumprimento do dever de mitigar o dano, pelo segurado, fica a seguradora isenta de responsabilidade pelos danos evitáveis.

Mas não foi esta a proposta legislativa. Preferiu o legislador impor uma penalidade mais rígida para o inadimplemento do dever lateral de mitigação do dano: a perda do direito à indenização. É o que se extrai do art. 771. Não perde o segurado o direito à indenização pelos danos evitáveis, mas à totalidade da indenização devida. Trata-se de uma pena severa, que se coaduna com o comando da mais estrita boa-fé.

A consequência de perda do direito à reparação dos danos evitáveis, e que não o foram por conduta omissiva do segurado, seria muito branda considerando o já mencionado contexto sistêmico em que o contrato de seguro se insere. Não se pode analisar o contrato ignorando-se o fundo mutualístico formado com auxílio da ciência atuarial e o sistema de solidariedade entre a massa de segurados. O comportamento omissivo não afeta somente aquela relação obrigacional específica, mas todo o sistema securitário. A seguradora que se vê obrigada a indenizar um dano não previamente precificado em razão de uma informação falseada ou uma conduta negligente, está colocando em perigo a saúde financeira de toda a comunidade de risco, ou seja, tal conduta não afeta somente a seguradora, mas interesse de terceiros.

Ciente disto, quis o legislador impor pena mais rigorosa, de modo justamente a coibir o comportamento desidioso e displicente. Este é o propósito da pena: impedir a omissão ou a ação negligente, ao mesmo tempo que em que encoraja a conduta diligente do segurado, tal qual funciona a lógica do Direito Penal. Não bastava privar o segurado da reparação dos danos evitáveis. Era preciso constrangê-lo a atuar de acordo com a boa-fé objetiva. Mais que isso: a mais estrita boa-fé, o que inclui seu dever de mitigar o próprio dano, cujo descumprimento, repise-se, afeta interesses da seguradora e da comunidade de segurados.

Afigura ser este o racional mais apropriado para o enquadramento do duty to mitigate the loss dentro da coerência do sistema securitário, e também a partir da interpretação contextualizada do imperativo contido no art. 771 do Código Civil. Para Miragem & Petersen, o imperativo do referido dispositivo até se aproxima mais da origem do instituto do duty do que aquela mais divulgada no direito brasileiro[45], que confere ao credor que sofre o inadimplemento, pois enfatiza a vinculação do dever ao interesse social de otimização ou não desperdício de recursos, pela não adoção providências razoáveis para evitar a extensão do dano, que informa o duty na origem.[46]

            Quanto ao ônus probatório em relação ao descumprimento do duty to mitigate the loss, é um tema processual que foge do escopo do presente trabalho, mas parece lícito aplicar a regra geral de que este ônus caberá ao réu, devedor (seguradora). Trata-se de orientação que se encontra em harmonia com a disposição legislativa a respeito, existente no art. 333, inciso II, do Código de Processo Civil, na medida em que se trata de um argumento adversativo do réu perante o pleito condenatório do autor, credor (segurado), segundo posição de Andrade & Ruas.

CONCLUSÃO

            O esforço doutrinário em verificar a recepção do duty to mitigate the loss no direito brasileiro, e seu correto enquadramento no ordenamento pátrio, é de certa forma recente. Quando se fala da obrigação de mitigar o próprio dano, no âmbito do seguro, alguns aspectos e particularidades devem ser considerados, em relação aos demais tipos contratuais.

            O que se buscou na presente monografia, primeiramente, foi apresentar as prestações principais do contrato de seguro, mas diferenciando-as dos demais elementos essenciais. Os deveres principais das partes – a saber, o pagamento do prêmio pelo segurado e a prestação da garantia pela seguradora – são também elementos essenciais, mas pertencem a uma categoria distinta dos demais elementos. O risco, o interesse legítimo e a empresarialidade são elementos essenciais do contrato de seguro, que se colocam ao lado dos deveres principais como tais, mas que não são propriamente deveres. Vale dizer, não exigem conduta ativa das partes. Basta existirem no mundo e na esfera contratual.

            Ocorre que o vínculo obrigacional há tempos vem deixando de ser encarado na sua forma simplista e superficial de mera troca de prestações, passando a ser analisado em toda sua complexidade. Destaca-se prontamente os deveres principais das partes, entretanto se faz necessário discorrer sobre seus deveres laterais e anexos. A percepção de tais deveres é possível graças à referida concepção contemporânea da relação obrigacional como processo. Esta relação não mais é vista como conexão entre duas prestações equivalentes, mas compreende os deveres de conduta, tais quais honestidade, probidade, diligência e cooperação, todos decorrentes da aplicação prática do princípio da boa-fé objetiva. 

            Os deveres laterais e anexos, ao lado dos deveres principais, compõe a conexão obrigacional enquanto processo de vinculação, notadamente nos contratos de execução continuada, onde tal vinculação se perpetua no tempo e exige comportamento das partes pautados pela boa-fé. Exemplo deste tipo de relação é o contrato de seguro, em que as obrigações das partes não são pontuais no tempo, mas se prolongam durante certo lapso temporal. Ao longo deste período vinculativo as partes precisam imprimir comportamento ainda mais honesto, diligente e transparente do que nos demais tipos contratuais, uma vez que as informações prestadas por ambas são fundamentais para o correto dimensionamento dos riscos e precificação da garantia securitária. Como se não bastasse, o comportamento desidioso ou negligente colocaria em risco não somente aquela relação contratual, mas todo o sistema securitário representado pela comunhão de segurados que compartilham seus riscos e contribuem para o fundo mutualístico. A conduta carente de boa-fé não afeta somente aquele vínculo contratual, mas impacta interesses e direitos de toda a comunidade de segurados.

            Por este motivo, o legislador atribuiu ao contrato de seguro uma boa-fé reforçada. A cláusula geral de boa-fé prevista no art. 422 do Código Civil não seria suficiente para amparar a importância dela na relação securitária. Fazia-se necessário uma boa-fé robustecida, ou seja, a mais estrita boa-fé e veracidade, que deve permear a relação das partes na formação do contrato, durante sua execução e até após o vínculo, como positivado no art. 765 do diploma civil.

            Dentre os deveres laterais e anexos, podem se destacar os deveres de informação – não somente na conclusão do contrato, mas também ao longo do vínculo, como se depreende de diversos dispositivos do Código Civil – e de mitigação dos danos consequentes do sinistro. Ambos os deveres laterais foram expressamente previstos no referido diploma, inclusive com penas específicas para seu descumprimento. Debruçou-se, neste trabalho, particularmente sobre este último, buscando inicialmente discorrer sobre sua natureza e recepção no ordenamento pátrio.

            Salientou-se a árdua tarefa doutrinária em dissecar a origem do duty to mitigate the loss, sua natureza jurídica, a alocação no direito brasileiro e até a própria necessidade de recepção no ordenamento. Entende-se, sob perspectiva contemporânea, que o duty foi recepcionado como espécie de dever lateral, embasado pela boa-fé objetiva. Isto é, sua recepção e aceitação se dá como forma de materializar o princípio da boa-fé objetiva na dinâmica do programa contratual. Quanto à alegada falta de exigibilidade deste dever, que embasaria sua classificação como mero encargo, entende-se, contrariamente, que tal incumbência seria sim exigível, embora não o seja na realidade por questões práticas. Este dever do segurado foi trazido pelo legislador para tutela dos interesses de terceiros – seguradora e massa de segurados – e, como tal, pode ser exigido.

Ultrapassada esta fase, foi estudado o critério para aferição do cumprimento deste dever, sendo a razoabilidade a medida mais adequada para tanto. A razoabilidade tem sido aceita pela doutrina para avaliar se o nível de diligência empregado pelo credor foi suficiente dentro de determinados parâmetros como sua capacidade técnica e econômica, eficácia e eficiência das medidas adotadas e grau de zelo esperado daquele determinado perfil de pessoa. Neste sentido, o padrão de zelo expectável de uma grande indústria que contêm uma equipe própria de brigada de incêndio, além de pessoal dedicado à gestão e prevenção de riscos, não será o mesmo de um cidadão comum diante das chamas que consomem seu patrimônio.

Este critério da razoabilidade é importante para verificar se as medidas adotadas para minorar as consequências do sinistro servem para configurar o devido adimplemento do dever lateral de mitigação do próprio dano. Uma vez que não atendido o padrão esperado ou tendo o segurado se quedado inerte diante dos prejuízos, restaria configurado o inadimplemento do referido dever.

Em que pese parte da doutrina entender que a consequência do descumprimento seria o afastamento da responsabilidade do devedor em reparar aqueles danos evitáveis que deixaram de ser evitados em razão da omissão ou negligência do credor, à luz da aplicação do nexo de causalidade entre os danos salváveis e a conduta do devedor, convém relativizar este raciocínio quando se trata do contrato de seguro.

No cenário do direito contratual geral, o entendimento acima se faz adequado e é perfeitamente coerente com as normas aplicáveis. Contudo, considerando a já mencionada boa-fé qualificada conferida pelo legislador especificamente ao contrato de seguro, assim como a penalidade prevista no art. 771 que positiva o dever do segurado de minorar as consequências do sinistro, parece lícito entender que estar-se-ia diante de uma regra especial derivada do duty to mitigate the loss. A obrigação prevista no referido dispositivo seria um gênero da espécie dever de mitigar o dano.

A base para esta posição é oriunda de alguns argumentos: primeiramente, a doutrina parte da premissa da existência de um inadimplemento contratual, para então excluir a responsabilidade do devedor pelos danos evitáveis via aplicação do nexo de causalidade, enquanto no contrato de seguro o gatilho para nascimento da obrigação de mitigação dos danos é a ocorrência do sinistro, evento este externo à relação contratual, que em nada se confunde com inadimplemento. Além disso, o legislador se ocupou de prever uma penalidade específica para o descumprimento do dever de mitigar no contrato de seguro – a perda do direito do segurado à indenização – o que conduz à conclusão de que não queria ele a aplicação da regra geral de nexo de causalidade. A intenção foi atribuir conscientemente uma sanção mais rígida e severa, de forma a constranger condutas negligentes dos segurados, o que dialoga com a ideia da mais estrita boa-fé e protege a solidariedade e o interesse da comunidade de segurados em manter incólume o fundo mutualístico. 

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NANNI, Giovanni Ettore. Inadimplemento absoluto e resolução contratual: requisitos e efeitos. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021

PIZA, Paulo Luiz de Toledo. Contrato de Resseguro: tipologia, formação e Direito Internacional. São Paulo: Manuais Técnicos de Seguros: IBDS, 2002

TERRA, Aline de Miranda Valverde. A violação positiva do contrato é figura efetivamente útil no direito brasileiro? In: MATOS, Ana Carla Harmatiuk; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Direito civil, constituição e unidade do sistema: anais do congresso de direito civil constitucional – V congresso do IBDCivil. Belo Horizonte: Fórum, 2019

TZIRULNIK, Ernesto. Seguro de riscos de engenharia: instrumento do desenvolvimento. São Paulo: Editora Roncarati, 2015 VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1992, v. 2


[1] Advogado. Mestrando em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC/SP. MBA em Direito Civil e Processo Civil pela Fundação Getúlio Vargas-FGV/RJ.

Email: pisterraphael@gmail.com

[2] TZIRULNIK, Ernesto. Seguro de riscos de engenharia: instrumento do desenvolvimento. São Paulo: Editora Roncarati, 2015, p. 108

[3] “Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.

Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.”

[4] O art. 24 do Decreto-Lei 73/1966 determina que as empresas de seguro devem ser constituídas na forma de sociedade anônima, ou como cooperativas em ramos de seguros específicos, e já previa a necessidade de autorização regulatória para seu funcionamento: “Poderão operar em seguros privados apenas Sociedades Anônimas ou Cooperativas, devidamente autorizadas. Parágrafo único. As Sociedades Cooperativas operarão únicamente em seguros agrícolas, de saúde e de acidentes do trabalho.”

[5] Muito se discutiu na doutrina especializada, inclusive internacional, sobre a natureza comutativa ou aleatória do contrato de seguro. Notadamente os juristas mais antigos atribuíam-lhe o caráter aleatório adotando como foco da possível contraprestação da seguradora a indenização securitária, o que somente seria devida caso aquele risco se materializasse. Daí nasceria a álea do contrato, a incerteza na contraprestação. Após desenvolvimento promovido pela moderna doutrina, e admitido pelas legislações da maioria dos países, passou-se a enxergar na garantia – não mais na indenização pecuniária – a contraprestação imediata da seguradora. Diz-se imediata pois a obrigação de garantia nasce imediatamente após a formação do contrato e o recebimento do prêmio. A contraprestação da seguradora passa a ser considerada a garantia, que é certa e imediata, e não mais a indenização, que somente operará caso haja concretização do risco e a percepção de prejuízos pelo segurado. A explicação de Ana Maria Blanco Montiel Alvarez é precisa neste sentido: “Essa perspectiva de correspondência entre prêmio e garantia […] significa a superação da correspondência entre prêmio e indenização, esta sempre incerta, a justificar a compreensão do contrato de seguro como aleatório, ideia especialmente cara à teoria indenitária.” Ver ALVAREZ, Ana Maria Blanco Montiel. Resseguro e seguro: ponto de contato entre negócios jurídicos securitários. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014, p. 68.

[6] PIZA, Paulo Luiz de Toledo. Contrato de Resseguro: tipologia, formação e Direito Internacional. São Paulo: Manuais Técnicos de Seguros: IBDS, 2002, p. 144

[7] Vide art. 5º do Decreto nº 61.589/1967: “Art 5º Será executiva a ação de cobrança do prêmio que fôr devido e não pago no prazo para tanto convencionado”

[8] Art. 36 da Circular Susep nº 621/2021: “No caso de fracionamento do prêmio único, configurada a falta de pagamento de qualquer uma das parcelas subsequentes à primeira, o prazo de vigência da cobertura será ajustado de forma proporcional ao prêmio efetivamente pago”. A proporcionalidade determinada pela norma infralegal está intimamente ligada à proporção entre prestação e contraprestação típica dos contratos comutativos.

[9] Art. 763 do Código Civil: “Não terá direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação.”

[10] Art. 758 do Código Civil: “O contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio.”. Nota-se aqui que se trata de eficácia probatória da relação contratual, não havendo que se confundir com eventual solenidade do contrato de seguro.

[11] ALVAREZ, Ana Maria Blanco Montiel. Op.Cit., p. 70

[12] MIRAGEM, Bruno; PETERSEN, Luiza. Direito dos Seguros – 1. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 121

[13] TZIRULNIK, Op.Cit., p. 53

[14] TZIRULNIK, Op.Cit., p. 103-104

[15] KNIGHT, Frank H. Risk, Uncertainty and Profit (1921). University of Illinois at Urbana-Champaign’s Academy for Entrepreneurial Leadership Historical Research Reference in Entrepreneurship, Disponível em SSRN: https://ssrn.com/abstract=1496192. Acesso em 27.10.2023

[16] ALVIM, Pedro. O seguro e o novo código civil – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 76

[17] Para mais detalhes sobre a dificuldade de conceituação de risco, ver JUNQUEIRA, Thiago. O risco no domínio dos seguros. In: Temas atuais de Direito dos Seguros: Tomo II / coordenação Ilan Goldberg, Thiago Junqueira – 1. ed. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

[18] MIRAGEM, Bruno; PETERSEN, Luiza, Op.Cit., p. 131

[19] NANNI, Giovanni Ettore. Inadimplemento absoluto e resolução contratual: requisitos e efeitos. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 23

[20] NANNI, Op.Cit., p. 24

[21] MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil: volume 5, tomo 2: do inadimplemento das obrigações. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 343

[22] TERRA, Aline de Miranda Valverde. A violação positiva do contrato é figura efetivamente útil no direito brasileiro? In: MATOS, Ana Carla Harmatiuk; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Direito civil, constituição e unidade do sistema: anais do congresso de direito civil constitucional – V congresso do IBDCivil. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 101

[23] NANNI, Op.Cit., p. 28

[24] VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1992, v. 2, p. 67 e 126

[25] KRETZMANN, Renata Pozzi. Boa-fé no contrato de seguro: o dever de informar do segurador. In: Temas atuais de Direito dos Seguros: Tomo I / coordenação Ilan Goldberg, Thiago Junqueira – 1. ed. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 361-362

[26] Recente acórdão do Superior Tribunal de Justiça referenda a importância dos deveres laterais, oriundos do princípio da boa-fé, cujo inadimplemento pode acarretar inclusive a resolução do contrato. In verbis:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL. COMPRA E VENDA. PACTO ADJETO. MANEJO FLORESTAL. BOA-FÉ OBJETIVA. ART. 422 DO CC/02. DEVERES ANEXOS. COOPERAÇÃO E LEALDADE. COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. DESCUMPRIMENTO CONFIGURADO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE RESOLUÇÃO. FACULDADE DO CONTRATANTE. JULGAMENTO. CORRELAÇÃO COM O PEDIDO. AUSÊNCIA. DECISÃO EXTRA PETITA. DANOS MATERIAIS DEVIDOS. (…) 3. A boa-fé objetiva, prevista de forma expressa no art. 422 do Código Civil, impõe às partes da relação jurídica o dever de comportar-se de acordo com padrões éticos de confiança e de lealdade, de modo a permitir a concretização das legítimas expectativas que justificaram a celebração do contrato. 4. O ordenamento jurídico, nesse contexto, repele a prática de condutas contraditórias, impregnadas ou não de malícia ou torpeza, que importem em quebra da confiança legitimamente depositada na outra parte da relação contratual. 5. O descumprimento de deveres laterais, decorrentes da incidência do princípio da boa-fé, pode ensejar a resolução do contrato, se for capaz de comprometer o interesse do credor na utilidade da prestação. Doutrina. (…) (REsp 1944616 / MT – Relatora: Ministra Nancy Andrighi – Terceira Turma – Julgamento: 08/03/2022 – DJe 11/03/2022)

[27] GALLINDO, Sergio Paulo Gomes. LAW & ECONOMICS: Conceitos de análise econômica do direito e aplicação no âmbito civil e sancionador – São Paulo: Editora Liber Ars, 2019, p. 112

[28] “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”

[29] Neste sentido, ver JUNQUEIRA, Thiago. O ocaso da “máxima” boa-fé nos contratos de seguro. Revista Consultor Jurídico, 9 de novembro de 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-nov-09/seguros-contemporaneos-ocaso-maxima-boa-fe-contratos-seguro. Acesso em 09.11.2023. Para o autor, “apesar de em alguns julgados brasileiros constar, de forma genérica, que a boa-fé assume “maior relevo” no contrato de seguro, e a caraterística de estar disposta a necessidade da “mais estrita boa-fé” no artigo 765 do CC de 2002, certo é que não é retirada nenhuma consequência específica da boa-fé qualificada na práxis brasileira.”

[30] Esta também é a posição de Bruno Terra de Moraes, para quem toda omissão ou inverdade afeta a coletividade atrelada ao fundo constituído. Ver: MORAES, Bruno Terra de. O dever de mitigar nos contratos de seguro: notas sobre a aplicação do art. 771 do Código Civil. In: Temas atuais de Direito dos Seguros: Tomo I / coordenação Ilan Goldberg, Thiago Junqueira – 1. ed. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 731

[31] “Art. 771. Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as conseqüências.”

[32] “Art. 77: A parte que invocar o inadimplemento do contrato deverá tomar as medidas que forem razoáveis, de acordo com as circunstâncias, para diminuir os prejuízos resultantes do descumprimento, incluídos os lucros cessantes. Caso não adote estas medidas, a outra parte poderá pedir redução na indenização das perdas e danos, no montante da perda que deveria ter sido mitigada.”

[33] Para mais detalhes sobre a origem do duty to mitigate, ver: DIAS, Daniel Pires Novais. O duty to mitigate the loss no direito civil Brasileiro e o encargo de evitar o próprio dano. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Org.). Doutrinas essenciais: obrigações e contratos: volume 3: contratos: princípios e limites. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 691 e ss. O autor questiona até mesmo a recepção do instituto, pelo ordenamento brasileiro, tal qual foi elaborado na common law, promovendo uma verdadeira releitura do artigo de Vera Maria Jacob de Fradera, em que a autora inaugura a hipótese da mencionada recepção.

[34] FRADERA, Véra Maria Jacob de. Pode o credor ser instado a diminuir o próprio prejuízo? Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: Padma, v. 19, p. 109-119, jul./set. 2004

[35] ANDRADE, Fábio Siebeneichler de; RUAS, Celiana Diehl. Mitigação de prejuízo no direito brasileiro: entre concretização do princípio da boa-fé e consequência dos pressupostos da responsabilidade contratual. Revista de Direito Civil Contemporâneo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 7, p. 119-146, abr./jun. 2016

[36] Assim previsto no art. 381 do Código Civil: “Extingue-se a obrigação, desde que na mesma pessoa se confundam as qualidades de credor e devedor.”

[37] DIAS, Daniel Pires Novais. Op.Cit., p. 711

[38] “Parágrafo único. Correm à conta do segurador, até o limite fixado no contrato, as despesas de salvamento conseqüente ao sinistro.”

[39] DIAS, Daniel Pires Novais. Op.Cit., p. 685-690

[40] ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. REINTEGRAÇÃO. ARTS. 1º DO DECRETO N. 20.910/1932 E 189 DO CÓDIGO CIVIL/2002. SÚMULA 211/STJ. PRETENSÃO DE RECEBIMENTO DE INDENIZAÇÃO PELO PERÍODO DE AFASTAMENTO. IMPROCEDÊNCIA. LONGO PERÍODO SEM QUESTIONAMENTO DO ATO DE EXONERAÇÃO. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA E DO DUTY TO MITIGATE THE LOSS. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (…) 6. Além disso, a conduta importa ainda em violação do princípio do duty to mitigate the loss, consectário da boa-fé objetiva, de acordo com o qual é dever do credor mitigar as suas próprias perdas, sob pena de incorrer em abuso de direito. (REsp 1731351 / RS – Relator: Ministro Og Fernandes – Segunda Turma – Julgamento: 25/08/2020 – DJe 09/09/2020). Julgado anterior, que também pode ser consultado para confirmação da aceitação do duty na jurisprudência brasileira, é o REsp nº 758.518-PR.

[41] MARTINS-COSTA, Op.Cit., p. 340-341

[42] Como referido no capítulo anterior, a abordagem da relação obrigacional enquanto processo, e analisada sob perspectiva de sua complexidade, abandonando-se a visão simplista de mera combinação de prestações principais, é atribuída aos alemães. A eles também é conferido mérito pelo desenvolvimento da teoria da violação positiva do contrato, cf. TERRA, Op.Cit., p. 97: “A teoria da violação positiva do contrato foi elaborada por Hermann Staub, advogado berlinense, em 1902. O jurista observou que o BGB, vigente havia dois anos, não trazia solução para um conjunto de situações de descumprimento não reconduzíveis ao retardo culposo (mora) e à impossibilidade da prestação (inadimplemento absoluto), que encerram violações negativas da obrigação nuclear. Tais situações, ao contrário daquelas disciplinadas pelo Código Civil alemão, caracterizavam-se por constituírem um facere, um comportamento positivo pelo qual o devedor violava a obrigação fazendo aquilo que deveria omitir ou executando a prestação devida de modo inexato.”

[43] NANNI, Op.Cit., p. 49

[44] MORAES, Bruno Terra de. Op.Cit., p. 737 e 741

[45] Enunciado 169 da III Jornada de Direito Civil do CJF/STJ, de 2004: “O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo.”

[46] MIRAGEM, Bruno; PETERSEN, Luiza, Op.Cit., p. 171